Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
739/03.9TTTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PRESUNÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACIDENTE E LESÕES RECONHECIDAS LOGO A SEGUIR
Data do Acordão: 11/13/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVODADA
Legislação Nacional: ARTº 6º, Nº 5, E 9º DA NLAT (LEI Nº 100/97, DE 13/09) E 7º DO SEU REGULAMENTO (DEC. LEI Nº 143/99, DE 30/04).
Sumário: I – Prescreve o nº 5 do artº 6º da NLAT, complementado pelo artº 7º/1 do respectivo Regulamento, que se a lesão, perturbação ou doença for reconhecida a seguir a um acidente e/ou constatada no local e no tempo de trabalho, presume-se, até prova em contrário, consequência deste.

II – Não havendo dúvidas relevantes sobre a ocorrência do evento lesivo/acidente, dado a conhecer ao empregador e por este participado à seguradora, tudo o que acontece logo após, numa sequência temporalmente próxima, reforça a impositiva conclusão de que, a montante, numa relação de causa-efeito, aconteceu o reconhecido evento lesivo/acidente e impõe-se o reconhecimento do nexo de causalidade entre o evento e as perturbações ou sequelas identificadas logo a seguir, que se presumem sua consequência, por força da dita presunção.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:


I –

1 – Concluída, sem êxito, a fase conciliatória deste processo especial de acidente de trabalho veio a autora, A..., residente na Rua do Brejo Alto, nº. 3, Cavadinha, Urqueira, Ourém, com o patrocínio oficioso do MºPº, demandar as RR. “B...”, com sede na Rua Barata Salgueiro, nº. 41 – Lisboa e, “C...”, com sede em Lagarinho, Ourém, pedindo que as mesmas sejam condenadas a pagar as seguintes quantias:
A R. Seguradora:
a) O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de 212,52 €, devida desde o dia imediato ao da alta;
b) A indemnização de 68,50 €, relativa aos períodos de incapacidade temporária;
c) A indemnização de 24,94 € relativa a despesas de transporte;
d) Os juros de mora legais até integral pagamento.

A R. entidade patronal:
a) O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de 98,74 €, devida desde o dia imediato ao da alta;
b) A indemnização de 303,83 €, relativa a diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária;
c) Os juros de mora legais até integral pagamento.

Para tanto invocou o seguinte, resumidamente:
- A existência de um acidente de trabalho;
- Não estar totalmente transferido para a R. Seguradora o salário auferido pela sinistrada.

2 - A R. “B...” contestou, defendendo-se, da seguinte forma:
- Desconhecer a existência de um acidente de trabalho;
- Na sequência dos tratamentos que assegurou, verificou-se que a A. não apresentava quaisquer lesões traumáticas, mas tão só lesões degenerativas;
- Encontrar-se a sua responsabilidade limitada ao salário transferido, na modalidade de seguro por folhas de férias.

3 – Por seu turno a R. entidade patronal, contestou, referindo aceitar a existência de um acidente de trabalho ocorrido, no dia 15.07.03, garantindo o contrato de seguro celebrado com a 1ª R., a totalidade do salário auferido pela sinistrada.

4 – Condensada, instruída e discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção totalmente improcedente, absolvendo as RR. do pedido formulado.

5 – Inconformada, veio apelar.
Alegando, concluiu:
I - A participação do acidente efectuada por uma responsável da entidade patronal, constante de fls. 3, foi efectuada na sequência do acidente e corroborada pelas diversas fichas clínicas relativas ao atendimento hospitalar da Autora .

II - Destacando-se a de fls. 41, dando conta do atendimento logo no dia 16/07/03 , às 8H36, em razão de acidente de trabalho ontem à tarde, por mau jeito e peso sobre o braço começou com dores dorso-lombares e cóccix c/ irradiação para as pernas e abdómen as dores continuaram durante a noite’ ...

III - É nesta mesma sequência que surgem os nunca questionados tratamentos e pagamentos de indemnizações pela seguradora responsável, cuja mera negação do acidente, mesmo que os seus peritos médicos apontem e sustentem a existência de lesões anteriores ou a falta de nexo causal, não ilide a presunção legal.

IV -Veja-se ainda que a entidade patronal, em coerência aliás com a bondade da participação que efectuou, ao longo do processo e na respectiva contestação sempre confessou a existência do acidente e das lesões apuradas, daí decorrentes para a autora.

V - Afigura-se que na situação trazida a Juízo, com os elementos de prova juntos aos autos e porque outros não foram produzidos em julgamento pelas responsáveis a quem cabia ilidir a mencionada presunção legal, não poderá ser dada, como foi, resposta negativa dada ao quesito 1.º.

VI - Ao contrário do afirmado na douta sentença recorrida, perante todos os factos dados como provados e com base nos documentos juntos aos autos, a sinistrada beneficia da presunção legal tal como está configurada pelos arts. 6.º, n.° 5, e 9.º, ambos da L. A. T. - Lei 100/97, de 13/09, e pelo art. 7.ºdo Regulamento da L .A. T. - Dec. Lei 143/99, de 30/04.

VII - Na verdade, a prova existente nos Autos, apreciada no seu conjunto, enquadra a mencionada presunção de acidente de trabalho no dia 15/07/03 , sofrido pela A ., nas instalações da entidade patronal, no Lagarinho , Ourém , onde, ao colocar um vidro para lavar na respectiva máquina, deu um mau jeito e esforçou a coluna .

VIII - Sofreu lombalgia de esforço que curou com raquialgias residuais, como se vê nos Boletins de fls. 55 e 73 e no Auto de Exame por Junta Médica de fls. 12 dos Autos n.º 739/03,9T1TMR -A, para fixação de incapacidade, em apenso.

IX - Não foi alegada qualquer falsidade nem por outra forma infirmado o teor dos documentos juntos aos autos e, designadamente , da participação do acidente efectuada por uma responsável da entidade patronal, constante de fls.3, efectuada na sequência do acidente e corroborada pelas diversas fichas clínicas relativas ao atendimento hospitalar da Autora, que aliás serviram de fundamento a toda a matéria de facto dada como provada .

X - Daqui a necessária qualificação do evento que aqui se aprecia como sendo um acidente de trabalho e, como tal, poder e dever ser reparado segundo a legislação infortunística aplicável.

XI - A A., enquanto auxiliar de operadora de máquina de vidro duplo, à data do acidente, tinha direito ao salário base de € 548, 79 x 14 meses + € 5,00 (subsídio de alimentação) x 22 dias x 11 meses, num total anual de 8.893,06 , conforme CCT aplicável publicado no BTE , IS , n.º 28/03, de 29/08 , cfr. recibos de salário de fls. 14 a 31.

XII – Assim, deve a acção ser considerada inteiramente procedente, por provada e serem as RR. condenadas:
- No pagamento do capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de €311,26, devida desde o dia imediato ao da alta;
- No pagamento de indemnizações devidas no período de incapacidade temporária, no montante total de € 372,33;
- No pagamento € 24,94, pelas despesas de transportes, por deslocações a Tribunal, sendo da responsabilidade da R., ‘B...’,
- O capital de remição de uma pensão anual vitalícia de € 212,52 ;
- A indemnização de € 68,50, relativa aos períodos de incapacidades temporárias ­diferenças de It’s;
- A indemnização de € 24,94, relativa a despesas de transportes;
E da Ré, ‘C...:
- Capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 98,74;
- A indemnização de € 303,83 relativa aos períodos de incapacidade temporária ­diferenças de It’s;
Acrescidos dos juros de mora legais até integral pagamento.

XIII – Ao não entender assim, violou a Mm.ª Juíza, por erro de interpretação, o disposto nos arts. 6.º/5 e 9.º da LAT e no art. 7.º do Regulamento da LAT.
Deve a sentença ser revogada e substituída por outra que, com fundamento no conjunto dos documentos e elementos de prova juntos aos Autos, que constituem presunção legal do acidente de trabalho participado, não ilidida pelas responsáveis, considere a acção inteiramente procedente e condene as RR. nos termos peticionados.

Não foi oferecida resposta.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais devidos, vamos decidir.
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II – DOS FUNDAMENTOS

1 – DE FACTO.
Vem assente a seguinte factualidade:
1) A A. Foi admitida ao serviço da 2ª R., no dia 16.05.2002;
2) Trabalhando sob as suas ordens e direcção;
3) Como auxiliar de operadora de máquina de vidro duplo;
4) A 1.ª R. outorgou com a entidade patronal da sinistrada um contrato de seguro de acidentes dos seus trabalhadores titulado pela apólice nº. 2690505.º;
5) A A. nasceu no dia 21 de Março de 1964 – cfr. doc. de fls. 90, aqui dado como reproduzido;
6) Contemplando incapacidades temporárias, a Ré pagou-lhe € 590,50;
7) A A. deslocou-se duas vezes a este Tribunal tendo dispendido a quantia de 24,94 € em transportes;
8) Em razão da raquialgia residual, no exame realizado neste Tribunal foi-lhe atribuída a IPP de 0,05, acrescentando o Sr. Perito que: “É de presumir que no período de 15.07.03 até 08.09.03 seja considerada de ITA”;
9) A A. sofreu lombalgia de esforço que curou, com raquialgias residuais;
10) A seguradora, considerando-a clinicamente curada, atribuiu-lhe alta no dia 08.09.03;
11) Sem lhe atribuir qualquer desvalorização, conforme boletim de alta junto a fls. 69;
12) O contrato de seguro garante a responsabilidade pelo salário de 363,01 € x 14 meses + 5,00 € (subsídio de alimentação) x 22 dias x 11 meses, num total de anual de 6.072,14 €;
13) A sinistrada havia tido alta, de um outro acidente de trabalho, no dia 11 de Julho de 2003;
14) Na sequência da nova participação, a co-R. seguradora providenciou pela assistência e acompanhamento clínico da sinistrada.
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2 – DE DIREITO.
Conhecendo:
Depois do excurso feito, com vista à delimitação do contexto normativo de enquadramento e subsunção, a solução do pleito foi ditada de forma breve (não em ‘duas’, mas em sete linhas) nos dois últimos períodos do texto respectivo, aí se concluindo que, ante a resposta negativa ao quesito 1.º da Base Instrutória, não é possível qualificar o evento que aqui se aprecia como sendo um acidente de trabalho…porquanto não se provou, afinal, que a lombalgia de esforço da qual a sinistrada padeceu ocorreu no tempo e no local da prestação de trabalho, não podendo, além do mais, beneficiar da presunção contida no n.º5 do art. 6.º da LAT.

Será esta a solução certa?
Na verdade, questionava-se no ponto n.º1 da B.I. se ‘no dia 15.7.2003, cerca das 10:30 horas, a A., nas instalações da Entidade Empregadora, no Lagarinho, Ourém, ao colocar um vidro para lavar na respectiva máquina, deu um mau jeito na coluna’.
A resposta dada foi simplesmente ‘não provado’ – fls. 234.
Na fundamentação da decisão da matéria de facto consignou-se que, quanto aos quesitos considerados não provados, a resposta deve-se à falta de prova, designadamente testemunhal, sobre a verificação dos mesmos sic, a fls. 235, 'in fine'.

Poderá achar-se pouco normal que a A. – a quem poucos dias antes, (em 11 de Julho de 2003), havia sido dada alta de um outro acidente de trabalho – se haja sinistrado logo quatro dias depois, em 15.7.2003.
Poderá, decerto.
Não é frequente, mas …não é nem improvável, nem, menos, inverosímil…
…Menos sorte para o trabalhador atingido, tanto mais se nada fez por/para isso, como – sem indicação em contrário – é razoável supor-se.

Pelo que se constata, não se logrou fazer prova designadamente testemunhal (haveria?) do alegado mau jeito na coluna, no contexto espácio-temporal invocado.
Mas isso bastaria para se ter concluído, em sede de facto, como se concluiu?
Terá fundamento a reacção da apelante/MºPº ao insurgir-se contra a resposta negativa que foi dada ao quesito 1.º e, por isso, contra a solução dada ao litígio?
Cremos bem que sim, como sucintamente se demonstra na sequência.
Não há dúvidas de que, independentemente da (in)existência de prova directa do acidente, foi dado conhecimento ao empregador da ocorrência de uma circunstância acontecida com a A., que levou co-R. patronal a formalizar a participação junto da co-R. Seguradora: ‘A sinistrada queixa-se de mau jeito dado no serviço’ – fls. 3.

Dúvidas também não há – se mais não fôra pela compulsação dos elementos documentais que integram o processo – de que a sinistrada foi presente, logo após, nos Serviços de Saúde Pública identificados, passando depois a ser acompanhada pelos serviços clínicos da R. Seguradora, que providenciaram pela sua assistência, vindo mesmo a paga-lhe indemnização por períodos de Incapacidades Temporárias.

Isto posto:
Prescreve o n.º 5 do art. 6.º da NLAT, complementado pelo art. 7.º/1 do respectivo Regulamento, que se a lesão, perturbação ou doença for reconhecida a seguir a um acidente e/ou constatada no local e no tempo de trabalho, presume-se, até prova em contrário, consequência deste.
Reflectindo sobre o regime homólogo da Lei n.º 2127, de 3.8.1965, (Base V, n.º4, e art. 12.º do respectivo Regulamento) e sobre a razão de ser desta consagradas presunções legais a favor dos sinistrados laborais/beneficiários legais, disse bem, com a autoridade que lhe reconhecemos, o saudoso Dr. Vítor Ribeiro, (‘Acidentes de Trabalho’, Edição Rei dos Livros, pg. 220-221 – no que o acompanhamos - que as presunções ‘juris tantum’ legalmente consagradas nesta sede visam três coisas: o reconhecimento da enorme dificuldade em definir com segurança critérios para a determinação da causalidade relevante; o reconhecimento de que a prova activa e positiva dos factos constitutivos do direito à reparação seria em muitos casos impossível para as vítimas e/ou seus familiares, face à falta ou falibilidade da prova testemunhal e outras e, por fim, manifestar a preocupação do legislador em libertar o sinistrado de parcelas significativas do dever geral de prova no que a estes específicos pontos respeita.

É facto que estas presunções têm o seu assento útil no momento relativo à equação do nexo causal entre a lesão e o acidente, que não é propriamente o ponto ora controverso.
Mas, não havendo dúvidas relevantes sobre a ocorrência do evento lesivo/acidente, dado a conhecer, na sequência, ao empregador e por este participado a seguir à responsável Seguradora – como emerge claramente da comprovação documental dos elementos constantes nos Autos e o aceita/confessa expressamente a co-R. patronal, no artigo 1.º da contestação, a fls. 166 – tudo o que acontece logo após, numa sequência temporalmente próxima, reforça a impositiva conclusão de que, a montante, numa relação de causa-efeito, aconteceu o reconhecido evento lesivo/acidente, conclusão essa coberta, senão por maioria, ao menos por igualdade de razão, pela força da falada presunção, que, fazendo inverter o ónus da prova – art. 320.º do Cód. Civil, como é sabido não foi ilidida.

Ante o exposto, e em resumo, não pode deixar de concluir-se, necessariamente – se mais não fôra até por imperativo lógico – que o funcionamento da presunção, impondo o reconhecimento do nexo de causalidade entre um evento lesivo e as perturbações ou sequelas identificadas, que se presumem sua consequência, implica igualmente o reconhecimento do acidente declaradamente ocorrido naquela data, no dia 15.7.2003.

Ademais, está aceite/provado, em sede de facto – como resulta da resposta dada ao quesito 2.º da B.I. – que a sinistrada sofreu lombalgia de esforço, que curou com raquialgias residuais, a cuja limitação a Junta Médica e, com base nesse laudo maioritário, o despacho depois proferido a fls. 15 do respectivo Apenso, conferiu a desvalorização de 0.05% de IPP, desde o dia imediato ao da alta.

A resposta dada ao quesito 1.º da B.I., não respeitando as regras de direito probatório material – nos termos sobreditos – não pode subsistir.
O ínvio (ignorado) entendimento sobre o alcance da falada presunção implicitava logicamente que, independentemente da inexistência de outra prova, (…’designadamente testemunhal’), se tivesse por admitido o evento lesivo, temporalmente prévio mas próximo, como alegado.


Assim – repetindo, para concluir – adquirido, por força da referida presunção, que as identificadas sequelas são consequência de um/do evento lesivo (ocorrido necessariamente antes, reconhecido pelo empregador e a seguir participado à Seguradora), é incontornável concluir-se pela resposta afirmativa ao quesito 1.º, alteração que ora se imprime no âmbito de intervenção consentido, a este nível, pelo art. 712.º, n.º1, 1.ª parte da alínea a) e alínea b), do C.P.C.

O acidente em causa é um típico acidente de trabalho indemnizável.
Procedem as conclusões da motivação do recurso.

III –
Em conformidade com o exposto – e sem necessidade de outros desenvolvimentosdelibera-se julgar procedente a Apelação e, revogando, em consequência, a sentença impugnada, condenam-se as co-RR. Seguradora e Patronal, ‘B...’ e ‘C...’, respectivamente, a pagarem à A., A..., o capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 311,26, devida desde o dia imediato ao da alta, bem como a indemnização reclamada referente ao (diferencial do) período de Incapacidade Temporária, no montante de € 372,33 e ainda a quantia de € 24,94 gasta em transportes, cabendo àquela R. Seguradora a quota-parte do capital de remição sobre a pensão de € 212,52, a indemnização restante por IT de € 68,50 e a verba conferida por deslocações;
Cabe à co-R. Patronal o pagamento do capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 98,74 e da indemnização por IT de € 303,83.
Sobre as importâncias vencidas e em dívida são devidos juros de mora.
Custas legais pelas co-RR. na proporção do decaimento.
___
DN.
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Coimbra,