Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
179/08.3 GCPMS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: PENAS
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
MOMENTO PARA DECIDIR DA APLICAÇÃO
Data do Acordão: 04/22/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE PORTO DE MÓS – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 44º DO CP
Sumário: 1. O regime de permanência na habitação nas penas de substituição privativas da liberdade é inequívoco, quando substitui – à semelhança da prisão por dias livres e do regime de semidetenção – pena de prisão em medida não superior a um ano e é de concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição [artigo 44.º, n.º 1, alínea a)CP].
2. Quando substitui o remanescente não superior a um ano – ou, excepcionalmente, dois – da pena de prisão efectiva que exceder o tempo de privação da liberdade a que o arguido esteve sujeito em cumprimento de medida de natureza processual e é de concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição [artigo 44.º, n.ºs 1, alínea a), e 2 CP], já não estamos, verdadeiramente, perante uma pena de substituição, mas antes perante uma regra de execução da pena de prisão, semelhante à agora introduzida no artigo 62.º (Adaptação à liberdade condicional).”
3. Como pena de substituição, pelo menos em sentido impróprio, o momento para decidir da aplicação do regime de permanência na habitação é o da sentença condenatória, tal como ocorre com a prisão por dias livres e o regime de semidetenção
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção (4.ª) Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.
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I – Relatório.
1.1. Mediante acusação deduzida pelo Ministério Público, o arguido E..., melhor identificado a fls. 27, foi submetido a julgamento, pois que, entendeu-se, indiciariamente incurso na prática de factos consubstanciadores da autoria material consumada de um crime de condução indocumentada de veículo, previsto e punido através do artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei [DL] n.º 2/98, de 3 de Janeiro.
Findo o contraditório, proferiu-se sentença determinando, além do mais e por ora irrelevante, a sua condenação pela aludida autoria, na pena de dois anos de prisão.
1.2. Inconformado com esse veredicto, recorre o mesmo arguido, extraindo da motivação ofertada, as conclusões seguintes:
1.2.1. A decisão recorrida não ponderou adequadamente as suas condições socio-económicas, designadamente no que concerne à dependência económica de sua companheira.
1.2.2. A qual não consegue fazer face às despesas do agregado, nomeadamente no que toca ao pagamento das dívidas existentes.
1.2.3. Aufere apenas um subsídio mensal de cerca de € 260,00.
1.2.4. É portadora de uma deficiência que importa uma incapacidade permanente de 83%.
1.2.5. Dificultando a obtenção de um posto de trabalho, apesar de se encontrar inscrita no Centro de Emprego.
1.2.6. Não pode recorrer a mais ninguém para a auxiliar.
1.2.7. É órfão de pai.
1.2.8. Sua mãe apenas aufere uma pensão/reforma de cerca de € 120,00.
1.2.9. Sua irmã, igualmente portadora de deficiência motora, encontra-se internada no Hospital Infantil São João de Deus, em Montemor-o-Novo.
1.2.10. O arguido encontra-se a laborar na empresa Á….
1.2.11. O vencimento do arguido é imprescindível à sua subsistência.
1.2.12. Tal situação foi enunciada no depoimento que prestou no decurso da audiência a que foi submetido.
1.2.13. Sendo certo que o Tribunal a quo não considerou que o arguido era a única forma de sustento e cuidado da sua companheira.
1.2.14. Excluindo a aplicação do previsto no n.º 2, alínea e), do artigo 44.º do Código Penal [CP].
1.2.15. Os factos enunciados impunham decisão diversa da proferida, a propósito, por tal Tribunal.
1.2.16. Fazendo um esforço económico suplementar, o arguido fez a inscrição numa escola de condução.
1.2.17. O que pode vir a revelar-se inútil caso seja mantida a pena aplicada.
1.2.18. O arguido manifesta o seu consentimento na aplicação da pena de substituição no âmbito do regime de permanência na habitação.
1.2.19. Decidindo pela forma em que o fez, o Tribunal a quo violou o artigo 71.º do CP, bem como ainda o seu artigo 44.º, n.º 2, alínea e).
Terminou pedindo que na revogação parcial do sentenciado, se permita que o cumprimento da pena de prisão cominada seja executado em regime de permanência na habitação, com fiscalização de meios técnicos de controlo à distância.
1.3. Cumprido o artigo 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal [CPP], respondeu o Ministério Público sustentando o improvimento da oposição.
Admitido o recurso, foram os autos remetidos a esta instância.
1.4. Aqui, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente a idêntica manutenção do decidido.
Deu-se acatamento ao disciplinado no artigo 417.º, n.º 2, do CPP.
No exame preliminar a que alude o n.º 6 do mesmo inciso, consignou-se nada obstar ao conhecimento de meritis.
Como assim, ordenou-se a recolha dos vistos devidos, o que sucedeu, bem como a submissão dos autos à presente conferência.
Urge agora ponderar e decidir.
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II – Fundamentação de facto.
2.1. Na decisão recorrida tiveram-se por provados os factos seguintes:
1. No dia 24 de Agosto de 2008, pelas 7h15m, na Estrada Nacional n.º 243, ao quilómetro 14,850, em Alto de Alvados, Alvados, comarca de Porto de Mós, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 00-00-VD, o que fazia sem que dispusesse de licença de condução emitida pela entidade competente que o habilitasse a conduzir o referido tipo de veículos na via pública, de que não era titular.
2. O arguido, ao agir da forma descrita, bem sabia que não dispunha de licença de condução que o habilitasse a conduzir veículos automóveis.
3. O arguido bem sabia que a condução de veículos automóveis na via pública ou em locais privados abertos ao trânsito público, exigia a obtenção prévia de licença de condução emitida pela entidade competente, que o habilitasse.
4. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente.
5. O arguido bem sabia que a conduta praticada era proibida e punível por lei e, ainda assim, quis realizá-la.
Mais se provou que:
6. O arguido confessou os factos de forma livre e com reservas, alegando que apenas conduziu o veículo em causa no circunstancialismo de tempo descrito porque sentia dores e pretendia atenuá-las junto do local médico adequado.
7. O arguido foi condenado:
a) Pela prática, em 25.06.1991, de um crime de furto, previsto e punível pelos artigos 296.º e 297.º do Código Penal, na pena de 90 dias de prisão substituída por igual período de dias de multa, por sentença proferida em 13.11.2002, no âmbito do processo comum singular n.º 213/92, que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca da Marinha Grande.
b) Pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelo artigo 292.º do Código Penal, na pena de 80 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 1 mês, por sentença proferida em 24.03.1997, no âmbito do processo comum singular n.º 54/97, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Porto de Mós.
c) Pela prática, em 13.12.1999, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 120 dias de multa, por sentença proferida em 12.01.2000, transitada em julgado em 27.01.2000, no âmbito do processo sumário n.º 501/9.1GTLRA, do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria.
d) Pela prática, em 20.12.2001, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução por 18 meses, por sentença proferida em 7.01.2002, transitada em julgado em 22.01.2002, no processo sumário n.º 1968/01.5 PBLKA, do 1.º Juízo criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria.
e) Pela prática, em 20.08.2002, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, e de um crime de desobediência, previsto e punível pelo artigo 348.º do Código Penal, na pena única de 160 dias de multa, por sentença proferida em 24.01.2002, transitada em julgado em 8.02.2002, no processo abreviado n.º 55/00.8 PTLRA, do 1.º Juízo criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria.
f) Pela prática, em 2.01.1998, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelo artigo 292.º do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, por sentença proferida em 18.02.2002, transitada em julgado no dia 4.02.2002, no processo comum singular n.º 1/98.7 PTLRA, do 1.º Juízo criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria.
g) Pela prática, em 1.03.1998, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelo artigo 292.º do Código Penal, na pena de 110 dias de multa, por sentença proferida em 21.08.2002, transitada em julgado em 29.05.2003, no processo comum singular n.º 85/98.6 GTLRA, do Tribunal Judicial da Comarca de Porto de Mós, 2.º Juízo.
h) Pela prática, em 3.03.2000, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 1 ano de prisão suspensa na sua execução por 3 anos, por sentença proferida em 2.02.2003, transitada em julgado em 7.03.2003, no processo comum singular n.º 10/01.0 GAMGR, do 3.º Juízo do Tribunal judicial da Comarca da Marinha Grande.
i) Pela prática, em 20.12.2000, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, e de um crime de sequestro, previsto pelo artigo 158.º, n.º 1, do Código Penal, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por 3 anos, por sentença proferida em 21.02.2003, transitada em julgado em 10.03.2003, no processo comum singular n.º 1912/00.0 PBLRA, do 3.º Juízo criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria.
j) Pela prática, em 4.08.2001, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 7 meses de prisão, por sentença proferida em 11.04.2003, transitada em julgado em 8.01.2004, no processo comum singular n.º 199/02.1 GTAVR, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria.
k) Pela prática, em 3.10.2000, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 6 meses de prisão, por sentença proferida em 22.04.2003, transitada em julgado em 27.11.2003, no processo comum singular n.º 357/00.5 GTLRA, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria.
I) Pela prática, em 4.09.2000, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 5 meses de prisão, por sentença proferida em 2.02.2004, transitada em julgado em 29.09.2004, no processo comum singular n.º 308/00.5 GCPBL, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Pombal.
m) Em cúmulo jurídico das penas que antecedem, aplicado no processo comum identificado sob a alínea I), na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão e de 210 dias de multa, por decisão transitada em julgado em 1.08.2005.
n) Pela prática, em 31.05.2008, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por 2 anos, com a condição de o arguido se submeter a acompanhamento trimestral pelo IRS, por sentença proferida em 12.06.2008, transitada em julgado, no processo sumário n.º 104/08.1 GCPMS, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Porto de Mós.
8. A liberdade definitiva foi concedida ao arguido no dia 30 de Julho de 2007.
9. Está inscrito na Escola de Condução A GRUTA, LDA., em Mira de Aire.
10. É casado, sendo o cônjuge, que padece de deficiência física, desempregado, pelo que aufere o subsídio mensal de cerca de € 200,00.
11. O arguido trabalha há cerca de 1 mês por conta das Á…, na Batalha, auferindo o salário mensal de cerca de € 450,00.
12. Na escola, completou o 7.º ano do ciclo.
2.2. Relativamente a factos não provados, consignou-se na mesma peça processual que:
“Inexistem.
Não se provaram quaisquer outros factos para além dos descritos que tenham interesse para a decisão a proferir ou que com os mesmos se encontrem em contradição.”
2.3. Já a motivação probatória mais aí inserta, menciona:
“Os factos provados decorreram, em parte, da confissão efectuada pelo arguido, que assumiu não ser titular de carta de condução, atendendo-se, ainda, às suas declarações, no que tange à sua situação profissional e pessoal.
No que tange ao elemento subjectivo, a convicção do Tribunal decorreu da conjugação entre as declarações do arguido, que assumiu ter conduzido a viatura e não dispor de documento que a tanto o habilitasse, e o facto de os fundamentos por este invocados para justificar o exercício da condução não terem logrado convencer o Tribunal da sua veracidade, na medida em que não se mostra minimamente razoável que uma pessoa com dores, como o arguido alega ter sentido, se sinta na disposição de conduzir um veículo automóvel com vista ao seu tratamento. Por outro lado, cumpre dizer, ainda que o Tribunal houvesse acreditado nesta versão dos factos apresentada pelo arguido, o que não aconteceu, sempre a sua voluntariedade na prática do facto se manteria, atenta a possibilidade de se socorrer do auxílio de terceiros nesta situação, designadamente contactando o comando dos bombeiros mediante o uso de telefone.
O Tribunal considerou, ainda, o certificado de registo criminal do arguido junto aos autos a fls. 14 a 23, bem assim a certidão da sentença cuja extracção foi ordenada, sem prejuízo da declaração junta pelo arguido e que consta de fls. 24.”
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III – Fundamentação de Direito.
3.1. É pacífica a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, no sentido de que o âmbito do recurso se define através das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso – artigo 412.º, n.º 1, do CPP, e, Ac. do STJ n.º 7/95, em interpretação obrigatória –.
In casu, não se nos afigurando emergir qualquer das ditas questões de conhecimento oficioso, lidas as conclusões do recorrente, resulta ser questão decidenda o ponderarmos se ocorre fundamento para que lhe seja facultada a não efectividade de cumprimento da pena de prisão imposta na decisão recorrida (isto também na justa medida em que se não mostra controvertida a opção pela pena detentiva e quantum arbitrado para seu cumprimento).
Com tal afirmação já se intui que a ponderação de parte da alegação recursiva que apresentou se mostra precludida.
Na verdade, a matéria de facto a reter só pode ser a fixada oportunamente na 1.ª instância.
Tudo pela singela razão de que os documentos ora apresentados no intuito de comprovar a debilidade económica vivida pelo casal, designadamente dependência económica da sua companheira, não podem neste momento processual ser considerados, atento o estatuído no artigo 165.º, n.º 1, do CPP «O documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência.».
Entendimento, aliás, sustentado nos Acórdãos desta Relação, de 10 de Novembro de 1999, acessível in Colectânea de Jurisprudência, Tomo V, página 47 e do STJ, de 30 de Outubro de 2001, proferido no processo n.º 1645/01-3.ª, disponível in SASTJ, n.º 54, 96.
É que, escreveu-se, não têm aplicação subsidiária as normas do Código do Processo Civil, uma vez que expressamente o CPP regulamenta tal matéria, e só quando o CPP não contenha qualquer norma que directa ou indirectamente contemple a situação é aplicável ao processo penal, por força do artigo 4.º, norma do CPC que preveja situação idêntica.
Também nesta senda salientou Maia Gonçalves em anotação a tal artigo 4.º, na sua obra Código de Processo Penal, Anotado e Comentado, ser “de assinalar que este Código procurou, muito mais que o de 1929, estabelecer uma regulamentação total e autónoma do processo penal, tornando-a mais independente do processo civil.”
3.2. Breves notas prévias sobre o regime decorrente do normativo convocado, ajudarão a dilucidar da concreta solução a dar ao pleito.
Norma a reter, então, o artigo 44.º do CP, nomeadamente no segmento em que consigna:
“1. Se o condenado consentir, podem ser executados em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, sempre que o tribunal concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição:
a) A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano;
(…)
2. O limite máximo previsto no número anterior pode ser elevado para dois anos quando se verifiquem, à data da condenação, circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselhem a privação da liberdade em estabelecimento prisional, nomeadamente:
(…)
e) Existência de familiar exclusivamente ao seu cuidado.
(…).”
Sobre a natureza assumida pelo regime assim instituído, e questões que dele podem emergir, opinaram já Maria João Antunes, bem como o Ex.mo Desembargador Jorge Gonçalves, em comunicações realizadas nas Jornadas de Direito Penal, organizadas pelo CEJ, em Novembro de 2007, na Aula Magna da Reitoria da Universidade Clássica de Lisboa.
A primeira, referindo, nomeadamente:
“No artigo 44.º prevê-se agora o regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância. Uma nova pena de substituição privativa da liberdade, à qual são correspondentemente aplicáveis regras da Lei que regula a vigilância electrónica prevista no artigo 201.º do Código de Processo Penal (artigo 9.º da Lei n.º 59/2007). Substitui a pena de prisão aplicada em medida não superior a 1 ano; e o remanescente não superior a 1 ano da pena de prisão efectiva que exceder o tempo de privação da liberdade a que o arguido esteve sujeito em regime de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação. Ou, excepcionalmente, o remanescente não superior a 2 anos, quando se verifiquem circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselham a privação da liberdade em estabelecimento prisional, nomeadamente gravidez, idade inferior a 21 anos ou superior a 65 anos, doença ou deficiência graves, existência de menor a seu cargo, existência de familiar exclusivamente ao seu cuidado.
O enquadramento do regime de permanência na habitação nas penas de substituição privativas da liberdade é para nós inequívoco, quando substitui – à semelhança da prisão por dias livres e do regime de semidetenção – pena de prisão em medida não superior a um ano e é de concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição [artigo 44.º, n.º 1, alínea a)]. Quando substitui o remanescente não superior a um ano – ou, excepcionalmente, dois – da pena de prisão efectiva que exceder o tempo de privação da liberdade a que o arguido esteve sujeito em cumprimento de medida de natureza processual e é de concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição [artigo 44.º, n.ºs 1, alínea a), e 2], já não estamos, verdadeiramente, perante uma pena de substituição, mas antes perante uma regra de execução da pena de prisão, semelhante à agora introduzida no artigo 62.º (Adaptação à liberdade condicional).”
O segundo, adiantando:
“O novo artigo 44.º, com a epígrafe Regime de permanência na habitação, veio estabelecer uma forma de execução domiciliária da prisão, podendo ser entendida como uma nova pena de substituição (pelo menos em sentido impróprio), a aplicar-se como alternativa ao cumprimento da prisão nos estabelecimentos prisionais, em condenações até um ano, ou quando estejam em causa condenações superiores, mas em que o remanescente a cumprir não exceda um ano, descontado o tempo de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação. Excepcionalmente, pode ser uma alternativa em penas até dois anos.
Esta nova pena de substituição/modo de execução, dependente do consentimento do condenado (o que também se exige no regime de semidetenção e na prestação de trabalho a favor da comunidade), tem a particularidade de associar ao cumprimento domiciliário a vigilância electrónica que, até ao momento, estava prevista apenas como mecanismo de fiscalização do cumprimento da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação. Mecanismo este que também passa a estar associado à adaptação à liberdade condicional, nos termos do artigo 62.º, na nova redacção.
A proposta de revisão do Código Penal colocava algumas dúvidas: seria ou não aplicável, ao regime de permanência na habitação, a legislação relativa à vigilância electrónica, designadamente a Lei n.º 122/99, de 20 de Agosto, pensada para a medida de coacção?
O artigo 9.º da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, soluciona a dúvida, estabelecendo que o disposto no n.º 1 do artigo 1.º, no artigo 2.º, n.º 2 a 5 do artigo 3.º, nos artigos 4.º a 6.º, nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 8.º e no artigo 9.º do mencionado diploma, é aplicável ao regime de permanência na habitação.
Que disposições são essas?
- As que dispõem sobre o consentimento (do arguido e de outros);
- As que dispõem sobre o conteúdo da decisão (que admite o estabelecimento de autorizações de ausência) e a solicitação de prévia informação aos serviços encarregados da execução da medida sobre a situação pessoal, familiar, laboral ou social do arguido (a unidade de monitorização local colocada na habitação depende da existência de energia eléctrica – condições técnicas);
- As relativas à execução, entidade encarregada da execução, deveres do condenado, causas de revogação e ao equipamento a utilizar na vigilância electrónica.
Parece-me que, como pena de substituição, pelo menos em sentido impróprio, o momento para decidir da aplicação do regime de permanência na habitação é o da sentença condenatória, tal como ocorre com a prisão por dias livres e o regime de semidetenção. Julgo que o artigo 44.º não consentirá, por exemplo, que tendo sido suspensa a execução de uma pena de prisão que veio a ser revogada, se venha a colocar, posteriormente a tal revogação, a questão do cumprimento domiciliário da prisão. No entanto, a nova regra sobre descontos, constante do artigo 80.º, poderá suscitar algumas dificuldades e dúvidas quanto a este entendimento.”
Mas, quais os pressupostos definidores da possibilidade de recurso a esta nova forma de pena de substituição privativa de liberdade a aplicar como alternativa a um cumprimento de pena em ambiente de estabelecimento prisional?
Desde logo, que ocorram os requisitos constantes do mencionado n.º 1, alínea a) – pena de prisão aplicada não superior a um ano e a conclusão de que tal forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição –.
Redacção final esta em linha com o sustentado pelo Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, pág. 331, quando escreveu que à pena privativa da liberdade, o tribunal deve preferir «uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação».
E que impõe relembrarmos o escrito pela Prof. Fernanda Palma: «A protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial. Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena. E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos. A pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo critérios preventivos especiais, ou ineficaz para a realização da prevenção geral» – As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva, in Jornadas sobre a Revisão do Código Penal (1998), AAFDL, pp. 25-51, e in Casos e Materiais de Direito Penal (2000), Almedina, pp. 31-51 (32/33) Apud citações constantes do Acórdão da Relação de Lisboa, proferido no recurso n.º 10509/20007-9, em 31 de Janeiro de 2008, e disponível em www.dgsi.pt. –.
Excepcionalmente, e com conexão ao caso sub judice, ainda, que à data da condenação em pena de prisão não superior a dois anos, se verificassem circunstâncias de natureza familiar do arguido, nomeadamente encontrar-se um deles a seu exclusivo cuidado, desaconselhando a privação da liberdade em estabelecimento prisional.
3.3. O enfoque da motivação do recorrente vai no sentido de chamar à atenção sobre a ocorrência da previsão de condicionalismo determinante de aplicação do citado artigo 44.º, n.º 2, alínea e).
Olvida, contudo, que, previamente, se impunha a conclusão de que daí adviesse a realização, por forma adequada e suficiente, das finalidades da punição.
Ora, os seus antecedentes criminais desaconselham o recurso a qualquer pena de substituição da pena de prisão em que foi condenado, uma vez que se mostraram ineficazes para essa realização.
Com efeito, deles decorre, à exuberância, a sua absoluta insensibilidade aos juízos sérios de censura que lhe foram sendo sucessivamente dirigidos nas anteriores condenações, tendo já, inclusive, cumprido pena de prisão.
Aliás, como se escreveu na sentença recorrida, ao arguido foi concedida liberdade definitiva no dia 30 ele Julho ele 2007.
Mas, pouco mais de um ano volvido sobre esta data, voltou a delinquir, cometendo novo crime de condução ilegal, no dia 31 de Maio de 2008, pelo qual foi condenado na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com a condição de se submeter a acompanhamento pelo IRS, cuja sentença transitou no dia 12 ele Junho de 2008.
Sintomaticamente, dois meses decorridos, cometeu os factos por que vem agora responsabilizado!
Tudo conjugado, a conclusão não pode ser outra que não a de que tais condenações anteriores não surtiram qualquer efeito dissuasor, como seria de esperar, o que denota que relativamente ao tipo de ilícito em causa, o recorrente tem uma personalidade adequada ao facto cometido, como agora relembra a Ex.ma PGA.
Acresce que, mesmo verificando-se esse primeiro pressuposto, sempre seria depois mister a verificação de uma das hipóteses previstas no n.º 2 apontado.
Da factualidade provada na decisão recorrida não decorre um tal circunstancialismo.
Aí se exarou, com propósito, que reafirmamos, que “ o acréscimo previsto no subsequente n.º 2 não se mostra de considerar, na medida em que não se verifica nenhuma das circunstâncias que o fundamentam. Aqui importa referir que o facto de a mulher do arguido ser portadora de deficiência não consubstancia o factor previsto na alínea e) do preceito em análise, quer porque nada indicia nos autos que a mesmo não possa, por esse motivo, prover à sua subsistência, do mesmo modo que não revelam os autos que o arguido a sustente ou, pelo menos, que seja a sua única forma de sustento cm cuidado.”
Dupla ordem de considerações, então, para que se não faculte o regime pretendido.
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IV – Decisão.
São termos em que pelo exposto, se nega provimento ao recurso interposto.
Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça devida em 5 UC´S.
Notifique.
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Coimbra,