Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1762/18.4T8LRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
COOPERATIVA
SANÇÃO
EXCLUSÃO DE COOPERADOR
PROCESSO ESCRITO
Data do Acordão: 03/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 380, 381 CPC, 56 Nº1 A), 25, 26 C COOP ( LEI Nº 119/2015 DE 31/8 )
Sumário: 1. - O procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais (art.º 380.º, n.º 1, do NCPCiv.) depende do preenchimento de três pressupostos cumulativos: ser o requerente sócio da associação ou sociedade que tomou a deliberação; ser essa deliberação contrária à lei, aos estatutos ou ao pacto social; poder da sua execução resultar dano apreciável.

2. - Impende sobre o requerente do procedimento cautelar o ónus da alegação e prova dos factos concretos tendentes a demonstrar, ainda que em termos de prova sumária, o periculum in mora, a existência do perigo dos prejuízos e da sua gravidade.

3. - Nos termos do disposto no art.º 25.º do CCoop., a aplicação aos cooperadores de alguma das sanções ali previstas é obrigatoriamente precedida de processo escrito, do qual devem constar: (i) a indicação das infrações, (ii) a sua qualificação, (iii) a prova produzida, (iv) a defesa do arguido e (v) a proposta de aplicação da sanção.

4. - Por processo escrito deve entender-se um conjunto de peças escritas, sequencial e logicamente organizadas, de modo a poderem ser consultadas, evidenciando um conjunto de dados adquiridos (incluindo as provas) que servem de base a uma averiguação de determinados factos.

5. - Faltando esse processo escrito, com o visado a ficar afastado do acesso às provas usadas contra si (designadamente, documentais), em prejuízo do seu direito de contraditório e defesa, ademais perante a mais gravosa das sanções (exclusão de cooperador), ocorre nulidade do processo, enfermando, por sua vez, a deliberada exclusão do requerente de vício gerador da respetiva invalidade.

6. - O que, quer se entenda a deliberação de exclusão como viciada de nulidade ou anulabilidade, justifica a cautelar suspensão da deliberação.

Decisão Texto Integral:






Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


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I – Relatório

G (…), com os sinais dos autos,

intentou o presente procedimento cautelar especificado de suspensão das deliberações sociais contra

S (…), CRL”, também com os sinais dos autos,

pedindo a suspensão da deliberação, tomada em assembleia geral extraordinária, que aprovou a proposta de exclusão do Requerente de cooperador da Requerida.

Alega, para tanto, em resumo ([1]):

- sendo o Requerente cooperador da cooperativa Requerida, a deliberação de exclusão do Requerente de cooperador, tomada em assembleia geral extraordinária de 13/04/2018, é nula por força do art.º 56.º, n.º 1, al.ª a), do Código das Sociedades Comerciais (doravante, CSCom.), aplicável por remissão do art.º 9.º do Código Cooperativo (doravante, CCoop.), ou, se assim se não entendesse, seria anulável;

- é nula ou, se assim se não entendesse, anulável por ser nula ou anulável a eleição da secretária da mesa da assembleia geral;

- a deliberação é ainda nula ou, se assim se não entendesse, anulável por nela ter participado o advogado da requerida, o que não é permitido pelo CCoop.;

- a deliberação é ainda nula ou, se assim se não entendesse anulável, por a proposta de exclusão do Requerente de cooperador não ter sido precedida de processo escrito;

- a deliberação foi tomada sem a realização de diligências essenciais para a descoberta da verdade, lesando gravemente o direito de defesa do Requerente;

- a não ser suspensa a execução da deliberação, o Requerente deixará de ser convocado para as assembleias gerais da Requerida e de poder participar e votar nessas assembleias e deixará de poder exercer o direito de informação relativamente à Requerida, designadamente quanto à gestão desta;

- ficará impossibilitado de influir nas deliberações da assembleia geral da Requerida, quer de impugnar essas deliberações, quer de fiscalizar a gestão da Requerida durante a pendência do processo principal até ao trânsito em julgado da decisão final do mesmo;

- mesmo que obtenha ganho de causa, o Requerente não mais poderá ou conseguirá vir a exercer tais direitos, ao menos com plena eficácia;

- a atual presidente da mesa da assembleia geral da Requerida somente irá passar a convocar 9 cooperadores para as respetivas assembleias gerais, ou seja, ela própria, 3 membros do conselho de administração e membros do conselho fiscal, ficando, assim, a Requerida sob o domínio praticamente total dos atuais membros dos órgãos sociais, correndo-se um elevado risco de os atuais membros dos órgãos sociais da Requerida utilizarem esta em seu próprio proveito.

Tendo o Tribunal indeferido liminarmente o pedido, o Requerente interpôs recurso de apelação, que foi julgado procedente pelo Tribunal da Relação de Coimbra, determinando o prosseguimento dos termos da providência.

A Requerida veio deduzir oposição, alegando que:

- houve processo escrito desenvolvido, cuja proposta de exclusão, enviada ao Requerente, constitui a peça acusatória, relativamente à qual aquele se soube defender;

- durante anos, a Requerida convocou as assembleias – mormente, através de peças elaboradas pelo próprio Requerente – com referência aos onze sócios efetivos que reconhece existirem, pois que os vários outros membros foram, ao longo dos tempos, sendo excluídos;

- a nomeação de uma secretária é uma decisão meramente funcional, procedimento natural em qualquer assembleia, que não confere, à escolhida, quaisquer capacidades deliberativas;

- em nenhum preceito do código cooperativo está proibida a participação de um jurista, cuja intervenção se limitou ao campo administrativo, e que foi aceite pelos presentes que participasse;

- as testemunhas foram informadas dos termos em que iriam depor, nada tendo obstado, apenas no próprio momento se tendo recusado a depor;

- não existe probabilidade séria da existência de um direito, não sendo comprovável dano apreciável.

Concluiu pela improcedência da providência ou, assim não se entendendo, pela sua não decretação, de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 381.º do NCPCiv..

Realizada a audiência com produção das provas, foi proferida decisão de não decretação do procedimento cautelar, por se julgar não verificados os respectivos pressupostos legais.

Desta decisão veio o Requerente interpor o presente recurso, apresentando as seguintes

Conclusões:

(…)

A Requerida não contra-alegou.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo, tendo neste Tribunal ad quem sido mantido o regime e o efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([2]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, o thema decidendum consiste em saber:

a) Se ocorrem as invalidades arguidas;

b) Se resultam preenchidos os pressupostos de procedência do pedido cautelar suspensivo.


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III – Fundamentação

          A) Matéria de facto

Na 1.ª instância foi considerada a seguinte factualidade como indiciariamente provada:

«1.º A requerida é uma cooperativa constituída por escritura pública outorgada em 3 de julho de 1978, na Secretaria Notarial de (...) – cfr. escritura de fls. 21 a 32-verso, cujo teor dou por integralmente reproduzido

2.º A requerida rege-se pelos estatutos que fazem fls. 33 a 38-verso, com as alterações aprovadas por deliberação da assembleia geral extraordinária realizada em 9 de abril de 2017 – cfr. ata de fls. 39-verso a 41, cujo teor dou por integralmente reproduzido.

3.º Atualmente, a requerida tem o seguinte objeto social:

«a) a prossecução, sem fins lucrativos, de objetivos de solidariedade social e de ensino nomeadamente ligados ao apoio a crianças, jovens e respetivas famílias, através da manutenção de um estabelecimento destinado a ministrar o ensino compreendido no sistema educativo e estruturas socioeducativas em áreas como a educação, aprendizagem e formação, ação social e intervenção comunitária;

b) apoio a grupos vulneráveis em especial crianças e jovens, pessoas com deficiências e idosos;

c) apoio a famílias e comunidades socialmente desfavorecidas com vista a melhoria da sua qualidade de vida e inserção socioeconómica;

d) apoio direcionado para grupos alvo, designadamente em situações de doença, velhice, deficiência e carências económicas graves;

e) promoção de acesso à educação, formação e integração profissional de grupos socialmente desfavorecidos;

f) apoio domiciliário, em especial a idosos e pessoas com deficiência;

g) desenvolver outras ações que apresentem uma identidade de objetos, e nos limites do código cooperativo, para prestar serviços a terceiros» – cfr. certidão permanente de fls. 41-verso a 44-verso, cujo teor dou por integralmente reproduzido.

4.º O seu capital social é de 5.000,00€, integralmente realizado em dinheiro, constituído por títulos de capital, nominativos, no valor unitário de 25,00€ cada um, devendo cada cooperador subscrever pelo menos 3 títulos – cfr. estatutos de fls. 33 a 38-verso, cujo teor dou por integralmente reproduzido.

5.º O requerente é cooperador da requerida, detendo 75,00€ do capital social desta – cfr. título de capital cooperativo de fls. 45, cujo teor dou por integralmente reproduzido.

6.º Por carta datada de 1 de março de 2018, a Presidente da Mesa da Assembleia Geral da requerida transmitiu ao requerente o seguinte:

«Em anexo remeto a V. Excia. convocatória para a Assembleia Geral Extraordinária a realizar no próximo dia 18 de março de 2018, pelas 18.00 horas, na sede da cooperativa, e para a qual peço a sua melhor atenção.

Remeto também a proposta de exclusão como cooperador que me foi apresentada pelo Conselho de Administração e que será objeto de análise e decisão na Assembleia.

Tendo em conta as disposições estatutárias e legais, informo-o que poderá apresentar a sua defesa por escrito, deduzindo os elementos que considere relevantes para o cabal esclarecimento dos factos relatados na proposta e da sua participação nos mesmos, que deverá ser recebida na instituição até ao dia anterior à Assembleia Geral, inclusive. Realço também que lhe será concedido, no início da discussão do ponto da ordem de trabalhos que lhe diz respeito, um período de dimensão a definir mas que seja suficiente para apresentar em sua defesa os elementos que tiver por conveniente, bem como lhe será dada a oportunidade de proceder à última intervenção anterior à votação. (…)» – cfr. missiva de fls. 45-verso, cujo teor dou por integralmente reproduzido.

7.º Com a referida carta, a Presidente da Mesa da Assembleia Geral da requerida remeteu ao requerente a seguinte convocatória, por si subscrita, igualmente datada de 1 de março de 2018:

«Nos termos dos artigos 24.º e 25.º dos Estatutos da Supercoop – Cooperativa de Solidariedade Social CRL, convocam-se todos os cooperadores para a Assembleia Geral Extraordinária a realizar no dia 18 de março de 2018, pelas 18.00 horas, na sede social da instituição sita na Rua (...) , com a seguinte ordem de trabalhos:

1 - Apreciação, discussão e votação de proposta de exclusão da cooperativa da cooperadora E (…)

2 - Apreciação, discussão e votação de proposta de exclusão da cooperativa do cooperador G (…)

Se à hora designada não estiverem presentes ou representados a maioria dos cooperadores será a mesma realizada meia hora depois, ou seja, pelas 18:30 horas, com a mesma ordem de trabalhos, a qual poderá deliberar com qualquer número de cooperadores presentes.» - cfr. convocatória de fls. 46, cujo teor dou por integralmente reproduzido.

8.º A mencionada carta vinha ainda acompanhada de uma “proposta de exclusão” do requerente de cooperador da requerida, datada de 28 de fevereiro de 2018, terminando essa proposta nos seguintes termos:

«Termos em que se promove a exclusão como cooperador por aplicação das disposições estatutárias e violação grave e reiterada dos deveres cooperativos, podendo, caso entenda, apresentar a sua defesa nos termos a definir pela Mesa da Assembleia Geral» – cfr. proposta de exclusão de fls. 46-verso a 48, cujo teor dou por integralmente reproduzido.

9.º Perante a carta e a “proposta de exclusão” referidas, o requerente enviou à requerida, por correio eletrónico e por carta registada com aviso de receção, a defesa que faz fls. 48-verso a 50, cujo teor dou por integralmente reproduzido.

10.º Tendo essa carta registada com aviso de receção sido recebida pela requerida no dia 16 de março de 2018 – cfr. aviso de receção de fls. 51, cujo teor dou por integralmente reproduzido.

11.º No dia 18 de março de 2018 realizou-se a referida assembleia geral extraordinária da requerida – cfr. ata de fls. 51-verso a 53, cujo teor dou por integralmente reproduzido.

12.º Dessa assembleia foi lavrada e assinada pela Presidente da Mesa da Assembleia Geral e pela Secretária a seguinte ata:

«Ata número vinte / dois mil e dezoito

----No dia dezoito de março de dois mil e dezoito, pelas dezoito horas, reuniu na sua sede social sita na Rua (...) , a Assembleia Geral Extraordinária da S (…), CRL, com a seguinte Ordem de trabalhos:-----------------------------------------------

----1- Apreciação, discussão e votação de proposta de exclusão da cooperativa da cooperadora E (…):--------------------------------------------------------------------------------------------

----2- Apreciação, discussão e votação de proposta de exclusão da cooperativa do cooperador G (…)-------------------------------------------------------------------------------------------------------------

----A Assembleia foi regularmente convocada, nos termos das disposições estatutárias aplicáveis, tendo sido expedidas cartas registadas ou entregue em mão por protocolo a convocatória aos onze cooperadores efetivos, e sido afixada copia no local usual da sede.-----------------------------------

----À hora de início encontravam-se presentes apenas os cooperadores (…). Uma vez que não se encontrava ainda presente metade dos cooperadores, não estando cumprida a exigência do n.º 7 do artigo 24.º dos estatutos e de acordo com a convocatória e com as normas legais e estatutárias aplicáveis, a Presidente da Mesa informou que iria adiar o início da reunião para as dezoito horas e trinta minutos, hora em que a mesma se realizaria com qualquer número de presentes.---------------------------------------------------------------------

----Às dezoito horas e trinta minutos encontravam-se presentes todos os cooperadores, nomeadamente (…) assumindo a presidência da Mesa a respetiva Presidente, A (…).-------------------------------------------------------------------------------------

----Esta começou por esclarecer que a lista dos cooperadores continua a ser a mesma que foi utilizada nas assembleias anteriores, existindo neste momento onze cooperadores efetivos e com o capital integralmente subscrito, e que quaisquer outras pessoas teriam já perdido a qualidade de membros efetivos por não exercerem já funções na cooperativa, de acordo com o que refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º dos estatutos.-----------------------------------------------------------------------

----A presidente, de seguida, advertiu os presentes que iria tentar ser rigorosa na condução dos trabalhos, e que não iria permitir intervenções de quem não estivesse no uso da palavra por ela concedida. As intervenções deveriam cingir-se ao assunto a debater, para não prolongar a duração da reunião indefinidamente. Disse ainda que a reunião seria gravada.---------------------------

----Para iniciar de facto os trabalhos, a presidente referiu não estar indicado qualquer secretário, pelo que sugeriu e colocou à consideração dos presentes ser secretariada pela cooperadora J (...) , que se encarregaria da elaboração da ata e de outros aspetos burocráticos que fossem surgindo.----------------

----Colocou tal proposta de imediato, que foi aprovada por oito votos a favor e dois contra, pelo que a cooperadora J (…) assumiu o secretariado da reunião.------------------------------------------

----Dando início aos trabalhos, questionou os presentes sobre se alguém teria algum requerimento inicial.------------------------------------------------------------------------------------------------------

----Nesta altura, a cooperadora E (…) dirigiu à mesa um requerimento, onde em súmula dizia não autorizar qualquer gravação, e um outro onde requeria a elaboração imediata da ata após o termo da assembleia por todos os cooperadores.-----------------------------------------------------------------

----De igual forma o cooperador G (…) entregou também um requerimento dizendo também não autorizar qualquer gravação.--------------------------------------------------------------------------------------

----Os três requerimentos ficarão arquivados na pasta anexa a este livro de atas.---------------------

----Em resposta ao requerido, a Presidente referiu que a ata será entregue nos prazos legais, caso seja requerida, e a gravação seria utilizada para elaborar a ata, sendo destruída no final.-------------

----Leu a ordem de trabalhos e procedeu a algumas considerações prévias, dando conta dos motivos que levaram à realização da Assembleia. Disse então que a Assembleia se realiza no culminar de um processo desencadeado pelo Conselho de Administração, que determinou a exclusão dos cooperadores E (…) e G (…) essencialmente por não fazerem já parte dos quadros de pessoal da cooperativa, tal como sempre foi comum na cooperativa e se encontrava determinado nos estatutos, nunca tendo esta forma de agir sido questionada, inclusivamente pelos cooperadores que agora são objeto de tal decisão. No entanto, após terem sido notificados da exclusão, ambos reclamaram e recorreram, tendo decidido a Mesa da Assembleia que pelo menos lhes deveria ser dado direito de se pronunciarem sobre os motivos da exclusão, pelo que sugeriu ao Conselho de Administração que refizesse o processo, que deveria passar sempre pela audição prévia, o que recebeu concordância. O Conselho de Administração refez então o processo, que culminou na proposta de exclusão que agora se aprecia, e cujo contraditório se concede. Assim, os cooperadores foram notificados de que poderiam apresentar a sua defesa por escrito até ao dia útil anterior a esta reunião, o que de facto fizeram, apresentando requerimentos separados cuja cópia distribuiu aos presentes. Disse também que para além dos factos e considerações que referem na resposta, ambos requerem a produção de diligências de prova, em especial a audição de testemunhas. Informou então os presentes que iria admitir a audição de testemunhas numa sessão da Assembleia, que poderiam ser inquiridas pelos próprios e, caso a isso se disponibilizem, pelos restantes cooperadores, sempre com os limites dos factos que os próprios indicam, e que iria proceder ao pedido de elementos às entidades referidas pela cooperadora E (…) na sua resposta, nomeadamente à entidade bancária sobre o limite do cartão de débito da S (…) e ao " E (...) " sobre as condições de aceitação de cheques, comprometendo-se a dar conta do resultado dessa diligencia assim que lhe chegasse resposta. Informou depois os presentes que dadas as diligências a efetuar, iria a assembleia proceder à audição dos visados, conforme previsto, e após esses atos iria suspender a assembleia, determinando desde logo a continuação para o dia treze de abril, pelas vinte horas, para conclusão da discussão dos pontos da convocatória. Referiu também que as testemunhas a inquirir deverão ser apresentadas pelos interessados no dia e hora designados, e que para não prolongar indefinidamente a Assembleia, não iria existir nova suspensão caso os elementos que se comprometeu pedir não lhe chegassem até essa data, pelo que se tal sucedesse, deveria a convicção de cada um ser formada de acordo com os meios disponíveis até então.---------------------

----Após estas considerações, a Presidente A (…) entrou na análise do ponto um da convocatória, dizendo que iria conceder a palavra à cooperadora E (…) para dizer o que tiver por conveniente, limitando-se obviamente aos factos da proposta de exclusão, podendo desenvolver as razões de facto que apresentou na resposta escrita.-----------------------------------------

----No uso da palavra, a cooperadora E (…) disse a sua defesa já tinha sido apresentada por escrito e agora irá fazer-se em tribunal, e que não compreendia porque havia de se defender se estava tudo suspenso, questionando ainda onde se encontrava escrito no Código Cooperativo que apenas poderia falar dez minutos.-------------------------------------------------------------------------------------

----Terminada a intervenção da cooperadora, a Presidente questionou sobre alguém pretendia usar da palavra, não tendo ninguém requerido qualquer esclarecimento.---------------------------------

---Não existindo inscrições, a Presidente da Mesa A (...) repetiu então que a apreciação deste ponto ficaria suspensa até ao próximo dia treze de abril, pelas vinte horas, no mesmo local.-

----De seguida, deu-se início ao ponto dois da ordem de trabalhos, tendo sido dada a palavra ao cooperador G (…), de igual forma julgo não ser necessária a leitura da proposta e da resposta respetiva, pelo que irei conceder ao cooperador G (…) para dizer o que tivesse por conveniente, limitando-se obviamente aos factos da proposta de exclusão, podendo desenvolver as razões de facto que apresentou na resposta escrita.---------------------------------------------------------------------------

----No uso da palavra, o cooperador G (…) disse que iria falar na próxima assembleia, e que não compreendia porque estava limitado em dez minutos.----------------------------------------------------------

----Terminada a intervenção do cooperador, a Presidente questionou sobre alguém pretendia usar da palavra, não tendo ninguém requerido qualquer esclarecimento.----------------------------------------

----Não existindo inscrições, a Presidente da Mesa A (…) repetiu então que também a apreciação deste ponto ficaria suspensa até ao próximo dia treze de abril, pelas vinte horas, no mesmo local. ---------

----Esgotando-se assim a agenda desta reunião e tendo em conta a continuação da Assembleia na data designada, dia treze de abril, pelas vinte horas, na sede da instituição, e nada mais havendo a tratar, foi encerrada a sessão, cerca das dezoito horas e cinquenta minutos, e dela se lavrou a presente ata, que vai ser assinada pela Presidente da Mesa da Assembleia Geral e pela Secretária que a elaborou.----------» - cfr. mesmo documento.

13.º E no dia 13 de abril de 2018 teve lugar a continuação da assembleia geral extraordinária da requerida – cfr. ata de fls. 53-verso a 59, cujo teor dou por integralmente reproduzido.

14.º Tendo dessa sessão sido lavrada a seguinte ata:

«Ata número vinte e um / dois mil e dezoito

----No dia treze de abril de dois mil e dezoito, pelas vinte horas, reuniu na sua sede social sita na Rua (...) , a Assembleia Geral Extraordinária da S (...) , CRL, com a seguinte Ordem de Trabalhos:-----------------------------------------------

----1 - Apreciação, discussão e votação de proposta de exclusão da cooperativa da cooperadora E (…)--------------------------------------------------------------------------------------------

----2 - Apreciação, discussão e votação de proposta de exclusão da cooperativa do cooperador G (…)

----A presente sessão é a continuação da Assembleia iniciada em dezoito de março de dois mil e dezoito, tendo na altura todos os presentes sido informados da necessidade desta continuação, bem como da respetiva data, hora e local.-----------------

----À hora designada encontravam-se presentes os todos os cooperadores efetivos da cooperativa, nomeadamente os cooperadores (…) tendo sido dado início à continuação da Assembleia, assumindo a presidência da Mesa a respetiva Presidente, A (…), e o secretariado a secretária J (…). -------------------------------------------

----Encontravam-se também presentes, tendo pedido para assistir à Assembleia, os senhores (…) A Presidente da Mesa informou que não poderiam ter qualquer intervenção nem participar em qualquer votação, com o que todos concordaram, pelo que autorizou a presença, nos termos do artigo 379.º n.º 6 do Código das Sociedades Comerciais. ------------------------------

----Assim que a Presidente da Mesa abriu os trabalhos, os cooperadores G (…) e E (…) entregaram na mesa duas informações escritas onde davam conta da presença das testemunhas que tinham indicado para serem inquiridas no âmbito dos respetivos processos de exclusão, e onde se contavam eles próprios, mas que se tinham recusado a tal quando souberam que iriam ser inquiridas na assembleia.---------

----De seguida, a Presidente da Mesa esclareceu a todos que a seu pedido se encontrava também presente o jurista da instituição, Dr. (…) advogado, para eventualmente a auxiliar no decurso dos trabalhos, não tendo também ele direito a intervir sem ser a seu pedido, nem a participar nas votações. ---------

----Após isso, o cooperador G (…) entregou um requerimento onde se opunha à presença do jurista convidado, alegando que prejudicava a sua defesa e que se soubesse também tinha trazido um advogado. A cooperadora E (…) apresentou requerimento idêntico com os mesmos motivos. A Presidente da Mesa esclareceu que não só autorizava como a presença tinha sido por sua solicitação, o que fez nos termos do artigo 379.º n.º 6 do Código das Sociedades Comerciais, aplicável por remissão do artigo 9.º do Código Cooperativo, e questionou se a assembleia se opunha à presença, tendo recebido nove votos no sentido de confirmar a sua autorização e dois contra, pelo que ambos os requerimentos foram indeferidos.---------

----De seguida, a Presidente da Mesa referiu que iria iniciar os trabalhos com a aprovação da ata da sessão anterior, conforme tinha referido nessa mesma sessão, tenda a secretária procedido à sua leitura. Recebeu duas sugestões de retificação por parte da cooperadora E (…), uma dizendo que existiam mais requerimentos apresentados na sessão anterior, e outra referindo que não tinha ficado claro que as testemunhas a apresentar tivessem que ser apresentadas na Assembleia pelos interessados, e que nela seriam ouvidas. A Presidente da Mesa referiu desde logo que de facto tinham existido quatro documentos apresentados no decorrer da sessão. Destes, dois foram apresentados pelo cooperador G (…), sendo um a requerer a não gravação da sessão, e outro a requerer que a elaboração da ata fosse efetuada na sala. Tais documentos tiveram a resposta que consta já da ata respetiva, e que nenhuma oposição existiu. Por seu lado, a cooperadora E (…) apresentou também dois documentos, um requerendo também a elaboração da ata na assembleia, cuja resposta foi dada e consta da ata respetiva, e um outro onde se solicitava à Presidente que não se ausentasse da assembleia, o que na realidade nenhuma resposta tinha por não se tratar de matéria decisória e ser meramente dilatório, pelo que não tinha ficado mencionado na ata. Referiu ainda que o problema levantado acerca da elaboração da ata ficou resolvido e esclarecido com a entrega de novo requerimento pelo cooperador G (…), já após o encerramento dos trabalhos, para a recolha de cópia da ata em momento posterior, de acordo aliás com o procedimento habitual noutras assembleias da, instituição.-------

----Quanto à segunda sugestão, a Presidente da Mesa referiu que tinha a certeza de que as informações referidas pela cooperadora tinham sido bem explícitas e nenhuma objeção tinha sido levantada ou teria sido colocada qualquer questão. No entanto, e para dissipar qualquer dúvida, colocou as sugestões de correção a votação, que foram rejeitadas por nove votos contra a retificação e dois a favor. De seguida colocou a ata número vinte / dois mil e dezoito a votação, tendo a mesma sido aprovada com nove votos a favor e dois contra. ---------------------------------------

----Nesta altura o cooperador G (…) pediu de novo uma breve interrupção para entregar um outro requerimento, onde novamente se opunha à presença do jurista convidado, e que este não poderia participar nem orientar os trabalhos, requerendo que ficasse em ata. A cooperadora E (…) apresentou requerimento idêntico com os mesmos motivos. O requerimento foi, de imediato indeferido no que toca à presença do jurista tendo em conta que tal tinha já ficado decidido anteriormente, mas foram informados que a presença do jurista iria naturalmente constar na ata, e que não iria orientar quaisquer trabalhos ou ter qualquer participação que não constasse expressamente em ata. ----------------------------

----De seguida, a Presidente referiu aos presentes que por iniciativa dos cooperadores que são visados foi sugerida a audição de testemunhas e que foi também requerida a recolha de informações junto de duas entidades por parte da cooperadora E (…), tendo acrescentado que a tinha informado por escrito das diligências que tomou, enviando cópia das cartas expedidas e respetivos números de registo postal, mas não tinha recebido qualquer resposta de qualquer uma das entidades. Acrescentou que pretendia passar à audição das testemunhas perante os cooperadores presentes, dizendo que desses depoimentos seriam lavrados os autos respetivos. As testemunhas seriam inquiridas pelos interessados em assembleia, conforme tinha já ficado decidido na sessão anterior. ---------------------

----Nesta altura, e ainda como ponto prévio à audição de testemunhas, pediu a palavra o cooperador G (…), repetindo que as testemunhas se encontravam presentes na instituição, mas esclareceu que não iria proceder a qualquer audição caso ela fosse feita na assembleia, por oposição dele próprio e das testemunhas, não tendo especificado qualquer outra condição. Para o mesmo efeito pediu a palavra, a cooperadora E (…). A Presidente da Mesa esclareceu então que os termos da audição de testemunhas tinham ficado definidos na sessão anterior, que não tinha existido qualquer oposição, e que até se poderia equacionar que fosse efetuada apenas na presença dos cooperadores efetivos, mas estes teriam sempre que formar a sua opinião. A Presidente perguntou então de novo se pretendiam ouvir as estremunhas mesmo nessa condição, tendo ambos os interessados prescindido desse direito. A cooperadora E (…) pediu de novo a palavra, e no seu uso disse que não autorizava que se falasse com as testemunhas, que não estava previsto no Código Cooperativo que se pudessem ouvir testemunhas, e que ali ninguém percebia nada de cooperativas, acrescentando que ouvir as testemunhas que apresentou seria coartar os seus direitos de defesa.------------------

----Seguidamente, a Presidente da Mesa referiu que não existiam mais atos de prova ou instrução requeridos, tendo os interessados E (…) e G (…) confirmado tal facto, pelo que deu a palavra à cooperadora E (…) para alegar o que tivesse o conveniente antes de se procederá votação. A cooperadora disse que não pretendia acrescentar mais nada.----------------------------------

----Após isto, a Presidente da Mesa deu a palavra ao cooperador G (…) para o mesmo efeito, que no seu uso referiu que não percebia porque estava a ser excluído, que não tinha sido convocado para a assembleia das contas, que esta exclusão só estava a ser feita para que ele não participasse, e que não compreendia que estivesse a ser excluído por um processo disciplinar, que foi julgado improcedente, e que enquanto decorria o recurso foi despedido por dois motivos diferentes que são incompatíveis, nomeadamente por uma extinção do posto de trabalho. Disse também que ele e a cooperadora E (…)estavam a ser excluídos por não terem uma atividade profissional, mas o Sr. (…), a D. (…) e a D. (…)não tiveram processo de exclusão, e como tal continuavam a ser cooperadores.-

----Seguidamente, e porque mais ninguém pretendia usar da palavra, a Presidente da Mesa disse que se iria passar às votações das propostas, informando que as mesmas seriam efetuadas através de voto pessoal e secreto, com o depósito dos respetivos boletins em urna fechada. Foram distribuídos dois boletins diferentes a cada um dos cooperadores, um para cada proposta de exclusão, com exceção dos cooperadores visados nas propostas, que não votaram na proposta da sua própria exclusão. ----------

----Os cooperadores foram chamados uninominalmente para depósito dos votos, o que fizeram, com a exceção da cooperadora E (…), que forçou o depósito do seu voto em ordem diferente à que tinha sido estabelecida e estava a ser seguida pela Mesa, tendo após esse facto dito para a Secretária J (...) a expressão “Tu não mandas, não é como tu queras, é como eu quero."-----------------------------

----Após o termo das votações, a urna foi aberta na presença de todos, e procedeu-se à separação de votos e contagem dos mesmos.-----------------------------------

----Quanto ao resultado das deliberações, a primeira proposta, de exclusão da cooperadora E (…) foi aprovada com nove votos a favor e um contra, pelo que esta deixou de fazer parte desta cooperativa com o termo da reunião.-----------------------------------------------------

----Também após a contagem dos votos, a segunda proposta, de exclusão do cooperador G (…) foi aprovada com nove votos a favor e um contra, pelo que também ele deixou de fazer parte desta cooperativa com o termo da reunião.------

----De seguida, após ter informado os presentes dos resultados das votações, perguntou a Presidente da Mesa se algum dos presentes queria proceder a verificação dos votos, não tendo recebido qualquer resposta, pelo que prosseguiu referindo que deviam os cooperadores agora excluídos proceder à entrega dos títulos, e que, por indicação do Conselho de Administração, tinha já na sua posse para entrega a cada um dos visados dois cheques no montante de setenta e cinco euros cada, correspondente ao valor dos títulos, tendo estes recusado a recebe-los.-----------

(…)

----Uma vez que se encontrava esgotada a ordem de trabalhos, e nada mais havendo a tratar, foi encerrada, cerca das vinte horas e cinquenta e cinco minutos, e dela se lavrou a presente ata, aprovada nos termos descritos, e que vai ser assinada pela Presidente da Mesa da Assembleia Geral e pela Secretária que a elaborou. --------» - cfr. mesmo documento.

15.º A convocatória da assembleia geral extraordinária de 18/03/2018 apenas foi comunicada aos cooperadores (…).

16.º Sendo cada um destes cooperadores da requerida titular de 75,00€ do capital social desta.

17.º (…) são portadores de títulos de participação do capital social da requerida, possuindo os correspondentes títulos nominativos.

18.º Nenhuma das pessoas referidas em 17.º foi formalmente declarada excluída de cooperadora da requerida ou foi notificada de que havia perdido a qualidade de membro efetivo da requerida.

19.º A requerida nunca restituiu a qualquer dessas pessoas os valores dos respetivos títulos representativos do capital social.

20.º O requerente pretende trabalhar para a requerida, designadamente como professor.».

E foi considerado como indiciariamente não provado:

«a) As pessoas elencadas no artigo 18.º são cooperadoras da requerida.

b) Esses cooperadores são titulares de mais de metade do capital social da requerida.

c) As testemunhas indicadas pelo requerente na “defesa” que apresentou recusaram-se a ser inquiridas na assembleia, por considerarem que desse modo estariam nervosas e intranquilas, não conseguindo recordar-se dos factos e esclarecê-los devidamente.».

B) O Direito

Das invocadas invalidades e procedência do procedimento

1. - Dispõe o art.º 380.º, n.º 1, do NCPCiv. que, “se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável”.

Assim sendo, o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, como procedimento nominado que é, assenta na verificação cumulativa dos seguintes requisitos:

a) Que o requerente tenha a qualidade de sócio da associação ou da sociedade que tomou deliberação;

b) Que tal deliberação seja contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato/pacto social;

c) Que a execução dessa deliberação possa causar dano apreciável ([3]).

Vem sendo entendido na jurisprudência que o primeiro requisito aludido constitui pressuposto de legitimidade activa e os dois restantes são constitutivos da causa de pedir, esclarecendo-se que a
«… qualidade de sócio e a ilegalidade da deliberação bastam-se com um mero juízo de verosimilhança, mas, quanto ao “dano apreciável”, exige-se, pelo menos, uma probabilidade muito forte da sua verificação. (…) A exigência legal de demonstração de que a execução da providência pode causar “dano apreciável” reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade (…). O “dano apreciável” não é toda ou qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação ou a execução em si mesmas comportam, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora da acção de anulação, pois a providência cautelar visa prevenir o “periculum in mora”, ou seja, acautelar a utilidade prática da sentença de anulação da deliberação social contra o risco da duração do respectivo processo» (
[4]).

Pretende-se, por isso, evitar o denominado periculum in mora – o prejuízo apreciável/significativo e grave causado pela demora inevitável da acção principal, o processo de anulação dessas deliberações a intentar pelo sócio requerente, com vista à declaração da sua invalidade –, de molde a que a sentença favorável que venha a ser proferida assuma o seu efeito útil.

Assim, “dano apreciável não é toda ou qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação ou a execução em si mesmas comportam, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora da acção de anulação, pois que não faria sentido que o legislador desse relevo, para efeitos da concessão da providência cautelar, à eventualidade de danos diferentes dos originados pelo retardamento da sentença a proferir naquela acção” ([5]).

2. - Quanto, desde logo, aos invocados vícios/invalidades, começa o Apelante por esgrimir (conclusão 5.ª) que a assembleia geral extraordinária de 13/04/2018, na qual foi tomada a deliberação de exclusão do Requerente, foi uma continuação de assembleia anterior (a de 18/03/2018), apenas tendo, porém, sido comunicada aos cooperadores presentes nesta.

Pretende, assim, significar que deveria ter sido comunicada a outros cooperadores que não tenham comparecido em 18/03/2018.

Todavia – e salvo o devido respeito – não lhe assiste razão.

Como expendido em aresto deste Tribunal e Secção ([6]):

«(…) a sessão suspensa para continuar noutro dia é fracionada em duas partes, mas mantém-se a mesma sessão e a lei só exige a convocatória para o dia em que se inicia a sessão.

Não há lugar a uma nova convocatória dirigida aos (…) ausentes no caso de ser suspensa a sessão para continuar noutra data.

Se porventura a sessão não termina no mesmo dia e se marca a continuação para o outro dia, ou para dois ou três dias mais tarde, porque só então convém essa data a todos os presentes, não se justifica nova convocatória porque ela já tinha sido feita e estamos sempre no âmbito da mesma sessão e da mesma convocatória.

Se se exigisse uma nova convocatória, qualquer sessão que não terminasse no dia em que havia começado só poderia prosseguir dias mais tarde, despois de decorridos os dias necessários para expedir uma carta a dar notícia da nova data (…).» ([7]).

Assim, se a assembleia geral extraordinária de 13/04/2018, na qual foi tomada a deliberação impugnada, foi uma continuação de assembleia anterior (a de 18/03/2018), deve concordar-se que a assembleia suspensa para continuar noutro dia é fracionada em duas partes, mantendo-se a mesma assembleia, apenas se exigindo convocatória para o dia em que se iniciam os trabalhos (assembleia/sessão).

Termos em que não há lugar, nesta perspetiva, a uma nova convocatória, dirigida aos membros ausentes, no caso de suspensão para continuação noutra data.

3. - Depois, o Recorrente invoca diversos outros vícios, alguns dos quais se reconduzem, no essencial, à ausência de um processo escrito, como base/suporte da gravosa medida imposta (exclusão de cooperador), limitando-lhe/impedindo-lhe o exercício pleno dos seus direitos de defesa.

Assim, invoca violação das “normas conjugadas dos arts. 25º e 26º do Código Cooperativo, sendo portanto nula ou, se assim não se entender, anulável” a deliberação em discussão (conclusão 14.ª).

E prossegue (conclusões seguintes) afirmando que «somente foi enviada ao requerente uma “proposta de exclusão” do mesmo de cooperador da requerida através da carta que igualmente capeou a convocatória da Assembleia Geral destinada à deliberação dessa exclusão, tendo o mesmo sido aí informado de que poderia apresentar uma defesa até ao dia anterior ao da dita Assembleia», “proposta” essa que foi colocada à votação, «sem que posteriormente à notificação da mesma ao requerente tivesse sido praticado qualquer ato num processo disciplinar, designadamente a inquirição das testemunhas indicadas pelo requerente», «Não tendo sido sequer formulada uma nova “proposta de exclusão” do requerente pelo Conselho de Administração da requerida levando em conta a defesa apresentada por aquele», «Nem havendo sido apresentado nas sobreditas Assembleias Gerais qualquer processo escrito tendente à exclusão do requerente de cooperador da requerida» (conclusão 19.ª).

Ora, como referido na decisão recorrida, a propósito do Código Cooperativo (doravante, CCoop.):

«Estatui o artigo 25.º deste compêndio legislativo – na parte que importa - que:

1 - Podem ser aplicadas aos cooperadores as seguintes sanções:

a) repreensão;

b) multa;

c) suspensão temporária de direitos;

d) perda de mandato;

e) exclusão.

2 - A aplicação de qualquer sanção prevista no número anterior é sempre precedida de processo escrito.

3 - Devem constar do processo escrito a indicação das infrações, a sua qualificação, a prova produzida, a defesa do arguido e a proposta de aplicação da sanção.

4 - Não pode ser suprida a nulidade resultante de:

a) falta de audiência do arguido;

b) insuficiente individualização das infrações imputadas ao arguido;

c) falta de referência aos preceitos legais, estatutários ou regulamentares, violados;

d) omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade.

E estabelece o artigo 26.º - no que interessa - que:

1 - A exclusão de um membro tem de ser fundada em violação grave e culposa prevista:

a) no presente código;

b) na legislação complementar aplicável ao respetivo ramo do sector cooperativo;

c) nos estatutos da cooperativa ou nos seus regulamentos internos. (…)

3 - A proposta de exclusão é fundamentada e notificada por escrito ao arguido, com uma antecedência de, pelo menos, sete dias, em relação à data da assembleia geral que sobre ela delibera.» (destaques aditados).

E acrescenta-se na mesma decisão que “existem, reduzidas a escrito, as seguintes peças:

- carta enviada ao requerente, dando conta da remessa, em anexo, da convocatória para uma assembleia geral extraordinária a realizar no dia 18/03/2018, e da proposta de exclusão como cooperador a apreciar nessa assembleia, e informando-o, além do mais, de que poderia apresentar a sua defesa por escrito e que lhe seria concedido, no início da discussão do ponto da ordem de trabalhos que lhe dizia respeito, um período para apresentar em sua defesa os elementos que tivesse por conveniente, bem como lhe seria dada a oportunidade de proceder à última intervenção anterior à votação;

- proposta de exclusão;

- convocatória da assembleia;

- respetivas atas;

- defesa escrita apresentada pelo requerente.” (sublinhado aditado) ([8]).

No caso, era, pois, imperativo que a aplicação da sanção de exclusão (a mais grave das previstas no preceito convocado) fosse (como sempre) precedida de processo escrito, do qual deviam constar: (i) a indicação das infrações, (ii) a sua qualificação, (iii) a prova produzida, (iv) a defesa do arguido e (v) a proposta de aplicação da sanção.

Por processo escrito, neste âmbito, deve entender-se um conjunto de peças escritas, sequencial e logicamente organizadas, de modo a poderem ser consultadas, evidenciando um conjunto de dados (incluindo, obviamente, as provas, designadamente documentais ou testemunhais) que servem de base a uma averiguação de determinado comportamento ou prática de alguém.

No caso, o obrigatório processo escrito deve conter, em modo sistemático, como visto, as seguintes peças escritas: a indicação das infrações, a sua qualificação, as provas produzidas, a defesa do arguido e a proposta de aplicação da sanção.

Vem sendo entendido na nossa jurisprudência que “Decorre do disposto no art. 25º do Cód. Cooperativo, aprovado pela Lei 119/2015, de 31/8, que a aplicação aos cooperadores de qualquer sanção aí prevista é sempre precedida de processo escrito” – cfr. sumário do Ac. TRL de 23/02/2017, Proc. 335-16.0T8VPV.L1-8 (Rel. Ferreira de Almeida), disponível em www.dgsi.pt.

E como dito na fundamentação deste mesmo aresto, perante a falta de tal prévio processo escrito:

«Como decidido, se impõe, assim, considerar que, na ausência de tal procedimento, enferma a deliberada destituição do requerente, ora apelado, de vício gerador da respectiva nulidade.

Nos termos do art. 380º, nº1, do C.P. Civil, se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável.

Constituindo entendimento pacífico que a ocorrência de dano apreciável, não tendo de – ao invés do que pretende a apelante – se traduzir em prejuízo material, pode, como no caso (destituição de cargo de direcção), resultar da própria natureza da deliberação impugnada.

Concluindo-se, assim, pela verificação dos pressupostos da requerida providência, terão de improceder as alegações da apelante» ([9]).

No caso, a Requerida invoca a existência de um processo escrito, mas não faz prova da sua existência, não o apresentando ou juntando aos autos.

O Requerente afirma a inexistência de tal prévio processo escrito e os factos provados não dão nota da existência do mesmo.

O Tribunal a quo, em critério de padrão mínimo, refere que existem algumas peças escritas – carta enviada ao Requerente (com remessa da convocatória para a assembleia e da proposta de exclusão, informando da possibilidade de apresentação de defesa por escrito e de elementos que tivesse por convenientes e oportunidade para última intervenção anterior à votação), proposta de exclusão, convocatória da assembleia e atas respetivas, defesa escrita do Requerente – e que tal basta, no contexto dos autos, para se considerar cumprida a lei quanto à exigência de prévio processo escrito.

Porém, dissentimos.

Estando em causa o direito de defesa do Requerente – perante a sanção perspetivada, com o seu gravoso pendor –, haveria de se lhe conceder todas as legais possibilidades de se defender, no âmbito do processo respetivo.

Para tanto, teria de ter acesso ao processo escrito, designadamente às concretas provas carreadas/invocadas contra si (nomeadamente, de cariz documental), não bastando a alusão às mesmas (faturas ou outras), mas impondo-se que a elas pudesse aceder, mediante consulta, se assim o entendesse, para poder contraditá-las ou fazer contraprova, sendo o caso.

Porém, o que se constata é a existência de algumas peças escritas (as aludidas) não organizadas em processo, impedindo, por essa via, o cabal acesso do Requerido, enquanto visado, à prova usada contra si, sendo que era também no âmbito do processo escrito, se devidamente organizado, que lhe haveria de ser permitido produzir a prova de defesa, designadamente testemunhal ou documental.

Em suma, falta o prévio processo escrito imposto pela lei para garantia de cabal exercício (ou possibilidade de exercício) do direito de contraditório e defesa, consubstanciando nulidade do processo.

O que inquina de invalidade a decisão de aplicação da sanção de exclusão (invalidade essa que, para uns, se traduzirá em nulidade e, para outros, em anulabilidade, mas que não altera a solução a dar ao caso dos autos, posto que aqui se trata de procedimento cautelar de suspensão da deliberação e não de ação de invalidade, onde houvesse de qualificar-se e ajuizar-se sobre a natureza específica do vício).

Por isso, haverá de proceder, nesta medida, o procedimento cautelar intentado, determinando-se a suspensão da deliberação de exclusão.

Deve, pois, revogar-se a decisão recorrida e, em substituição ao Tribunal a quo, julgar procedente o procedimento de suspensão de deliberação social, posto não se mostrar que o prejuízo resultante da suspensão ([10]) seja superior ao que pode derivar da execução (art.º 381.º, n.º 2, do NCPCiv.), ficando prejudicadas as demais questões suscitadas pelo Requerente/Apelante.

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - O procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais (art.º 380.º, n.º 1, do NCPCiv.) depende do preenchimento de três pressupostos cumulativos: ser o requerente sócio da associação ou sociedade que tomou a deliberação; ser essa deliberação contrária à lei, aos estatutos ou ao pacto social; poder da sua execução resultar dano apreciável.

2. - Impende sobre o requerente do procedimento cautelar o ónus da alegação e prova dos factos concretos tendentes a demonstrar, ainda que em termos de prova sumária, o periculum in mora, a existência do perigo dos prejuízos e da sua gravidade.

3. - Nos termos do disposto no art.º 25.º do CCoop., a aplicação aos cooperadores de alguma das sanções ali previstas é obrigatoriamente precedida de processo escrito, do qual devem constar: (i) a indicação das infrações, (ii) a sua qualificação, (iii) a prova produzida, (iv) a defesa do arguido e (v) a proposta de aplicação da sanção.

4. - Por processo escrito deve entender-se um conjunto de peças escritas, sequencial e logicamente organizadas, de modo a poderem ser consultadas, evidenciando um conjunto de dados adquiridos (incluindo as provas) que servem de base a uma averiguação de determinados factos.

5. - Faltando esse processo escrito, com o visado a ficar afastado do acesso às provas usadas contra si (designadamente, documentais), em prejuízo do seu direito de contraditório e defesa, ademais perante a mais gravosa das sanções (exclusão de cooperador), ocorre nulidade do processo, enfermando, por sua vez, a deliberada exclusão do requerente de vício gerador da respetiva invalidade.

6. - O que, quer se entenda a deliberação de exclusão como viciada de nulidade ou anulabilidade, justifica a cautelar suspensão da deliberação.

***
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, assim julgando, em substituição ao Tribunal a quo, procedente o intentado procedimento cautelar de suspensão da deliberação de exclusão do Requerente de cooperador da Requerida.
Custas da apelação e na 1.ª instância pela Requerida.
***

Coimbra, 26/03/2019

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro


([1]) Segue-se, no essencial, por economia de meios, a síntese da decisão recorrida.
([2]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([3]) No anterior acórdão desta Relação proferido nos autos ficaram ultrapassadas as questões da aplicabilidade do procedimento cautelar quanto a deliberação de cooperativa (em vez de associação ou sociedade) – questão, aliás, não colocada nos autos – e da possibilidade de ocorrência de dano apreciável (questão sobre que se debruçou aquele aresto).
([4]) Cfr. Ac. Rel. Lisboa, de 08/03/2012, Proc. 10903/11.2TBBNV.L1-8 (Rel. Isoleta Almeida Costa), disponível em www.dgsi.pt.
([5]) Cfr. Ac. S. T. J., de 20/05/1997, BMJ, 467.º - 529.
([6]) Vide Ac. TRC de 20/02/2019, Proc. 3125/17.0T8VIS.C1 (Rel. Alberto Ruço), em que foram Adjuntos os aqui Relator e 1.º Adjunto, disponível em www.dgsi.pt.
([7]) Apreciação que teve por objeto assembleia de condóminos, mas com virtualidade de aplicação, mutatis mutandis, à assembleia dos autos.
([8]) Para assim se concluir: “É seguro que, neste âmbito e pelo menos, o requerente recebeu a proposta de exclusão e a convocatória para a assembleia, onde foi notificado da decisão final tomada.”.
([9]) É certo não ser pacífico, na nossa jurisprudência, o tratamento da questão da natureza específica do vício de invalidade resultante da ausência de prévio processo escrito no tocante à deliberação adotada, como a de exclusão ou destituição. Se ocorre nulidade do processo para formação da deliberação – o que parece líquido –, já se discute se a deliberação, enquanto tal, é, por sua vez, nula ou somente anulável. No sentido da anulabilidade da deliberação, cfr. o Ac. STJ, de 23/09/2003, Proc. 02B2465 (Cons. Santos Bernardino), em www.dgsi.pt – em cujo sumário pode ler-se que, “Se o desrespeito de normas daquela natureza se verifica, não no conteúdo, mas no processo que, para a formação da deliberação, foi efectivamente seguido no caso concreto, já esta não será nula, mas apenas anulável” – e o Ac. STJ, de 14/02/2002, Proc. 01B3618 (Cons. Joaquim de Matos), também com sumário em www.dgsi.pt, referindo que “I - No domínio cooperativo, só são nulas, as deliberações tomadas e, expressamente contempladas no artigo 5º, do respectivo Código Cooperativo, pelo que a deliberação de exclusão de membro duma cooperativa é meramente anulável. // II - A eventual nulidade do processo disciplinar não atinge a própria deliberação - apenas se reporta ao processo formativo da deliberação.”.
([10]) Suspensão da deliberada sanção de exclusão de cooperador.