Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
287/07.8TAGVA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: PARTICIPAÇÃO ECONÓMICA EM NEGÓCIO
CONSUMAÇÃO
ELEMENTOS DO TIPO
CO-AUTORIA
FUNCIONÁRIO
ILICITUDE NA COMPARTICIPAÇÃO
Data do Acordão: 05/28/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE GOUVEIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 377.º, 386.º, N.º 1, ALÍNEA C), E 28.º, N.º 1, DO CP
Sumário: I - O crime previsto no artigo 377.º do Código Penal consuma-se com a lesão dos interesses patrimoniais confiados ao funcionário - operada ao nível do próprio negócio jurídico, em função dos termos do seu conteúdo que são lesivos para os identificados interesses -, ainda que o agente não atinja o exaurimento do seu plano de obter a participação económica pretendida.

II - Estando demonstrado que o arguido, ao contratar, em representação de uma IPSS - da qual era presidente de direcção -, a co-arguida, teve intervenção em acto jurídico, cuja prática, em função da desnecessidade do cargo, produziu lesão aos interesses que se encontravam ao seu cuidado, agindo com uma finalidade lucrativa - no caso, em benefício da co-arguida, sua filha - traduzida em participação económica, assim criando um dano para a imagem da administração, para o interesse público na sua boa gestão, transparência e legalidade, cuja defesa, em razão da concreta função assumida, no todo ou em parte, sobre ele impendia, utilizando as faculdades/poderes que lhe estavam confiados para alcançar participação económica de carácter patrimonial - a saber: o montante dos salários devidos por força do contrato de trabalho -, foram indubitavelmente atingidos os bens jurídicos que o tipo de crime do artigo 377.º do CP visa tutelar, porquanto se evidencia um “quinhoar nos interesses que subjazem ao negócio jurídico em causa, tomando parte nele, numa lógica de colheita interesseira de proventos”.

III - Sendo incontestável, à luz da alínea c) do n.º 1 do artigo 386.º do CP, a qualidade de funcionário em que interveio o arguido - presidente da direcção de uma IPSS reconhecida como pessoa colectiva de utilidade pública -, e decorrendo do acervo factual provado uma actuação em co-autoria com a co-arguida - pessoa a quem a almejada participação económica ilícita se destinava; beneficiária, portanto, da acção, de acordo com a intenção do intraneus (o funcionário) -, por força do disposto no artigo 28.º, n.º 1, do referido diploma legal, impõe-se a extensão à co-arguida, não funcionária (extraneus), da qualidade detida pelo arguido.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório
1. No âmbito do PCC n.º 287/07.8TAGVA do Tribunal Judicial de Gouveia, foram, entre outros, os arguidos B... e C..., melhor identificados nos autos, submetidos a julgamento, findo o qual, por acórdão de 3 de Julho de 2013, do Tribunal Colectivo de Gouveia foi deliberado [transcrição parcial]:

«Em face do exposto decidem os Juízes constituídos em Tribunal Colectivo da comarca de Gouveia:
I. Absolver os arguidos C... e D... do imputado crime de peculato na forma continuada.
II. Condenar os arguidos:
a. B..., pela prática de:
i. Um crime de peculato p. e p. pelos artigos 375.º, n.º 1, e 386.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
ii. Um crime de participação económica em negócio p. e p. pelos artigos 377.º, n.º 1, e 386.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão;
iii. Um crime de falsificação de documento p. e p. pelos artigos 256.º, n.ºs 1, alínea d), e 4, e 386.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, na pena de 20 (vinte) meses de prisão.
b. C..., pela prática de um crime de participação económica em negócio p. e p. pelos artigos 28.º, n.º 1, 377.º, n.º 1, e 386.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
c. E..., pela prática de um crime de falsificação de documento p. e p. pelos artigos 28.º, , n.º 1, 256.º, n.ºs 1, alínea d), e 4, e 386.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, na pena de 14 (catorze) meses de prisão.
III. Operando o cúmulo jurídico das penas, nos termos do disposto no artigo 77º do Código Penal, condenar o arguido B... na pena única de 4 (quatro) anos de prisão.
IV. Suspender a execução:
a. Da pena única de prisão determinada ao arguido B... pelo período de 4 (quatro) anos, com sujeição a regime de prova e com o dever de o arguido pagar ao assistente “ A...”, no prazo de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, a quantia de € 8 700,00 (oito mil e setecentos euros), tudo nos termos do disposto nos artigos 50.º, 51.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, e 53.º, n.º 3, do Código Penal;
b. Da pena determinada ao arguido E... pelo período de 14 (catorze) meses, nos termos do disposto no artigo 50.º do Código Penal
V. Substituir a pena de prisão determinada à arguida C... pela pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), perfazendo € 1 800,00 (mil e oitocentos euros), conforme o disposto no artigo 43.º, n.º 1, do Código Penal.
VI. Absolver o arguido/demandado D... do pedido de indemnização civil contra ele deduzido.
VII. Condenar os arguidos/demandados:
a. B... no pagamento ao assistente/demandante “ A...da quantia de € 74 455,00 (setenta e quatro mil quatrocentos cinquenta e cinco euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar das datas em que cada uma das parcelas/quantias foi retirada e até efetivo e integral pagamento;
b. B... e C... no pagamento solidário ao assistente/demandante “ A...da quantia de € 1 943,40 (mil novecentos quarenta e três euros quarenta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar das datas em que cada uma das parcelas/quantias foi retirada e até efetivo e integral pagamento.
(…)».

2. Inconformados com o decidido, recorreram os arguidos B... e C... [o que fizeram conjuntamente], extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1º A arguida C... não cometeu o crime de participação económica em negócio pelo qual foi condenada.
2º Desde logo porque não detinha a qualidade de funcionária da Instituição, depois porque não tinha poderes de representação de nenhum cargo (não podendo, por isso, retirar dele vantagens ilícitas), depois ainda porque nenhuns interesses patrimoniais lhe cumpria administrar, fiscalizar, defender ou realizar e, por último, porque a sua participação nesse intitulado negócio não é ilícita, por não ser proibido nem ilegal, aos olhos da lei, contratar um trabalhador, mesmo sendo filho do Presidente da Direção da entidade patronal, que se provou ter permanecido na Instituição, ter estado disponível para desempenhar as funções que lhe foram pedidas e ter trabalhado, para além do mais, no desenvolvimento de um complexo e relevante projeto de criação de uma Unidade de Cuidados Continuados.
3º Não existe qualquer possibilidade da qualidade de não “funcionária” desta arguida lhe ser extensível por força do art. 28 do C. Penal, não só porque se trata de um requisito essencial de punibilidade do ato, mas especialmente porque a norma incriminadora deste tipo legal de crime (art. 377 do C. Penal) tem o intuito claro de apenas prever e punir condutas ilícitas de funcionários, na aceção que lhe é dada pelo art. 386 do C. Penal, e não de quaisquer outras pessoas que, por não beneficiarem dessa qualidade, também não podem obter vantagens ou benefícios indevidos por negócios desenvolvidos no âmbito desse especifico estatuto.
4º No que respeita à arguida C..., o Tribunal errou de forma notória na apreciação da prova, julgando incorretamente os pontos 20, 85, 92 e 93 da matéria de facto dada como provada, pelas razões enunciadas nas antecedentes páginas 30 e 31, que aqui se reproduzem e das quais ressalta a total injustificação e incompreensão pela não valoração quer das suas declarações quer das do seu pai B....
5º O arguido B... também não praticou este tipo legal de crime, por não ter participado em nenhum ato ilícito e por não fazer sentido, em face das regras da experiência, que depois da sua filha ter sido, sem quaisquer problemas, Diretora Técnica da Instituição durante cerca de 5 anos, ter obtido a concordância dos restantes membros da Direção para a contratar como Relações Publicas mediante a retribuição mínima nacional, e necessitar de, para além do mais, de desenvolver um projeto de significante envergadura, que exigia a participação de uma pessoa com bom relacionamento institucional, associativo e politico, atributos reconhecidos à arguida C..., pudesse representar sequer que estava a praticar um crime, beneficiando-a a ela e lesando patrimonialmente a IPSS que dirigia.
6º Seja como fôr, um ato que é licito e permitido do ponto de vista do direito administrativo e que foi praticado no exercício de um poder discricionário da Direção de uma Instituição, seguindo uma estratégia ou uma política de gestão que só a si lhe compete determinar, parece que só pode ser escrutinado e julgado pelos Serviços da Segurança Social, por serem estes, e não os Tribunais, quem tem competência legal e exclusiva para fiscalizar as IPSS.
7º Competia ao Ministério Público ter provado, de acordo com as regras do ónus da prova em processo penal, que o arguido B... levantou os cheques identificados nos pontos 39 e 40 dos factos provados, o que logrou fazer, e para além disso, que o montante desses cheques foi por si utilizado ilegitimamente e em proveito próprio, o que não foi demonstrado, sendo manifestamente insuficiente e legalmente inadmissível a conclusão lógica ou “a contrario” de que essa apropriação se verificou porque não há elementos documentais ou contabilísticos comprovativos do destino dado a esses montantes.
8º Como resulta das suas declarações, articuladas com o que foi dito por quase todas as testemunhas de acusação quanto ao numero diário de utentes e funcionários que se alimentava na Instituição, o arguido pensa ter demonstrado que as aludidas verbas (mormente as levantadas na Caixa ...) se destinaram a efetuar o pagamento em dinheiro de produtos agrícolas e hortícolas – designadamente legumes, frutas, batatas, azeite e vinho – a fornecedores do Lar, mais concretamente a pequeníssimos produtores, todos eles oriundos da aldeia de x(...), que não possuíam faturas, recibos ou outros documentos contabilisticamente e fiscalmente admissíveis.
9º Além disso, todos os cheques da Caixa (...) foram levantados com regularidade trimensal e com as assinaturas do arguido e do tesoureiro, o que, de acordo com as regras da experiência, afasta claramente uma estratégia furtiva ou oculta de sonegação ou apropriação de verbas por parte do arguido.
10º Por outro lado, este procedimento de levantamento de cheques, a sua troca por numerário, a entrega deste ao tesoureiro e o posterior pagamento de fornecimentos, já ocorre na instituição desde o ano da sua fundação, em 1987, o que torna absurda, até pelos brutais valores envolvidos, a ideia da apropriação (exclusiva ou não), e durante 20 anos, dos respetivos montantes por qualquer elemento da Direção.
11º Uma investigação séria e rigorosa devia ter ido muito mais longe, não se restringindo a um apuramento parcial dos factos e incidindo apenas sobre cerca de dois anos e meio (dois meses de 2004, 2005, 2006 e cinco meses de 2007), o que, por desconsiderar a prática e a verdade anterior, é suficiente para distorcer a realidade e criar a falsa ideia de uma aparente apropriação.
12º Quanto aos cheques do Banco (...), também eles assinados pelo Tesoureiro, a explicação que o arguido deu para o seu levantamento é, no seu entender, perfeitamente plausível e credível, julgando que também nesta parte o seu depoimento deveria ter sido devidamente considerado e corretamente valorado, não obstante não terem sido encontrados documentos contabilísticos ou outros que comprovassem as operações efetuadas.
13º Os de maior valor (4000€, 3000€ e 2325€), que segundo o arguido se destinaram a pagar empréstimos feitos pelo QQ...e por Lino Bento à Instituição, não estando especificamente retratados nos elementos contabilísticos disponíveis, somam aproximadamente o valor que o documento denominado “deposito de caixa” referente a 2006 refere (9000€) de liquidação de empréstimos a particulares, sendo que no mesmo documento de 2007, esses empréstimos já aparecem liquidados, o que permite dar crédito à sua versão.
14º Quanto aos restantes (1500€, 1420€ e 850€), esclareceu, de forma que considera plausível, que tiveram como fim o reembolso a ele próprio de despesas e pagamentos que ia adiantando à Instituição, quando passava em vários sítios e ia adquirindo bens (alimentares e outros) que liquidava com dinheiro seu, ocorrendo depois um encontro de contas.
15º É infundada a dedução, que o Tribunal recorrido também fez, de que uma contabilidade desorganizada ou incorreta, por não refletir despesas realizadas e receitas obtidas sem emissão dos respetivos documentos de suporte, representa ou conduz necessariamente à apropriação ilegítima de quantias e prática de crimes de peculato por quem tinha a responsabilidade diretiva máxima da Instituição, sendo certo que se esta fazia compras paralelas para ajudar a economia e os agricultores locais, não coletados para o exercício das respetivas atividades, não podia, obviamente, ter uma contabilidade que retratasse os negócios não declarados que realizava.
16º No que respeita ao computador, placas de cozinha, fogão e demais utensílios referidos nos pontos 70, 73 e 74 da sentença, o facto de não terem sido encontrados na Instituição na altura da realização da Inspeção pelos serviços da Segurança Social (26 e 27 de Setembro de 2007), não significa nem prova, só por si, que o arguido se apropriou deles.
17º Em primeiro lugar, porque abandonou a instituição em 7 de Setembro de 2007 (ou seja, 20 dias antes da Inspeção), não podendo ser responsabilizado nem culpado pelo que aconteceu a seguir, depois porque deixou lá ficar todos esses bens, como declarou com segurança e não foi desmentido por ninguém, depois ainda porque nenhum desses bens foi comprado sozinho pelo arguido, sem o conhecimento de mais ninguém – o tesoureiro esteve sempre presente -, por último, porque as buscas às suas casas não revelou a existência de nenhum deles em sua posse.
18º No que concerne ao cheque do QQ..., que não foi emitido à ordem da Instituição, como aconteceu com todos os outros que se destinavam a pagar mensalidades como utente, não se vê nenhuma razão atendível para que a explicação do arguido – reembolso de um empréstimo seu ao QQ...– não seja considerada consistente ou, pelo menos, não deixe dúvidas fortes sobre a conclusão de que ele se apropriou indevida e ilegitimamente do dinheiro relativo a esse cheque, o qual teria como fim a instituição.
19º Quanto aos cheques do gasóleo de aquecimento e daquele de 250€ que foi por si depositado na conta do seu filho D..., o arguido apela, uma vez mais, para as suas declarações – o tesoureiro já cá não está para as confirmar – e para as regras da vida, que nos dizem que acontecimentos episódicos e pontuais sem relevância económica, como foram estes, não são compagináveis com a reiteração, com a repetição e até com a avareza habituais nos crimes de peculato.
20º No que se refere ao cheque do PP..., tal como sucedeu com os outros casos já aludidos, o arguido explicou, de forma aceitável e sólida, que este cheque lhe foi entregue a si pela instituição, através do tesoureiro, a fim de o ressarcir de despesas que ele tinha efetuado em benefício daquela, não parecendo estranho nem inabitual que um Presidente de uma Instituição lhe possa adiantar dinheiro, sendo depois reembolsado do que pagou de uma só vez ou após várias parcelas que justifiquem a oportunidade de uma devolução ou um acerto de contas.
21º De todo o modo, se a intenção do arguido fosse a da apropriação indevida de quantias que eram da Instituição, jamais em todos estes casos teria usado cheques, mas apenas e tão só numerário, por não deixar “rasto” documental ou ser de mais difícil associação a qualquer actividade ilícita e criminosa.
22º Pelas razões que acima se detalharam e que aqui se reproduzem, julga o arguido que relativamente a si o Tribunal recorrido julgou incorretamente os seguintes pontos da matéria de facto: 6, 7, 11, 15, 16, 27, 33, 45, 46, 47, 50, 53, 55, 56, 57, 58, 59, 66, 68, 69, 70, 73, 74, 75, 82, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 91, 92 e 93.
23º Os balancetes mensais de Setembro a Outubro de 2007, não tendo sido assinados pelo arguido, por dizerem respeito a um tempo em que ele já não estava na Instituição, não podiam ter sido utilizados pela P.J. e pelo Tribunal recorrido para retirarem conclusões de desconformidade documental e de prova da aparência de apropriação ilegítima e ilícita de quantias por parte daquele.
24º Por último, quanto ao pedido cível, que deverá improceder por força da pretendida absolvição do arguido dos crimes de peculato e de participação económica em negócio, os valores encontrados pelo Tribunal parte de pressupostos amputados e de uma base distorcida, uma vez que a acreditar na tese de que o arguido se apropriou em 3 anos da quantia de 74.455€ - e tendo, mesmo assim, deixado a instituição com resultados líquidos positivos de 47 mil euros (vide relatório da Inspeção dos Serviços de Segurança Social), então, ter-se-ia de concluir que esta IPSS apresentava lucros superiores a 25 mil euros por ano (25 x 3 = 75 mil euros), o que é algo de inatingível e absolutamente inimaginável em Instituições similares.
25º A sentença recorrida violou ou interpretou incorretamente os art 127 do CPP, 377 n.º 1, 386 n.º 1 al. c), 28 e 375 nº 1 do Código Penal e 483 do C. Civil.

Assim,
Deverá essa sentença ser revogada ou substituída por outra que anule o julgamento para apuramento dos factos ocorridos entre 1987 e 2004 no que respeita ao levantamento de cheques, ou que absolva desde já o arguido B... do crime de peculato e ambos os arguidos dos crimes de participação em negócio em que foram condenados.
Assim se fará a habitual JUSTIÇA!

3. Por despacho exarado a fls. 3063 foi o recurso admitido, fixado o respectivo regime de subida e efeito.

4. Ao recurso respondeu o Ministério Público, concluindo:
1. Da conjugação do disposto nos artigos 428º nº 1, 412º nº 3 e 431º, todos do C.P.P., resulta que o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, por parte do Tribunal da Relação mas ao exame de certos e determinados pontos que o(s) recorrente(s) considere(m) incorretamente julgados.
2. Quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o tribunal de recurso não tem que proceder a nova apreciação do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal “a quo” relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere incorretamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida prova.
3. Nada impede que a prova a reapreciar, se faça com base no depoimento de uma só pessoa, mesmo quando essa pessoa é o arguido, pois que, estando sujeito também ao princípio da livre apreciação, em determinadas circunstâncias, pode convencer, num ou noutro sentido, desacompanhado de outras provas e por si só, isto porque as declarações do arguido não são, em abstrato, menos credíveis do que as de qualquer outro interveniente processual designadamente testemunha.
4. No crime de participação económica em negócio, por coautoria com o funcionário, pode obter-se uma vantagem ilícita ou tendencialmente não devida, não dependendo esse coautor de funções administrativas, de chefia ou de representação. Tal vantagem, poder-se-á bastar tão só na obtenção de benefícios ou contrapartidas que advierem em circunstâncias de algum favor ou favoritismo que na normalidade das coisas, certamente não ocorreria.
5. Assinar o contrato e por via disso obter vencimento, ou pagamento de um ordenado, em determinadas circunstâncias, pode precisamente preencher esse conceito, desde logo se se trata de um cargo ou posto de trabalho criado a preceito ou “de favor”.
6. Não está vedado ao tribunal criminal apreciar e verificar das circunstâncias que rodearam a criação desse lugar específico e concluir que essa contratação se traduziu numa manifesta desvantagem para a Instituição.
7. Tentar-se a justificação, para a celebração dum contrato de trabalho, com a criação de um lugar especifico, com encargos para a instituição, e cuja expressão quer para os utentes quer para os demais trabalhadores passava apenas por ser vista na instituição, visitas aos idosos, e meras deslocações, permite sem margens para duvidas concluir que a arguida, de conluio com o seu pai, e ainda que, com a “complacência” ou pelo menos não oposição dos demais elementos da direção, tiveram como única intenção o beneficio daquela, criando um lugar que de todo, senão desnecessário, pelo menos não traduzia um manifesto benefício para a instituição.
8. Radica no conjunto de conhecimento e vontades, presente em ambos os arguidos e em particular na recorrente ao aceitar tal “contratação” quando podia e devia ter recusado, pois sabia que os benefícios que adviessem dessa contratação, se traduziam em encargos com vencimentos desnecessários e como tal causadores de prejuízos para a instituição que o seu pai, como presidente, mais do que ninguém devia defender, que a arguida se tornou coautora na execução do facto ilícito daquele, não obstante não ter a qualidade de funcionária.
9. O bem jurídico protegido pela incriminação do crime de participação económica em negócio, previsto no artº 377º do Cod. Penal, é o património público ou particular e, acessoriamente a integridade do exercício de funções públicas pelo funcionário. E traduz-se num crime específico, ou seja que só pode ter como agente direto uma pessoa com a qualidade de funcionário (qualidade do agente), funcionando essa qualidade no caso do n.º 1 como agravante como uma agravante da ilicitude (crime específio impróprio) e no caso dos nº 2 e 3 como fundamento dessa mesma ilicitude (crime específico próprio). Daí que a regra consagrada no art. 28º do Cod. Penal sobre a comunicabilidade da ilicitude na comparticipação, apenas nos casos de crimes de mão própria, ou seja aqueles cuja comissão só pode, pela sua natureza pessoalíssima, serem cometidos pela ação física do agente, leia-se através do próprio corpo, encontra limite.
10. E compreende-se que assim seja pois de outro modo muitas situações ficariam impunes, apenas e tão só porque determinado agente ainda que em comunhão de vontades e de intenções de praticar um ilícito, e nele colaborando expressa ou tacitamente, visse afastada a sua comparticipação, isentando-se de responsabilização, apenas e tão só porque não tinha determinada qualidade prevista no tipo, ainda que esta funcione tão só para a fundamentação do ilícito enquanto tal ou como forma de agravar essa mesma ilicitude dado o acréscimo de exigência que recai sobre o agente contemplado no tipo.
11. A impugnação da matéria de facto pode realizar-se através de dois meios, seja pela invocação dos vícios a que alude o art.º 410º do Cod. Proc. Penal, ou através do disposto nas alíneas do art.º 431º do mesmo diploma legal, para apreciar e concluir se outra podia ser, ou não a decisão do tribunal recorrido, face aos factos apurados ou se estes não foram devidamente apreciados.
12. Resulta do disposto no art.º 410º nº 2 do Código de Processo Penal, apreciado segundo o pressuposto que em qualquer das apontadas hipóteses, o vício(s) apontado(s) tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento. É pois evidente que é a partir da fundamentação da sentença, designadamente da motivação da matéria de facto, que se podem detetar os vícios aludidos no referido preceito.
13. A documentação da prova em primeira instância, tem por fim primeiro, garantir o duplo grau de jurisdição da matéria de facto, mas o recurso de facto para o Tribunal da Relação, não configura um novo julgamento em que a segunda instância aprecia toda a prova produzida e documentada como se o julgamento ali realizado não existisse.
14. A garantia do duplo grau de jurisdição de matéria de facto exige uma articulação entre o Tribunal de 1ª Instância e o Tribunal de recurso relativamente ao princípio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127.º do Código de Processo Penal, que estabelece que “Salvo quando a lei dispuser de modo diferente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
15. A convicção do Tribunal a quo é formada da conjugação dialética de dados objetivos fornecidos, seja por documentos seja por outras provas, mormente declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem, só perceptíveis a quem, na imediação direta as aprecia.
16. Daí que um qualquer recorrente, impugnando a credibilidade das declarações ou invocando as próprias em seu favor, por alegada descredibilização da respectiva versão na convicção do tribunal, deverá indicar elementos objectivos que imponham, desde logo em sede de “revisão do decidido” um diverso juízo sobre a credibilidade dessas mesmas declarações, pois as mesmas, como é o caso, estribam-se em elementos subjetivos, como tal, um campo circunscrito à imediação do tribunal recorrido.
17. O princípio da livre apreciação da prova tanto vincula o tribunal de primeira instância como o tribunal de recurso, pelo que o Tribunal da Relação, na apreciação da matéria de facto a que proceda nos termos do art. 412.º, n.ºs 3 e 4 do C.P.P., deve fazê-lo sob o prisma de uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão tomada pelo Tribunal “a quo” quanto aos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, avaliando se as provas indicadas por este impõem decisão diversa da recorrida.
18. Se o Tribunal “a quo”, que beneficiou plenamente da imediação e da oralidade da prova, explicou lógica e racionalmente a opção tomada, deve o Tribunal “ad quem”, nessa reapreciação da prova, manter a decisão recorrida se chegar à conclusão do acerto dessa mesma opção.
19. Em Processo Penal, compete ao Ministério Público fazer a prova do cometimento dos ilícitos, ou seja a prova dos elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime imputado a qualquer cidadão/arguido, não cabendo a este demonstrar a sua inocência.
20. Porém, isso não implica que sobre a acusação impenda, outrossim, a prova da não verificação de quaisquer circunstâncias ou hipóteses que afastem a responsabilidade do mesmo.
21. No caso em apreço e do manancial de documentos existentes e recolhidos nos autos foi cabal a demonstração de que foi o arguido quem efetuou o levantamento de cheques das contas bancárias do “ A...”.
22. Desse mesmo manancial probatório nenhum elemento existe, de contabilidade organizada ou mesmo de contabilidade “dita de mercearia”, que justificassem tais levantamentos e saídas de dinheiro dessas contas.
23. Embora nada impeça que a prova de um ou vários factos, ainda que controvertidos, possa ser feita com base no depoimento de uma só pessoa, mesmo quando essa pessoa é o arguido, tal juízo de valor, tal como qualquer outro, deve ser tomado em função da concreta situação a apreciar.
24. Não bastará a propalar seriedade do recorrente para que sem mais a versão que apresentada seja tida como inquestionável e uma verdade convincente para o Tribunal.
25. E isso é tanto mais exigível quanto é viável a produção de prova que ainda que não cabal, possa de algum modo complementar os factos que alega sem que com isso haja uma qualquer inversão de ónus da prova.
26. A verdade dos factos e o seu apuramento, pode resultar exatamente da contraprova a efetuar, desde logo pela versão do arguido que em última análise, fazendo soçobrar a acusação desde logo pela dúvida criada ao tribunal na verificação senão dos elementos objetivos do crime, pelo menos daqueles cuja subjetividade impunha provar.
27. Admitindo o arguido ter efetuado os levantamentos dos cheques constantes do libelo acusatório e apresentado como justificação serem destinados a ressarcir-se de empréstimos feitos à instituição, e a efetuar pagamentos em dinheiro, a fornecedores e por serviços prestados à instituição, quando essas transações não eram acompanhadas da emissão de documentos contabilísticos, necessário seria haver outros elementos de prova que suportassem essa alegação desde logo até porque tendo o tesoureiro II... falecido entretanto, não seria possível ouvir a sua versão nos factos.
28. Por mais incipiente que pudesse ser a contabilidade à volta da instituição tendo em conta as entidades envolvidas (desde logo a Segurança Social, exigente na prova dos elementos contabilísticos, fornecedores e outros prestadores de serviços) necessariamente até pelos valores envolvidos que tais movimentos financeiros teriam base documental suportável e que revelassem, ainda que em pequena escala, a origem e finalidades dos montantes envolvidos, desde logo porque tratando-se de dinheiros de terceiros se impunha senão alguma credibilização exatamente o seu bom e sério uso, tanto mais que a movimentação de tais contas reflete um movimento e fluxos consideráveis não compagináveis com memória descritiva do uso dado a tais dinheiros.
29. Ainda que falhasse essa prova documental, rudimentar ou incipiente, por inexistente, mais se compreeende que nenhum dos alegados fornecedores, recebedores das quantias alegadamente levantadas para esse efeito tenha sido indicada como testemunha do recorrente, e que desse modo ainda que não totalmente, pelo menos pudesse levantar a suspeição de que as coisas efetivamente assim se passaram, tanto mais que eram em grande percentagem da terra onde a instituição se situava.
30. É igualmente na ausência de qualquer elemento de contraprova perante as afirmações do arguido que igualmente foi convicção do tribunal que o mesmo não disse a verdade quanto aos alegados empréstimos feitos ao QQ...numa altura em que o mesmo teria problemas com a esposa.
31. Tanto mais que da demais prova testemunhal produzida em julgamento de pessoas ligadas à instituição ex-corpos sociais, ex-empregadas e empregados atuais, todos foram unânimes em afirmar que o falecido QQ...era um grande benemérito da instituição, e pessoa tida por abastada pelo que, mal se compreende que tivesse o arguido de lhe emprestar dinheiro, mais de €2000,00 e que a tê-lo feito, desde logo para segurança do próprio arguido, não só atenta a idade do mutuário mas também pelo facto de estar a viver no lar da instituição e ter familiares, designadamente a mulher com quem até teria problemas na altura, que esse alegado empréstimo não estivesse de algum modo documentado ou que mais ninguém soubesse do mesmo, confirmando a versão do arguido e assim se admitindo como possível que o cheque em causa (factos constantes dos artigos 58.º e 59.º) fosse por esse motivo, depois, depositado na sua conta.
32. E igual raciocínio e reparos merece a apreciação que foi feita quanto aos factos descritos em 31 a 33, 66 a 69 e 82 a 84 do acórdão recorrido, dados por assentes e impugnados pelo arguido recorrente, pois que igualmente neste particular nenhuma dúvida se suscitou ao tribunal de que tais factos não se tivessem passado conforme descritos na acusação e que a mera negação e justificação apresentadas pelo arguido, sem mais tivessem o condão de os abalar.
33. Merecendo pelo menos parte dos objetos comprados (tal como os demais com dinheiro da instituição) sérias reservas desde logo quanto ao timing dessa aquisição e utilidade ainda que futura na mesma (referimo-nos ao forno e às placas) pois que adquiridos numa altura em que estando já prevista uma ampliação das instalações do ATL e creche, ainda era aguardado o parecer técnico do Centro Distrital da Segurança Social, que poderia não só não ocorrer ou ser desfavorável à utilização desses eletrodomésticos naqueles espaços, pois que as características eram mais adequadas ao uso privado e familiar, havendo, por conseguinte, riscos de ser dinheiro deitado fora.
34. Para além de que alegadamente se destinavam a uma utilização futura, seguramente a mais de um ano, aliado ao facto de haver dificuldades de tesouraria, mal se compreende a aquisição na data em que ocorreu desacompanhada desde logo de uma eventual boa razão ou justificação de negócio com tais aquisições.
35. Ao que acresce a circunstancia de, estranhamente, durante esse período de tempo, ninguém da instituição, em particular as pessoas ligadas quer à direção quer aos outros corpos sociais, quer os trabalhadores, mormente as pessoas ligadas à cozinha, tenha visto tais eletrodomésticos na instituição, ainda que guardados em qualquer lugar menos acessível ou no local que o arguido diz ter sido utilizado para os guardar e que seguramente era frequentado pelas pessoas que ali trabalhavam.
36. O mesmo sucedeu com os demais objetos, computador, mala de ferramentas, ferro e aspirador, que nunca foram vistos por ninguém nem encontrados na instituição e para os quais, estranhamente, ou talvez não, havia suporte documental dos referidos gastos.
37. É pois na inexistência de qualquer explicação credível para afastar a prova da apropriação dos referidos bens pelo arguido, para si ou para terceiros, que não a instituição, mas à custa da qual foram os mesmos adquiridos, que igualmente neste particular não convenceu e bem, diremos nós, o tribunal da alegada cabala contra si, e que alguém terá feito desaparecer tais bens depois de ter deixado a instituição.
38. Não bastará, pois, tal afirmação ou suspeição para convencer disso quando é a própria existência desses mesmos bens na instituição que merecem dúvidas de alguma vez ali terem entrado dado que das inúmeras pessoas ouvidas, nenhuma delas disse alguma vez ali ter visto ou entrar, sequer, tais objetos.
39. Tendo sido contabilizados e por isso objeto de escrutínio e análise quanto à desconformidade, apenas os balancetes que refletiam a contabilidade que o mesmo após preencher e assinar o formulário apresentava na TT..., e tais movimentos refletidos nas declarações por ele preenchidas e assinadas, como montantes recebidos é que por comparação com os elementos dos serviços administrativos, permitiram chegar às desconformidades encontradas ainda que esse balancete administrativo refletisse um período de tempo em que o arguido já não se encontrava na instituição.

Termos em que entendemos que negando-se provimento ao recurso dos arguidos e mantendo-se, na íntegra a decisão recorrida, farão Vossas Excelências JUSTIÇA!

5. Na Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer que se mostra junto a fls. 3151 a 3153, no qual, acompanhando, no essencial, a resposta apresentada em 1.ª instância, se pronuncia no sentido de o recurso não merecer provimento.

6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, nº 2 do CPP, nenhum dos sujeitos interessados reagiu.

7. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
                  De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

No caso em apreço, questionam os recorrentes:
- A matéria de facto, invocando «erro de julgamento», «erro notório na apreciação da prova», violação do artigo 127.º do CPP [recorrente B...; recorrente C...];
- A subsunção dos factos ao crime de participação económica em negócio [recorrente B...; recorrente C...];
- A condenação pelo crime de peculato [recorrente B...];
- A condenação no pedido de indemnização civil [recorrente B...; recorrente C...].

2. A decisão recorrida [transcrição parcial com pequenas alterações gráficas]:

2.1.
Discutida a causa, o Tribunal Coletivo julga provados os seguintes factos:

1.
Por escritura pública realizada no Cartório Notarial de Gouveia, no dia 28 de Outubro de 1987, foi constituída uma Associação denominada “ A...”, com sede em x(...), deste concelho de Gouveia, a reger pelos estatutos constantes do documento complementar, constituído por 9 folhas.

2.
De acordo com os estatutos anexos, a Associação “ A...” é uma instituição particular de solidariedade social com sede em x(...) – Gouveia, tendo por objetivo a criação de um centro de dia, lar para a terceira idade, creche e jardim-de infância, bem como levar a cabo iniciativas de caráter cultural e recreativo e de bem-estar dos arcozelenses e cooperar na assistência médica aos habitantes da freguesia.

3.
O “ A...”, com o NIPC 501 935 410, instituição particular de solidariedade social, com sede em x(...), foi reconhecido como pessoa coletiva de utilidade pública em 9 de Fevereiro de 1988, conforme publicação no Diário da República, III Série, de 20 de fevereiro de 1989.

4.
Não existe livro de atas da assembleia-geral anterior a 23 de Dezembro de 1993, sendo que a quase totalidade dos membros que compõem os respetivos órgãos sociais se mantiveram nos respetivos cargos até 2007, como sucedeu com Y..., AA...e GG..., na assembleia-geral; B..., HH... e II..., na direção; Z..., JJ... e N..., no conselho fiscal.

5.
Durante o período em que o arguido B... exerceu funções de presidente da direção, o que aconteceu, de forma ininterrupta, desde a sua fundação em 1987 até 7 de Setembro de 2007, foi sempre ele quem assumiu a generalidade das decisões de gestão/administração do “ A...”.

6.
Nessa qualidade, pelo menos a partir do ano de 2004, o arguido B... formulou o desígnio que manteve até ao termo da sua gestão de tomar, por sua própria iniciativa, como tomou, várias decisões e de praticar, como praticou, diversos atos de gestão que lesaram grave e patrimonialmente a instituição a que presidia, o “ A...”.

7.
Com efeito, o arguido B..., através de várias decisões e atos de gestão por si tomados, em conformidade com aquele desígnio, teve como único intuito o seu próprio benefício ou o dos seus familiares, no caso concreto dos seus filhos, os arguidos C... e D..., bem sabendo, no entanto, que a sua atuação causava prejuízos à instituição que presidia.

8.
Em geral, pelo menos grande parte dos restantes membros dos órgãos sociais foi confiando na gestão efetuada pelo arguido B... ao longo dos sucessivos mandatos.

9.
Com efeito, em 1 de março de 2002, foi nomeada pelo arguido B..., para exercer o cargo de diretora técnica da instituição, a arguida C..., sua filha.

10.
Em 6 de maio de 2002 foi enviado um ofício, dirigido ao Centro Regional da Segurança Social da Guarda, assinado pelo arguido B..., onde se deu conta que “a Direcção, do A..., informa os vossos serviços que a partir do dia 1/03/2002, foi admitido um Director Técnico ( C...) a meio tempo e a título gratuito a fim de prestar os serviços competentes relativamente à sua categoria profissional”.

11.
O arguido B... designou como diretora técnica da instituição particular de solidariedade social a sua filha, a arguida C..., sem que a mesma tivesse formação académica adequada para desempenhar tais funções, não as tendo efetivamente desempenhado nos termos em que foi nomeada.

12.
A arguida C... formalmente desempenhou tais funções desde 1 de março de 2002 a Maio de 2007, não obstante no período compreendido entre o ano de 2002 e 2007, residir e trabalhar em Lisboa, onde exercia as funções de funcionária da “Caixa (...)”, cidade onde viveu até Abril de 2007, data em que foi transferida para a agência da “Caixa (...)” de Viseu.

13.
A partir do momento em que P..., assistente social, iniciou o seu estágio profissional, em Julho de 2007 e até ser nomeada, em 15 de Maio de 2008, diretora técnica da instituição, passou a ser esta a exercer tais funções.

14.
Na sequência de um relatório dos serviços de fiscalização do Centro foi elaborada uma informação pela técnica de serviço social da Segurança Social, datada de 20 de junho de 2007, na qual se refere que “em Maio passado, a instituição procedeu à contratação de uma técnica licenciada em Relações Públicas, em regime de tempo parcial, após orientação nossa no sentido da necessidade de afectação de um Director Técnico com formação na área das ciências sociais e Humanas e/ou de um Técnico de Serviço Social conforme Norma XI do Despacho – Normativo nº 12/98, de 25 de Fevereiro”.


15.
O arguido B..., de acordo com, no mínimo, os restantes membros da direção que assinaram o contrato de trabalho, ao confrontar-se com a imposição de contratar outra pessoa para assumir e desempenhar as funções de diretora técnica, designadamente por questões de formação na área das ciências sociais e humanas, que a arguida C..., sua filha, não detinha, como tal não podendo continuar a exercer tais funções, decidiu contratá-la como relações públicas do “ A...”, com o único intuito de assegurar um salário mensal a pagar pela instituição à sua filha, bem sabendo que não existia qualquer necessidade em contratar uma relações públicas para a instituição e que, ao atuar dessa forma, lesava os interesses da instituição, causando-lhe prejuízos patrimoniais.

16.
Apenas atuando com o objetivo de obter um benefício ilegítimo, o salário mensal, para a sua filha.

17.
Com efeito, em 2 de maio de 2007, a arguida C... foi contratada pelo “ A...” para desempenhar as funções de relações públicas e gestão, estando o respetivo contrato de trabalho assinado pelo arguido B..., por HH... e pelo Tesoureiro II... (já falecido), em representação da instituição.

18.
Para desempenhar as funções de relações públicas e gestão foi atribuída à arguida C... uma remuneração mensal ilíquida de € 545,90, estando «posicionada» no organigrama da instituição abaixo da direção e acima da direção técnica, tendo-lhe sido concedido o seguinte horário de trabalho: de segunda a sexta-feira, das 18 às 20 horas; sábado e domingo, das 10 às 12 horas e das 14 às 16 horas, o qual raramente foi cumprido.

19.
Com este contrato, a arguida C... auferiu um vencimento mensal líquido de € 485,85 entre Maio e Agosto de 2007, vencimento que lhe foi pago através de quatros cheques da “Caixa (...)”, no valor total de € 1 943,40, a saber:
i. Cheque nº 3341400319, no valor de € 485,85, com data de emissão de 28 de maio de 2007;
ii. Cheque nº 0444907221, no valor de € 485,85, com data de emissão de 28 de junho de 2007;
iii. Cheque nº 1444907313, no valor de € 485,85, com data de emissão de 28 de julho de 2007;
iv. Cheque nº 4944907363, no valor de € 485,85, com data de emissão de 28 de agosto de 2007.

20.
Durante esse período, a arguida C... exercia funções a tempo inteiro na “Caixa (...)” de Viseu, não desempenhando quaisquer outras funções, designadamente as de relações públicas na supra aludida Associação.

21.
Sendo que, de acordo com o previsto nos estatutos legais, designadamente no Capítulo III, artigo 23º, nº 2, “os membros dos corpos gerentes não podem contratar directa ou indirectamente com a associação, salvo se do contrato resultar manifesto benefício para a associação”.

22.
No ano de 2007, os serviços de fiscalização da Segurança Social, na sequência de uma denúncia efetuada, procederam a uma inspeção ao Lar Nossa Senhora da Assunção, sede do “ A...”.

23.
No âmbito dessa inspeção apurou-se que a situação económica e financeira do “ A...” se apresentava líquida positiva, tendo níveis de liquidez e de tesouraria razoavelmente suficientes para fazer face a constrangimentos pontuais de tesouraria, mas não para fazer face a possíveis investimentos com recurso exclusivo ao autofinanciamento.

24.
O “ A...” era titular de duas contasbancárias (depósitos à ordem), identificadas da seguinte forma:
i. Conta bancária nº 40102789436, domiciliada na “Caixa de Crédito (...)”, balcão de x(...);
ii. Conta bancária nº 7680521061, domiciliada no “ Banco (...)”, balcão da Guarda.

25.
A quase totalidade dos pagamentos do “ A...” era efetuado através da conta bancária domiciliada na “Caixa de Crédito (...)”,designadamente os ordenados dos funcionários, pagamentos ao Estado, aquisição de produtos alimentares, despesas de manutenção do edifício e viaturas, com recurso à emissão de cheques dessa mesma conta.

26.
Sendo que a conta domiciliada no “ Banco (...)” era utilizada essencialmente para receber as transferências mensais dos apoios da Segurança Social, resultantes do acordo celebrado entre esta unidade e o “ A...”, relativo às diversas valências em funcionamento na instituição, sendo esses valores, na totalidade ou em parte, posteriormente transferidos, pelo arguido B..., para a conta bancária da “Caixa de Crédito (...)”.

27.
Entre 24 de novembro de 2002 e 6 de junho de 2007, o arguido B... – sem que tivessem sido encontrados na contabilidade quaisquer documentos que justificassem a saída de tais quantias, mas correspondendo os mesmos ao pagamento de despesas no âmbito das funções de diretora técnica da arguida C... –, procedeu a depósitos em diversas contas bancárias tituladas pela arguida, domiciliadas na “Caixa (...)”, de 32 cheques com diversos valores, sacados sobre as duas contas do “ A...”, cujo valor global ascende a € 9 913,00.

28.
Assim, 10 cheques da “Caixa (...)” foram depositados na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o número 0756/041131/000, a saber:
i. Cheque nº 0743593438, no valor de € 150,00, emitido em 24 de novembro de 2002, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0756/041131/000, em 25 de novembro de 2002;
ii. Cheque nº 4852086775, no valor de € 150,00, emitido em 30 de dezembro de 2002, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0756/041131/000, em 30 de dezembro de 2002;
iii. Cheque nº 8052086890, no valor de € 150,00, emitido em 28 de fevereiro de 2003, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0756/041131/000, em 10 de março de 2003;
iv. Cheque nº 7071520604, no valor de € 150,00, emitido em 29 de janeiro de 2004, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0756/041131/000, em 2 de fevereiro de 2004;
v. Cheque nº 2677121335, no valor de € 250,00, emitido em 4 de maio de 2004, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0756/041131/000, em 10 de maio de 2004;
vi. Cheque nº 1583270274, no valor de € 150,00, emitido em 28 de maio de 2004, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0756/041131/000, em 7 de junho de 2004;
vii. Cheque nº 5883270280, no valor de € 100,00, emitido em 10 de junho de 2004, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0756/041131/000, em 19 de junho de 2004;
viii. Cheque nº 7287926397, no valor de € 300,00, emitido em 28 de novembro de 2004, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0756/041131/000, em 13 de dezembro de 2004;
ix. Cheque nº 5393865957, no valor de € 350,00, emitido em 25 de fevereiro de 2005, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0756/041131/000, em 2 de março de 2005;
x. Cheque nº 5500259782, no valor de € 300,00, emitido em 10 de março de 2005, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0756/041131/000, em 17 de março de 2005.

29.
Foram ainda depositados 20 cheques da “Caixa (...)”, com o número 40102789436, na conta bancária da arguida C..., com o nº 0710/009898/300, num total de € 5515,00, e um na conta nº 0710/009898/961:
i. Cheque nº 2900259828, no valor de € 200,00, emitido em 20 de abril de 2005, depositado na bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0710/009898/300;
ii. Cheque nº 1100259830, no valor de € 150,00, emitido em 10 de abril de 2005, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0710/009898/300;
iii. Cheque nº 0300259874, no valor de € 150,00, emitido em 10 de maio de 2005, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0710/009898/300;
iv. Cheque nº 7703153171, no valor de € 350,00, emitido em 5 de junho de 2005, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0710/009898/300;
v. Cheque nº 6903153215, no valor de € 1 000,00, emitido em 24 de julho de 2005, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0710/009898/300;
vi. Cheque nº 6003153216, no valor de € 100,00, emitido em 7 de julho de 2005, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0710/009898/300;
vii. Cheque nº 5903153270, no valor de € 250,00, emitido em 2 de agosto de 2005, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0710/009898/300;
viii. Cheque nº 9707532126, no valor de € 250,00, emitido em 30 de setembro de 2005, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0710/009898/300;
ix. Cheque nº 0707532136, no valor de € 300,00, emitido em 18 de outubro de 2005, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0710/009898/300;
x. Cheque nº 8007532171, no valor de € 150,00, emitido em 28 de dezembro de 2005, depositada na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0710/009898/300;
xi. Cheque nº 4112597386, no valor de € 250,00, emitido em 20 de novembro de 2005, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0710/009898/300;
xii. Cheque nº 5912597481, no valor de € 500,00, emitido em 15 de janeiro de 2006, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0710/009898/300;
xiii. Cheque nº 1718780783, no valor de € 250,00, emitido em 15 de fevereiro de 2006, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0710/009898/961;
xiv. Cheque nº 3418780835, no valor de € 200,00, emitido em 28 de agosto de 2006, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0710/009898/300;
xv. Cheque nº 9818780871, no valor de € 200,00, emitido em 9 de abril de 2006, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0710/009898/300;
xvi. Cheque nº 9821782245, no valor de € 250,00, emitido em 25 de maio de 2006, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0710/009898/300;
xvii. Cheque nº 4621782337, no valor de € 250,00, emitido em 25 de maio de 2006, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0710/009898/300;
xviii. Cheque nº 6730048610, no valor de € 150,00, emitido em 20 de julho de 2006, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0710/009898/300;
xix. Cheque nº 3932953041, no valor de € 500,00, emitido em 29 de novembro de 2006, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0710/009898/300;
xx. Cheque nº 3841400340, no valor de € 65,00, emitido em 6 de junho de 2007, depositado na conta bancária da arguida C... na “Caixa (...)”, com o nº 0710/009898/300.

30.
Por sua vez, da conta do “ Banco (...)”, com o número 07680521061, titulada pelo “ A...”, foram depositados na conta da “Caixa (...)”, com o nº 0710/009898/300, titulada pela arguida C..., os cheques a seguir descriminados, no total de € 2 348,00:
i. Cheque nº 1418401581, no valor de € 848,00, emitido em 6 de julho de 2006;
ii. Cheque nº 1418401775, no valor de € 1 500,00, emitido em 23 de setembro de 2006.

31.
Em 24 de novembro de 2005, foi debitado na conta bancária da “Caixa (...)” do “ A...”, o cheque nº 0307532158, no valor de € 250,00, com data de emissão de 17 de novembro de 2005, sendo que tal cheque foi depositado pelo arguido B... na conta bancária da Caixa (...), com o nº 0354/028291/800, titulada pelo seu filho, o arguido D..., não obstante este nunca ter sido funcionário da instituição ou exercido qualquer atividade em prol da mesma.

32.
Também não foi aí encontrado qualquer documento que justifique a existência de um eventual pagamento.

33.
O arguido B..., ao depositar tal cheque, agiu com o intuito de obter para o seu filho um benefício ilegítimo, na medida em que fazia com que este se apropriasse de dinheiro que aquele sabia que não lhe pertencia e que lhe não era devido e, não obstante, quis fazê-lo dele, o que conseguiu contra a vontade dos restantes membros da direção do “ A...”, bem sabendo que, dessa forma, estava a prejudicar os interesses patrimoniais da instituição.

34.
Em 30 de maio de 2005, o arguido D..., a pedido do seu pai, o arguido B..., dirigiu-se à empresa “ UU..., Lda”, sita em Viseu, onde adquiriu um computador portátil da marca Clausus, tendo-lhe sido emitida a venda a dinheiro nº 5998, no valor de € 1 399,00, relativa a esta aquisição, sendo que na ficha de cliente, criada aquando da venda a dinheiro do referido computador portátil, ficou a constar o nome do “ A...”, com morada na y(...) – x(...), e número de contacto telefónico 238 774 215, que corresponde efetivamente à morada e número de telefone da residência do arguido B... e não do “ A...”.

35.
O comprovativo de entrega e funcionamento do computador portátil está assinado pelo arguido D....

36.
O referido computador portátil foi pago através da emissão e entrega de um cheque da “Caixa de Crédito (...)”do “ A...”, com o nº 8907532170, no valor de € 1 399,00, sendo que este cheque foi debitado no dia 3 de janeiro de 2006 e encontra-se refletido no extrato da conta bancária do “ A...”, domiciliada na “Caixa (...)” com o nº 40102789436.

37.
O computador portátil foi comprado pelo arguido B... com dinheiro do “ A...”, para ser utilizado por si ou por terceiro.

38.
O arguido B..., entre Julho de 2004 e Maio de 2007, levantou diretamente ao balcão 112 cheques da conta nº 40102789436, na “Caixa (...)”, e 6 cheques da conta bancária nº 7680521061, no “ Banco (...)”, cujo montante total ascende a € 74 455,00.

39.
Os 112 cheques da “Caixa (...)”, com o valor total de € 61 360,00, a saber:
(1)Número de cheque – (2)Valor – (3) Data de emissão – (4) Pago ao balcão e assinado pelo arguido B... – sem destinatário – (5) Data de movimento

(1)                (2)          (3)                 (4)     (5)
1   6693865837 255,00€ 13/12/2004 “ 14/12/2004
2   3993865840 750,00€ 15/12/2004 “ 16/12/2004
3   2193865842 625,00€ 22/12/2004 “ 28/12/2004
4   5693865892 875,00€ 08/01/2005 “ 12/01/2005
5   2993865895 475,00€ 10/01/2005 “ 20/01/2005
6   8193865900 475,00€ 24/01/2005 “ 26/01/2005
7   3693865905 525,00€ 10/02/2005 “ 10/02/2005
8   2793865906 525,00€ 01/02/2005 “ 03/02/2005
9   9893865952 425,00€ 17/02/2005 “ 18/02/2005
10 7300259780 525,00€ 05/03/2005 “ 09/03/2005
11 9800259788 625,00€ 20/03/2005 “ 22/03/2005
12 7100259791 425,00€ 12/04/2005 “ 15/04/2005
13 2400259807 625,00€ 28/03/2005 “ 01/04/2005
14 7600259812 425,00€ 09/04/2005 “ 12/04/2005
15 6700259813 625,00€ 09/04/2005 “ 11/04/2005
16 6300259835 585,00€ 20/04/2005 “ 28/04/2005
17 4500259837 625,00€ 03/05/2005 “ 06/05/2004
18 2100259872 625,00€ 09/05/2005 “ 11/05/2005
19 9100259875 425,00€ 20/05/2005 “ 24/05/2005
20 6400259878 425,00€ 12/05/2005 “ 24/05/2005
21 5500259879 525,00€ 01/06/2005 “ 02/06/2005
22 4600259880 525,00€ 25/05/2005 “ 27/05/2005
23 4903153131 325,00€ 20/04/2005 “ 22/04/2005
24 2503153166 475,00€ 06/06/2005 “ 08/06/2005
25 0703153168 425,00€ 15/06/2005 “ 17/06/2005
26 9503153169 525,00€ 20/06/2005 “ 23/06/2005
27 8603153170 625,00€ 27/06/2005 “ 30/06/2005
28 7303153193 650,00€ 03/07/2005 “ 06/07/2005
29 7803153214 525,00€ 12/07/2005 “ 14/07/2005
30 0603153222 525,00€ 20/07/2005 “ 21/07/2005
31 2003153242 425,00€ 07/08/2005 “ 10/08/2005
32 1103153243 525,00€ 15/08/2005 “ 17/07/2005
33 8103153246 575,00€ 26/07/2005 “ 29/07/2005
34 5003153271 575,00€ 10/08/2005 “ 12/08/2005
35 6107532033 475,00€ 27/09/2005 “ 30/09/2005
36 5207532034 525,00€ 20/08/2005 “ 24/08/2005
37 4307532035 525,00€ 20/09/2005 “ 22/09/2005
38 8407532052 550,00€ 31/08/2005 “ 01/09/2005
39 2607532080 525,00€ 08/09/2005 “ 09/09/2005
40 1707532081 750,00€ 20/09/2005 “ 15/09/2005
41 8807532127 525,00€ 03/10/2005 “ 04/10/2005
42 5207532131 425,00€ 11/10/2005 “ 13/10/2005
43 3407532133 525,00€ 24/10/2005 “ 31/10/2005
44 1607532135 425,00€ 16/10/2005 “ 19/10/2005
45 3007532155 525,00€ 12/11/2005 “ 18/11/2005
46 1207532157 425,00€ 20/11/2005 “ 23/11/2005
47 3707532165 725,00€ 20/12/2005 “ 28/12/2005
48 2807532166 525,00€ 19/12/2005 “ 21/12/2005
49 7107532172 625,00€ 02/01/2005 “ 04/01/2006
50 9212597348 625,00€ 24/11/2005 “ 29/11/2005
51 8312597349 565,00€ 10/12/2005 “ 14/12/2005
52 7412597350 525,00€ 02/11/2005 “ 04/11/2005
53 3212597484 525,00€ 30/01/2006 “ 03/02/2006
54 8418780780 525,00€ 05/02/2006 “ 07/02/2006
55 5718780757 525,00€ 08/02/2006 “ 10/02/2006
56 4418780780 545,00€ 20/02/2006 “ 24/02/2006
57 3518780781 545,00€ 16/02/2006 “ 20/02/2006
58 6918780788 625,00€ 28/02/2006 “ 02/03/2006
59 7418780809 525,00€ 12/03/2006 “ 13/03/2006
60 6518780810 625,00€ 17/03/2006 “ 20/03/2006
61 4318780834 525,00€ 28/02/2006 “ 07/03/2006
62 8618780840 575,00€ 24/03/2006 “ 27/03/2006
63 6818780842 525,00€ 28/03/2006 “ 31/03/2006
64 5018780844 625,00€ 09/04/2006 “ 12/04/2006
65 6418780864 425,00€ 26/04/2006 “ 28/04/2006
66 2818780868 625,00€ 04/04/2006 “ 05/04/2006
67 3721782241 525,00€ 20/04/2006 “ 21/04/2006
68 1021782244 425,00€ 27/05/2006 “ 29/05/2006
69 9021782289 315,00€ 18/05/2006 “ 19/05/2006
70 5421782293 525,00€ 15/05/2006 “ 17/05/2006
71 4521782294 425,00€ 22/05/2006 “ 29/05/2006
72 5921782314 525,00€ 28/05/2006 “ 01/06/2006
73 2821782339 525,00€ 10/06/2006 “ 14/06/2006
74 1021782341 675,00€ 02/06/2006 “ 08/06/2006
75 8021782344 625,00€ 02/07/2006 “ 04/07/2006
76 5321782347 625,00€ 19/06/2006 “ 22/06/2006
77 2621782350 550,00€ 10/07/2006 “ 13/07/2006
78 5821782368 725,00€ 23/06/2006 “ 26/06/2006
79 1530048605 850,00€ 17/07/2006 “ 20/07/2006
80 9430048607 425,00€ 11/09/2006 “ 13/09/2006
81 8530048608 525,00€ 25/07/2006 “ 27/07/2006
82 7630048609 425,00€ 06/08/2006 “ 10/08/2006
83 0730048649 525,00€ 16/08/2006 “ 18/08/2006
84 8630048651 525,00€ 22/08/2006 “ 24/08/2006
85 3230048657 625,00€ 28/09/2006 “ 29/09/2006
86 8530048705 625,00€ 20/09/2006 “ 21/09/2006
87 7630048706 425,00€ 31/08/2006 “ 07/09/2006
88 6730048707 525,00€ 26/08/2006 “ 31/08/2006
89 8330048716 650,00€ 30/09/2006 “ 04/10/2006
90 5532952953 550,00€ 09/10/2006 “ 11/10/2006
91 1032952958 525,00€ 22/10/2006 “ 24/10/2006
92 8932952960 650,00€ 17/10/2006 “ 18/10/2006
93 7132952962 525,00€ 21/11/2006 “ 22/11/2006
94 6232952963 625,00€ 28/10/2006 “ 30/10/2006
95 3532952966 625,00€ 04/11/2006 “ 06/11/2006
96 3432953020 825,00€ 30/11/2006 “ 05/12/2006
97 2532953021 725,00€ 26/11/2006 “ 28/11/2006
98 7132953059 725,00€ 11/12/2006 “ 14/12/2006
99 3532953063 525,00€ 06/12/2006 “ 07/12/2006
100 1732953065 725,00€ 17/12/2006 “ 19/12/2006
101 6032953071 725,00€ 27/12/2006 “ 28/12/2006
102 0632953077 725,00€ 03/01/2007 “ 05/01/2007
103 2536865225 425,00€ 12/01/2007 “ 25/01/2007
104 9636865271 425,00€ 08/02/2007 “ 09/02/2007
105 1336865291 525,00€ 26/02/2007 “ 26/02/2007
106 7436865295 575,00€ 28/02/2007 “ 01/03/2007
107 5236865319 350,00€ 28/02/2007 “ 02/03/2007
108 4336865320 525,00€ 19/03/2007 “ 20/03/2007
109 5736865340 275,00€ 28/02/2007 “ 13/03/2007
110 4941400231 525,00€ 28/03/2007 “ 10/04/2007
111 2741400255 525,00€ 18/04/2007 “ 24/04/2007
112 8841400259 525,00€ 28/04/2007 “ 02/05/2007

40.
Os 6 cheques do “ Banco (...)”, da conta nº 7680521061, foram levantados pelo arguido B..., no valor total de € 13 095,00, a saber:
i. Cheque nº 1418397410, no valor de € 850,00, emitido a 12 de julho de 2004, pago na instituição de crédito;
ii. Cheque nº 1418399350, no valor de € 1 420,00, emitido a 6 de dezembro de 2005, pago na instituição de crédito;
iii. Cheque nº 1418399544, no valor de € 4 000,00, emitido a 18 de janeiro de 2006, pago na instituição de crédito;
iv. Cheque nº 1418400999, no valor de € 3 000,00, emitido a 2 de maio de 2006, pago na instituição de crédito;
v. Cheque nº 1418400417, no valor de € 1 500,00, emitido a 6 de julho de 2006, pago na instituição de crédito;
vi. Cheque nº 1418402551, no valor de € 2 325,00, emitido a 13 de novembro de 2006, pago na instituição de crédito.

41.
Não foram encontrados na contabilidade do “ A...” documentos de suporte que justifiquem a utilização de tais montantes e, por conseguinte, o seu levantamento, através de cheque, diretamente ao balcão.

42.
Na contabilidade da instituição não existia uma «conta caixa» (conta 11) ou, pelo menos, os balancetes não refletem a existência de uma «conta caixa» (Apenso 1).

43.
Não existindo uma «conta caixa», todos os movimentos financeiros da instituição – entradas e saídas de dinheiro – passavam pela «conta bancos» (conta 12), mais concretamente, todas as saídas de dinheiro – pagamentos – eram contabilizadas na «conta bancos», efetuadas através da emissão de cheques ou transferência bancária.

44.
Tal apenas não acontecia relativamente a compras de reduzido valor, que poderiam eventualmente ser pagas em numerário.

45.
Constatou-se a existência de diferenças entre os valores efetivamente pagos pelos utentes nas diversas valências analisadas com os valores que se encontram refletidos nos balancetes mensais elaborados pela “ TT...”, estes últimos elaborados com base nos documentos preenchidos e assinados pelo arguido B... e por este entregues mensalmente ao gabinete de contabilidade.

46.
O arguido B..., ao elaborar tal documento, que se destinava a entregar na contabilidade, dele fazia constar um valor muito inferior àquele que efetivamente havia recebido dos utentes, ou seja, fazia constar falsamente de tal documento facto juridicamente relevante com intenção de se apropriar dos valores recebidos e não declarados e, dessa forma, tal não ser percetível na contabilidade.

47.
São patentes as discrepâncias entre os valores pagos pelos utentes e devidamente registados nos mapas elaborados pelos serviços administrativos e as declarações assinadas pelo arguido B..., designadamente no que respeita aos valores que constam nos balancetes analíticos, no que toca à valência lar.

48.
Com efeito, o “ A...”, no que respeita aos montantes das mensalidades pagas pelos utentes na valência lar (conforme mapas de pagamento elaborados pela encarregada de serviços gerais), recebeu os seguintes valores:
i. Ano de 2005: € 130 020,88;
ii. Ano de 2006: € 126 554,22;
iii. Ano de 2007: € 123 311,72;
iv. Total: € 379 886,82.

49.
Todavia, de acordo com os documentos entregues pelo arguido B..., no que se refere aos montantes das mensalidades da valência lar, refletidos nos balancetes mensais elaborados pela “ TT...” (empresa de contabilidade), no mesmo período os valores refletidos como recebidos foram os seguintes:
i. Ano de 2005: € 97 468,00;
ii. Ano de 2006: € 107 082,36;
iii. Ano de 2007: € 114 420,92;
iv. Total: € 318 971,28.

50.
O arguido B..., na qualidade de presidente da direção do “ A...”, todos os meses emitia o documento denominado “declaração”, que entregava na “ TT...”, empresa que efetuava a contabilidade, a qual era por si assinada, onde se fazia constar o seguinte “a Direcção do A..., declara que recebeu no mês_________ de _______ a importância de ____________ (escudos), provenientes dos utentes internados na valência do Lar”.

51.
Assim, durante os anos de 2005, 2006 e 2007, o arguido B..., contra a realidade dos factos e com o intuito de se apropriar de valores que sabia não lhe pertenciam, fez constar que tinha recebido valores muito inferiores àqueles que efetivamente haviam sido pagos pelos utentes, designadamente:
i. Nos meses de Janeiro de 2005 a Agosto de 2005 fez constar nessas declarações ter recebido € 6 000,00;
ii. Nos meses de Setembro de 2005 a Dezembro de 2005 fez constar nessas declarações ter recebido € 2 000,00;
iii. Nos meses de Janeiro de 2006 e Fevereiro de 2006 fez constar nessas declarações ter recebido a quantia de € 9 407,06;
iv. Nos meses de Março, Abril, Maio e Junho de 2006 fez constar nessas declarações ter recebido a quantia de € 8 120,00;
v. No mês de Agosto de 2006 fez constar nessas declarações ter recebido a quantia de € 8 320,00;
vi. No mês de Setembro de 2006 fez constar nessa declaração ter recebido a quantia de € 8 644,56.

52.
A partir do mês de Abril de 2007, o documento emitido passou a denominar-se «Receita do Lar», sendo que nos meses de Abril, Maio, Junho, Julho e Agosto, o arguido fez constar desse documento ter recebido a quantia de € 8 711,00.

53.
Sucede que, de acordo com os elementos dos serviços administrativos que contabilizaram os valores recebidos em dinheiro e transferências bancárias, foram pagos pelos utentes da valência lar, os seguintes montantes:
i. No mês de Janeiro de 2005 – € 10 240,12;
ii. No mês de Fevereiro de 2005 – € 10 330,12;
iii. No mês de Março de 2005 – € 10 890,62;
iv. No mês de Abril de 2005 – € 11 460,12;
v. No mês de Maio de 2005 – € 11 017,12;
vi. No mês de Junho de 2005 – € 10 722,12;
vii. No mês de Julho de 2005 – € 10 997,12;
viii. No mês de Agosto de 2005 – € 10 352,12;
ix. No mês de Setembro de 2005 – € 11 020,62;
x. No mês de Outubro de 2005 – € 10 948,12;
xi. No mês de Novembro de 2005 – € 10 860,00;
xii. No mês de Dezembro de 2005 – € 11 182,06;
xiii. No mês de Janeiro de 2006 – € 11 732,06;
xiv. No mês de Fevereiro de 2006 – € 11 734,56;
xv. No mês de Março de 2006 – € 10 724,56;
xvi. No mês de Abril de 2006 – € 10 454,56;
xvii. No mês de Maio de 2006 – € 10 739,56;
xviii. No mês de Junho de 2006 – € 9 984,56;
xix. No mês de Julho de 2006 – € 10 104,56;
xx. No mês de Agosto de 2006 – € 10 429,56;
xxi. No mês de Setembro de 2006 – € 10 673,56;
xxii. No mês de Outubro de 2006 – € 10 029,56;
xxiii. No mês de Novembro de 2006 – € 10 255,56;
xxiv. No mês de Dezembro de 2006 – € 9 691,56;
xxv. No mês de Janeiro de 2007 – € 9 783,56;
xxvi. No mês de Fevereiro de 2007 – € 9 988,56;
xxvii. No mês de Março de 2007 – € 10 299,56;
xxviii. No mês de Abril de 2007 – € 10 534,56;
xxix. No mês de Maio de 2007 – € 10 179,56;
xxx. No mês de Junho de 2007 – € 10 473,56;
xxxi. No mês de Julho de 2007 – € 10 753,56;
xxxii. No mês de Agosto de 2007 – € 10 448,56;
xxxiii. No mês de Setembro de 2007 – € 10 523,56;
xxxiv. No mês de Outubro de 2007 – € 10 206,56;
xxxv. No mês de Novembro de 2007 – € 10 075,56;
xxxvi. No mês de Dezembro de 2007 – € 9 944,56.

54.
A diferença entre os montantes recebidos e declarados, durante estes anos, na valência lar, foi de € 60 915,54.

55.
Acresce que, confrontando os valores constantes no mapa de comparticipações da Segurança Social, referentes aos meses de Agosto e Setembro de 2005, verifica-se que os montantes referentes a cada uma das valências (Lar, CD e SAD) não correspondem aos valores inscritos nos acordos que constam a fls. 2187 a 2189, como a seguir se exemplifica em relação à valência lar:
i. 12 utentes × € 311,29 (valor de comparticipação) = € 3 735,48;
ii. 25 utentes x € 311,29 – (valor de comparticipação) = € 7 782,25.

56.
O arguido B... preencheu, assinou e entregou na “ TT...” as declarações que constam do volume I dos autos e no apenso 1, com valores diferentes daqueles que efetivamente foram recebidos pela instituição em cada uma das valências, com o objetivo de adulterar a contabilidade e assim poder esconder e/ou encobrir os cheques da instituição que levantou diretamente ao balcão, para os quais não foi encontrado suporte legal e de cujos valores monetários se apropriou.

57.
A diferença entre o valor efetivamente pago pelos utentes na valência lar e o valor refletido nos balancetes analíticos nos anos de 2005, 2006 e 2007, é de € 60 915,54 e os 111 cheques da “Caixa de Crédito (...)” levantados diretamente ao balcão pelo arguido B... totalizam o montante de € 61 360,00, valor este do qual o referido arguido, por força das funções que desempenhava e por ter acesso a tais montantes, se apropriou de forma indevida.

58.
No dia 4 de julho de 2006, foi depositado na agência de Gouveia da “Caixa (...)” (0354), na conta bancária n º 0354/028463/500, titulada pelo arguido B..., o cheque nº 65168888543, no valor de € 2 500,00, emitido em 3 de julho de 2006, da conta bancária nº 2091/012352/330, titulada por QQ...– já falecido –, utente do lar, quantia esta que se destinava ao pagamento de metade do valor anual da quantia de € 5 000,00, por ele paga no lar.

59.
Todavia, o arguido B..., bem sabendo que tal cheque se destinava ao pagamento de parte da estadia anual no lar e, por isso, a ser depositado nas contas do “ A...”, procedeu ao depósito do mesmo na sua conta pessoal, dele se apropriando de forma ilegítima e causando prejuízos patrimoniais à instituição.

60.
Acresce que o arguido B... procedeu igualmente ao preenchimento e entrega do cheque nº 3741400254, no valor de € 70,00, bem como do cheque nº 1418400805, no valor de € 1 200,00, da conta do “ A...” do “ Banco (...)”, os quais entregou ao mecânico LL..., para pagamento da reparação de uma Renault Trafic de transporte de passageiros, que antes tinha sido uma ambulância, viatura que nunca foi propriedade do “ A...” [fls. 2103 a 2107], estando, todavia, disponível para uso pela instituição.

61.
Assim, estes cheques depositados na conta bancária nº 40171584143, titulada por LL... e a este entregues pelo arguido B..., não pagaram serviços de mecânica e revisão efetuadas às viaturas do “ A...”, ao invés foram entregues para reparação de uma viatura que não pertencia ao “ A...”, estando, todavia, na sua disponibilidade, factos que o arguido bem sabia.

62.
Por sua vez, o arguido preencheu o cheque nº 1418401290, da conta bancária do “ Banco (...)”, no valor de € 500,00, para pagamento da fatura nº 0342, no valor de € 500,00, datada de 11 de agosto de 2006, emitida em nome do “ A...” pelo estofador FF....

63.
A fatura em causa refere-se a serviços de estofo de bancos em napa e colocação de cartões nas portas laterais e porta traseira da Renault Trafic.

64.
Em 23 de agosto de 2006, tal cheque foi depositado na conta bancária nº 100001686, domiciliada no “ Banco (...)” e titulada por FF....

65.
No dia 13 de setembro de 2006, foi depositado na agência de Gouveia da “Caixa (...)” (0354), na conta bancária n º 0354/028463/500, titulada pelo arguido B..., o cheque nº 2495866797, no valor de € 1 000,00, datado de 8 de setembro de 2006, da conta nº 40102797548, da “Caixa (...)” e titulada por PP... – já falecido –, utente do lar.

66.
Tal cheque havia sido entregue pela filha de PP..., a título de donativo para o “ A...”.

67.
No entanto, nunca foi emitido qualquer recibo relativo a tal donativo, emitido em nome de PP... ou de sua filha, RR....

68.
O arguido B... tinha perfeito conhecimento que tal cheque não lhe pertencia, não obstante quis fazê-lo seu, objetivo este que conseguiu ao depositá-lo na sua conta bancária, quando sabia que este cheque não lhe era destinado e que o devia depositar na conta bancária do “ A...”.

69.
Com este procedimento, o arguido B... lesou o “ A...” no montante de € 1 000,00.

70.
Em 2 de Maio de 2006, o arguido B... adquiriu, para seu uso pessoal/familiar ou de terceiros, e não com o intuito de serem instalados ou utilizados no “ A...”, apesar de terem sido emitidas as faturas em nome da instituição e pagos com dinheiro desta, à empresa “ VV..., Lda”, sita em Viseu, um forno de cozinha de marca e modelo Teka HI615IX; uma placa de cozinha de marca e modelo Teka SL 4G CAST. C/A; uma placa de cozinha de marca e modelo Ariston PF/ 50 AST IX.

71.
Foi emitida a fatura nº 4217, no valor de € 769,71, em nome do “ A...”, relativa à compra dos referidos equipamentos, os quais foram pagos através do cheque nº 1418401193, assinado pelo arguido B..., no valor de € 769,70, da conta do “ Banco (...)”, o qual foi debitado a 3 de maio de 2006, sendo o mesmo depositado numa conta do mesmo banco, com o nº 231025095, titulada pela empresa “ VV..., Lda”, ou seja, a emissão do referido cheque do “ Banco (...)” foi o meio utilizado para o arguido efetuar o pagamento da fatura nº 4217, no valor de € 769,71.

72.
Conforme consta da fatura nº 4217, a mercadoria foi transportada na viatura de marca Isuzu, de matrícula 75-89-KC, à data propriedade do arguido B....

73.
Acresce que, no dia 6 de setembro de 2005, o arguido B... adquiriu, para seu uso pessoal/familiar ou de terceiros e não com o intuito de serem instalados ou utilizados no “ A...”, apesar de terem sido emitidas as faturas em nome da instituição e pagos com dinheiro desta, à empresa “ VV..., Lda”, sita em Viseu, um aspirador de marca e modelo Morphy Richards 70095 e um ferro com caldeira de marca e modelo Morphy Richards 42277, relativamente aos quais foi emitida a fatura nº 3921, no valor de € 272,30, em nome do “ A...”, tendo o pagamento sido efetuado através do cheque nº 1407532049, da “Caixa (...)” no valor de € 272,30, debitado no dia 8 de setembro de 2005 numa conta do “ Banco (...)”, com o nº 231025095, titulada pela empresa “ VV..., Lda”.

74.
No dia 22 de maio de 2007, o arguido B... adquiriu, para seu uso pessoal/familiar ou de terceiros e não com o intuito de ser utilizada no “ A...”, à empresa “ XX..., Lda”, uma caixa de ferramentas da marca Bugrobot, no valor de € 190,00, tendo sido emitida a fatura nº 16649, no valor de € 500,00, em nome do “ A...”, relativa à compra de diversos artigos, entre os quais a caixa de ferramentas da marca Bugrobot, caixa esta que também nunca foi vista na instituição.

75.
Com este procedimento, consubstanciado na aquisição do dito material, o arguido B... lesou o “ A...” no montante de € 1 232,00.

76.
Em 3 de julho de 2007, o arguido E..., gerente da “ TT...”, contabilista do  “ A...” e também contabilista de DD..., confidenciou a este precisava de uma fatura para o “ A...”.

77.
Com efeito, tal fatura havia-lhe sido pedida pelo arguido B..., de forma a justificar algumas despesas/saídas de dinheiro das contas do “ A...”.

78.
Assim, o arguido E..., depois de obter a concordância de DD... e de acordo com o previamente acordado com o arguido B..., preencheu a totalidade dos elementos que constam na fatura nº 481, datada de 3 de julho de 2007, no valor € 1 815,00, em nome do “ A...”.

79.
A fatura em causa pertence à serralharia civil de DD... (NIF ...), sita em (...) – Gouveia, e é referente a arranjos de grades e janelas.

80.
Não obstante, tal serralharia civil nunca prestou qualquer serviço para o “ A...”, nomeadamente a aplicação ou restauro de grades e janelas, sendo que a fatura foi emitida nos termos supra descritos, ou seja, a pedido do arguido B..., bem sabendo este, tal como o arguido E..., que os factos constantes da fatura não correspondiam à realidade e que se destinavam a comprovar facto juridicamente relevante, o que fez com o intuito de obter para si um benefício ilegítimo, prejudicando a instituição particular de solidariedade social.

81.
Com este procedimento, o arguido E... emitiu uma fatura com elementos falsos e o arguido B... terá justificado uma ou várias saídas ilícitas de dinheiro do “ A...” no valor de € 1 815,00.

82.
No dia 17 de outubro de 2005, o arguido B..., bem sabendo que o gasóleo adquirido se destinava à sua utilização e dos seus familiares e ainda que o cheque não lhe pertencia, com o intuito de obter para si um benefício ilegítimo, emitiu o cheque nº 1418399253, do “ Banco (...)”, no valor de € 466,90, titulado pelo “ A...”, para pagamento de gasóleo de aquecimento destinado à sua habitação, conforme venda a dinheiro nº 6689-A, datada de 17 de outubro de 2005, gasóleo que foi entregue por MM..., funcionário do “ WW...”, na y(...), localidade de x(...), para efetuar o abastecimento, com 667 litros de gasóleo de aquecimento, do depósito instalado na casa do arguido.

83.
O referido cheque nº 1418399253, no valor de € 466,90, emitido pelo arguido B..., foi depositado na conta bancária nº 316031210002, domiciliada no “Banco (...)” e titulada pelo “ WW...”.

84.
Com este procedimento o arguido B... lesou o “ A...” no montante de € 466,90.

85.
Todos estes factos praticados pelos arguidos, nomeadamente pelo arguido B..., de forma sistemática, e pela arguida C..., lesaram o “ A...”, entre 2004 e 2007, nos montantes supra descritos.

86.
O arguido B... agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem querendo e sabendo que desempenhava funções em organismo de utilidade pública e que ilegitimamente se apropriava, em proveito próprio e de outras pessoas, de dinheiro ou de outras coisas móveis, públicas e particulares, que lhe haviam sido entregues, estavam na sua posse ou lhe eram acessíveis em razão das suas funções de presidente da direção do “ A...”.

87.
Ao atuar do modo acima descrito, o arguido B... agiu sempre com a perfeita consciência de que os montantes que foi fazendo seus, através dos depósitos e dos levantamentos dos valores titulados pelos supra identificados cheques, não lhe pertenciam e que tinha acesso aos mesmos como decorrência das funções que exercia enquanto presidente da direção do “ A...”.

88.
Aproveitando-se assim o arguido B... das funções em que se encontrava investido e dos poderes que possuía enquanto presidente da direção para assim obter benefícios patrimoniais para si e para os seus familiares, bem como para aceder aos referidos montantes e para destes dispor em seu proveito próprio e de terceiros, dando-lhes um uso para o qual não estava autorizado.

89.
O arguido B... bem queria ainda e sabia que, com intenção de causar prejuízo ao “ A...” e de obter para si benefício ilegítimo, fazia constar dos documentos/declarações entregues na empresa de contabilidade factos que não correspondiam à realidade dos factos e que, dessa forma, fazia constar falsamente factos juridicamente relevantes.

90.
Os arguidos B... e E... bem queriam ainda e sabiam que, ao atuarem da forma supra descrita, faziam constar da fatura, que se destinava a fazer parte da contabilidade da instituição, factos que não correspondiam à realidade dos factos com o intuito de obter para o arguido B... um benefício ilegítimo e consequentemente com o intuito de causarem prejuízos patrimoniais à instituição, dado que a despesa titulada pela referida fatura nunca existiu.

91.
O arguido B..., enquanto presidente da direção de instituição particular de solidariedade social, queria e sabia que, ao atuar da forma supra descrita, designadamente ao efetuar um contrato de trabalho com a sua filha para que esta exercesse as funções de relações públicas, tinha intenção de obter para esta um benefício ilegítimo, e que com a celebração de tal contrato lesava os interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, lhe cumpria, em razão da sua função, administrar, fiscalizar, defender ou realizar, causando prejuízos patrimoniais à instituição.

92.
Da mesma forma que a arguida C... queria e sabia que, ao atuar da forma supra descrita, designadamente ao efetuar um contrato de trabalho para exercício do cargo de relações públicas com o seu pai, enquanto presidente da direção do “ A...”, tinha intenção de obter para si um benefício ilegítimo, e que lesava os interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, incumbiam ao seu pai, enquanto titular de tal cargo, administrar, fiscalizar, defender ou realizar.

93.
Os arguidos B..., C... e E... agiram livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas atuações eram proibidas e punidas por lei.

94.
O arguido B...:
i. É o filho único de um casal de agricultores;
ii. Concluiu o 2º ciclo em horário pós-laboral, numa altura em que já trabalhava como contínuo da (...), em Lisboa, aí residindo sozinho, com 16 anos de idade;
iii. Após regressar a Gouveia, passou a trabalhar no Centro de Saúde de (...), mantendo atividades paralelas como a agricultura, mediação de seguros e outras ligadas à vida comunitária (banda filarmónica, clube de futebol);
iv. Foi presidente da junta de freguesia do x(...) durante 6 anos e vereador camarário durante 4 anos;
v. Tem dois filhos, os arguidos C... e D...;
vi. Está divorciado desde abril de 2013, encontrando-se a viver com a mãe;
vii. À data dos factos, o arguido e a então esposa auferiam rendimentos mensais de cerca de € 2 000,00, beneficiando ainda de rendimentos da agricultura, apicultura e comercialização de livros;
viii. Atualmente, o arguido aufere uma pensão de reforma de € 725,00 mensais, beneficiando ainda de rendimentos da agricultura e da apicultura;
ix. Mantém um convívio social diário, gozando de imagem muito positiva enquanto pessoa bastante conhecida no meio de residência, sendo considerado bom funcionário, prestável, com iniciativa e respeitador dos utentes.

95.
A arguida C...:
i. É a filha mais velha de um agregado familiar com uma condição económica medianamente favorável;
ii. É licenciada no curso de comunicação e relações públicas, estando a frequentar o curso de gestão bancária;
iii. Iniciou a sua atividade laboral como estagiária da “Caixa (...)”, após o que trabalhou em regime de avença numa empresa relacionada com a oferta e procura de trabalho, seguindo-se a inclusão nos quadros da “Caixa (...)”, primeiro a termo e depois como efetiva, encontrando-se atualmente a trabalhar em (...);
iv. O agregado familiar integra o marido, guarda prisional, e duas filhas, com 5 anos e 15 meses de idade, residindo em casa própria adquirida com recurso ao crédito bancário;
v. É considerada pessoa trabalhadora e bem integrada.

96.
O arguido E...:
i. Cresceu num agregado familiar composto pelo pai, comerciante e empresário de contabilidade, a mãe, operária têxtil, e uma irmã;
ii. Completou o 11º ano de escolaridade, iniciando a sua atividade laboral na empresa de contabilidade “ TT...”, pertença do pai e de um outro sócio, tendo entretanto adquirido as quotas da sociedade;
iii. Vive com a mulher e um filho, de 18 anos de idade, que é estudante, em casa própria, adquirida com recurso ao crédito bancário, que se encontra a liquidar;
iv. O agregado familiar aufere rendimentos mensais não inferiores a € 1 000,00;
v. O arguido dispõe de imagem favorável na comunidade, sendo visto, além do mais, como pessoa trabalhadora e idónea;
vi. Confessou parcialmente os factos.

97.
O arguido D...:
i. É o filho mais novo de um agregado familiar com uma condição económica medianamente favorável;
ii. Trabalhou durante cerca de 4 meses no “ Banco (...)”, após o que iniciou um estágio profissional no “Banco de Portugal”, sendo atualmente funcionário efetivo dessa entidade;
iii. Está a frequentar o mestrado em informática e gestão;
iv. Aufere € 1 300,00 mensais.

98.
Os arguidos não têm antecedentes criminais.

2.2.
Não se provaram outros factos, nomeadamente:
a.
O arguido B... geriu/administrou exclusivamente o “ A...”.
b.
As decisões e atos lesivos foram praticados pelo arguido B... ao longo dos sucessivos mandatos, nomeadamente a partir do ano de 2002, sendo tomados por sua exclusiva iniciativa.
c.
A arguida C... não desempenhou as funções de diretora técnica, sendo a sua nomeação apenas uma forma de a beneficiar ilegitimamente com pagamentos de dinheiros da instituição particular de solidariedade social.
d.
Não obstante a arguida C... ter sido nomeada como diretora técnica da instituição, nunca exerceu tais funções, pois era Q...quem, no período compreendido entre os anos de 2002 e 2007, desempenhava as funções de encarregada dos serviços gerais, sendo a responsável pelo funcionamento diário do lar – funções da diretora técnica –, excetuando compras e pagamentos, funções que eram da responsabilidade do presidente da direção, o arguido B....
e.
O arguido B... bem sabia que as quantias depositadas entre 24 de novembro de 2002 e 6 de junho de 2007 não eram devidas à sua filha C..., agindo com o intuito de obter benefício ilegítimo para esta ao mesmo tempo que prejudicava o “ A...”.
f.
O arguido D... atuou de acordo com o seu pai B..., com o intuito de proceder à compra de um computador portátil, para o seu uso pessoal, com dinheiros do “ A...”.
g.
O computador portátil foi comprado pelo arguido B... para ser utilizado pelo seu filho, o arguido D....
h.
Algum abastecimento de combustível poderia ser pago em numerário.
i.
Com o pagamento da reparação da viatura Renault Trafic, o arguido B... lesou o “ A...” no montante de € 1 270,00.
j.
Com o pagamento dos serviços de estofo de bancos em napa e colocação de cartões nas portas laterais e porta traseira da Renault Trafic, o arguido B... lesou o “ A...” em € 500,00.
k.
Os factos foram praticados pelos arguidos de forma continuada num período que inclui os anos de 2002 e 2003.
l.
Os arguidos C... e D... atuaram de forma livre, deliberada e consciente, querendo e sabendo que, por força das funções que o seu pai desempenhava no “ A...”, se apropriavam de forma ilegítima de quantias monetárias e objetos que não lhes eram devidos e, não obstante, quiseram fazê-los seus, e ainda que, dessa forma, causavam prejuízos patrimoniais à instituição.
m.
Ao atuar do modo acima descrito, agiram sempre os arguidos C... e D... com a perfeita consciência de que os montantes que foram fazendo seus, através dos depósitos e dos levantamentos dos valores titulados pelos supra identificados cheques, não lhes pertenciam e que tinham acesso aos mesmos como decorrência das funções que o arguido B... exercia enquanto presidente da direção do “ A...”.
n.
O arguido B... queria e sabia que, ao nomear a sua filha como diretora técnica da instituição, tinha intenção de obter para esta um benefício ilegítimo.
o.
A arguida C... queria e sabia que, ao aceitar a nomeação de diretora técnica da instituição, tinha intenção de obter para si um benefício ilegítimo, e que lesava os interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, cumpriam ao seu pai, enquanto titular do cargo de presidente da instituição, administrar, fiscalizar, defender ou realizar.
p.
O arguido D... atuou livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua atuação era proibida e punida por lei.
q.
Os comportamentos dos arguidos, ora conhecidos pela atual presidência do Lar e pelos residentes no x(...) e áreas limítrofes, provocam naquela um sentimentos de enorme injustiça e ingratidão porque, fruto desses comportamentos, o Lar viu-se e vê-se privado de melhor satisfazer as necessidades dos seus utentes.
r.
Esses comportamentos imputam à presidência do Lar um sentimento de vexame e humilhação junto da população.

3.
Ao nível da convicção do Tribunal Coletivo, quanto aos factos julgados provados e não provados, avulta necessariamente a abundante prova documental junta aos autos, a qual foi devidamente examinada e ponderada, tanto mais que grande parte da prova dos factos imputados aos arguidos assenta efetivamente na prova documental.

Assim, sem embargo de eventuais referências posteriores, o Tribunal Coletivo atendeu aos seguintes elementos documentais: denúncias de fls. 35 e 547 a 549; escritura de constituição da Associação e respetivos estatutos, de fls. 39 a 58; documentação recolhida pela Segurança Social, de fls. 63 a 348, com destaque para os documentos de fls. 97, 236, 238 a 240, e 245 a 251; documentos respeitantes à aquisição do computador portátil, de fls. 523 a 525 e 528; lista das mensalidades pagas pelos utentes, a fls. 534 a 541; documentos bancários de fls. 570, 571, 593 a 652, 835 a 857, 864 a 891, 940 a 973, 1271 a 1325, 1327 a 1340, 1619 a 1630, 1632 a 1702, 1870 a 1915, 2022 a 2050; fatura de fls. 662 a 666; documentos respeitantes ao património do arguido B..., de fls. 669 a 757; registos automóveis de fls. 778 a 782, 2103 a 2107; cheques e listas de cheques de fls. 859 a 862, 994 a 1001, 1126 a 1139, 1141 a 1225, 1342 a 1446, 1466, 1469 a 1471, 1500 a 1514, 1566, 2016 a 2018, 2204 a 2235; documentos respeitantes a compras de equipamentos de fls. 900 a 903 e outros documentos contabilísticos, a fls. 1857 a 1866; ofícios de fls. 1567 e 1569; documentos respeitantes ao WW...l, a fls. 1997, 1998, 2002; reconhecimento como pessoa coletiva de utilidade pública de fls. 2182 a 2186; acordos de fls. 2187 a 2189; livros de atas, mapas de pagamentos e balancetes.

Ainda ao nível da prova documental, reportando-se, contudo, às condições pessoais e sociais dos arguidos, o Tribunal Coletivo atendeu aos respetivos relatórios sociais e certificados de registo criminal, antes pelo contrário, os dados constantes dos ditos relatórios foram reforçados pelos depoimentos das testemunhas inquiridas quanto às condições pessoais e sociais dos arguidos: F...(referenciou o arguido B... como dedicado no trabalho e no associativismo, fazendo exploração agrícola, tendo sido autarca e deputado municipal), G... (confirmou o exercício de funções públicas e em instituições locais, a exploração de terras e o comportamento exemplar no trabalho), H... (aludiu ao exercício de funções em instituições, ter sido presidente da junta de freguesia e a exploração agrícola), EE... (fez as mesmas referências), I... (elogiou a personalidade dos arguidos C... e D..., e referiu que o pai esteve ligado ao clube de futebol e à adega cooperativa) e J... (referiu as instituições a que o arguido B... esteve ligado).

Da acusação ressalta que as condutas imputadas ao arguido B... são transversais a todo o descrito iter criminis, razão pela qual é possível seccionar a fundamentação em três núcleos de factos: as condutas que envolvem a arguida C..., assim se apreciando a prova a esta respeitante; as condutas relativas ao levantamento de cheques do assistente; e as condutas relativamente individualizadas, atinentes, em especial ainda que não exclusivamente, à aquisição de equipamentos, englobando a prova respeitante às condutas dos arguidos D... e E....

Apreciemos assim a primeira parte.

Importa sublinhar que a prova da generalidade dos factos é de natureza documental, designadamente a contratação da arguida C... para o cargo de diretora técnica, sendo certo que o arguido B... admitiu ter sido quem indicou a filha para o cargo, enquanto esta, admitindo esse facto, referiu igualmente a pessoa do tesoureiro, já falecido, II..., como tendo solicitado a participação da arguida em simultâneo com o pai.

Também os pagamentos se encontram documentalmente demonstrados, sublinhando-se o facto de os arguidos não porem em causa tais factos.

O mesmo se dirá quanto à segunda fase, aquela em que a arguida foi indicada e contratada para o exercício do cargo de relações públicas, bem como os pagamentos que vieram a ser feitos a esse título.

O que efetivamente estava em discussão era a intenção subjacente a tais atos, facto que o Tribunal Coletivo teria de apurar para além das meras declarações dos arguidos e das testemunhas.

No que a estas respeita, SS... declarou que, apesar de a arguida ter recebido milhares de euros em pagamentos, não encontrou documentos que retratassem a atividade da mesma, quer enquanto diretora técnica, quer como relações públicas, não tendo ainda encontrado documentos justificativos dos montantes pagos naquela primeira fase.

Estas declarações encontraram eco nos restantes depoimentos de testemunhas produzidos a este respeito: HH... declarou nunca ter visto a arguida a trabalhar no Lar, chegando a afirmar que foi a própria arguida a contar-lhe que tinha feito parte da instituição – o que se estranha tendo em conta que o contrato de trabalho da arguida como relações públicas foi assinado pela testemunha –;
L... foi vogal da direção de fevereiro ou março a setembro de 2007 e apenas soube numa reunião que a arguida era diretora técnica; M...teve conhecimento que a arguida havia sido colocada como relações públicas, verificando o respetivo horário de trabalho, por estar afixado, nunca a tendo encontrado na instituição e, apesar de ter telefonado para a instituição, por volta das 19 horas, nunca conseguiu falar com ela, sendo-lhe dito que a arguida tinha levantado o correio e tinha-se ido embora – telefonemas que admitiu ter feito em vários dias de uma concreta semana apenas com a finalidade de verificar se a arguida se encontrava a trabalhar na instituição –; N..., membro do conselho fiscal, nunca viu a arguida a exercer funções na instituição, chegando a afirmar que desconhecia que a arguida aí trabalhasse para, em seguida, admitir que se falou numa reunião da entrada desta para a instituição, tendo a sua contratação causado mal-estar, embora nada tivesse sido dito em contrário; O... trabalhou como diretora técnica de julho de 2007 a fevereiro de 2008, entrando numa altura em que a arguida já era relações públicas, tendo relatado que a arguida se deslocava à instituição, fazia uma visita aos idosos e era informada pela testemunha sobre o que se passava, cabendo à arguida informar a direção, nunca a tendo visto a executar outros serviços; P...entrou como estagiária em julho de 2007, tendo estado com a arguida 3 ou 4 vezes, sendo 2 delas em reunião, não se recordando de ter visto documentos elaborados pela arguida; Q...nunca viu a arguida na instituição no horário de trabalho da depoente, que terminava às 18 horas; R... nunca recebeu ordens da arguida, tendo começado a vê-la na instituição na altura em que entrou a testemunha O...; S... afirmou que a arguida passava pela instituição de vez em quando, à tarde ou à noite, desconhecendo o que lá ia fazer e em que altura tal sucedeu, nunca tendo recebido ordens da arguida; T... foi confrontada com o seu depoimento a fls. 1817 a 1819, no decurso do qual afirmou que, em 2007, a arguida aparecia na instituição, não todos os dias, aí permanecendo uma ou duas horas, desconhecendo que tivesse sido diretora técnica; U... viu a arguida algumas vezes à tarde, desconhecendo em que altura, nunca tendo recebido ordens da mesma; V... nunca recebeu ordens da arguida; W... também viu a arguida na instituição de vez em quando, nunca tendo recebido ordens daquela e desconhecendo o que lá fazia; X...também viu a arguida em algumas ocasiões falando com as pessoas e indo para o escritório, mas nunca tendo recebido ordens da mesma; Y..., presidente da assembleia, disse que o arguido B... lhe transmitiu que a Segurança Social exigiu uma diretora técnica e que tinha indicado a filha, que o poderia fazer a título gratuito, desconhecendo que esta recebesse qualquer importância, afirmando ainda que não teve conhecimento da passagem da arguida para relações públicas, cargo que referiu ser desnecessário; Z... nunca viu a arguida na instituição e não soube que aí tivesse exercido funções; AA...confirmou que o arguido B... sugeriu a arguida para diretora técnica, alegando dificuldades financeiras, recebendo unicamente pelas despesas de deslocação que apresentasse; BB... afirmou que, a dada altura, tomou conhecimento que a arguida era diretora técnica, relatando ainda que, nos dias de aniversário das funcionárias, a arguida costumava dar-lhes os parabéns e, pelo contrário, nunca deu ordens à depoente;   CC...via a arguida de vez em quando na instituição, designadamente na altura em que aí estava já a testemunha O... e uma outra estagiária.

Duas conclusões se podem retirar deste conjunto vasto de depoimentos: em primeiro lugar são extremamente escassos os atos praticados por quem exerceu funções de responsabilidade numa instituição durante mais de 5 anos; em segundo lugar, o escasso número de atos/presenças da arguida incidem em especial na parte final do período em que esteve investida de funções.

Importa sublinhar que a prova apresentada pelos arguidos com a contestação (fls. 2490 a 2543) em nada interfere com o juízo que vimos fazendo, pois, além de inexistir prova da autoria dos regulamentos que juntaram, certo é que os restantes documentos se reportam à dita fase final. Por outro lado, os bilhetes de fls. 2525 e 2526 pouco revelam sobre o trabalho efetivamente exercido pela arguida, verificando-se, pelo contrário, que a preparação era feita por terceiras pessoas.

Quanto às declarações dos arguidos B... e C... há que distinguir entre os dois momentos, aquele em que a arguida foi nomeada diretora técnica e aquele em que foi contratada como relações públicas.

Assim, a arguida, apesar de declarar que, quando nomeada diretora técnica, prestou alguns serviços, na medida das suas disponibilidades, aos fins de semana, acabou por admitir que os montantes que lhe foram pagos corresponderam ao custo da sua disponibilidade para o cargo, para ceder o seu nome, tanto assim que nunca lhe foi solicitado qualquer comprovativo das deslocações que fazia, sendo certo que aproveitava para ir à instituição quando se deslocava ao x(...) ao fim de semana, isto é, não se deslocava propositadamente para ir à instituição, declaração que contraria o afirmado pelo arguido B..., segundo o qual a arguida vinha de Lisboa uma ou duas vezes por mês a pedido da instituição. Por outro lado, segundo o arguido, indicou a filha por ter experiência anterior num grupo de cantares, além de a situação financeira do “ A...” não ser favorável.

Já no que concerne à segunda parte, os arguidos declararam que a contratação da arguida como relações públicas – não sendo essa a sua efetiva função, segundo disse o arguido B..., que afirmou que o nome do cargo poderia ser qualquer outro – visou aproveitar os conhecimentos da arguida e desenvolver o projeto em que a instituição ficaria com os cuidados continuados no concelho de Gouveia.

Parece evidente que a nomeação da arguida como diretora técnica visou salvaguardar a situação financeira da instituição, uma vez que o valor a pagar à arguida seria inferior àquele que teria de ser pago a uma diretora técnica em efetividade de funções.

Na verdade, ao longo dos 62 meses em que a arguida esteve investida nas funções de diretora técnica, à mesma foi pago um valor global de € 9 913,00.

Ora, a efetuar-se a contratação de uma técnica para o cargo de diretora, ao longo desse período muito provavelmente não seria pago um valor médio inferior a € 500,00, o que significa que, findos os ditos 62 meses, o “ A...” teria despendido valor não inferior a € 31 000,00.

Assim, embora se possa questionar a necessidade que a instituição teria em manter uma efetiva diretora técnica, a verdade é que não podemos afirmar que o arguido B..., ao indicar e nomear a sua filha como diretora técnica, tivesse a intenção e efetivamente causasse uma lesão patrimonial ao “ A...”.E isto assim é ainda que a arguida possa ter sido beneficiada recebendo valor superior ao das despesas que suportou, pois, ainda assim, a instituição despendeu valor inferior ao que teria que suportar.

Por outro lado, a nomeação da arguida, que estava ausente em Lisboa durante a maior parte do tempo, permitia a manutenção da gestão da instituição tal como vinha sendo feita até então. Ou seja, o arguido B..., e provavelmente outros membros dos corpos sociais, viu a exigência da Segurança Social como uma contrariedade suscetível de ser ultrapassada formalmente sem alterações de substância da estrutura.

Daí que este Tribunal Coletivo não julgasse provado que a arguida não tenha exercido as funções de diretora técnica. Em abstrato não o fez, mas em concreto as poucas atividades que exerceu enquadram-se no âmbito daquilo que na instituição se considerava o exercício de tais funções.

Cumpre ainda sublinhar que não se provou que o arguido B... gerisse/administrasse em exclusivo o “ A...”, não apenas porque há decisões e atos praticados com o conhecimento dos restantes membros dos corpos sociais, ou pelo menos de alguns, consoante as decisões e atos, como também porque as regras da experiência revelam a este Tribunal Coletivo que, neste tipo de situações, em regra, os representantes de pessoas coletivas tendem a admitir aquilo que normalmente não o fariam, designadamente os arguidos “admitem-se” incompetentes para afastar a afirmação do dolo e os restantes que não arguidos “admitem” a negligência no exercício dos respetivos cargos como forma de não serem corresponsabilizados.

No que tange à contratação da arguida como relações públicas, a conclusão é oposta à anterior.

É manifesto que o “ A...” não carecia de uma relações públicas.

Efetivamente, como se referiu, a instituição “sobreviveu” sem uma efetiva diretora técnica até 2007, mantendo a estrutura e o funcionamento que vinha de momento anterior à exigência da Segurança Social de 2002.

Estranhamente, quando a instituição passa a estar dotada de uma diretora técnica, além de uma estagiária então colocada, o arguido B... suscitou a necessidade de mais um cargo. Salvo o devido respeito, não tem qualquer sentido que alguém que quase não exercia funções seja “substituída” por três pessoas.

Menos se compreende, à luz das boas regras de gestão, que a arguida deixasse de ser compensada pelas despesas suportadas e passasse a ser remunerada com um salário mensal, cujo valor não é, de modo algum, diminuto, uma vez que, em horário completo, o vencimento mensal certamente não seria inferior a € 1 000,00.

Desta forma, a arguida deixou de auferir a quantia média mensal de cerca de € 160,00 (€ 9 913,00 ÷ 62 meses), passando a receber € 485,85.

E este é, na ótica deste Tribunal Coletivo, um ponto decisivo para apreciar a intenção dos arguidos B... e C....

Na verdade, a distância de condução entre as localidades de Lisboa e Gouveia é de 318 km (tendo como fonte http://pt.distanciacidades.com), enquanto a distância de condução entre as localidades de Viseu e de Gouveia é, ainda segundo a mesma fonte, de 44,5 km.

À data em que a arguida foi contratada para o cargo de relações públicas já estava a residir em Viseu, o que significa que não lhe compensava manter o sistema remuneratório que havia vigorado até então, pois seria “obrigada” a deslocar-se a um ritmo diário de modo a manter o nível de rendimento que havia auferido anteriormente (note-se que, além da despesa de combustível, a viagem de Lisboa a Gouveia implicava um custo em portagens que não se verificava na viagem de Viseu a Gouveia), o que manifestamente não era vontade da arguida, bastando atentar nos depoimentos que referem que a arguida se deslocava à instituição, mesmo quando relações públicas, de vez em quando.

Assim, os arguidos B... e C... manifestamente tiveram a intenção de beneficiar esta criando um cargo desnecessário para a instituição, que não implicava a responsabilização da arguida, pois esta só respondia perante a direção, e remunerado em termos acrescidos em face do que tinha sido a prática anterior, o que necessariamente causou uma lesão patrimonial à instituição.

Apreciemos agora o segundo núcleo de factos.

Como se referiu, a prova documental é abundante e, na verdade, a restante prova teria uma função mais excludente do que inclusiva.

Efetivamente, não se olvidam as regras de prova no ordenamento jurídico-penal português, em que a prova dos elementos objetivos e subjetivo do tipo legal de crime imputado a qualquer cidadão cabe à acusação, não cabendo ao arguido demonstrar a sua inocência.

Sejamos, contudo, muito claros e precisos: à acusação incumbe a prova daqueles elementos, mas não lhe cabe a prova da não verificação de quaisquer circunstâncias ou hipóteses que afastem a responsabilidade do arguido.

Assim, no caso vertente, temos por documentalmente demonstrado que o arguido B... efetuou o levantamento de cheques das contas bancárias do “ A...” sem que existam elementos, mormente contabilísticos, que justifiquem essas saídas de dinheiro.

Sendo assim, não competia ao Ministério Público demonstrar que o arguido B... não tinha feito empréstimos à instituição, provando que os ditos levantamentos não visavam reaver o montante desses empréstimos. Também não competia ao Ministério Público provar que não havia uma contabilidade paralela, que visava a evasão fiscal e que, por isso, não podia utilizar os meios correntes de pagamento da instituição (operações bancárias).

Defender que é a acusação quem tem de provar a não verificação dessas hipóteses equivale a renunciar ao poder punitivo do Estado, por se traduzir na mais absoluta impunidade na medida em que sempre haverá margem para formulações especulativas.

Não é essa, obviamente, a conceção que preside às regras de prova em processo penal.

Isto não significa que o arguido tenha de provar a verificação de tais circunstâncias ou hipóteses. Impõe-se, contudo, que da prova produzida em julgamento, independentemente da respetiva origem, da acusação ou da defesa, ressaltem elementos de prova que permitam ao Tribunal duvidar da verificação dos elementos objetivos e subjetivo do tipo legal de crime imputado ao arguido ou mesmo afastar o preenchimento desses elementos.

Para tanto, salvo o devido respeito, não basta que o arguido se declare sério e afirme a sua versão como se fosse a verdade inquestionável para que o Tribunal se convença dessa versão. Especialmente quando é viável a produção de prova complementar dos factos alegados pelo arguido.

Não se olvida que, à luz do princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal poderá aceitar a versão trazida por uma pessoa a julgamento, ainda que essa versão seja contrariada por uma multidão de pessoas. Para tanto basta que a versão e o depoimento daquele singular indivíduo se revelem mais credíveis do que a versão e os depoimentos da pluralidade de outros indivíduos.

Todavia, essa credibilidade é aferida segundo padrões objetivos, assentando na análise e ponderação de uma globalidade de meios de prova que permitam sustentar ou infirmar uma determinada versão.

No caso concreto, o arguido B..., admitindo necessariamente ter efetuado os levantamentos pormenorizados na acusação, alegou fundamentalmente duas justificações para a sua conduta, além de introduzir um elemento lateral a considerar.

Assim, os levantamentos de valores mais substanciais, designadamente os cheques do “ Banco (...)”, foram efetuados para o ressarcir de empréstimos feitos à instituição, justificação que avançou apenas após alguma insistência da defesa. Por outro lado, os cheques da “Caixa de Crédito (...)” destinavam-se a efetuar o pagamento em dinheiro a fornecedores e por serviços prestados à instituição, quando essas transações não eram acompanhadas da emissão de documentos contabilísticos, estando combinado entre o arguido B... e o tesoureiro II... o procedimento a adotar, ou seja, o levantamento de cheques pelo arguido para efetuar aqueles pagamentos.

Esta explicação não é de todo descabida, carecendo, contudo, de elementos de prova que suportem esta alegação.

Efetivamente, um tal nível de movimentos financeiros gera necessariamente elementos documentais que, ainda que de modo ténue, revelam a origem, a finalidade e os montantes envolvidos.

Obviamente, não se trata de documentos com validade contabilística, pois este tipo de procedimentos visa precisamente afastar o uso de tais documentos. Mas normalmente são usadas listas, contas-correntes rudimentares e outros documentos semelhantes que permitem manter o controlo sobre o fluxo financeiro, uma vez que não estão em causa movimentos esporádicos.

Importa notar que, segundo o arguido B..., os fornecedores que não emitiam faturas eram muitos, sendo mais de 90% gente do x(...).

Mas então impõe-se questionar qual a razão para que não fosse apresentada em julgamento uma única pessoa que confirmasse esse procedimento.

Efetivamente, ao longo de todo o julgamento não houve uma única testemunha que confirmasse o alegado pelo arguido B..., pois as que foram inquiridas depuseram em sentido oposto – OO..., que prestou serviços de saneamento, eletricidade, etc., apresentava as faturas na secretaria e recebia por cheque; N... afirmou que a mulher, que trabalha na instituição, sempre efetuou os pagamentos a fornecedores por cheque, sendo certo que vários membros dos corpos sociais vendiam produtos hortícolas, vinho e outros, à instituição;   R... fazia compras utilizando cheques da “Caixa de Crédito (...)”, normalmente preenchidos previamente, limitando-se a entrega-los, uma vez que em momento anterior tinham juntado as faturas e entregue ao arguido B... para contabilização; e NN... afirmou que faziam compras e entregavam cheques – e não foram apresentadas quaisquer outras que confirmassem a versão do arguido.

A ausência de testemunhas que corroborassem a alegação do arguido B... é tanto mais estranha quanto este continua a ser uma pessoa conceituada socialmente, como ressalta do respetivo relatório social, sendo certo que eventuais infrações fiscais se encontram já prescritas.

Não é, de modo algum, de imaginar que os cidadãos do x(...) se uniram num pacto de silêncio e de mentira de modo a prejudicar o arguido B..., ou seja, a tese da cabala também neste processo não tem fundamento.

É certo que este Tribunal Coletivo tem de admitir a possibilidade de ocorrerem pequenos imprevistos que importassem o imediato pagamento de uma importância monetária, sem que houvesse cheques em disponibilidade imediata.

Aliás, a inspeção da Segurança Social detetou a existência de documentos – “faturas avulsas sem enquadramento contextual” –, cujas cópias constam de fls. 317 a 330, sendo que, pelo menos, parte desses documentos se reporta a pagamentos em numerário.

Contudo, esses documentos são, de todo, insuficientes para se afirmar que havia uma prática generalizada de aquisições em numerário, sendo de notar os montantes pouco relevantes de tais aquisições. Acresce que algumas dessas compras são de difícil integração no exercício da instituição, citando-se a título de exemplo as compras identificadas a fls. 323 e 324, cujo volume mais se coaduna com uma compra para uma família do que propriamente para uma instituição com dezenas de utentes.

Poderá dizer-se que havia muitos outros documentos, que poderão ter sido retirados da instituição no período que mediou entre a saída do arguido B... (7 de setembro de 2007) e a data em que se iniciou a inspeção (26 de setembro de 2007).

Porém, desde logo a presença dos documentos que foram encontrados reduz a possibilidade de haver muitos outros documentos de idêntica índole, que, por alguma razão, teriam sido retirados da instituição. Por outro lado, não se vê qual a razão que levaria à subtração desses documentos, sendo de notar que a inspeção teve origem numa denúncia (conforme fls. 35) que nada tem a ver com esses aspetos.

O que se vem expondo é aplicável aos alegados empréstimos feitos pelo arguido B..., em relação aos quais inexiste qualquer prova.

Quanto ao aspeto lateral suscitado pelo arguido B..., e que reside na participação do tesoureiro II..., não deixaremos de notar a impossibilidade de confirmação ou infirmação do alegado, uma vez que este já faleceu. Por outro lado, a confirmar-se a intervenção do falecido, não haveria uma desresponsabilização do arguido B..., antes se podendo suscitar a questão da coautoria por parte do referido tesoureiro, questão que naturalmente não se coloca hoje.

Em face do que se expôs concluiu este Tribunal Coletivo pela inexistência de razões que justifiquem a utilização dos cheques pelo arguido B..., julgando-se, por isso, provada a apropriação dos montantes inscritos nos cheques, procedimento que foi sendo encoberto mediante a adulteração da contabilidade, não sendo convincente a alegação do arguido B..., segundo o qual era o tesoureiro quem tratava das declarações, limitando-se o arguido a redigi-las, de acordo com os elementos dados pelo tesoureiro, e a assiná-las. E essa alegação não é convincente na medida em que não se vislumbra o benefício para o tesoureiro nessa prática, salvo evidentemente se estivesse conluiado com o arguido.

Resta apreciar as condutas relativas às aquisições de bens e de equipamentos, bem como a matéria atinente à fatura em que teve intervenção o arguido E....

No que concerne ao computador portátil, o arguido D... afirmou que foi a pedido do pai que foi levantar o computador, não o tendo utilizado, dado que o equipamento se destinava a ser usado pelo arguido B... em prol da instituição.

O arguido B... confirmou a alegação.

Na falta de elementos que ponham em causa a versão dos arguidos, este Tribunal Coletivo julgou não provado que o computador se destinasse ao arguido D....

Ainda em relação ao arguido D..., o Tribunal Coletivo também julgou não provado que este soubesse que o dinheiro depositado na sua conta bancária proviesse de uma conta do “ A...”, atenta a plausível explicação dada pelo arguido, que referiu que, à data, era estudante e o pai fazia depósitos sem que o arguido se preocupasse em verificar a origem do dinheiro, o que, à luz das regras da experiência, se afigura perfeitamente viável.

Retornando à questão do computador portátil, o Tribunal Coletivo julgou provada a apropriação pelo arguido B..., não em benefício do seu filho, mas em seu benefício ou de terceiro.

Na verdade, o arguido B... afirmou ter utilizado o computador portátil para tratar de assuntos da instituição, tendo-o devolvido quando se demitiu, afirmando ter deixado o computador num sótão da instituição.

A este propósito, o que se dirá em seguida é aplicável a outro material.

A veracidade da declaração do arguido B... assenta no pressuposto de que alguém retirou o computador do local em que o arguido B... o deixou, com intenção de prejudicar o arguido.

Efetivamente, poderia estar em causa a subtração de um equipamento apenas com essa finalidade e não com intenção de prejudicar o arguido B....

Porém, a posição do arguido é extensiva a outros equipamentos, que, segundo o próprio, não teriam sido guardados no mesmo local.

Ora, o alegado desaparecimento de diversos equipamentos comprados e alegadamente depositados em diversos locais só poderia ser compatível com uma ação concertada visando prejudicar o arguido.

Mas existem elementos que suportem esta elaborada tese?

Manifestamente, não.

Desde logo, no que toca ao computador é de sublinhar que, dada a sua portabilidade e alegada finalidade – uso para a instituição –, normal seria que o arguido B..., ainda que guardando o equipamento em casa, o transportasse ocasionalmente para a instituição, inclusivamente em reuniões.

Porém, nem uma testemunha viu o dito computador ao longo de um período de tempo superior a 2 anos.

O mesmo se dirá, aliás, em relação ao aspirador, ao ferro e à caixa de ferramentas, uma vez que se trata de objetos de uso corrente, não havendo sequer razão para serem guardados fora da instituição, como sucede com o computador. Todavia, nem mesmo assim alguma testemunha afirmou ter visto tais objetos em uso ou guardados na instituição.

O mesmo sucedeu com as placas e o forno, que o arguido B... declarou ter comprado em Viseu por estar prevista a ampliação das instalações do ATL, sendo aquele equipamento necessário para utilização no novo espaço.

Esta explicação não merece credibilidade – o arguido nem sequer alegou ter conseguido uma pechincha que justificasse a aquisição antecipada do equipamento – segundo as regras da experiência comum e juízos de normalidade, uma vez que a compra foi feita em maio de 2006, verificando-se pela ata de 24 de novembro de 2006 (fls. 85 a 88) que, mais de 6 meses depois, o projeto de ampliação do ATL e da creche ainda aguardava o parecer técnico do Centro Distrital de Segurança Social. Afirmar que o arguido B..., com a experiência adquirida pela gestão/administração do “ A...” durante mais de 19 anos, com resultados positivos no plano económico, avançaria para uma compra de material que não sabia se viria a ser utilizado, havendo o risco de perder o investimento feito, é algo que, estamos em crer, nem o próprio admitiria caso não estivesse a ser julgado.

Inexiste, por isso, explicação credível que afaste a prova da apropriação no que toca aos referidos itens.

Quanto a alguns outros aspetos são aplicáveis as considerações já tecidas supra.

Assim, no tocante ao cheque da conta titulada por QQ..., o arguido B... pretendeu justificar esse ato com dois ou três empréstimos feitos àquele, numa altura em que o mesmo passava por problemas com a esposa, tudo perfazendo pouco mais de € 2000,00.

O cheque entregue pela filha de PP... teria sido por si recebido para se ressarcir de gastos da instituição que o próprio tinha suportado, enquanto o abastecimento de gasóleo, que foi pago com um cheque da instituição, teria sido posteriormente pago pelo arguido à instituição.

Não há qualquer evidência destas alegações, razão pela qual o Tribunal julgou provada a matéria da acusação.

Somente no que respeita à viatura se suscitaram dúvidas a este Tribunal Coletivo, que conduziram à não prova dos correspondentes factos.

Efetivamente, segundo o arguido B..., QQ...disse-lhe que ia oferecer a viatura ao Lar, tendo-lhe dito para a mandarem arranjar. Ainda segundo o arguido, já após ter abandonado a direção da associação, QQ...transmitiu-lhe que já tinha pago o montante que a instituição havia suportado.

Impõe-se notar que nenhuma prova foi produzida no sentido de se afirmar que o arguido B... utilizou a viatura em seu proveito (o inspetor da Polícia Judiciária SS... foi taxativo nesse ponto), antes sendo aquele QQ...quem o fez (conforme os depoimentos de HH..., L..., Q... e Y...).

Pelo contrário, a versão do arguido B... encontra eco parcial no depoimento de FF..., que aplicou os bancos na viatura, tendo dito que quem solicitou o serviço foi o arguido B..., que estava acompanhado de uma pessoa muito mais velha, tendo sido dito à testemunha que a viatura ia ser oferecida ao Lar. Alguma divergência surge apenas na medida em que, de acordo com a testemunha, foi-lhe dito que quem ia pagar a reparação era o Lar, devido à oferta.

LL..., mecânico, reparou a viatura a ordens do QQ..., afirmando que foi o arguido B... quem lhe pagou o serviço com um cheque da instituição, tendo dito que, no dia seguinte, ia levantar dinheiro para pagar à instituição e tendo QQ...dito que, após a reparação, ia oferecer a viatura ao Lar.

Já GG... referiu que QQ...lhe disse que tinha pago a reparação.

Podemos ter por assente que a viatura nunca foi utilizada pelo arguido B..., antes sendo usada por QQ..., como foi notado por várias testemunhas, que admitiram que QQ...a cedia para uso de diversas coletividades, não sabendo, contudo, se o “ A...” também a utilizou.

É também certo que a intenção de QQ...era a de disponibilizar a viatura “a outra entidade ou coletividade da freguesia do Arcozelo para esta sim lhe dar uma utilização mais regular” (fls. 2158).

A esta luz não se consegue perceber por que razão QQ...negaria a disponibilidade da viatura à assistente, não havia certamente razão para tal, motivo pelo qual o Tribunal Coletivo julgou provada essa disponibilidade. Ora, sendo assim, é de admitir que o pagamento da reparação e dos restantes serviços pela instituição – pelo menos numa fase inicial, ficando a dúvida quanto a um eventual pagamento posterior por parte de QQ...– não visasse qualquer finalidade ilícita, antes surgindo como contrapartida para uma eventual utilização da viatura.

Resta referir que, no tocante à fatura solicitada pelo arguido B... ao arguido E..., ambos os arguidos admitiram as suas condutas, aliás, confirmadas por DD....

Considerando a longa experiência do arguido E..., que admitiu saber estar a emitir uma fatura falsa, não convence minimamente a sua declaração em como desconhecia estar a causar prejuízo a terceiros com esse ato.

Finalmente, os factos da lide cível julgados não provados não foram objeto de qualquer prova.

3. Apreciação
No conhecimento dos recursos trataremos em primeiro lugar, conjuntamente, da «impugnação da matéria de facto», apresentada por ambos os arguidos/recorrentes, seguida da apreciação, ainda conjunta, dos recursos relativamente à matéria de direito quanto ao crime de participação económica em negócio, por que os dois sofreram condenação – e contra a qual se insurgem –, pois que a decisão a tomar no que concerne ao recorrente B... não é indiferente ao destino do recurso da recorrente C..., dedicando-nos, após, ao recurso do primeiro no que respeita à matéria de direito referente ao crime de peculato, concluindo, na medida que for admissível, pela apreciação da condenação na parte cível.

a. Recurso dos arguidos B... e C...
a.a.
Perscrutadas as conclusões - as quais não é demais relembrar delimitam o objecto do recurso - indica o recorrente B... como incorrectamente julgados os pontos 6, 7, 11, 15, 16, 27, 33, 45, 46, 47, 50, 53, 55, 56, 57, 58, 59, 66, 68, 69, 70, 73, 74, 75, 82, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 91, 92 e 93 da matéria de facto provada – [cf. ponto 22.º das conclusões], insurgindo-se, por seu turno, a recorrente C... contra os pontos 20, 85, 92 e 93 do acervo factual (provado) – [cf. ponto 4.º das conclusões].

Tendo sido documentadas, através de gravação, as declarações prestadas oralmente na audiência de julgamento, poderá este tribunal conhecer de facto [cf. os artigos 363º e 428º do CPP], desde que se mostre cumprido o disposto no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP.
Nos termos do n.º 3 do citado preceito legal, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente especificar:
a. Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b. As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; e, eventualmente
c. As provas que devem ser renovadas.

O nível de exigência do recurso em matéria de facto, reforçado com a Reforma de 2007, tem de ser lido à luz do entendimento, sistematicamente afirmado pelos tribunais superiores de que os recursos constituem remédios jurídicos destinados a corrigir erros de julgamento, não configurando, como tal, o recurso da matéria de facto para a Relação um novo julgamento em que este tribunal aprecia toda a prova produzida na 1.ª instância como se o julgamento ali realizado não existisse [cf., entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 15.12.2005, 09.03.2006 e 04.01.2007, proferidos nos procs. n.º 05P2951, n.º 06P461 e n.º 4093/06 – 3.ª].

Vejamos, pois, no que a tal concerne, a forma de proceder dos recorrentes.
Sendo manifesto não haverem dado nas conclusões cumprimento aos ónus legalmente impostos, fica-nos a motivação de recurso, no seio da qual se assiste, no essencial, a uma argumentação tendente a sobrepor a respectiva convicção àquela que surge, suficientemente esclarecida da fundamentação e análise crítica da prova, ter sido a do Colectivo.
Assim é no que tange à matéria respeitante ao crime de participação económica em negócio, em que o recorrente B... – conforme resulta do ponto B) – A) da motivação [cf. fls. 32 a 35] – se limita a questionar, através de interrogações, a convicção do tribunal, o que, manifestamente, não satisfaz os ditos ónus, inviabilizando a sindicância dos correspondentes pontos na vertente alargada, ou seja para além do texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum.
E, maugrado, a transcrição de segmentos das declarações do arguido/recorrente [cf. fls. 46/47 da motivação], acompanhadas ao longo da motivação por considerações interpretativas, sempre no sentido de contrariar a razoabilidade da análise e apreciação crítica da prova levada a efeito pelo Colectivo, o cenário não se altera quando pretende afrontar o acervo factual subjacente ao crime de peculato [cf. fls. 35 a 60 da motivação].
Com efeito, esquece o recorrente que … A especificação dos “concretos pontos de facto” só se mostra cumprida com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que … considera incorrectamente julgado, sendo insuficiente a alusão a todos ou parte dos factos compreendidos em determinados números ou itens da sentença e, bem assim, que A exigência legal de especificação das “concretas” provas só se queda satisfeita com a indicação do conteúdo específico do meio de prova … em que baseia a impugnação [cf. o acórdão do TRC de 22.10.2008, proc. n.º 1121/03.3TACBR.C1].
Por outro lado, no que concerne à indicação das “concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida”, a coisa não muda de figura, já que não se mostra estabelecida a necessária correlação entre o concreto meio de prova e o concreto ponto de facto que almeja contrariar, assistindo-se, ao invés, a uma espécie de composição, onde abundam considerações e comentários, tendentes a demonstrar o que seria razoáel o tribunal ter suposto – ao arrepio do que veio a acontecer -, tudo a denotar um enorme distanciamento do grau de exigência do recurso da matéria de facto à luz do artigo 412º do CPP.
A prova irrefutável que assim é encontra-se, uma vez mais, quando sob a epígrafe de «Erro notório na apreciação da prova» [cf. ponto H) da motivação], apresenta vários grupos, integrados por diferentes números da matéria de facto provada, só excepcionalmente indicando um, sem que, contudo, alguma vez, cuide de, na dimensão que lhe era exigível, satisfazer os ónus que sobre ele impendiam.

Semelhante procedimento é adoptado pela recorrente C..., quando relativamente aos assinalados «erros evidentes», os faz assentar numa indevida valoração das suas declarações e do arguido/recorrente B... , as quais – aduz - se teriam revelado plausíveis e credíveis, bem como numa valoração «ao contrário» do depoimento de «todas as testemunhas identificadas na página 22 da sentença», sendo que – refere - sempre teria exercido as funções que lhe eram exigidas, com maior ou menor presença na instituição, como o demonstrariam os documentos juntos a fls. 2490 a 2543, limitando-se quanto a estes [indicados em bloco] a referir não haverem sido devidamente valorados pelo tribunal [certamente, como resposta ao que a propósito da irrelevância dos mesmos ficou expressamente consignado em sede de fundamentação/análise crítica da prova], sem cuidar de concretizar em que medida tal teria sucedido.
E se assim é no que se reporta ao ponto 20., a coisa não se altera no que tange aos pontos 85. e 93, nos quais se fica pela sua versão dos factos, omitindo o ónus de indicar os concretos meios de prova que imporiam decisão diversa da recorrida.
Incompreensível, no contexto da decisão recorrida, é a reacção contra o que consignado ficou no ponto 92. dos factos provados – no que respeita aos intervenientes no contrato de trabalho -, cujo alcance decorre da sua leitura conjugada com o que resulta, designadamente do ponto 17. do acervo factual provado, reproduzindo-se quanto ao mais o referido a propósito dos pontos 85. e 93.

Em conclusão, não tendo os recorrentes dado cumprimento, na dimensão legalmente exigível, aos ónus de impugnação, nem nas conclusões nem na correspondente motivação dos recursos, vedado que está, neste caso, o convite ao aperfeiçoamento [cf. vg. os acórdãos do TC n.ºs 259/2002, in DR, IIS, de 13.12. e 140/2004, in DR, II S. de 17.04, bem como, entre outros, os acórdãos do STJ de 17.02.2005 (proc. 05P058), de 09.03.2006 (proc. 06P461), de 28.06.2006 (proc. 06P1940), de 04.01.2007 (proc. 4093/06.3.ª)], não é possível a este tribunal conhecer, na vertente alargada, da matéria de facto.


Ainda no âmbito da matéria de facto, não obstante a impossibilidade acima declarada, fica-nos a respectiva sindicância por via dos vícios do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, bem como do artigo 127º do CPP, disposição, esta, expressamente convocada pelos recorrentes, o mesmo sucedendo quanto ao invocado «erro notório na apreciação da prova», vício que surge em epígrafe no ponto H) da motivação [recorrente B... ], retomado no ponto 4.º das conclusões [recorrente C...], não transparecendo aos olhos deste tribunal suficientemente esclarecido do requerimento recursório se está claro no espírito dos recorrentes a diferença entre as duas vias de impugnação [restrita e alargada] da matéria de facto, se, pelo contrário, fazem equivaler o «erro de julgamento» ao «erro notório na apreciação da prova», tudo isto em função do modo de fazer – no mínimo equívoco – adoptado.
De facto, é impossível descartar, não pelo nomen iuris usado, o qual consabidamente não vincula o tribunal, mas com recurso às «evidências», «asserções», «interrogações», desfiadas ao longo da motivação, com o que os recorrentes parecem, definitivamente, pretender apontar para um percurso ilógico, irrazoável, ao arrepio das regras da experiência trilhado pelo tribunal, que não seja precisamente no domínio do vício da alínea c), do n.º 2, do artigo 410.º do CPP que pretendem colocar a questão.
Seja como for, tratando-se de matéria de conhecimento oficioso, não deixaremos de enfrentá-la.
A propósito da configuração dos vícios do artigo 410.º do CPP é ponto assente terem os mesmos de dimanar da complexidade global da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso portanto a quaisquer elementos que à dita decisão sejam externos, salientando-se, ainda, que as regras da experiência comum “não são senão as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece” – [cf. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 2000, Vol. III, págs. 338/339].
Tratam-se, por conseguinte de vícios ao nível da lógica jurídica da matéria de facto, da confecção técnica do decidido, apreensíveis a partir do seu texto, a denunciar incoerência interna com os termos da decisão – [cf. o acórdão do STJ de 07.12.2005, CJ, ASTJ, T. III, 2005, pág. 224].
É de concluir por erro notório na apreciação da prova … sempre que, para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulada no art.º 127.º do CPP, quando afirma que “a prova é apreciada segundo as regras da experiência – [cf. Maria João Antunes, “Conhecimento dos Vícios Previstos no art. 410.º, n.º 2 do CPP”, pág. 120].
O que significa que o aludido vício só será de convocar quando for detectado um erro de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores, realidade que não pode ser confundida com a errada apreciação e valoração da prova não obstante terem como denominador comum a sindicância da matéria de facto.
No mesmo sentido Simas Santos e Leal Henriques quando realçam não poder incluir-se no erro notório na apreciação da prova a sindicância que os recorrentes possam pretender efectuar à forma como o tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência, valoração que aquele tribunal é livre de fazer, de harmonia com o preceituado no art.º 127º - [cf. Recursos em Processo Penal”, 6.ª edição, 2007, Rei dos Livros, pág. 74].
O que importa apurar é se resulta do acórdão recorrido que o Colectivo haja valorado os diferentes meios de prova contra as regras da experiência ou em violação dos seus momentos estritamente vinculados, tendo presente que A garantia de legalidade da «livre convicção» a que alude o artigo 127.º do CPP, terá de bastar-se com a necessária explicitação objectiva e motivada do processo da sua formação, de forma a ficar bem claro não só o acervo probatório em que assentou essa convicção, possibilitando a partir daí o necessário controlo da sua legalidade, como também o processo lógico que a partir dele o tribunal desenvolveu para chegar onde chegou, nomeadamente da valoração efectuada, enfim, da razão de ser do crédito ou descrédito dado a este ou àquele meio de prova – [cf. o acórdão do STJ de 11.11.2004, proc. n.º 04P3182].

Ora, aqui chegados, impõe-se reconhecer a extensão, profundidade e sistematização dedicada pelo Colectivo à análise e apreciação crítica da prova, seccionando a fundamentação em três núcleos de factos, assim descritos: «as condutas que envolvem a arguida C..., assim se apreciando a prova a esta respeitante; as condutas relativas ao levantamento de cheques do assistente; e as condutas relativamente individualizadas, atinentes, em especial …, à aquisição de equipamentos, englobando a prova respeitante às condutas dos arguidos D... e E...», para, de seguida, com recurso à abundante prova documental [sempre devidamente identificada] – prova, essa, que atenta a natureza dos factos em apreço, assumiu relevância preponderante – e também testemunhal, esclarecer relativamente a cada bloco o processo de formação da convicção.
Concluindo, no que ao primeiro núcleo concerne: « … em primeiro lugar são extremamente escassos os atos praticados por quem exerceu funções de responsabilidade numa instituição durante mais de 5 anos; em segundo lugar, o escasso número de atos/presenças da arguida incidem em especial na parte final do período em que esteve investida de funções», não deixando, contudo, de sublinhar a irrelevância dos documentos de fls. 2490 a 2543 – circunstância que, como a seu tempo referimos, a arguida/recorrente não soube contrariar -, explicitando porque assim foi, no juízo levado a cabo pelo tribunal.
Porém, soube o Colectivo separar as águas na análise ponderada que estabeleceu entre o momento em que a arguida foi nomeada como directora técnica e aquele outro em que veio a ser contratada como relações públicas, desresponsabilizando-a [bem como ao recorrente B... Ferreira] por aquele primeiro, o mesmo não sucedendo quanto ao segundo, relativamente ao qual se respiga da fundamentação: «É manifesto que o “ A...” não carecia de uma relações públicas.
Efetivamente, como se referiu, a instituição “sobreviveu” sem uma efetiva diretora técnica até 2007, mantendo a estrutura e o funcionamento que vinha de momento anterior à exigência da Segurança Social de 2002.
Estranhamente, quando a instituição passa a estar dotada de uma diretora técnica, além de uma estagiária então colocada, o arguido B... suscitou a necessidade de mais um cargo. Salvo o devido respeito, não tem qualquer sentido que alguém que quase não exercia funções seja “susbtituída” por três pessoas.
Menos se compreende, à luz das boas regras de gestão, que a arguida deixasse de ser compensada pelas despesas suportadas e passasse a ser remunerada com um salário mensal, cujo valor não é, de modo algum, diminuto, uma vez que, em horário completo, o vencimento mensal certamente não seria inferior a € 1 000,00.
Desta forma, a arguida deixou de auferir a quantia média mensal de cerca de € 160,00 (€ 9 913,00:62 meses), passando a receber € 485,85.
E este é, na ótica deste Tribunal Colectivo, um ponto decisivo para apreciar a intenção dos arguidos B... e C....
Na verdade, a distância de condução entre as localidades de Lisboa e Gouveia é de 318 Km (tendo como fonte http://pt.distanciacidades.com), enquanto a distância de condução entre as localidades de Viseu e Gouveia é, ainda segundo a mesma fonte, de 44,5 Km.
À data em que a arguida foi contratada para o cargo de relações públicas já estava a residir em Viseu, o que significa que não lhe compensava manter o sistema remuneratório que havia vigorado até então, pois seria “obrigada” a deslocar-se a um ritmo diário de modo a manter o nível de rendimento que havia auferido anteriormente (note-se que, além da despesa de combustível, a viagem de Lisboa a Gouveia implicava um custo em portagens que não se verificava na viagem de Viseu a Gouveia), o que manifestamente não era vontade da arguida, bastando atentar nos depoimentos que referem que a arguida se deslocava à instituição, mesmo quando relações públicas, de vez em quando.
Assim, os arguidos B... e C... manifestamente tiveram a intenção de beneficiar esta criando um cargo desnecessário para a instituição, que não implicava a responsabilização da arguida, pois esta só respondia perante a direção, e remunerado em termos acrescidos em face do que tinha sido a prática anterior, o que necessariamente causou uma lesão patrimonial à instituição».

Também no respeitante ao segundo núcleo de factos se revela a análise/apreciação crítica da prova suficientemente esclarecedora, antecipando, de forma adequada, o que se «adivinhava» viesse a ser – como o é - a «argumentação» do recorrente B... , enquanto invoca ser à acusação que cabe fazer a prova, destacando-se, a propósito, as seguintes passagens: «Sejamos, contudo, claros e precisos: à acusação incumbe a prova daqueles elementos, mas não lhe cabe a prova da não verificação de quaisquer circunstâncias ou hipóteses que afastem a responsabilidade do arguido.
Assim, no caso vertente, temos por documentalmente demonstrado que o arguido B... efetuou o levantamento de cheques das contas bancárias do “ A...” sem que existam elementos, mormente contabilísticos, que justifiquem essas saídas de dinheiro.
Sendo assim, não competia ao Ministério Público demonstrar que o arguido B... não tinha feito empréstimos à instituição, provando que os ditos levantamentos não visavam reaver o montante desses empréstimos. Também não competia ao Ministério Público provar que não havia uma contabilidade paralela, que visava a evasão fiscal e que, por isso não podia utilizar os meios correntes de pagamento da instituição (operações bancárias).
(…)
Isto não significa que o arguido tenha de provar a verificação de tais circunstâncias ou hipóteses. Impõe-se, contudo, que da prova produzida em julgamento, independentemente da respectiva origem, da acusação ou da defesa, ressaltem elementos de prova que permitam ao Tribunal duvidar da verificação dos elementos objetivos e subjetivo do tipo legal ou mesmo afastar o preenchimento desses elementos.
(…)
No caso concreto, o arguido B..., admitindo necessariamente ter efetuado os levantamentos pormenorizados na acusação, alegou fundamentalmente duas justificações para a sua conduta, além de introduzir um elemento lateral a considerar.
Assim, os levantamentos de valores mais substanciais, designadamente os cheques do “ Banco (...)”, foram efetuados para o ressarcir de empréstimos feitos à instituição, justificação que avançou apenas após alguma insistência da defesa. Por outro lado, os cheques da “Caixa (...)” destinavam-se a efetuar o pagamento em dinheiro a fornecedores e por serviços prestados à instituição, quando essas transações não eram acompanhadas da emissão de documentos contabilísticos, estando combinado entre o arguido B... e o tesoureiro II... o procedimento a adotar, ou seja, o levantamento de cheques pelo arguido para efetuar aqueles pagamentos.
Esta explicação não é de todo descabida, carecendo, contudo, de elementos de prova que suportem a alegação.
Efetivamente, um tal nível de movimentos financeiros gera necessariamente elementos documentais que, ainda que de modo ténue, revelam a origem, a finalidade e os montantes envolvidos.
Obviamente, não se trata de documentos com validade contabilística, pois este tipo de procedimentos visa precisamente afastar o uso de tais documentos. Mas normalmente são usadas listas, contas-correntes rudimentares e outros documentos semelhantes que permitem manter o controlo sobre o fluxo financeiro, uma vez que não estão em causa movimentos esporádicos.
Importa notar que, segundo o arguido B..., os fornecedores que não emitiam faturas eram muitos, sendo mais de 90% gente de x(...).
Mas então impõe-se questionar qual a razão para que não fosse apresentada em julgamento uma única pessoa que confirmasse esse procedimento.
Efetivamente, ao longo de todo o julgamento não houve uma única testemunha que confirmasse o alegado pelo arguido B..., pois as que foram inquiridas depuseram em sentido oposto (…) e não foram apresentadas quaisquer outras que confirmassem a versão do arguido.
A ausência de testemunhas que corroborassem a alegação do arguido B... é tanto mais estranha quanto este continua a ser uma pessoa conceituada socialmente (…), sendo certo que eventuais infrações fiscais se encontram já prescritas.
Não é, de modo algum, de imaginar que os cidadãos do x(...) se uniram num pacto de silêncio e de mentira de modo a prejudicar o arguido B..., ou seja, a tese da cabala também neste processo não tem cabimento.
É certo que este Tribunal Coletivo tem de admitir a possibilidade de ocorrerem pequenos imprevistos que importassem o imediato pagamento de uma importância monetária, sem que houvesse cheques em disponibilidade imediata.
Aliás, a inspecção da Segurança Social detetou a existência de documentos – “faturas avulsas sem enquadramento contextual” – cujas, cópias constam de fls. 317 a 330, sendo que, pelo menos, parte desses documentos se reporta a pagamentos em numerário.
Contudo, esses documentos são, de todo, insuficientes para se afirmar que havia uma prática generalizada de aquisições em numerário, sendo de notar os montantes pouco relevantes de tais aquisições. Acresce que algumas dessas compras são de difícil integração, no exercício da instituição, citando-se a título de exemplo as compras identificadas a fls. 323 e 324, cujo volume mais se coaduna com uma compra para uma família do que propriamente para uma instituição com dezenas de utentes.
Poderá dizer-se que havia muitos outros documentos, que poderão ter sido retirados da instituição no período que mediou entre a saída do arguido B... (7 de setembro de 2007) e a data em que se iniciou a inspeção (26 de setembro de 2007).
Porém, desde logo a presença dos documentos que foram encontrados reduz a possibilidade de haver muitos outros documentos de idêntica índole, que, por alguma razão, teriam sido retiradas da instituição. Por outro lado, não se vê qual a razão que levaria à subtração desse documentos, sendo de notar que a inspeção teve origem numa denúncia (conforme fls. 35) que nada tem a ver com esses aspetos.
O que se vem expondo é aplicável aos alegados empréstimos feitos pelo arguido B..., em relação aos quais inexiste qualquer prova.
Quanto ao aspeto lateral suscitado pelo arguido B..., e que reside na participação do tesoureiro II..., não deixaremos de notar a impossibilidade de confirmação ou infirmação do alegado, uma vez que já faleceu. Por outro lado, a confirmar-se a intervenção do falecido, não haveria uma desresponsabilização do arguido B..., antes se podendo suscitar a questão da coautoria por parte do referido tesoureiro, questão que naturalmente não se coloca hoje.
Em face do que se expôs concluiu este Tribunal Colectivo pela inexistência de razões que justifiquem a utilização dos cheques pelo arguido B..., julgando-se, por isso, provada a apropriação dos montantes inscritos nos cheques, não sendo convincente a alegação do arguido B..., segundo o qual era o tesoureiro quem tratava das declarações, limitando-se o arguido a redigi-las de acordo com os elementos dados pelo tesoureiro, e a assiná-las. E essa alegação não é convincente na medida em que não se vislumbra o benefício para o tesoureiro nessa prática, salvo evidentemente se estivesse conluiado com o arguido».

Por fim, e quanto ao último núcleo de factos relativos à aquisição de bens e equipamentos, bem como à matéria atinente à fatura em que teve intervenção o arguido E..., com relevo para a decisão, mostra-se consignado:
«Retornando à questão do computador portátil, o Tribunal Coletivo julgou provada a apropriação pelo arguido B..., não em benefício do seu filho, mas em seu benefício ou de terceiro.
Na verdade, o arguido B... afirmou ter utilizado o computador portátil para tratar de assuntos da instituição, tendo-o devolvido quando se demitiu, afirmando ter deixado o computador num sótão da instituição.
A este propósito, o que se dirá em seguida é aplicável a outro material.
A veracidade da declaração do arguido B... assenta no pressuposto de que alguém retirou o computador do local em que o arguido (…) o deixou, com intenção de prejudicar o arguido.
Efetivamente, poderia estar em causa a subtração de um equipamento apenas com essa finalidade e não com a intenção de prejudicar o arguido B....
Porém, a posição do arguido é extensiva a outros equipamentos, que, segundo o próprio, não teriam sido guardados no mesmo local.
Ora, o alegado desaparecimento de diversos equipamentos comprados e alegadamente depositados em diversos locais só poderia ser compatível com uma ação concertada visando prejudicar o arguido.
Mas existem elementos que suportem esta elaborada tese?
Manifestamente, não.
Desde logo, no que toca ao computador é de sublinhar que, dada a sua portabilidade e alegada finalidade – uso para a instituição -, normal seria que o arguido B..., ainda que guardando o equipamento em casa, o transportasse ocasionalmente para a instituição, inclusivamente em reuniões.
Porém, nem uma testemunha viu o dito computador ao longo de um período de tempo superior a 2 anos.
O mesmo se dirá, aliás, em relação ao aspirador, ao ferro e à caixa de ferramentas, uma vez que se trata de objetos de uso corrente, não havendo sequer razão para serem guardados fora da instituição, como sucede com o computador. Todavia, nem mesmo assim alguma testemunha afirmou ter visto tais objetos em uso ou guardados na instituição.
O mesmo sucedeu com as placas e o forno, que o arguido … declarou ter comprado em Viseu por estar prevista a ampliação das instalações do ATL, sendo aquele equipamento necessário para utilização no novo espaço.
Esta explicação não merece credibilidade – o arguido nem sequer alegou ter conseguido uma pechincha que justificasse a aquisição antecipada do equipamento – segundo as regras da experiência comum e juízos de normalidade, uma vez que a compra foi feita em maio de 2006, verificando-se pela ata de 24 de Novembro de 2006 (fls. 85 a 88) que, mais de 6 meses depois, o projeto de ampliação do ATL e da creche ainda aguardava o parecer técnico do Centro Distrital de Segurança Social. Afirmar que o arguido …, com a experiência adquirida pela gestão/administração do “ A...” durante mais de 19 anos, com resultados positivos no plano económico, avançaria para uma compra de material que não sabia se viria a ser utilizado, havendo o risco de perder o investimento feito, é algo que, estamos em crer, nem o próprio admitiria caso não estivesse a ser julgado.
Inexiste, por isso, explicação credível que afaste a prova da apropriação no que toca aos referidos itens.
Quanto a alguns outros aspetos são aplicáveis as considerações já tecidas supra.
Assim, no tocante ao cheque da conta titulada por QQ..., o arguido B... pretendeu justificar esse ato com dois ou três empréstimos feitos àquele, numa altura em que o mesmo passava por problemas com a esposa, tudo perfazendo pouco mais de € 2 000,00.
O cheque entregue pela filha de PP... teria sido por si recebido para se ressarcir de gastos da instituição que o próprio tinha suportado, enquanto o abstecimento de gasóleo, que foi pago com um cheque da instituição, teria sido posteriormente pago pelo arguido à instituição.
Não há qualquer evidência destas alegações, razão pela qual o Tribunal julgou provada a matéria da acusação.
(…)
Resta referir que, no tocante à fatura solicitada pelo arguido B... ao arguido E..., ambos os arguidos admitiram as suas condutas, aliás, confirmadas por DD...».

Reconhecendo, embora, a exaustão que a reprodução vinda de fazer é susceptível de provocar, no caso em apreço entendemos não dever dispensá-la sobretudo, pelo modo como antecipa o ataque levado a efeito no requerimento recursório, o qual, retomando os aspectos que tendo sido objecto de discussão – designadamente os alegados pela defesa – mais não visa do que destruir o processo de convicção do tribunal, pese embora este os haja enfrentado, ponderado e de uma forma que em tudo transparece lúcida e sustentada - quer na consideração dos diferentes meios de prova, com especial ênfase para a documental, por si e em conjugação uns com os outros, quer através de uma análise crítica que resulta transparente, sem mácula, consistente e fundada à luz das regras da experiência, do normal acontecer das coisas da vida, no seio da qual não se descortina qualquer assomo de juízos irrazoáveis, ilógicos ou arbitrários – justificadamente os arredou.
Obviamente que os arguidos/recorrentes se limitaram a admitir o inegável, tendo o recorrente B... , além do mais – vg. confundindo o que não é passível de o ser, tal como os resultados líquidos apresentados pela instituição com a apropriação das quantias em causa -, pretendido: lançar um manto de suspeição relativamente à matéria da apropriação, designadamente quanto aos montantes correspondentes aos cheques da instituição que levantou e aos cheques dos utentes que recebeu; empurrar para o tesoureiro (já falecido) a responsabilidade pelo conteúdo das declarações; induzir o juízo quer da insuficiência dos suportes documentais, quer do âmbito da investigação – o que não logrou demonstrar, no confronto com os factos em apreço; endossar a responsabilidade de um suposto desaparecimento de documentos e bens, os quais – pois claro …! - teriam sido retirados do interior das instalações por terceiros empenhados na sua incriminação, deixando no ar a possibilidade – que não encontra arrimo na prova – de uma eventual viciação ou falta de fidedignidade [naturalmente, da responsabilidade de outros …!] dos balancetes mensais elaborados pela « TT...»; convencer que múltiplas transacções, ainda que envolvendo montantes apreciáveis, eram pagas em dinheiro, sem o correspondente suporte documental [mesmo que rudimentar], tudo fruto de um procedimento normal, como normal seria a ausência de documentação relativamente aos alegados empréstimos – em quantias consideráveis - da sua parte à instituição, argumentação, no essencial, enquadrada pela tese da cabala, contrariada, porém, de modo irrepreensível pelo Colectivo.
Com efeito, parecem olvidar os recorrentes – em particular o arguido B... - não estar, em matéria de valoração da prova, vedado ao tribunal o recurso à prova indirecta fundada em indícios, indícios esses que são todas as provas conhecidas e apuradas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, pelo método indutivo, se obtém conclusão firme, segura e sólida; a indução parte do particular para o geral e apesar de ser prova indirecta tem a mesma força que a testemunhal, documental ou outra - [cf. o acórdão do STJ de 6.01.2011, proc. n.º 417/09.5YRPTR.S2].
É evidente tratar-se de um caso onde as inferências assumiram o seu relevo, o que encontra fundamento nos demais factos e prova, lidos à luz das regras da experiência, ou regras de vida, como ensinamentos empíricos que o simples facto de viver nos concede em relação ao comportamento humano e que se obtém mediante uma generalização de diversos casos concretos que tendem a repetir-se ou reproduzir-se logo que sucedem os mesmos factos que serviram de suporte para efectuar a generalização. Estas considerações facilitam a lógica de raciocínio judicial porquanto se baseia na provável semelhança das condutas humanas realizadas em circunstâncias semelhantes a menos que outra coisa resulte no caso concreto que se analisa ou porque se demonstre a existência de algo que aponte em sentido contrário ou porque a experiência ou perspicácia indicam uma conclusão contrária – [cf. o acórdão do STJ de 23.02.2011, proc. n.º 241/08.2GAMTR.P1.S2].

Em suma: Perante uma apreciação em consonância com as regras da experiência, do que é razoável supor a partir dos factos conhecidos, que não deixa espaço para a dúvida razoável - a qual não transparece ter assolado o Colectivo, tão pouco este tribunal -, resultando claro quais as provas de que aquele se socorreu para, com recurso a juízos de concordância e inferências - os quais não se revelam arbitrários, ilógicos, absurdos ou infundados – chegar onde chegou, trilhando um processo de convicção sustentado, do qual não emerge resquício de qualquer dos vícios relativos à confecção técnica da decisão – designadamente o de «erro notório na apreciação da prova», de violação do artigo 127.º do CPP, tem-se por definitivamente fixada a matéria de facto, improcedendo, nesta parte, os recursos.


b. Recurso dos arguidos B...e C...
b.a.
Assente que está a matéria de facto será, agora, à luz dos factos fixados de apreciar as razões - não ancoradas na discordância relativamente aos mesmos, a qual não logrou fazer caminho – que opõem os arguidos/recorrentes ao enquadramento jurídico-penal no tipo de participação económica em negócio, p. e p. pelo artigo 377.º, n.º1 do Código Penal, pelo qual, ambos sofreram condenação.

Segundo Figueiredo Dias o objectivo que subjaz ao tipo legal em questão «reconduz-se a impedir que interesses públicos de natureza patrimonial sejam preteridos em favor de interesses privados do agente ou de terceiro» - [cf. RLJ 121, pág. 384].
A propósito do bem jurídico protegido com a incriminação refere, por seu turno, Pinto de Albuquerque «ser o património alheio e, acessoriamente, a integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário», chamando o autor à colação a «enorme disparidade das molduras penais» entre, por um lado, o n.º 1 e, por outro lado, os n.ºs 2 e 3 do preceito, apontando, assim, para a secundarização que reveste a integridade do exercício das funções públicas no confronto com a lesão do património confiado ao funcionário – [cf. “Comentário do Código Penal”, Universidade Católica Editora, pág. 894].
De forma impressiva se pronuncia José António Barreiros, quando, não sem que antes convoque o artigo 266º da CRP relativo aos princípios pelas quais se rege a Administração, bem como os artigos 3º a 7º do CPA, escreve: «do ponto de vista do bem jurídico tutelado pela norma incriminatória que a participação económica em negócio atinge, este é, pois, um delito pluriofensivo, pois (i) por um lado … o crime ataca interesses de natureza estritamente patrimonial, até pelo objecto sobre o qual incide a acção do agente (ii) por outro, põe também em crise valores com assento constitucional, como são a prossecução do interesse público, a boa-fé, a justiça, a imparcialidade e a igualdade, a que a Administração Pública em particular e o Estado em geral estão adstritos.
Trata-se, portanto, de um conglomerado de interesses que a norma defende, os quais se articulam de modo coerente, mas que haverão de iluminar a área de tutela pela ponderação de uma outra circunstância: a da abstenção do funcionário face a outros interesses que não sejam os da função, ou seja, a necessidade que ele assegure a exclusividade das finalidades do cargo e as suas exigências» - [cf. “Participação Económica em Negócio, um crime de fronteira», Labirinto de Letras Editores, pág. 30].

No que respeita ao elemento objectivo o tipo de crime imputado aos arguidos/recorrentes consiste na acção de lesar em negócio jurídico os interesses patrimoniais que cumpre ao funcionário, em razão da sua função, administrar, fiscalizar, defender ou realizar, ou seja o funcionário pratica a conduta típica em razão da sua função - ou por força das suas funções - que tem a seu cargo a defesa dos interesses patrimoniais que lhe estão confiado, exigindo o tipo subjectivo – quanto à acção prevista no n.º 1 - «a intenção de obter, para si ou para terceiro, participação económica ilícita», não sendo, contudo, necessário que o funcionário ou o terceiro a venham a alcançar, circunstância que tem servido para que vários autores o qualifiquem como «crime de resultado cortado», pois como refere Pinto de Albuquerque «… o tipo subjectivo contém uma intenção de realização de um resultado que não faz parte do tipo objectivo, mas que é provocada pela acção típica» - [cf. ob. cit., págs. 894/897].

Por outro lado, afigura-se-nos pacífica a afirmação de que o crime em causa se consuma com a lesão dos interesses patrimoniais confiados ao funcionário, operada ao nível do próprio negócio jurídico em função dos termos do seu conteúdo que são lesivos para os identificados interesses – [cf. Conceição Ferreira da Cunha, “Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial,”, T. III, Coimbra Editora, pág. 727; Manuel Leal – Henriques e Simas Santos, “Código Penal Anotado”, 3.ª Edição, 2º Vol., Parte Especial, Editora Rei dos Livros, pág. 1626; Maia Gonçalves, “Código Penal Português”, 17.ª Edição, Almedina, pág. 1061; Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pág. 894/897] ainda que o agente, nas palavras de José António Barreiros, ob. cit., pág. 99, «não atinja o exaurimento do seu plano de obter a participação económica pretendida».

Também não merece dúvida tratar-se de crime cometido por funcionário, portanto um crime específico, sendo que para efeitos penais releva o conceito de funcionário inscrito no artigo 386.º do Código Penal «… mais amplo que o administrativo, pois está mais intimamente ligado à função desempenhada e não propriamente ao formalismo legalmente estabelecido para aquisição daquela qualidade» - [cf. o acórdão do STJ de 13.02.1997, CJ, ASTJ, V, T. I, pág. 221].

Isto dito, relembremos, o que relevante no que tange ao tipo de crime em análise vem consignado, referindo, a propósito o acórdão recorrido:
«Na verdade, provou-se que, na sequência de intervenção da Segurança Social, em resultado da qual a arguida C... não pôde manter-se no cargo de diretora técnica, o arguido B..., de acordo com, no mínimo, os restantes membros da direção que assinaram o contrato de trabalho, decidiu contratá-la como relações públicas do “ A...”, com o único intuito de assegurar um salário mensal a pagar pela instituição à sua filha, bem sabendo que não existia qualquer necessidade em contratar uma relações públicas para a instituição e que, ao atuar dessa forma, lesava os interesses da instituição, causando-lhe prejuízos patrimoniais [2.1.14, 2.1.15].
Assim atuou o arguido B... com o objetivo de obter um benefício ilegítimo, o salário mensal, para a sua filha [2.1.16], complementar ao vencimento que esta já auferia na “Caixa (...)” [2.1.20].
Em 2 de maio de 2007, a arguida C... foi contratada pelo “ A...” para desempenhar as funções de relações públicas e gestão, estando o respetivo contrato de trabalho assinado pelo arguido B..., por HH... e pelo Tesoureiro II... (já falecido), em representação da instituição, auferindo o vencimento mensal ilíquido de € 545,90, tendo recebido, ao longo do período em que se manteve nesse cargo, a importância total de € 1 943,20 [2.1.17. a 2.1.19].
Ora, tendo o arguido B... atuado com intenção de obter para a sua filha participação económica ilícita, que, em virtude da desnecessidade do cargo importou em lesão patrimonial para o “ A...” equivalente ao montante total de salários pagos à arguida C..., mostra-se verificado o crime de participação económica relativamente ao arguido.
O crime em análise consumou-se com a contratação da arguida (…)».

A responsabilização da arguida C... pelo crime em referência vem ancorada na sua intervenção como coautora na execução do facto, aliada à comunicabilidade da ilicitude na comparticipação prevista no artigo 28.º, n.º 1 do Código Penal, mostrando-se, nesta parte, consignado no acórdão:
 «No que concerne especificamente à coautoria, como resulta do texto legal [reportando-se aqui ao artigo 26º do Código Penal], exige-se a atuação de vários indivíduos conjuntamente ou de comum acordo, acordo que pode surgir sob a forma tácita, não se exigindo, por exemplo, uma expressa determinação dos papéis que cabem a cada um dos participantes.
Assim, basta que haja uma comunhão de vontades em colaborar na prática do crime, podendo essa comunhão de vontades resultar tacitamente. Ponto é que cada um dos participantes tenha o domínio do facto, em termos de a sua vontade ser suficiente para pôr termo ao processo.
No presente caso, como já se referiu a propósito da posição do arguido B..., provou-se que este, agindo com o objetivo de obter um benefício ilegítimo para a arguida, sob a forma de um salário mensal, a contratou para o cargo de relações públicas, bem sabendo que a instituição não tinha necessidade de contratar uma relações públicas e que, ao atuar dessa forma, lesava os interesses da instituição, causando-lhe prejuízos patrimoniais [2.1.15, 2.1.16].
Mais se provou que a arguida C... queria e sabia que, ao atuar da forma supra descrita, designadamente ao efetuar um contrato de trabalho com o seu pai, enquanto presidente da direção do “ A...”, tinha intenção de obter para si um benefício ilegítimo, e que lesava os interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, cumpriam ao seu pai, enquanto titular de tal cargo, administrar, fiscalizar, defender ou realizar [2.1.92].
Compreende-se que assim seja, uma vez que a arguida conhecia a instituição à qual presidia o seu pai e da qual havia sido, ainda que de forma limitada, diretora técnica durante mais de 5 anos.
A arguida estava em posição de pôr termo à execução do plano em que estava a participar, bastando-lhe, aliás, recusar aquela “oferta de trabalho” para evitar o preenchimento do tipo legal de crime.
Sendo assim, é inequívoco que a arguida é coautora na execução do facto, encontrando-se verificados os elementos típicos do crime de participação económica em negócio, salvo quanto à especial qualidade de funcionário.
Porém, de acordo com o artigo 28º, n.º 1, do Código Penal:
“1 – Se a ilicitude ou o grau de ilicitude do facto dependerem de certas qualidades ou relações especiais do agente, basta, para tornar aplicável a todos os participantes a pena respectiva, que essas qualidades ou relações se verifiquem em qualquer deles, exceto se outra for a intenção da norma incriminadora”.
 Segundo Maia Gonçalves, in Código Penal Português, anotado e comentado e legislação complementar, 8.ª ed., pp. 265-266, na esteira de Teresa Beleza, in Direito Penal, 2.º vol., textos de atualização, AAFDL, 1988, as qualidades ou relações especiais referidas no n.º 1, quando os seus portadores praticam os factos que preenchem o tipo, dão origem aos crimes específicos próprios – quando as qualidades ou relações especiais fundamentam a própria ilicitude do facto – ou impróprios – quando só fazem variar a ilicitude do facto, agravando-a ou atenuando-a.
A norma em análise abrange as situações de coautoria, em que só um ou alguns dos coautores tem as qualidades ou as relações especiais exigidas pelo tipo, e de comparticipação, em que só um ou alguns têm tais qualidades ou relações, não as tendo o autor (…).
A regra geral da comunicabilidade da ilicitude na comparticipação comporta uma exceção prevista no n.º 1 do artigo 28º do Código Penal.
Teresa Beleza, in ob. cit., pp. 63-64, refere que a exceção teria em vista “os chamados crimes de mão própria (…). «Crimes de mão própria» são aqueles cuja definição legal torna impensáveis em qualquer forma de autoria que não seja direta, imediata, material, dado que a ação descrita só é suscetível de ser praticada por «mão própria», isto é, com o próprio corpo”, concluindo a autora pela inutilidade da ressalva.
À luz desta disposição, a especial qualidade do arguido B... estende-se à arguida C..., fundamentando a possibilidade de aplicação de uma pena.
Para tanto exige-se unicamente que se mostrem verificados os restantes elementos típicos do crime (…)
Sucede que, como já se notou, os restantes elementos típicos do crime estão verificados por via das regras da co-autoria, razão pela qual procede a acusação contra a arguida nesta parte».

Demonstrado que o arguido B..., ao contratar, em representação da instituição – da qual era Presidente da Direcção -, a arguida C... teve intervenção em acto jurídico, cuja prática – em função da desnecessidade do cargo - produziu lesão aos interesses que se encontravam ao seu cuidado, agindo com uma finalidade lucrativa - no caso em benefício da filha - traduzida em participação económica, assim criando um dano para a imagem da administração, para o interesse público na sua boa gestão, transparência e legalidade – sendo que até mesmo no âmbito da discricionariedade [que não se confunde com arbitrariedade] se revelam contra o direito os actos quando ocorra desvio do fim para que a mesma foi atribuída - cuja defesa, em razão do seu cargo, no todo ou em parte, sobre ele impendia, utilizando as faculdades/poderes que lhe estavam confiados para alcançar participação económica de carácter patrimonial – a saber: o montante dos salários devidos por força do contrato -, perfilando-se, esta, como uma forma de vantagem, que veio a ser alcançada, não se vê como arredar a natureza ilícita da participação - quando a mesma colocou em crise os bens jurídicos que o tipo visa tutelar – traduzida, nas palavras de José António Barreiros, num «quinhoar nos interesses que subjazem ao negócio jurídico em causa, tomando parte nele, numa lógica de colheita interesseira de proventos» - [cf. ob. cit., pág. 63], elemento que, dizendo respeito à vantagem intencionalizada, cabe aos tribunais, no juízo sobre a completude do crime em apreço – tal como quanto aos demais elementos objectivos ou subjectivos do delito – avaliar, realidade insusceptível de ser confundida com o poder/dever de fiscalização por parte da Segurança Social às IPSS, sindicância que, aliás, na situação, veio a concretizar-se, culminando com a participação dos factos por parte da entidade fiscalizadora [Serviços de Inspecção da Segurança Social] ao Ministério Público.

Por outro lado, sendo incontestável, à luz da alínea c), do n.º 1 do artigo 386.º do Código Penal, a qualidade de funcionário em que interveio o arguido B...– presidente da direcção do « A...», instituição particular de solidariedade social, reconhecida como pessoa colectiva de utilidade pública -, decorrendo do acervo factual apurado uma actuação em coautoria com a arguida – pessoa a quem a almejada participação económica ilícita se destinava; beneficiária, portanto da acção, de acordo com a intenção do agente intraneus [o funcionário] -, tendo nós por seguro que no Código Penal comparticipantes podem ser os autores, os coautores, os instigadores e os cúmplices [artigos 26.º e 27.º], surgindo a ressalva da parte final do n.º 1 do artigo 28.º associada às características dos crimes de mão própria - onde o tipo exige um «acto de realização corporal» (JESCHECK), a executar pelo autor, para, através da conduta, se preencher o crime correspondente -, afigura-se correcta a extensão no caso aos extraneus [à arguida não funcionária] da qualidade do intraneus [de funcionário do arguido], impondo-se, pois, reconhecer, também nesta parte, o bem fundado da decisão – [cf. vg. Teresa Beleza, «Ilicitamente Comparticipando – O Âmbito de Aplicação do Art. 28º do Código Penal» (Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, III, 589); Faria Costa, «Formas do Crime», Jornadas de Direito Criminal, pág. 170/171; Susana Aires de Sousa, «A autoria nos crimes específicos; algumas considerações sobre o artigo 28º do Código Penal», RPCC, 15, 2005, pág. 358].

Não resultam, pois violados, os artigos 377º, n.º 1, 386º, n.º 1, al. c) e/ou 28º, n.º 1, todos do Código Penal.

c. Recurso do arguido B...:
c.a.
Dissente o recorrente da sua condenação pelo crime de peculato, p. e p. pelo artigo 375.º, n.º 1 do Código Penal, fundando, contudo, a divergência na discordância com o acervo factual apurado, o qual, sem reserva, foi mantido inalterado por este tribunal de recurso.
Como assim, não se vendo, à luz dos factos apurados, mácula na subsunção jurídica dos factos às normas, nada mais resta do que confirmar, também, nesta parte, a decisão.

d. Recurso dos arguidos/demandados B...e C...
d.a.
No que à demandada C... respeita, atenta a data da formulação do pedido, o valor da alçada do tribunal recorrido e o valor do decaimento, tendo presente o disposto nos artigos 400.º, nº 2 do CPP e 31º da LOTJ, não é a decisão passível de recurso, o que determina, nesta parte a sua rejeição.

d.b.
No que concerne ao demandado B..., fundando-se a invocada violação do artigo 483º do Código Civil na dissonância relativamente à matéria de facto, segmento em que o recurso não logrou provimento, impõe-se declarar, também, nesta parte a respectiva improcedência.

III. Decisão
Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal em:
a. Julgar improcedente o recurso do arguido/demandado B...;
b. Condenar o recorrente em 3 [três] Ucs de taxa de justiça;
c. Julgar improcedente o recurso da arguida C...;
d. Rejeitar, por irrecorrível, o recurso interposto pela demandada C... no que à decisão do pedido de indemnização civil respeita;
e. Condenar a recorrente em 3 [três] Ucs de taxa de justiça.

Coimbra, 28 de Maio de 2014

(Maria José Nogueira - relatora)
(Isabel Valongo - adjunta)