Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
636/04.0TTAGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: INCIDENTE DE REVISÃO
REMISSÃO DA PENSÃO
Data do Acordão: 01/17/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE ÁGUEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Legislação Nacional: ARTºS 33º DA LAT (LEI Nº 100/97, DE 13/09), 56º, Nº 1, AL. A), DO RLAT (D. L. Nº 143/99, DE 30/04) E ARTº 145º CPT.
Sumário: I – Tendo o acidente de trabalho ocorrido já na vigência da Lei nº 100/97, de 13/09 (LAT) e do D.L. nº 143/99, de 3/04 (RLAT), para determinar se a pensão respeitante a uma IPP superior a 30% é obrigatoriamente remível, há que apurar se é de montante reduzido, tal como este requisito é definido no artº 56º, nº 1, al. a), do RLAT, o que só sucede se for de montante igual ou inferior a seis vezes a remuneração mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão.

II – Tendo lugar o incidente de revisão da incapacidade, nos termos do artº 145º do CPT, e reconhecendo-se o agravamento da incapacidade, com o apuramento de novo valor da pensão antes fixada, estamos perante um aumento do valor da pensão e não perante a rectificação do valor inicialmente fixado (é a mesma pensão, mas com valores diversos).

III – A interpretação do artº 56º, nº 1, al. a), do RLAT, seguida pelo STJ, é a de que para determinar se uma pensão é obrigatoriamente remível deve atender-se ao critério que resulta do dito preceito, devendo os dois elementos – valor da pensão e da remuneração mínima mensal garantida mais elevada – reportar-se à data da fixação da pensão.

IV – Por outras palavras, tanto o valor da pensão, como o salário mínimo a ter em conta para efeitos de cálculo devem ser os que vigoravam à data da fixação daquela e não acolhendo aqui o valor actualizado da pensão que possa vir a ter lugar em incidente de revisão.

V – Se o sinistrado não tem direito ao capital da remição, por virtude do incidente de revisão, apenas terá o direito ao pagamento da pensão vitalícia correspondente à diferença entre o montante da pensão que serviu de base de cálculo ao capital de remição, que já lhe foi entregue, e o montante da pensão devida pela IPP de que sofre actualmente (a remição daquela parcela não e obrigatória).

Decisão Texto Integral:
Autora:A...
Ré: B...
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Em processo emergente de acidente de trabalho, em que assume a qualidade de sinistrada a identificada autora, foi proferida sentença pela qual a ré ficou vinculada a pagar á sinistrada o capital de remição correspondente à pensão anual de € 2.277,23, correspondente a IPP de 42,54%.
Posteriormente, porém, já depois de pago o referido capital, veio a sinistrada, alegando agravamento das lesões sofridas, requerer incidente de revisão da incapacidade. No seu termo, após exame por junta médica, foi proferido despacho, no qual o Sr. juiz considerou a autora definitivamente afectada de incapacidade permanente parcial para o trabalho, com IPATH de 42,45% (com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual).
Nessa decisão, consta nomeadamente o seguinte:
A sinistrada é uma trabalhadora por conta de outrem e sofreu um acidente no local e tempo de trabalho, que lhe produziu lesão corporal e que lhe determinou diminuição permanente da sua capacidade laboral.
Assim, de harmonia com o disposto nos artigos 1°, 2°, 6°, 10°, 15°, 17° nº 1 al. b), 25° e 37° da Lei nº 100/97, de 13/9, teria direito a uma pensão anual e vitalícia de 4.l82,43 euros.
Considerando, porém, que já recebeu o capital de remição respeitante à pensão de 2.277,23 euros fixada na sentença oportunamente proferida, tem a sinistrada apenas direito ao diferencial entre a pensão global ora calculada e a pensão já paga.
Nos termos do artigo 15° da Lei nº 100/97, acima citada, incumbe ainda à ré o pagamento das despesas com transportes suportadas pela sinistrada no decurso do presente incidente.
Concluindo-se com a seguinte decisão:
Pelo exposto, decido julgar procedente o pedido incidental formulado pela autora e. em consequência, condeno a ré seguradora a pagar à autora:
- o capital de remição da pensão diferencial anual e vitalícia de 2.205,07 euros;
- uma indemnização - pelas despesas com as deslocações obrigatórias ao Tribunal para exames médicos no decurso do incidente de revisão - que fixo em 20,00 euros.
Sobre os montantes acima fixados incidirão juros moratórios, à taxa estabelecida ao abrigo do artigo 559° nº 1 do Código Civil, desde o respectivo vencimento.

É deste despacho que a ré veio agravar apresentando, nas correspondentes alegações, as seguintes conclusões:
“1ª Entendeu o douto Tribunal “a quo” atribuir um capital de remição da pensão diferencial anual e vitalícia de 2.205,07 €, situação contra a qual a ora Agravante se insurge.
2ª Nada há a obstar ao facto de ter sido apurado o diferencial, entre o que a sinistrada já havia recebido e o que lhe caberia agora receber, pois o pagamento de um capital de remição significa receber tudo o que era devido pela incapacidade.
3ª Após o incidente de revisão, a decisão que incide sobre o mesmo destina-se a manter, aumentar ou reduzir a pensão ou até a declarar a sua extinção, vide artº 145° do CPT, estamos portanto, sempre, perante uma pensão pré-existente e não uma nova pensão.
4ª Pelo Incidente de revisão pretende o seu requerente ver alterada a intensidade ou grau da incapacidade.
5ª Se a incapacidade persiste, persiste também a pensão, ainda que a desvalorização do sinistrado seja alterada e bem assim o respectivo montante da pensão.
6ª A sinistrada está afectada de uma IPATH com IPP de 42,45%, que lhe conferia uma pensão anual e vitalícia de 4 482,43 €, que não é remível.
7ª Esta pensão, salvo melhor opinião, continua a não é remível, vide artº 56º do RLAT, mesmo que por efeito do pagamento do diferencial entre o capital de remição entretanto pago e o montante de pensão ora devida.
8ª Uma questão é acertar valores, relativos a diferenciais de pensões, para efeito de evitar enriquecimento sem causa, outra é remir quando isso acarreta a descaracterização da valorização da incapacidade da sinistrada.
9ª A via de incidentes de revisão sucessivos, porventura, em remições igualmente sucessivas, dá origem a um efeito não querido pelo legislador, como é o caso dos autos.
10ª Levado ao extremo, todas as pensões que se pudessem integrar neste elenco fáctico seriam remíveis, o que, salvo melhor entendimento perece ferir os direitos constitucionais dos sinistrados, vide art° 59°, nº 1, al. f) da CRP e bem assim violador dos princípios de reparação explanado na LAT.
11° Verifica a ora Agravante o disposto no art° 56° do RLAT e 59°, n° 1, al f) da CRP.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral Adjunto, defendendo que o recurso deve merecer provimento.
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III. As conclusões da alegação da recorrente delimitam o objecto do recurso (arts. 684° nº 3 e 690° nº 1 do C. P. Civil), não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.
Decorre do exposto que a questão que importa dilucidar e resolver, o objecto do recurso, é a de saber se estavam preenchidos os pressupostos legais que permitiam, após o incidente de revisão, determinar a remição da parcela da pensão devida à sinistrada e então apurada, como superior à antes devida.

Os factos que se nos afiguram suficientes para decidir a questão resumem-se aos seguintes:
- no presente processo foi proferida sentença pela qual a ré foi condenada a pagar á sinistrada o capital de remição correspondente pensão anual de € 2.277,23, correspondente a IPP de 42,54%, desde 1/8/2005;
- o acidente de trabalho que deu origem a tal condenação ocorreu em 28/10/2003;
- no mesmo processo, posteriormente, já depois de pago o referido capital de remição, teve lugar incidente de revisão da incapacidade e, no seu termo, foi estabelecido que a autora estava definitivamente afectada de incapacidade permanente parcial para o trabalho, com IPATH de 42,45%, com efeitos a partir de 15/12/2006.

Vejamos:
Na 1ª instância, a remição da pensão foi ordenada inicialmente, aquando da sentença que a fixou originariamente porque o Tribunal concluiu que a pensão no valor (então fixado) de € 2.277,23 podia ser considerada pensão vitalícia de reduzido montante, dado não ultrapassar o sêxtuplo da remuneração mínima mensal garantida à data da fixação da pensão.
É o que se deduz da leitura da sentença de fls. 143 e segs., embora não esteja ali explicitado este raciocínio na sua forma mais clara.
Tendo o acidente de trabalho ocorrido já na vigência da Lei nº 100/97, de 13/9 (LAT) e do DL nº 143/99 (RLAT) para determinar se a pensão era obrigatoriamente remível, uma vez que respeitava a uma IPP superior a 30%, havia que apurar se era de montante reduzido, tal como este requisito é definido no art. 56º nº1, al.a) da RLAT, o que só sucederia se fosse de montante igual ou inferior a seis vezes a remuneração mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão.
Assim, considerando remuneração mínima mensal correspondente à data que considerou ser a da fixação da pensão (€ 385,90 – DL 238/2005, de 30/12), a 1ª instância concluiu ser aquela obrigatoriamente remível e assim determinou.
Sucede que, como se disse, posteriormente teve lugar incidente de revisão da incapacidade nos termos previstos no artigo 145º do C. P. Trabalho, o qual teve como consequência o reconhecimento do agravamento da incapacidade e o apuramento de novo valor da pensão antes fixada, agora no valor de € 4.182,43.
Este novo valor da pensão se fosse o fixado na origem já não seria obrigatoriamente remível, de acordo com os critérios legais que já enunciámos. Mas aqui estamos perante um aumento do valor e não duma rectificação do valor inicialmente fixado de acordo com pressupostos de facto diversos (o quoficiente da incapacidade).
Trata-se, tal como defende a agravante, da mesma pensão reparatória do acidente de trabalho e não de uma nova pensão – tal como refere o artigo 145º nº 4, o juiz, revista a incapacidade, mantém, aumenta ou reduz a pensão antes fixada. Estamos, como refere a agravante, “sempre, perante uma pensão preexistente e não uma nova pensão”. Neste sentido escreveu Leite Ferreira (Código de Processo do Trabalho Anotado, pág. 641 da 4.ª edição): “A modificação da capacidade de ganho da vítima proveniente de agravamento, recaída ou melhoria da lesão ou doença não dá origem a uma incapacidade nova: opera, apenas, uma alteração da incapacidade preexistente pelo reconhecimento dum novo grau de incapacidade na incapacidade existente. Quer dizer: a incapacidade mantém-se a mesma embora diferente na sua intensidade ou dimensão pela atribuição ou fixação de um novo grau ou índice de desvalorização. Ora se a incapacidade se mantém, a pensão a estabelecer após a revisão não é também uma pensão nova”.
E é justamente, por isso, que a visão da agravante não é tão simples como parece.
Vejamos porque não o é.
A Lei nº. 100/97, de 13.09 (LAT), e o DL nº. 143/99, de 30.04 (RLAT) vieram alterar as condições de remição obrigatória de pensões, alargando as suas possibilidades de concretização. Face ao novo regime, a pensão vitalícia será obrigatoriamente remível se for considerada também de reduzido montante, não respeitando a uma IPP superior a 30%, nos termos do art. 33º da LAT. Esta norma não define, para efeitos de remição, o que é uma pensão vitalícia de reduzido montante. Remete, porém, a sua definição para a respectiva regulamentação. É o art. 56º-1-a) do RLAT que nos dá essa noção, ao estatuir: “1- São obrigatoriamente remidas as pensões anuais: a) Devidas a sinistrados e a beneficiários legais de pensões vitalícias que não sejam superiores a seis vezes a remuneração mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão”.
A interpretação desta norma que tem sido seguida pelo STJ (v. Ac. STJ de 13-7-2004, in www.dgsi.pt, proc. 04S1015, Ac. STJ de 13-10-2004, in www.dgsi.pt, proc. 04S2850, Ac. STJ de 20-04-2005, in www.dgsi.pt, proc. 04S3677), e também contida no acórdão uniformizador de jurisprudência de 16 de Março de 2005, publicado no DR, I Série-A, de 02.05.2005, é o de que para determinar se uma pensão é obrigatoriamente remível deve atender-se ao critério que resulta do artigo 56º, n.º 1, alínea a) do RLAT, devendo os dois elementos - valor da pensão e da remuneração mínima mensal garantida mais elevada - reportar-se à data da fixação da pensão.
Ou seja, tanto o valor da pensão, como o salário mínimo a ter em conta para efeitos de cálculo devem ser os que vigoravam à data da fixação daquela e não acolhendo aqui o valor actualizado da pensão que possa a vir a ter lugar. De acordo com o citado art. 56º nº1, al. a), a remição obrigatória está dependente de dois factores: o valor da pensão vitalícia e o valor da remuneração mensal mínima garantida mais elevada que deva ser considerada. Do que se tratava de saber era se a expressão “data da fixação da pensão” tanto se reporta àquele valor como a este ou só a este. A doutrina fixada pelo STJ foi no primeiro sentido. Importa, contudo, ter cautelarmente como presente que essa doutrina foi fixada em função das dificuldades que trazia o regime transitório de remição de pensões estabelecido no artigo 74º da RLAT.
Mas sendo essa a doutrina do STJ, parece contrariá-la uma interpretação, como a da agravante, que reporte os dois mencionados elementos - valor da pensão vitalícia e valor da RMMG - a momentos temporais bem diferenciados - o valor do RMMG referido à data da fixação da pensão vitalícia e o valor desta que depois venha a ser fixado em razão de actualizações, incluindo a actualização produzida por aumento resultante do agravamento da incapacidade.
É que de acordo com essa doutrina, tratando-se da mesma pensão, sendo ela obrigatoriamente remível no “berço”, então qualquer aumento/actualização não escaparia à obrigatoriedade da remição.
Mas a não seguir o critério da agravante criar-se-ia uma desarmonia dentro do sistema, já que o valor da pensão resultante do aumento pode diferir em muito do que o legislador qualificou como pensão de reduzido montante.
Como é o caso dos autos.
Por isso pensamos, que importa distinguir bem de que aumento/actualização tratamos aqui. Trata-se de um aumento que é produzido, não de forma automática por mera aplicação de norma legal, mas pela alteração de verdadeiros pressupostos de facto – o aumento da incapacidade.
Por isso, embora sendo a mesma, a pensão passa a concretizar-se de maneira diversa, cresce e transmuta-se.
Por outro lado, importa sempre ter presente uma interpretação que não ofenda a Constituição. O Tribunal Constitucional já fez por diversas vezes sentir as dificuldades de harmonização do regime de remição das pensões com a CRP – com o princípio da justa indemnização em matéria de acidentes de trabalho. Através do Acórdão 34/2006, proc. 884/2005, publicado no DR I Série A, de 8 de Fevereiro, de 2006, declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, da norma constante do artº 74º do RLAT, interpretado no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes do trabalhador/sinistrado, nos casos em que estas incapacidades excedam 30%, por violação do art.º 59, n.º 1 alínea f), da Constituição da República Portuguesa. Como se exprimiu no aludido Acórdão, a própria teleologia da remição implica que nos casos de incapacidade absoluta ou elevada, só a “subsistência de uma pensão vitalícia poderá precaver o sinistrado contra o destino, eventualmente aleatório, do capital resultante da remição obrigatória ...”. Ou seja, a reparação justa dos acidentes de trabalho deve acautelar a subsistência dos sinistrados em condições adequadas próximas da que tinham antes da perda da capacidade de ganho.
Tudo isto para dizer que a interpretação adequada aplicável ao caso é a que não permita que uma pensão que tenha sido obrigatoriamente remida obrigue, por força dessa marca genética, a que os aumentos determinados por revisões de incapacidade também venham a ser objecto de remição, independentemente do seu valor.
Se bem que a marca genética da obrigatoriedade da remição seja diversa, o Ac da Relação de Lisboa de 09-05-2007 (in www.dgsi.pt, proc. 2229/2007-4) já decidiu que “se, por virtude do incidente de revisão, veio a ser fixada uma IPP superior a 30%, estando já entregue o capital de remição correspondente a IPP inferior a 30% já anteriormente fixada, o sinistrado apenas tem direito ao pagamento da pensão vitalícia correspondente à diferença entre o montante da pensão que serviu de base de cálculo ao capital de remição - já entregue - e o montante da pensão devida pela IPP de que o sinistrado sofre actualmente” (sumário do acórdão). A solução deverá ser semelhante no nosso caso. Embora ali a “marca genética” fosse a de uma IPP inferior a 30% (portanto, obrigatoriamente remível) e que o deixou de ser, no nosso caso trata-se de uma pensão de diminuto valor que o deixou de ser por força da revisão da incapacidade.
Por isso, concluímos que a sinistrada apenas tem direito, não ao capital da remição, mas ao pagamento da pensão vitalícia correspondente à diferença entre o montante da pensão que serviu de base de cálculo ao capital de remição, que já lhe foi entregue e o montante da pensão devida pela IPP de que sofre actualmente. A remição dessa parcela não é obrigatória.
Pelo que o agravo procede, em conformidade.

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III- DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, delibera-se julgar procedente o recurso de agravo do autor e, em consequência, revogar a decisão agravada, alterando-a apenas no segmento em que condenou a ré seguradora a pagar à autora o capital de remição da pensão diferencial anual e vitalícia de € 2.205,07, substituindo-a pela condenação da mesma a ré a pagar à autora uma pensão anual e vitalícia, correspondente ao diferencial entre o devido e a parcela já remida, no montante de € 2.205,07, desde 15-12-2006, conforme data da incapacidade fixada na decisão agravada.
Sem custas, por a sinistrada delas estar isenta.
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Coimbra,
(Luís Azevedo Mendes)
(Fernandes da Silva)
(Serra Leitão)