Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
372-F/2001.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
Data do Acordão: 01/23/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ÁGUEDA - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 146º E 150º Nº1 DO CPC, DL 290-D/99, DE 02/08 (COM AS ALTERAÇÕES DOS DL 62/2003, DE 03/04 E 165/2004, DE 06/07), E NO DEC. REGULAMENTAR 25/2004, DE 15/07, PORTARIA 337-A/2004, DE 31/03, PORTARIA 642/2004, DE 16/06
Sumário: Tendo a agravante feito prova documental do envio atempado e correctamente dirigido das alegações em causa por correio electrónico, e não tendo a entidade intermediária apontado uma razão para a falha na entrega do correio, deve ser dado por verificado o justo impedimento na prática do acto, seguramente não imputável à parte, nos termos nos nºs 1 e 2 do art. 146º do CPC.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Nos autos de falência de A... a credora reclamante B... interpôs recurso do despacho que não considerou justo impedimento a circunstância que havia invocado para a não apresentação no prazo legal das alegações do recurso da sentença de graduação de créditos aí proferida.

Admitido tal recurso como agravo, com subida imediata e em separado, formulou a agravante no termo da respectiva alegação as conclusões de que não lhe pode ser cerceado o direito de esgotar os prazos processuais que a lei lhe concede e que, ao contrário da tese do despacho, não tinha que se precaver contra "frequentes falhas" do sistema MDDE dos CTT, quer antecipando a sua utilização, quer acautelando-se com a duplicação do envio das peças processuais por fax.

Não houve contra-alegações.

O despacho agravado foi sustentado.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

São os seguintes os pressupostos de facto da decisão recorrida:

1 - A agravante, tendo interposto recurso da sentença de graduação de créditos, foi notificada do despacho que admitiu tal recurso por carta registada de 14/12/05, terminando-lhe o prazo para alegar em 18/01/06;

2 - No dia 18/01/06 a agravante, através do respectivo advogado, procedeu ao envio para o processo das respectivas alegações de recurso, por correio electrónico, com a assinatura digital válida, segundo o sistema de certificação MDDE (Marca do Dia Electrónica), fornecido pelos CTT.

3 - A agravante recebeu na volta do correio electrónico o comprovativo de que a sua mensagem foi enviada em 18/01/06 pelas 23h43m04s à falência proc.º nº 372-A/2001 a correr termos no 1º Juízo do Tribunal de Águeda, garantido pela Marca do Dia Electrónica, com indicação do respectivo nº de identificador;

4 - No dia imediato - 19/01/06 - o advogado da agravante recebeu no seu escritório um mail dando conta que o referido correio electrónico não tinha sido entregue ao destinatário "por motivos aos quais o MDDE é alheio".

5 - Fazendo acompanhar esse correio de uma mensagem de erro do servidor de correio electrónico destinatário, com a data de 18 de Janeiro de 2006 23:49.

6 - A causa do erro descrita pelo sistema administrador é a seguinte: "The e-mail sistem was unable to deliver the message, but did not report a specific reason".

7 - A agravante apresentou-se a invocar o justo impedimento e a requerer a junção das alegações no referido dia 19/01/06, anexando cópia dos documentos electrónicos respectivos.

***

O objecto do agravo.

No despacho em crise considerou-se que "o facto de a recorrente não ter conseguido enviar por mail as suas alegações juntando documento em que se constata a falha no envio, não configura a situação de justo impedimento, uma vez que tal situação poderia e deveria ter sido prevista pela Recorrente atendendo aos frequentes problemas de funcionamento destes meios de comunicação".

Vejamos.

O que distingue o justo impedimento dos restantes obstáculos à prática pela dos actos processuais nos prazos consignados, é, conforme se prescreve no nº 1 do art.º 146 do CPC, a ausência de culpa da parte ou do mandatário nessa demora.

Pode ser uma circunstância relativa à pessoa da parte ou do mandatário como um factor exógeno, cujos efeitos nefastos, porque previsíveis segundo a normalidade da vida, poderiam ser por algum deles evitados ou contornados e não o foram.

O sistema de correio electrónico, como qualquer outro sistema de comunicação aceite pela lei como válido, não pode ser qualificado como um sistema onde normalmente se verificam falhas na respectiva entrega. Deve admitir-se assim que, em condições correntes, essas falhas apenas ocorrerão se os dados introduzidos e a manipulação respectiva não obedecerem aos procedimentos adequados.

Dispõe-se, com efeito, no nº 1 do art.º 150 do CPC: "Os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por uma das seguintes formas:

(…)

d) Envio através de correio electrónico, com aposição de assinatura electrónica avançada, valendo como data da prática do acto processual a da expedição, devidamente certificada".

Os termos a que deve obedecer o envio são definidos por portaria do Ministério da Justiça (nº 2), sendo que a parte que proceda à apresentação de acto processual através desses meios deve remeter a tribunal, no prazo de cinco dias, todos os documentos que devam acompanhar a peça processual.

O regime jurídico dos documentos electrónicos e da assinatura digital encontra-se previsto no Dec. Lei nº 290-D/99, de 02/08 (com as alterações introduzidas pelos Dec. Lei nºs 62/2003 de 03/04 e 165/2004 de 06/07) e no Dec. Regulamentar nº 25/2004 de 15/07.

Dando substância à previsão do nº 2 do citado art.º 150º, foi publicada a Portaria nº 337-A/2004, de 31/03, a qual, nos termos do seu artº 10º, entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, no dia 01/04/2004.

De acordo com o nº 5 do art.º 2º da indicada Portaria “quando a mensagem de correio electrónico seja assinada por mandatário forense, o certificado associado à assinatura deve atestar a qualidade profissional do signatário”. E, nos termos do art.º 3º do mesmo diploma legal, “a expedição da mensagem de correio electrónico deve ser cronologicamente validada, nos termos da alínea u) do artigo 2º do Decreto Lei nº 290-D/99 de 2 de Agosto, mediante a aposição de um selo temporal”.

Com a entrada em vigor da Portaria nº 642/2004 de 16/06, manteve-se o princípio de que o envio de peças processuais por correio electrónico equivale à remessa por via postal registada e a imposição da validação cronológica da expedição da mensagem por selo temporal de uma terceira entidade idónea (art.º 3º, nºs 1 e 3).

No caso dos autos, notificada da admissão do recurso, a agravante, representada pelo seu advogado, diligenciou pelo envio por correio electrónico das respectivas alegações de recurso no último dia do respectivo prazo (18/01/06), pelas 23h 43m. É certo que o sistema viria a emitir a resposta de que tal envio falhou às 23h 49m desse mesmo dia. Seria exigível que o emissor ficasse a aguardar essa eventualidade?

Não se vislumbra que o mandatário da agravante tenha omitido os procedimentos a que estava obrigado ou que o documento enviado não tenha sido precedido da necessária certificação (através da Marca do Dia Electrónica).

Fê-lo ainda dentro do prazo legal, se bem que próximo do seu terminus, com a menção de que o documento foi enviado pelo sistema.

Diversamente do que foi entendido no despacho recorrido, o princípio de que o aplicador da lei tem de partir é o da funcionalidade dos mecanismos que ela própria acredita.

Tendo a agravante feito prova documental do envio atempado e correctamente dirigido das alegações em causa, e não tendo a entidade intermediária apontado uma razão para a falha na entrega do correio, deveria ter sido dado por verificado o justo impedimento na prática do acto, seguramente não imputável à parte, nos termos dos nºs 1 e 2 do art.º 146 do CPC.

Colhem, em consequência, as conclusões do agravo.

Pelo exposto, concedendo provimento ao agravo, julgam verificado o justo impedimento invocado pela agravante para a prática do acto, tendo este por válidamente efectuado no prazo legal, devendo o processado subsequente ser adequado a esse julgamento.

Sem custas.