Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
10/16.6GBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO
NÃO PRONÚNCIA
CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 10/18/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (JL CRIMINAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 32.º, N.º 5, DA CRP; ART. 282.º, N.º 4, AL. A), DO CPP
Sumário: I - Impõe-se que, antes de proferir despacho a revogar a suspensão provisória do processo e ordenar o prosseguimento dos autos, submetendo-o a julgamento, o que afecta de forma grave os direitos do arguido, o M P diligencie por saber das razões do não cumprimento da injunção imposta.

II - No foro criminal só a verificação de comportamentos censuráveis ao nível do dolo e da negligência grosseira, quanto ao não cumprimento dos deveres impostos, tanto ao nível do cumprimento de penas ou injunções aceites pelo próprio arguido, é que nos deve permitir de forma fundamentada a sua alteração, com agravação processual do arguido.

III - As causas de revogação não devem ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão.

Decisão Texto Integral:











Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório
No processo supra identificado o Ministério Público, em processo comum e para julgamento em tribunal singular, deduz acusação contra:
A... , filho de (...) e de (...) , natural de (...) , Sabugal, nascido a 6/1/1951, casado, residente em Rua (...) , Sabugal, imputando-lhe a prática de um crime contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas, p. e p. pelo art. 30.°, n.º 1 e 35.°, por referência aos arts. 6.° n.º 1 al. c) e 26.° n.º 1, da Lei n.º 173/99 de 21 de setembro, ex vi art. 78.°, do DL n.º 202/2004 de 18 de agosto.
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A acusação foi deduzida, em consequência da revogação da suspensão provisória do processo.
Na sequência o arguido requereu a abertura da instrução.
Admitida esta foi designado dia para debate instrutório, findo o qual o senhor juiz de instrução proferiu a seguinte decisão instrutória:
«O Ministério Público deduziu acusação pública contra:
A... ,
Melhor identificado nos autos, pela suposta prática:
-em autoria material e na forma consumada, de (1) um crime contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas p. e p. pelo art.º 30º, n.º 1 e 35º, por referência aos art. 6º n.º 1 al. c), 26º n.º 1, da Lei n.º 173/99 de 21 de setembro, ex vi art.º 78º, do Decreto-Lei n.º 202/2004 de 18 de agosto.
A fundamentação aduzida para a dedução da acusação, adveio de:
Nos presentes autos, por despachos juntos a fls. 25 e 34, foi determinada a aplicação da suspensão provisória do presente processo, durante o período de quatro (4) meses, mediante o cumprimento, pelo arguido, das seguintes injunções e regras de conduta:
Abster-se da prática de factos como os que aqui estão em apreço nos presentes autos;
Prestar setenta (70) horas de trabalho a favor da comunidade, em instituição e horário a indicar pela DGRSP.
Por despacho de fls. 61, foi a injunção de prestação de 70 horas de trabalho comunitário substituída pela injunção de entregar a quantia de €500,00 a determinada instituição de solidariedade social, entregando o respetivo recibo nos presentes autos até final do prazo de suspensão provisória do processo.
Findo o período de suspensão provisória do processo, verifica-se que o arguido não comprovou, nos presentes autos, ter cumprido a referida injunção.
Assim, nos termos do disposto pelo art.º 282º n.º 4 al. a), do Código de Processo Penal, impõe-se que o presente processo de inquérito prossiga os seus termos, o que se determina».
*
Discordando de tal acusação veio o arguido requerer a abertura de instrução com os fundamentos constantes do seu RAI de fls. 84 a 85, invocando que cumpriu a injunção que lhe foi aplicada, contudo, cometeu três lapsos:
1. Quem se dirigiu à Instituição foi a sua esposa, pelo que o recibo foi passado em nome dela, contudo é referente ao processo 10/16.6GBGRD,
2. A liquidação foi efectuada a 4/7/2016, ou seja, no dia seguinte a ter terminado o prazo de suspensão,
3. O arguido não fez a junção aos autos do referido recibo.
Nestes termos requere que se determine a suspensão provisória do processo aceitando-se, como cumprida, a injunção.
Os actos de instrução:
Por despacho de fls. 89 a 90 foi declarada aberta a instrução.
Em instrução procedeu-se à realização do debate instrutório, com observância do devido formalismo legal.
II. Saneamento:
O Tribunal é competente em razão da matéria e hierarquia.
Do cumprimento da injunção:
Dos autos contam os seguintes elementos:
A 5/2/2016 foi proposto ao arguido a suspensão provisória dos presentes autos, pelo período de 4 meses, mediante o cumprimento, pelo arguido, das seguintes injunções e regras de conduta:
- Abster-se da prática de factos como os que aqui estão em apreço nos presentes autos;
-prestação de 70 horas de trabalho a favor da comunidade em instituição a definir pela DGRSP.
Pelo arguido foi declarado que aceita a suspensão do processo mediante o cumprimento das injunções propostas.
A 11/02/2016 foi obtida a concordância do Juiz de Instrução, sendo a mesma comunicada ao arguido, por ofício datado de 24/02/2016.
A15/03/2016 veio o arguido requerer que o trabalho a favor da comunidade fosse substituído por uma injunção pecuniária.
Contudo o Ministério Público solicitou à DGRSP que indicasse outra instituição para que o arguido cumprisse a injunção de trabalho a favor da comunidade.
A folhas 48, na data de 30/3/2016, veio a DGRSP informar que o arguido mantém o interesse em ver-lhe substituída a injunção de prestação de trabalho a favor da comunidade fosse substituído por uma injunção pecuniária.
A folhas 49, na data de 4/4/2016, de novo, o Ministério Público veio referir que: O requerimento apresentado pelo arguido, junto a fls. 43, foi já apreciado por despacho de fls. 44.
Preste tal informação à DGRSP, com cópia do despacho de fls. 44.
A folhas 51, na data de 21/4/2016, veio a DGRSP informar que o arguido reitera a intenção em ver-lhe substituída a injunção de prestação de trabalho a favor da comunidade por uma injunção pecuniária.
A 29/4/2016 foi o arguido notificado para, em dez dias vir declarar, expressamente, se pretende a substituição da injunção a que se encontra sujeito de prestação de 70 horas de trabalho comunitário, pela injunção de entrega de €500,00 (quinhentos euros) a favor de instituição que, oportunamente, e sendo caso disso, se indicará, sendo certo que tal substituição sempre dependerá da eventual concordância do M.mo Juiz de Instrução.
A 10/5/2016 veio o arguido declarar que aceita a suspensão nos termos propostos, referindo que se lhe seja permitido o pagamento em 4 prestações.
A 17/05/2016 foi obtida a concordância do Juiz de Instrução, sendo a mesma comunicada ao arguido, por ofício datado de 27/05/2016, com a menção de que: determina-se a substituição da injunção de prestação de 70 horas de trabalho comunitário, pela entrega de €500,00 (quinhentos euros) à instituição denominada “ X... ”, sita em (...) , Guarda, até final do prazo de suspensão provisória do processo, o qual decorrerá no dia 3.7.2016 (cfr. fls. 42), devendo juntar aos presentes autos, até essa data, o respetivo recibo, do qual constará que tal quantia foi destinada ao cumprimento de injunção aplicada em processo de natureza criminal.
A folhas 81 encontra-se o recibo n.º 2016-1507, na qual X... – Portugal declara que recebeu 500,00€ da srª B... , referente a Multa do processo 10/16.6GBGRD, na data de 04/7/2016.
Perante este quadro factual o Ministério Público, conclui que, findo o período de suspensão provisória do processo, verifica-se que o arguido não comprovou, nos presentes autos, ter cumprido a referida injunção.
Assim, nos termos do disposto pelo art.º 282º n.º 4 al. a), do Código de Processo Penal, impõe-se que o presente processo de inquérito prossiga os seus termos, o que se determina, uma vez que o seu despacho foi proferido em momento anterior ao arguido ter feito a junção do recibo que se encontra a folhas 81.
Pelo que importa, nesta sede, decidir se a injunção foi ou não cumprida, mesmo que não tempestiva.
A jurisprudência portuguesa tem-se debruçado em casa semelhantes, mesmo sem ter havido o cumprimento da injunção propostas, nos seguintes termos:
Em caso de suspensão provisória do processo, terminado o prazo dessa suspensão e concluindo o Ministério Público que o arguido não cumpriu integralmente as obrigações impostas, cumpre-lhe deduzir acusação para que aquele seja julgado pelo crime tido como indiciado.
A “revogação” da suspensão não decore automaticamente do incumprimento muito menos quando ele é parcial, envolvendo antes um juízo sobre a culpa ou a vontade de não cumprir por parte do arguido, podendo haver lugar, nomeadamente, à revisão das injunções, regras de conduta decretadas ou prorrogação do prazo até ao limite legalmente admissível, in Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18/05/2010, Processo 107/08.6GACCH.L1
Assim, a suspensão provisória do processo é um instituto jurídico-processual, imbuído do espírito dos sistemas de oportunidade, para crimes de reduzida gravidade, em que o Ministério Público (com a homologação do juiz) ou mesmo o juiz, sempre em todo o caso com o acordo do arguido e do assistente, suspende provisoriamente a tramitação do processo penal e determina a sujeição do arguido a regras de comportamento ou injunções durante um determinado período de tempo. Se tais injunções forem cumpridas pelo arguido, o processo é arquivado; se não forem cumpridas, a mesma autoridade judiciária revoga a suspensão, isto é, deduz acusação ou profere a pronúncia e o processo penal prossegue os seus ulteriores termos.
Determina o Art.º 281.º, do CPPenal (Suspensão provisória do processo):
1 — Se o crime for punível com pena de prisão não superior a 5 anos ou com sanção diferente da prisão, o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina, com a concordância do juiz de instrução, a suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta, sempre que se verificarem os seguintes pressupostos: a) Concordância do arguido e do assistente; b) Ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza; c) Ausência de aplicação anterior de suspensão provisória de processo por crime da mesma natureza; d) Não haver lugar a medida de segurança de internamento; e) Ausência de um grau de culpa elevado; e f) Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir.
2 — São oponíveis ao arguido, cumulativa ou separadamente, as seguintes injunções e regras de conduta: a) Indemnizar o lesado; b) Dar ao lesado satisfação moral adequada; c) Entregar ao Estado ou a instituições privadas de solidariedade social certa quantia ou efectuar prestação de serviço de interesse público; d) Residir em determinado lugar; e) Frequentar certos programas ou actividades; f) Não exercer determinadas profissões; g) Não frequentar certos meios ou lugares; h) Não residir em certos lugares ou regiões; i) Não acompanhar, alojar ou receber certas pessoas; j) Não frequentar certas associações ou participar em determinadas reuniões; l) Não ter em seu poder determinados objectos capazes de facilitar a prática de outro crime; m) Qualquer outro comportamento especialmente exigido pelo caso.
3 — Não são oponíveis injunções e regras de conduta que possam ofender a dignidade do arguido.
4 — Para apoio e vigilância do cumprimento das injunções e regras de conduta podem o juiz de instrução e o Ministério Público, consoante os casos, recorrer aos serviços de reinserção social, a órgãos de polícia criminal e às autoridades administrativas.
5 — A decisão de suspensão, em conformidade com o n.º 1, não é susceptível de impugnação.
6 — Em processos por crime de violência doméstica não agravado pelo resultado, o Ministério Público, mediante requerimento livre e esclarecido da vítima, determina a suspensão provisória do processo, com a concordância do juiz de instrução e do arguido, desde que se verifiquem os pressupostos das alíneas b) e c) do n.º 1.
7 — Em processos por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor não agravado pelo resultado, o Ministério Público, tendo em conta o interesse da vítima, determina a suspensão provisória do processo, com a concordância do juiz de instrução e do arguido, desde que se verifiquem os pressupostos das alíneas b) e c) do n.º 1.
Por sua vez, prevê o Art. 282.º, do mesmo Código, sob o título “duração e efeitos da suspensão”: 1 — A suspensão do processo pode ir até dois anos, com excepção do disposto no n.º 5.
2 — A prescrição não corre no decurso do prazo de suspensão do processo.
3 — Se o arguido cumprir as injunções e regras de conduta, o Ministério Público arquiva o processo, não podendo ser reaberto.
4 — O processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas: a) Se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta; ou b) Se, durante o prazo de suspensão do processo, o arguido cometer crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado.
Conforme se extrai do n.º 4 deste último normativo, o processo prosseguir e as prestações feitas não podem ser repetidas, … se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta.
Decorrido que seja esse prazo de suspensão, a autoridade judiciária (o Ministério Público ou o Juiz), deve apreciar a situação e concluindo que o arguido não cumpriu as injunções ou as regras de comportamento estipuladas, deve levantar a suspensão decretada e prosseguir os termos do processo (com a acusação ou a pronúncia do arguido).
Nestes autos o Digno Magistrado do Ministério Público assumiu que esta apreciação do incumprimento por parte do arguido era automática, sem necessidade de averiguação da sua culpa no incumprimento e inclusive sem a sua audição uma vez que já tinha decorrido o prazo estabelecido, contudo ainda não havia decorrido o prazo máximo de dois anos relativo à suspensão provisória.
Partiu, pois, do princípio que essa constatação era de cariz automático e que o decurso do prazo preclusivo sem qualquer manifestação por parte do arguido impedia-o agora de vir justificar a sua aventada omissão.
Pensamos que este não é o melhor entendimento acerca dos pressupostos desta apreciação sobre o decurso do prazo da suspensão provisória do processo e da indispensável averiguação, por parte do Ministério Público, das condições em que veio a suceder o “incumprimento atempado” por parte do arguido das suas obrigações para com a medida suspensiva a que se vinculou.
Seguindo de perto o doutamente decidido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, a 9/12/2015, nos autos n.º 280/12.9TAVNG, destacamos e com interesse para a presente causa:
Tal como tem sido considerado pela doutrina e pela jurisprudência, esta apreciação não depende de um mecanismo automático da verificação do decurso do tempo e do não cumprimento “formal” das injunções em causa.
Na verdade, a opção pela dedução de acusação em vez do arquivamento não decorre automaticamente de qualquer incumprimento, muito menos quando ele é parcial, envolvendo antes um juízo de culpa ou vontade de não cumprir por parte do arguido. Podendo, nomeadamente, haver lugar à revisão das injunções e regras de conduta decretadas, optando-se pela imposição de outras, ou pela prorrogação do prazo das anteriores até ao limite legalmente admissível, obviamente após prévio acordo do arguido assistente e juiz de instrução.
Trata-se de aplicar aqui os mesmos princípios de garantia (substantiva) dos direitos de defesa do incidente de incumprimento da suspensão da execução da prisão, previstos nos Art.ºs 55.º e 56.º, ambos do Código Penal.
Neste enquadramento, estabelece depois o Art.º 495.º, n.º 2, do CPPenal, do ponto de vista adjectivo, que “o tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova e antecedendo parecer do Ministério Público e audição do condenado”.
Não se encontra definido na lei, de forma concretizada, o que deve entender-se por infringir grosseiramente os deveres, deixando aquela ao critério do aplicador a fixação dos seus contornos – cfr. Art.º 56.º, n.º 1, al. a), do Código Penal.
Mas, é evidente que em tal consideração não poderão olvidar-se os ensinamentos sobre o que constitui negligência grosseira: a culpa temerária; o esquecimento dos deveres gerais de observância; a demissão pelo agente dos mais elementares deveres que não escapam ao comum dos cidadãos, uma inobservância absolutamente incomum.
A violação grosseira de que se fala, há-de ser uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorre não merecendo ser tolerada, indesculpada.
Tal como refere Maia Costa em anotação ao Art.º 282.º do Código de Processo Penal, “o incumprimento deverá ser culposo, ou repetido, em termos idênticos aos que o Código Penal prevê para a revogação da suspensão da pena, no art. 56º, nº 1, a). Ou seja, o incumprimento não terá que ser doloso, mas deverá ser imputável pelo menos a título de negligência grosseira ao arguido, ou então repetidamente assumido (…). Assim, a constatação do incumprimento não pode conduzir automaticamente à «revogação» da suspensão, devendo o Ministério Público (ou o juiz de instrução, se a suspensão tiver sido decretada nessa fase) indagar das razões do incumprimento, em ordem a decidir-se pelo prosseguimento do processo para julgamento ou pelo decurso do prazo da suspensão, consoante apure haver, ou não, comportamento culposo, ou repetido, por parte do arguido.” – assim, em António Henriques Gaspar e outros, Código de Processo Penal Comentado, 2014, Coimbra: Almedina, pp. 989. Idêntica opinião é manifestada por Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2007, Lisboa: Universidade Católica Editora, também em anotação ao Art.º 282.º do Código de Processo Penal, a pp. 729.
Neste sentido, consulte-se o Ac. da RL de 18/5/2010, processo n.º 107/08.GGACCH.L1.5, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrl
Claro que se esse prazo em causa tiver sido preenchido na sua totalidade, como é a presente situação, não haverá possibilidade de determinar a prorrogação do prazo em face de uma situação considerada justificante do incumprimento das medidas. Mas isso não implica que não se proceda a essa averiguação das condições do incumprimento e da imputação culposa deste último aos arguidos. Sem que para isso o decurso do prazo - que também terá sempre de ser gerido pelo próprio tribunal face à averiguação da situação de incumprimento que se lhe exige – possa funcionar numa verdadeira preclusão do exercício de garantias processuais que devem ser efectivas e que não dependem (por mera ficção ou presunção) do mero decurso da passagem do tempo.
Mesmo que tenha decorrido o prazo legal máximo de dois anos dessa suspensão, impunha-se ao tribunal de instrução a quo proceder à averiguação dos motivos do verificado incumprimento, cuidando de interpelar o arguido no sentido de vir apresentar uma eventual justificação para tal.
Essa audição do arguido (e/ou do seu defensor) constitui mesmo uma garantia de defesa do arguido e do essencial contraditório, na sua manifestação do direito de audição sobre decisão que o afecte do ponto de vista pessoal, que aqui se manifesta na sua radicação constitucional e legal – cfr. Art.ºs 32.º, n.º 5, da Constituição da República, 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e 61.º, n.º 1, alínea b), do CPPenal.
O princípio do contraditório traduz-se no dever de o juiz ouvir as razões das partes, em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão, e a omissão de notificação da resposta da assistente, bem como a falta de concessão de um prazo para sobre ela se pronunciarem, constituem preterição de formalidades legais essenciais e violação do direito do contraditório e das garantias de defesa em processo criminal, reconhecido aos arguidos, impedindo-os de cabalmente se defenderem. Na realidade, os arguidos não foram ouvidos, sequer notificados para se pronunciarem sobre o incumprimento desenhado nos autos, não obstante a inacção da sua defesa e dos próprios arguidos no decurso do prazo da mencionada suspensão provisória do processo.
Mas certo é que se impunha ao tribunal o impulso de audição dos arguidos e da sua defesa, na linha de entendimento acima exposta e defendida.
Esta omissão processual constitui, na verdade, a nulidade arguida pelos aqui recorrentes, tal como prevista no Art.º 120.º, n.º 2, alínea d), por violar a alínea b) do n.º 1 do Art.º 61.º, ambos do Código de Processo Penal bem como as garantias de defesa e o princípio do contraditório constitucionalmente consagrados. Sendo certo que a mencionada alínea d) do n.º 2 do Art.º 120.º do CPPenal dispõe que “constitui nulidade dependente de arguição a insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem refutar-se essenciais para a descoberta da verdade”.
Pelo que se demonstra como verificada a invocada nulidade da decisão de levantamento automático da suspensão provisória do processo e de subsequente pronúncia dos arguidos, tal como salientada pelos arguidos na sua arguição da nulidade e neste recurso (no que foram acompanhados pela posição assumida pelo Ministério Público nesta instância de recurso).
Impondo-se, em consequência, a procedência da arguição da nulidade processual suscitada pelos arguidos, e a revogação do despacho de indeferimento de 20/4/2015, exarado a fls. 469-470, que deverá ser substituído pela procedência da mesma nulidade arguida, com a anulação da antecedente decisão do mesmo tribunal de instrução a quo, de 19/3/2015, documentada a fls. 452-454 dos autos, que determinou o prosseguimento do processo por não terem sido cumpridas as injunções fixadas, e a pronúncia dos arguidos. Após isso, deverá o mesmo tribunal a quo proferir um despacho de convite aos arguidos (e à sua defesa) para se pronunciarem, no prazo de dez dias, sobre o incumprimento da injunção de pagamento das dívidas à Segurança Social nos dois anos de suspensão provisória do processo, já decorridos (tal como indicado pela mesma Segurança Social no ofício remetido aos autos).
Ora, tendo presente toda a realidade factual já trazida para os autos e supra expressa, teremos, forçosamente e em sintonia com a jurisprudência supra expressa que não houve, por um lado, um incumprimento da injunção, mas sim um incumprimento não atempado (de um só dia) e falta de comunicação desse cumprimento ao Ministério Público, pelo que não houve incumprimento grosseiro, mas sim um cumprimento não tempestivo, por outro, sempre se imporia, por parte do Ministério Público, a notificação ao arguido (a sua audição), antes da revogação da suspensão, o que não veio a acontecer e por último, sempre teremos que acrescentar que, dado o escasso período que foi concedido ao arguido para efectuar o pagamento de 500,00€, cerca de um mês, cremos que deveria o Ministério Público ter diligenciado ou por notificar o arguido para se pronunciar quanto ao não cumprimento da injunção, ou ter-se sido concedido o prazo inicial de 4 meses.
Nestes termos e dado o supra referido, o qual se corrobora na jurisprudência citada, concluímos que, embora com o atraso de um dia, o arguido cumpriu a injunção que lhe foi proposta e por ele aceite, pelo que e consequentemente:
- decide-se proferir DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA do arguido A... , pela suposta prática, em autoria material e na forma consumada, de (1) um crime contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas p. e p. pelo art.º 30º, n.º 1 e 35º, por referência aos art.os 6º n.º 1 al. c), 26º n.º 1, da Lei n.º 173/99 de 21 de setembro, ex vi art.º 78º, do Decreto-Lei n.º 202/2004 de 18 de agosto»
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Interpôs recurso o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões:
«A. Em fase de inquérito, o Ministério Público, com a necessária concordância do M.mo Juiz de Instrução, deduziu despacho nos termos do qual foi determinada a suspensão provisória do processo de inquérito, pelo período de quatro (4) meses mediante o cumprimento, pelo arguido, das seguintes injunções e regras de conduta: abster-se da prática de factos como os que aqui estão em apreço nos presentes autos; entrega de €500,00 (quinhentos euros) à instituição denominada “ X... ”, sita em (...) , Guarda, até final do prazo de suspensão provisória do processo, o qual decorrerá no dia 3.7.2016 (cfr. fls. 42), devendo juntar aos presentes autos, até essa data, o respetivo recibo, do qual constará que tal quantia foi destinada ao cumprimento de injunção aplicada em processo de natureza criminal
B.  Detalhando-se tais injunções e regras de conduta impostas ao arguido, para melhor esclarecimento, temos:
1.  Abster-se da prática de factos como os que aqui estão em apreço nos presentes autos;
2.  Entrega de €500,00 (quinhentos euros) à instituição denominada “ X... ”;
3.  até final do prazo de suspensão provisória do processo, o qual decorrerá no dia 3.7.2016 (cfr. fls. 42);
4.  devendo juntar aos presentes autos, até essa data, o respetivo recibo;
5.  do qual constará que tal quantia foi destinada ao cumprimento de injunção aplicada em processo de natureza criminal.
C. Findo o prazo de suspensão provisória do processo, verificou-se que o arguido não deu cabal cumprimento à segunda injunção, a qual abarca os pontos 2 a 5 supra clarificados, designadamente, que o arguido não procedeu à entrega da referida quantia até final do prazo de suspensão, nem juntou até essa data o respetivo recibo aos presentes autos, apesar de advertido expressamente para o efeito, apenas o juntando após ter sido notificado do prosseguimento do processo com dedução de acusação.
D. Em face do exposto, foi considerado, pelo Ministério Público, que o arguido não deu oportuno cumprimento às injunções e regras de conduta que lhe foram impostas, tendo-se determinado, em conformidade com o art.º 282º n.º 4 al. a), do Código de Processo Penal, que processo prosseguisse com dedução de acusação.
E.  Não conformado, o arguido requereu a abertura da instrução, pedindo, em suma: Nestes termos e nos melhores de direito, requer-se a abertura de instrução, com realização de debate instrutório e decisão final que determina a suspensão provisória do processo, aceitando-se a injunção já cumprida pelo arguido.
F.  Realizada a fase de instrução, que se cingiu ao debate instrutório, onde apenas foram proferidas alegações pelo Ministério Público e mandatário do arguido, foi proferida a decisão instrutória que consta a fls. 98 a 110, nos termos da qual, em suma, foi decidido:
Nestes termos e dado o supra referido, o qual se corrobora na jurisprudência citada, concluímos que, embora com o atraso de um dia, o arguido cumpriu a injunção que lhe foi proposta e por ele aceite, pelo que e consequentemente:
- decide-se proferir DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA do arguido A... , pela suposta prática, em autoria material e na forma consumada, de (1) um crime contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas p. e p. pelo art.º 30º, n.º 1 e 35º, por referência aos art.os 6º n.º 1 al. c), 26º n.º 1, da Lei n.º 173/99 de 21 de setembro, ex vi art.º 78º, do Decreto-Lei n.º 202/2004 de 18 de agosto.
G. Ora, tendo presente o regime legal aplicável à figura da suspensão provisória do processo, não se pode conceder que se faça equiparar a esta figura processual o regime legal aplicável a outras figuras que nada têm que ver com esta, nomeadamente, porventura, a figura da revogação da suspensão da execução de penas de prisão, fazendo tábua rasa da legislação vigente, como foi feito na decisão recorrida.
H. O Ministério Público acredita que o legislador sabe expressar convenientemente a sua vontade, designadamente quando vem mantendo o regime da suspensão provisória do processo da forma como o conhecemos, sendo certo que, querendo, poderia remeter para a figura da suspensão da execução de penas de prisão e respetiva revogação ou criar um sistema semelhante, uma vez que, querendo, o saberia fazer.
I.   Não o fazendo, temos para nós que o legislador pretende da suspensão provisória do processo um sistema processual simples e linear, com condições de aplicação objetivas e bem definidas, conhecidas e aceites por todos os sujeitos e intervenientes processuais.
J.  Caso assim não se entendesse estaríamos a abrir uma caixa de pandora em que, findo o período de suspensão do processo e não sendo demonstrado pelo arguido, no processo, o cumprimento das injunções ao mesmo aplicadas, ocorreria um hiato temporal de duração indeterminada em que o Ministério Público teria que proceder a diligências não especificadas em qualquer previsão legal por nós conhecida, visando-se apurar se aquele, porventura, teria cumprido o regime injuntivo ou as razões de eventual incumprimento.
K. Porém, a decisão recorrida foi mais além. Nessa decisão acolhe-se, expressamente, a irrelevância do período determinado aquando da aplicação da suspensão provisória do processo, quando se aceita o cumprimento da injunção de natureza pecuniária um dia após o termo de tal período de suspensão e a comprovação de tal pagamento, no processo, quase seis meses após o termo de tal período (sendo certo que tal comprovação fazia também parte do regime injuntivo), quando a suspensão provisória do processo já havia sido revogada e proferido despacho de acusação.
L.  A acolher-se tal interpretação da Lei, teria sido preferível ao legislador não impor um período temporal de suspensão provisória do processo, por irrelevante e supérfluo, aguardando-se em suspensão, simplesmente, por que o arguido, eventualmente, cumprisse as injunções aplicadas, votando tal instituto processual a uma indesejável incerteza jurídica.
M. Tais soluções processuais não terão sido acolhidas na legislação vigente, certamente, por poderem vir a criar constrangimentos e anticorpos indesejados, na aplicação de um mecanismo processual criado tendo-se em vista a simplificação e a celeridade na administração da Justiça.
N. Mais se dirá que o arguido, devidamente assistido por mandatário, nada cumpriu no que à injunção de natureza pecuniária diz respeito, tendo sido uma pessoa estranha aos presentes autos – B... , a entregar a quantia de €500,00 à instituição “ X... ” (cfr. fls. 81), razão que por si só, revelando um completo alheamento do arguido face ao processo em que apenas o próprio era visado, seria, a nosso ver, suficiente para revogação da suspensão provisória do processo.
O. Finalmente, cumpre ainda referir que a decisão instrutória sob recurso é tanto mais inaceitável quando nem o arguido, no respetivo requerimento para abertura da instrução, preconizou a possibilidade de, finda tal fase processual, ser proferido despacho de não pronúncia, tendo antes o arguido pedido, de forma igualmente ininteligível, “decisão final que determina a suspensão provisória do processo, aceitando-se a injunção já cumprida pelo arguido.”.
P.  Foi, portanto, o M.mo Juiz de Instrução mais além do que a interiorização da ilicitude e da culpa, pelo arguido, lhe permitiu pedir em sede de requerimento para abertura da instrução, não se atrevendo, sequer o arguido, a pedir a prolação de despacho de não pronúncia, impondo-se, também por isso, portanto, a revogação da decisão instrutória.
Q. O M.mo Juiz de Instrução, em sede de decisão instrutória, a nosso ver, não deu a mais correta interpretação aos artigos 281º e 282º, do Código de Processo Penal, violando-os, pelo que o despacho sob recurso deverá ser revogado e substituído por outro que ordene a dedução de despacho de pronúncia, para julgamento do arguido pela prática de um crime contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas, p. e p. pelo art.º 30º, n.º 1 e 35º, por referência aos art.os 6º n.º 1 al. c), 26º n.º 1, da Lei n.º 173/99 de 21 de setembro, ex vi art.º 78º, do Decreto-Lei n.º 202/2004 de 18 de agosto.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, Vossas Excelências, Senhores Juízes Desembargadores, concedendo provimento ao presente recurso e, em consequência, revogando a decisão instrutória de não pronúncia posta em crise, ordenando a sua substituição por outra que pronuncie o arguido».
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Notificado o arguido, nos termos do art. 411.º, n.º 6, para efeitos do art. 413.º, n.º 1, do CPP, não respondeu.
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Nesta instância, os autos tiveram vista do Ex.mo Senhor Procurador-geral Adjunto, para os feitos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, o qual emitiu douto parecer no sentido de que deve proceder o recurso, embora não por razões inteiramente coincidentes.
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Cumprido que foi o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido não respondeu.
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Foi cumprido o art. 418.º, do CPP, e uma vez colhidos os vistos legais, indo os autos à conferência, cumpre decidir.
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II- O Direito
As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, as quais deve conhecer e decidir sempre que os autos reúnam os elementos necessários para tal.

QUESTÃO A DECIDIR:
Apreciar se deve ser mantida a decisão instrutória de não pronúncia, do arguido, cuja instrução tinha sido requerida, por lhe ter sido revogada a suspensão provisória do processo, com o fundamento de incumprida da injunção, por o pagamento de quantia pecuniária a instituição designada pelo Ministério Público, ocorrer no dia seguinte ao prazo fixado e só ter feito prova nos autos depois de deduzida acusação.

Apreciando:
O Ministério Publico determinou a suspensão provisória do processo, por despacho de 18/02/2016, pelo período de 4 meses, mediante o cumprimento das seguintes injunções e regras de conduta:
- Abster-se da prática de factos de idêntica natureza ao dos sutos.
- Prestar 70 horas de trabalho a favor da comunidade, em instituição e horário a indicar pela DGRSP.
O arguido sendo presidente da Junta de Freguesia, da localidade onde reside, não seria aconselhável ali prestar trabalho a favor da comunidade, como sugerira, pelo que foi solicitado em 17/03/2016 à DGRSP que indicasse outra instituição para se dará cumprimento à injunção imposta e aceite pelo arguido.
 Notificado para dizer se aceitava a substituição da injunção de prestação de 70 horas de trabalho a favor da comunidade, pela entrega da quantia pecuniária de 500,00€ a favor de uma instituição de solidariedade social, por despacho de 28/04/2016, o arguido veio declarar em 10/05/2016 que aceitava tal substituição, em instituição a indicar, requerendo que lhe fosse deferido o pagamento em 4 prestações. 
Com a concordância do juiz de instrução, foi admitida em 24/05/2016 a substituição da injunção de prestação de 70 horas de trabalho a favor da comunidade, pela entrega da quantia pecuniária de 500,00€ a favor da instituição de solidariedade social “ X... ” da Guarda, até final do prazo de suspensão provisória do processo, que ocorreria em 3/07/2016, devendo para tal juntar aos autos, até essa data o respectivo recibo, do qual deveria constar que a quantia foi destinada ao cumprimento de injunção aplicada em processo de natureza criminal.
Com o fundamento de não ter cumprido a injunção de pagamento da quantia pecuniária de 500,00€ à instituição designada, até ao final do prazo concedido, o Ministério Público em 18/11/2016, pelo despacho de fls. 70 a 72, revogou a suspensão provisória do processo e ordenou o prosseguimento do processo, nos termos do art. 282.º, n.º 4, al. a), do CPP e deduziu acusação, pela prática de um crime contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas, p. e p. pelo art. 30.°, n.º 1 e 35.°, por referência aos art. 6.° n.º 1 al. c) e 26.° n.º 1, da Lei n.º 173/99 de 21 de Setembro, ex vi art. 78.°, do DL n.º 202/2004 de 18 de Agosto.
Na sequência da acusação o arguido dirige requerimento aos autos em 14/12/2016, dizendo ter entregue a quantia de 500,00€ a favor da instituição “ X... ” da Guarda, no dia 4/07/2016, do que junta recibo justificativo a fls. 81.
A questão a decidir é bem simples.
Tudo se confina ao facto de considerarmos se o arguido cumpriu ou não a injunção que lhe foi imposta.
Ou dito de outra maneira, para sermos mais rigorosos, se o arguido, não tendo cumprido atempadamente a injunção, quanto à entrega da quantia 500,00€ a favor da instituição “ X... ” da Guarda e não tendo informado nos autos, dentro do mesmo prazo, tal cumprimento, com junção de recibo, violou os deveres que lhe foram impostos de tal forma que implique a revogação da suspensão provisória do processo e a consequente pronúncia do arguido?
Dispõe o art. 282.º, n.º 4, al. a), do CPP, que o processo prossegue se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta.
Numa primeira leitura do preceito tudo nos levaria a crer que assim fosse, implicando a não observância parcial ou total da injunção a revogação automática da suspensão provisória do processo e o consequente prosseguimento dos seus trâmites, com dedução da acusação.
Ora, o que aconteceu no caso dos autos é que o arguido entregou a quantia determinada na instituição indicada, no dia seguinte ao termo do prazo.
O prazo terminava no dia 3/07/2016 e o arguido fez a entrega no dia 3/07/2016, sendo irrelevante que tenha sido assinado o recibo por B... , sua esposa, pois consta do mesmo que a quantia 500,00€ a favor da instituição “ X... ” da Guarda, se destinou ao cumprimento de injunção aplicada em processo de natureza criminal, com o n.º 10/16.6GBGRD.
Resulta daqui que o arguido não cumpriu rigorosamente a injunção, conforme lhe fora determinado, o que fez no dia seguinte ao último dia do prazo, que coincidia com o fim do prazo de suspensão provisória do processo, o que diz ter feito por lapso, conforme ponto 5.b e fez prova com junção do recibo, também depois do prazo fixado.
Não nos parece que o Ministério Público tenha andado bem, ao revogar de forma automática a suspensão provisória do processo, uma vez não demonstrado o cumprimento da injunção.
Impunha-se antes de proferir despacho a revogar a suspensão provisória do processo e ordenar o prosseguimento dos autos, submetendo-o a julgamento, o que afecta de forma grave os direitos do arguido, que diligenciasse por saber das razões do não cumprimento da injunção imposta.
E em função das razões apuradas se consideraria ou não se foi cumprida ou não a injunção ou melhor se o não cumprimento integral da injunção, nos termos em que ocorreu, se é de considerar que violou de tal forma séria e negligente que implica necessariamente a revogação da suspensão provisória do processo e o prosseguimento da sua tramitação.
O Ministério Publico ao não cuidar de apurar as razões do não cumprimento da injunção dentro do prazo, pôs em causa a segurança e a expectativa dos direitos e garantias processuais do arguido. 
Estamos no foro criminal e só a verificação de comportamentos censuráveis ao nível do dolo e da negligência grosseira, quanto ao não cumprimento dos deveres impostos, tanto ao nível do cumprimento de penas ou injunções aceites pelo próprio arguido, é que nos deve permitir de forma fundamentada a sua alteração, com agravação processual do arguido.
E para tal importa sempre dar cumprimento ao exercício do direito do contraditório. 
É um princípio constitucional a que há dar lugar sempre que se tenha proferir decisão ou despacho que afecte ou colida com os direitos do arguido, conforme se consagra no art. 32.º, n.º 5, da CRP.
O art. 282.º, n.º 4, al. a), do CPP, nada diz expressamente a este respeito, mas pensamos que o legislador não tinha que o fazer, já que as injunções desempenham o mesmo papel funcional que as penas, quer sejam penas principais ou acessórias.
A este respeito, veja-se a injunção de proibição de conduzir veículos com motor, obrigatoriamente oponível ao arguido, em caso de suspensão provisória do processo, sempre que esteja em causa crime punível com esta pena acessória.
A injunção, consubstancia comando imposto ao arguido para que cumpra determinadas obrigações, desempenhando processualmente a mesma função da sanção penal, com a expectativa de realização do mesmo interesse público, que por via de regra esse fim é satisfeito através de uma pena.
No mesmo sentido o Ac. do TRC de 24/02/2016 – Proc. 129/12.2GTCBR.C1, in Ac. do TRL de 18/05/2010 – Proc. 107/08.6GACCH.L1.5, in www.dgsi.pt/jtrc.
Do ponto de vista do direito penal substantivo, trata-se aqui de uma sanção de índole especial penal a que não está ligada a censura ético-jurídica da pena, nem a correspondente comprovação da culpa, conforme Prof. Costa Andrade, Jornadas de Direito Processual Penal – O Novo Código de Processo Penal, 1988, pág. 353.
Isto para dizermos que, em caso de revogação da suspensão provisória do processo, devem observar-se os mesmos procedimentos e cuidados, que na revogação da suspensão da execução da pena, isto é, há que averiguar a culpa do arguido ou da sua vontade em não cumprir e por isso o arguido deve ser ouvido, dispondo o art. 56.º, n.º 1, al. a), do CP, que a revogação só deve ocorrer, quando o condenado:
«Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social».
E seguindo a mesma esteiro a revogação não deve decorrer de forma automática, como ocorreu nos autos, exigindo-se um juízo de culpa ou da vontade do arguido não cumprir, podendo assim haver revisão das injunções regras de conduta ou prorrogação do prazo até ao limite admissível, tal como se prevê para a falta de cumprimento das condições de suspensão da pena, no art. 55.º, do CP.
Porém, exige-se sempre que o arguido “culposamente” deixe de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, como bem se frisa naquele preceito.
Optando o Ministério Público pelo prosseguimento dos autos, deduzindo acusação, só na instrução a requerimento do arguido, este pode alegar e demonstrar que não houve culpa sua, de modo que implique a revogação da suspensão provisória do processo. E nestes casos a instrução não visa a matéria da causação, mas o despacho do Ministério Público de revogar a suspensão provisória do processo. Nestes sentido o Ac. do TRL de 18/05/2010 – Proc. 107/08.6GACCH.L1.5, in www.dgsi.pt/jtrl e Ac. do TRG de 11/10/2010 – Proc. 151/09.6GTVCT.G1, in www.dgsi.pt/jtrg.
Em primeiro lugar diremos que a revogação da suspensão provisória do processo, deve ser a última ratio, sendo certo que se traduz numa modificação da situação processual do arguido, que com a sua anuência tinha aceite a injunção inicial e depois a sua substituição a sugestão do Ministério Publico.
Por isso, devia ter sido notificado ainda antes de terminar o prazo da suspensão sobre a satisfação da injunção ou as razões de tal impossibilidade, sob pena de revogação da suspensão provisória do processo, com a consequente dedução da acusação, uma vez que a decisão a proferir pressupõe o incumprimento e afecta os seus direitos, liberdades e garantias constitucionalmente assegurados.
O próprio art. 495.º, n.º 2, do CPP, informa que no caso de falta de cumprimento das condições de suspensão da pena “o tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido o parecer do Ministério Público e ouvido o condenado…”.
No caso de revogação da suspensão provisória do processo, não há razão para que se não dê lugar ao contraditório e se não siga semelhante procedimento.
O Ministério Público, uma vez decorrido o prazo concedido para cumprimento da injunção, limitou-se, na ausência de prova nos autos, decidiu automaticamente pela revogação da suspensão provisória do processo e deduziu acusação.
De forma alguma pode ser este o caminho.
Ora, a respeito da revogação da suspensão da pena, escreve Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, pág. 201-202 "A infracção grosseira não tem de ser dolosa, sendo bastante a infracção que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade (…). A colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir as condições da suspensão constitui violação grosseira dessas condições”.
Considera o mesmo autor que a infracção repetida "é aquela que resulta de uma atitude de descuido e leviandade prolongada no tempo, isto é, que não se esgota num acto isolado da vida do condenado, mas revela uma postura de menosprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória."
E sobre a finalidade que o julgador deve ter sempre em vista com a revogação da suspensão da execução da pena aponta o seguinte "O critério material para decidir sobre a revogação da suspensão é exclusivamente preventivo, isto é, o tribunal deve ponderar se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão ainda podem ser alcançadas coma manutenção da mesma ou estão irremediavelmente prejudicadas em virtude da conduta posterior do condenado. Com efeito, a condição prevista na parte final da al. b) do n.º 1 ("é revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas') refere-se a ambas as causas de revogação da suspensão previstas nas duas alíneas".
É também neste sentido, em razão deste quadro de exigências justificadas, quanto à revogação de uma pena que o tribunal na decisão inicial fez um juízo de prognose favorável ao arguido e que posteriormente para alterar este juízo deve ponderar de forma prudente e criteriosa, que anotam ao artigo 56.º, Leal-Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, Ed. Rei dos Livros, 2.ª Ed, pág. 481:
"As causas de revogação não devem ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O réu deve ter demonstrado como seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena" apenas devendo ocorrer a revogação " como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as providências que este preceito contém", referência que se tem actualmente como reportada às soluções menos gravosas aplicáveis à falta de cumprimento das condições da suspensão que o legislador quis comtemplar no art. 55.° do Código Penal.
Assim sendo, para se decidir da revogação ou não da suspensão da execução da pena de prisão o tribunal deve aferir da probabilidade que ainda subsistam de manter o delinquente afastado da criminalidade no futuro.
E é nesta perspectiva de salvaguardar as expectativas que nortearam a suspensão da execução da pena que escreve o Prof. Figueiredo Dias, in Das Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas -Editorial Notícias, 1993, pág. 356, "a consequência da revogação da suspensão (...) não é obrigatória; o que significa que, face ao incumprimento culposo das condições de suspensão, o tribunal ponderará se a revogação é a única forma de lograr a consecução das finalidades da punição".
Tem-se por negligência grosseira, a culpa temerária; o esquecimento dos deveres gerais de observância; a demissão pelo agente dos mais elementares deveres que não escapam ao comum dos cidadãos, uma inobservância absolutamente incomum.
A violação grosseira de que se fala, há-de ser uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorre não merecendo ser tolerada, indesculpada.
Não se pode revogar a suspensão da execução da pena, por mero despacho cominativo das consequências sem o tribunal diligenciar no sentido de apurar as razões do não cumprimento.
O mesmo não deve acontecer com a revogação da suspensão provisória do processo.
O despacho do Ministério Público posto em crise, por via da instrução requerida, viola o disposto no art. 97.º, n.º 5, do CPP, carece de fundamentação adequada, pois não especifica suficientemente os motivos de facto e de direito, limitando-se a constatar o não cumprimento da injunção dentro do prazo fixado.
Como bem se refere da decisão instrutória, objecto do presente recurso, o Ministério Público podia e devia apurar se o arguido se recusou injustificadamente ou revelou desleixo e negligência censurável a cumprir a injunção e a justificar no mesmo prazo o cumprimento com a entrega de 500,00€ à instituição indicada, impostos que condicionavam a suspensão provisória do processo.
O despacho de revogação da suspensão provisória do processo, limitou-se a constatar que o arguido, findo o prazo de 4 meses, isto é, em 3/07/2016, não tinha feito prova de que não entregara a quantia de 50,00€, favor da instituição “ X... ” da Guarda, vindo-se a constatar depois da revogação que havia entregue tal quantia em 4/07/2016, conforme recibo devidamente passado para o efeito, mas que só entregou em 16/12/2016.
É muito pouco ou nada para daqui se concluir que o arguido infringiu grosseiramente o dever de cumprir a injunção que lhe foi imposta, para fundamentar a revogação da suspensão provisória do processo.
A culpa grosseira deve resultar de factos concretos, não se podendo presumir, factos esses dos quais deve resultar a culpa no incumprimento da injunção, que devem servir de âncora à decisão de revogação, e como última ratio.
Em caso de suspensão provisória do processo, antes de proferir acusação e, assim, introduzir o processo na fase de julgamento, o Ministério Público para tal, deve dar cumprimento ao exercício do direito do contraditório, diligenciando cabalmente no sentido de determinar que as injunções condicionantes da suspensão provisória do processo não foram cumpridas, por o arguido agir culposamente ou ter infringido grosseiramente os deveres impostos.
Em conformidade com o que vimos deixando exposto, concluímos que o incumprimento da injunção, com a entrega da quantia de 500,00€ à instituição indicada pelo Ministério Público, no dia seguinte ao termo do prazo fixado e justificada nos autos com junção do respectivo recibo, não implica automaticamente a revogação da suspensão provisória do processo e consequente dedução da acusação, por não demonstrada a violação culposa ou grosseira do dever imposto, que justifique o prosseguimento do processo ao abrigo do art. 282.º, n.º 4, al. a), do CPP.
Nestes termos, tem-se por cumprida a injunção imposta ao arguido, confirmando-se o despacho de não pronúncia.
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III- Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, mantendo-se a decisão instrutória de não pronúncia.
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Sem custas.
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NB: O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP. 
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Coimbra, 18 de Outubro de 2017
(Inácio Monteiro - Relator)
(Alice Santos - Adjunta)