Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1700/05.4TAAVR
Nº Convencional: JTRC
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: DIFAMAÇÃO;DIREITO DE EXPRESSÃO
Data do Acordão: 04/02/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 180º, Nº 1 E 184º, POR REFERÊNCIA AO ARTIGO 132º, Nº 2, ALÍNEA J), E 180, Nº 2, ALÍNEA A) DO CÓDIGO PENAL; ARTIGO 283º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: O ordenamento jurídico português, adoptou o conceito de honra com uma dimensão normativo-pessoal por referência não a uma realidade natural, mas a valores sócio-culturais, dessumíveis do nosso ordenamento jurídico ou extra-juridico, de feição factual ou normativa: “A concepção da honra numa perspectiva “normativa”, entende a honra não como dado factual, mas como valor da pessoa humana, enquanto aspecto dela própria, e que por isso prescinde da opinião favorável do sujeito ou de terceiro a respeito dele”- Ferrando Mantovani, in “Diritto Penale, Parte Speciale, Delitti Contro la Persona”, CEDAM, Padova, 2ª Edição, 2005, pag.186. (“1) a concepção dita factual (psicológica e sócio-psicológica) da honra como sentimento do próprio ou de outros valores; 2) a concepção dita normativa do sujeito como valor do sujeito”.
II – o direito à crítica insere-se na “liberdade de expressão o direito que a todos assiste de participar e tomar posição (designadamente sob a forma de crítica) na discussão de todas as coisas e de todas as questões de interesse comunitário”.
III. – O Direito à crítica sofre, no entanto, limitações estruturais e de apresentação, nomeadamente: a) o direito há-de ser assumido e manifestado na defesa ou denúncia de um interesse público-social; b) a notícia veiculada ou a manifestação opinião expressa há-de estar imbuída de uma verdade objectiva dos factos; c) o modo como é veiculada a opinião ou critica há-de ser conduzido com correcção de linguagem; e d) a opinião há-de ser expresse com continência dos termos utilizados ou empregues.
IV. –O interesse público” relevante escreve Ferrando Mantovani estima que “mais precisamente, o interesse público-social (que não pode ser confundido com a «curiosidade pública» subsiste quando os factos apresentam: a) um interesse público-social imediato, porque contrastam com uma intrínseca relevância público-social (por ex. actividade do governo, dos representantes da coisa pública, graves factos criminosos); b) um interesse público-social mediato, indirecto, porque, ainda que tendo em conta a vida privada pessoal, assumem um preciso e especifico interesse público-social, na medida em que se encontrem incíndivelmente conexos, em concreto, a situações, acontecimentos, de interesse públicos (por ex. noticias sobre a sua vida privada relevante para fins da prova de um álibi, veracidade de um testemunho, caracterização de movimentos criminosos, confirmação de crimes e dos seus autores). Ou quando a conduta do singular passa a fazer parte da esfera pública pela sua inserção não casual, mas funcional nos factos, acontecimentos, cerimónias, públicas (por ex. comportamento ou modo de vestir não conforme ao decoro da situação ou função); ou porque a informação sobre determinados factos da vida privada pode constituir a base de valoração social da personalidade pública do sujeito e da sua idoneidade para desenvolver uma certa função (por ex. Estar de forma geral alcoolizado).
O interesse público-social, pelo contrário, não subsiste quando os factos apresentem um interesse exclusivamente privado, não possuindo qualquer relevância, ao menos mediata, com respeito a qualquer coisa que transcenda a privacidade, qualquer que seja a personalidade, privada ou pública, desconhecida ou notória, a que os factos respeitem. […] Se não pode desconhecer-se que quanto mais ampla deve ser «a zona de luminosidade» mais ampla é a [ex]posição pública da pessoa é ainda assim incontestável que também o «homem público» possui uma intangível esfera de honorabilidade e que a sua integridade moral não pode ser indiscriminadamente agredida, em razão do carácter público da sua particular actividade e opinião.
V. – O direito à crítica ainda visando ou sendo movida por um interesse (social) legítimo não pode constituir-se como causa de justificação de uma conduta se o seu conteúdo extrapola e vai além dos limites da critica pública para se anichar na ofensa pessoal, mediante e utilização de uma terminologia objectivamente lesiva dos valores da honra e consideração ético-pessoais.
Decisão Texto Integral: Acordam, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.
I. – Relatório.
No epílogo do processo instrutório que correu termos na comarca de Aveiro foi decidido emitir decisão instrutória de não pronúncia do denunciado, AA…. da prática, em autoria material, de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 180º, nº 1 e 184º, por referência ao artigo 132º, nº 2, alínea j), todos do Código Penal, que lhe havia sido imputado no libelo acusatório impulsionado pelo Ministério Público junto da comarca de Aveiro.
Em dissensão com o julgado manifesta-se o Ministério Público e pretendendo a revogação do despacho prolatado e a sua substituição por outro que pronuncie o arguido pelo crime que estima dever ser-lhe imputado, impulsa o presente recurso que remata com as conclusões que a seguir se deixam extractadas.
“1- 0 Ministério Público deduziu acusação contra o arguido AA. pela prática de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelo arts. 180º, nº1), 184º e 132º 2 j) do Cód. Penal, porquanto a pedido do arguido, no dia 28 de Fevereiro de 2005, no jornal “Diário de Aveiro”, foi publicado um artigo de opinião por si subscrito, no qual, sob o título “Os Carrascos Também Morrem”, fez afirmações que objectiva e subjectivamente são ofensivas do bom-nome e consideração devidas ao assistente DD enquanto pessoa e na qualidade de padre a exercer funções na paróquia de Vera Cruz-Aveiro.
2- Arguido que sabia que as tais afirmações eram susceptíveis de ofender a honra e consideração da pessoa do ofendido, resultado esse que previu e quis atingir, e não ignorando que tinha o dever de expressar a sua opinião de forma a não violar tais valores, até porque tinha capacidade para o fazer e que o ofendido DD. era pároco e que as considerações por si tecidas se reportavam a conduta pelo mesmo levada a cabo no âmbito das respectivas funções.
3- 0s autos contêm indícios de facto e de direito suficientes que permitem imputar ao arguido AA. a prática do referido crime de difamação agravada e, dessa forma, submetê-lo a julgamento, já que a acusação deduzida pelo M.P. não foi abalada com a realização das diligências instrutórias.
4- Ao praticar os factos da forma descrita na acusação, o arguido agiu sem que para tanto tenha ocorrido qualquer causa justificativa, seja de exclusão da ilicitude, seja de exclusão da culpa, nomeadamente do dolo em qualquer uma das suas modalidades.
5- 0a análise do comando normativo plasmado no artigo 180º 2) do Cód. Penal, resulta que a não punibilidade ali referida depende da verificação cumulativa de dois requisitos: a imputação de determinado facto tem de visar a prossecução de interesses legítimos e o agente do crime tem de provar a verdade da imputação (ou que tinha fundamento sério para reputar tal imputação como verdadeira).
6- Não basta, assim, a mera existência de interesses legítimos por parte do agente do crime, mas antes se torna necessário que, além da existência de tais interesses, a imputação seja adequada e necessária à sua realização, o que implica uma ponderação de interesses, com os limites de adequação e necessidade a que se refere o artigo 18º nº 2) da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), uma vez que está em causa a compressão de direito fundamental –o direito ao bom nome e reputação -, protegido pelo artigo 26º da C.R.P., em que “a honra é vista assim como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior”, como o refere o Prof. José Faria Costa in pág. 607, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999.
7- Não existe nenhuma relação, designadamente de adequação, proporcionalidade e necessidade, entre as afirmações/imputações que o arguido fez, ainda que de forma indirecta, quando afirma que o assistente (enquanto pessoa e na qualidade de padre e pároco em exercício de funções na paróquia de Vera Cruz) não é respeitador porque agride, comparando-o a um “bandoleiro”, “súcia de bandoleiros”, que o assistente é “cabecilha”, “hipócrita” e “perverso” e tem tiques e sinais de desmedida arrogância. Manipulando “débeis mentes” I “elemento execrando” e o exercício dos aludidos direitos à tranquilidade e ao repouso físico e psicológico.
8- E muito menos existe qualquer relação de adequação de tais imputações a visar a prossecução de tais interesses legítimos ou de necessidade de atingir a honra, a dignidade e o bom nome do assistente da forma como o foi, quer pelo seu conteúdo ofensivo quer através da sua divulgação em jornal regional diário de grande tiragem no distrito de Aveiro ou até de proporcionalidade que não se vislumbra, pois se apenas era para chamar atenção (ou mesmo que fosse uma tentativa de resolver o problema), a resposta foi exagerada quer no seu conteúdo quer na divulgação que fez por intermédio do jornal “Diário de Aveiro”, pois que o arguido bem sabia que as afirmações acima referidas eram susceptíveis de ofender a honra e consideração da pessoa do ofendido, não se tratando de simples crítica objectiva de actos ou comportamentos enquanto tais, como pretende fazer crer o arguido.
9- Da análise dos documentos e dos depoimentos das testemunhas inquiridas nos autos nada resulta quanto à adequação, proporcionalidade e necessidade das imputações ofensivas à honra feitas ao assistente (quando o compara a um “bandoleiro”, e se refere que o assistente é “cabecilha”, “hipócrita” e “perverso” e tem tiques e sinais de desmedida arrogância, manipulando “débeis mentes”, “elemento execrando”) para a prossecução dos interesses do arguido.
10- E também nada resulta quanto à veracidade de tais imputações ou ao fundamento sério, para em boa-fé as reputar de verdadeiras.
11- Assim, se não se indicia a verificação cumulativa ou mesmo em separado de circunstâncias susceptíveis de excluir a ilicitude criminal dos factos descritos na acusação, com a não punibilidade da conduta do arguido, o M.mo Juiz errou na aplicação do direito quando afirma a fls. 295 que: “O arguido agiu assim, neste contexto, para realização de interesses legítimos e com base em factos verdadeiros praticados pelo denunciante, que ofenderam e prejudicaram a comunidade habitacional da zona.”
12- E o M.mo Juiz errou igualmente na aplicação do direito ao não equacionar se as imputações constantes da acusação (e que ele próprio admitiu como ofensivas da honra devida ao assistente enquanto pessoa e padre … eram necessárias, adequadas e proporcionais à realização dos interesses do arguido (direito à tranquilidade e ao repouso físico e psicológico com a retirada da aparelhagem sonora instalada no sino da ...).
13- Existe, pois, uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
14- 0 M.mo Juiz ao proferir despacho de não pronúncia violou os comandos normativos dos artigos 283º,nº 2), 308º,nº1,2) do C.P.P. e 180º,nº2) do C.P.P..
15- Em suma, dando provimento ao recurso, deverá ser revogado o despacho de não pronúncia, substituindo-o por outro que pronuncie o arguido A.A. … pelo crime de difamação agravada imputado”.
A resposta do arguido enfileira pela defesa do julgado, trazendo os argumentos que já havia exposto no requerimento de abertura de instrução no que discrepa o Exmo. Senhor Procurador-geral Adjunto que, em enxuto mas proficiente parecer, emparelha com os fundamentos alinhados na peça recursiva para reforçar a necessidade da sua procedência.
A questão que vem trazida á cognoscibilidade deste tribunal atina com a verificação ou não de indícios que alentem e substanciem a materialidade típica contida na norma incriminante e, concomitantemente da ausência de causas exculpantes que subtraiam a ilicitude ou a culpa do agente por actuação de acordo e no uso de um interesse (próprio ou alheio) tutelado pela ordem jurídica – cfr. nº 2 do artigo 180º do Código Penal.
II. – Fundamentação.
II.A. – Elementos pertinentes para a decisão.
- Acusação deduzida pelo Ministério Público contra Artur Fonseca constituindo-o como autor material e um crime de difamação agravada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 180º, nº 1 e 184º, por referência ao artigo 132º, nº 2, alínea j), todos do Código Penal. – cfr. fls. 95 e 96;
- Requerimento para abertura de instrução – cfr. fls. 113 a 117;
- Decisão Instrutória – cfr. fls. 289 a 295.
“IV. Da decisão de Pronunciar: a existência ou não de indícios suficientes
Do crime de difamação:
Nos termos do artigo 180.º, n.º 1 do Código Penal, comete o crime de difamação «quem dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo...».
De acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, a conduta não é punível quando:
a) a imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
A boa fé exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.
Nos termos do artigo 180º do Código Penal, o crime de difamação pode definir-se como a atribuição a alguém de factos ou conduta, ainda que não criminosos, que encerrem em si mesmo uma reprovação ético-social, isto é, que sejam ofensivos da reputação do visado.
De acordo com Leal-Henriques e Simas Santos ( “Código Penal Anotado”, 2º Vol., pág. 317.) “os processos executivos do crime de difamação podem ser vários: imputação de um facto ofensivo, ainda que meramente suspeito; formulação de um juízo de desvalor; reprodução de uma imputação ou de um juízo”. A imputação de factos ou a formulação de juízos desonrosos podem ser inequívocos, não apresentarem a menor dúvida, ou podem estar encobertas pelo manto perverso e acutilante da suspeita ( Neste sentido, vide “Comentário Conimbricense ao Código Penal”, tomo I, pág. 611 e ss.). De facto, a insinuação, as meias palavras, a suspeita, o inconclusivo são a maneira mais conseguida de ofender quem quer que seja.
O cerne então da determinação dos elementos objectivos do tipo de crime em apreço tem sempre de se fazer pelo recurso a um contexto de contextualização ( Ibidem.).
Ora, do que se trata, in casu, é da formulação pelo arguido de juízos desvalorativos que desacreditam e colocam em causa a reputação e a imagem pública do assistente.
Efectivamente, ali se diz, indirectamente, que o assistente não é respeitador porque agride comparando-o a um “bandoleiro”.
Afirma-se também que o assistente é cabecilha, hipócrita e perverso e tem tiques e sinais de desmedida arrogância, manipulando “débeis mentes”.
Por outro lado, verifica-se que as afirmações feitas no referido escrito são objectivamente ofensivas do bom-nome e consideração do assistente.
Consabido que o escrito redigido pelo arguido é ofensivo da honra do assistente, cumpre no entanto averiguar se a antijuridicidade do comportamento protagonizado por aquele se deve ou não ter por excluída, face a eventual ocorrência de causa de justificação.
Quanto à causa de justificação especial prevista no n.º 2 do art.180º do Código Penal, é patente que a mesma se verifica, porquanto resultou suficientemente indiciado da prova produzida em sede de instrução que o arguido agiu para defender interesses legítimos e estava convencido da sua veracidade.
Senão vejamos:
Do conjunto da prova documental e testemunhal, constituída, em boa parte, por moradores nas imediações da …, apurou-se que:
A vida profissional do arguido desenvolve-se predominante nas áreas da escrita e pintura, e tem como residência e local de trabalho o …, Aveiro, junto à …..
Enquanto foi pároco anterior, o D.D. .. , a zona onde habita o arguido foi sempre sossegada e tranquila, sendo que os sinos da Igreja de Vera Cruz apenas repicavam com a finalidade de anunciar as diversas solenidades religiosas, próprias da Igreja, sempre com suavidade.
Com a entrada do novo pároco, DD …, em finais do ano de 2001 a situação de sossego dos cidadãos vizinhos da igreja, alterou-se pois foram colocados martelos adicionais no exterior dos sinos existentes, comandados por aparelhagem electrónica, que accionava um "relógio", que debitava estridentes e vibrantes marteladas, a um ritmo de 15 em 15 minutos, desde as 8 horas até às 20 horas.
Assim, deixou o arguido de ter condições mínimas de trabalho na sua própria casa, pelo que a actividade criativa ficou completamente impossibilitada de desenvolver-se, vendo-se obrigado a mudar de local de trabalho para uma cave cedida pelo seu amigo EE. …, sita na Avenida Santa Joana, onde os efeitos do referido barulho deixaram de fazer sentir-se.
O arguido foi mesmo seguido medicamente em virtude do seu mal-estar.
Toda a população vizinha passou a sentir a mesma aversão à saúde, ao descanso e ao sossego, sendo que até a testemunha FF. …sofreu problemas de stress aos quais ainda se encontra a ser tratada bem como problemas de audição.
Em Fevereiro de 2004, foi elaborado e circulado um abaixo-assinado elaborado por vizinhos do arguido, que foi remetido aos Presidente da Câmara Municipal de Aveiro, Governador Civil, Presidente da Junta de Freguesia da …e Delegado de Saúde, dando conta do barulho provindo dos sinos da igreja de Vera-Cruz e do incómodo que causava aos residentes.
Antes destes procedimentos por escrito houve contactos pessoais, verbais, de diversos vizinhos do arguido, com a P. S.P., Governo Civil e G.N.R., para que se obtivesse uma solução para o problema.
Toda estas diligências não deram qualquer espécie de resultado no sentido de alcançar-se uma efectiva e urgente redução do excessivo ruído saído da torre da Igreja.
Em Dezembro de 2004, foi realizada pela I.D.A.D. da Universidade de Aveiro, em residência de vizinhos do arguido, avaliação do ruído, que constatou e conformou o grau de incomodidade gerado pelo elevado nível sonoro (74 decibéis, 32 acima do limite permitido por lei).
Foi também enviada carta/queixa para a Delegação do Ministério do Ambiente (Coimbra) que, por sua vez, oficiou para a Câmara Municipal de Aveiro e …, solicitando os bons ofícios, na expectativa, uma vez mais, da redução do volume do brutal ruído sineiro para níveis aceitáveis, com conhecimento ao participante FF. ….
Alguns dos vizinhos, como foi o caso dos HH. … , participaram mesmo criminalmente contra o denunciante com base nesses mesmos factos, tendo porém tal queixa sido arquivada, conforme documento de fls. 282 a 285, por não ter existido “aviso prévio da Administração com a cominação de que o desrespeito pelos limites do ruído indicados implicaria o cometimento do crime de poluição, tendo o Ministério do Ambiente e a Câmara Municipal de Aveiro cominado tal desrespeito apenas com a prática de uma contra-ordenação”.
Em Maio de 2004, no Jornal de Notícias, foi possível ler-se "se estivermos mal e a transgredir, emendamos", palavras do DD. …, o que não veio de todo a suceder.
Foi neste contexto de transtorno psicológico, que o arguido escreveu - em 09/09/2004 e em 28/02/2005 - para o Diário de Aveiro, única e simplesmente com o objectivo de chamar a atenção face à incomodidade e violência de que era vitima, na esperança de que alguém pusesse cobro à situação, goradas que foram todas as tentativas até então efectuadas.
Os vizinhos do arguido, FF. …, intentaram Providência Cautelar, julgada em Março de 2006, que foi favorável à cessação imediata dos toques do "relógio" da ….
Apurou-se pois, que o assistente, enquanto …, colocou um dispositivo nos sinos da Igreja que passou a produzir um barulho elevado, estridente e incomodativo. Depois, apesar de saber pelas mais variadas formas que o barulho produzido pelo sino da … incomodava sobremaneira todos os ali residentes, incluindo os seus paroquianos, e de lhe terem solicitado que adoptasse medidas para diminuir o ruído, não tomou qualquer medida prática para eliminar ou, pelo menos, atenuar os efeitos prejudiciais dos mesmos.
O arguido quando imputa as expressões já referidas àquele pároco tem ciente que este devia ser, em primeiro lugar, o defensor do bem estar físico e mental das pessoas e que, naquela altura, não estava a realizar tal função.
O arguido agiu assim, neste contexto, para realização de interesses legítimos e com base em factos verdadeiros praticados pelo denunciante, que ofenderam e prejudicaram a comunidade habitacional da zona.
Defendeu pois interesses seus e de outros, dentro dum quadro de relevo social, de tranquilidade pública, bem como para defesa da sua qualidade de vida e dos seus direitos de personalidade, direitos estes previstos no art. 70º do Código Civil e constitucionalmente consagrados nos arts. 64º, n.º 1 e 66, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Assim, face à verificação da causa de justificação especial prevista no n.º 2, do art. 180º do Código Penal, não se torna muito provável a futura condenação do arguido pelo crime de que vem acusado ou esta seja mais provável que a sua absolvição, pelo que se entende que não existem indícios, reputados de suficientes, para o pronunciar.
V. Decisão
Por todo o exposto, não pronuncio o arguido AA. …pela prática de um crime de difamação agravada, p. e p. pelo art. 180º, n.º 1 e 184º, com referência ao art. 132º, n.º 2 al. j) do Código Penal”.
II.B. – De Direito.
II.B.1. – Direito de expressão. Limites.
Na procura da contextualização do que deva ser tido por critica tomamos por empréstimo o que a este propósito escreveu Marcello Sparo, na obra “La diffamazione a Mezzo Stampa. Profili di rissarcimento del danno”. Ainda que tendo como pano de fundo o direito de expressão à crítica politica através dos meios de comunicação social, pensamos ser útil alguns dos traços definidores deste segmento do direito de expressão. Para este autor “o livre exercício do direito de critica politica é um valore irrenunciável para um sistema democrático. A importante função de tal espécie de critica, consiste em sensibilizar o público de modo a que este possa exercitar, oportunamente informado, os direitos constitucionalmente garantidos pela participação na vida politica e social. […] A este propósito tem, de facto, observado o Tribunal Supremo que: o exercício da crítica pública e da censura politica, constituindo um direito que encontra relevo como insubstituível garantia de civilidade e de progresso social nos princípios de liberdade afirmados na constituição e que pode explicar-se em relação às mais díspares actividades interessantes no amplo sentido do desenvolvimento da vida politica e social, não ultrapassa os limites da licitude, ainda que se a critica e a censura sejam expressas de modo e em termos correspondentes aos extremos de um fattispecie penal (em particular o crime contra a honra), condição em que, o comportamento resulta plenamente justificado nos limites do próprio direito, isto é, no respeito pela verdade e no interesso público”.
La giurisprudenza di legittimità”, com uma orientação que se encontra consolidada, fixou os limites dentro dos quais o direito de critica politica pode ser legitimamente exercitado. Em particular, precisou-se que quando um jornalista, criticando um acontecimento de interesse politico e social, obedeça ao poder-dever de informar sobre a importância emergente da vida individual e social, observando uma linguagem correcta e respeitosa quanto à esfera privada da pessoa, ele não ofende a honra e a reputação dessa mesma pessoa, dado que estes bens jurídicos não sofrem uma lesão quando as expressões criticas empregues ataquem somente as opções politicas do sujeito interessado” Cfr. Op. loc. cit., pags. 87 e 88..
Socorrendo-nos, mais uma vez dos ensinamentos do autor supra citado, e a propósito da continência a observar na forma de utilização da s expressões na crítica politica, refere ele, a determinada altura da obra citada, que, “o confronto politico sempre aqueceu a alma dos homens. O uso de expressões e de um tom particularmente polémico e violento em politica – a história ensina isso – não é uma novidade dos nossos tempos.
La giurisprudenza di legittimità”, recebeu de forma substancial este dado histórico, observando que em concomitância com a competição eleitoral se determina uma certa insensibilidade do significado de algumas palavras”. Em auxilio do assertado traz á colação o afirmado na decisão do Tribunal de Cassação, de 2.10.1992, em que se decidiu que, “o direito constitucionalmente garantido de critica politica prevalece sobre o direito do querelante à reputação, quando este último seja um homem politico público e as expressões usadas não transbordem na contumélia; o critério de valoração, em circunstâncias similares, deve ser diverso; com efeito, o ataque ao homem político, da parte de um jornal politicamente empenhado, pode ser conduzido com argumentos e com termos que poderão ser julgados lesivos da reputação de um comum cidadão, tanto mais que na luta politica, especialmente in concomitância com a competição eleitoral, se processou uma certa insensibilização do significado ofensivo de algumas palavras”. “O uso de uma linguagem abstractamente insultuosa não lesa o direito á reputação se funcionalmente conexo com o juízo critico manifestado. É consentido no âmbito da contenda de natureza politica ou sindical, exprimir-se em tom e modo de desaprovação e reprovação, ainda que de forma muito áspera, dado que a critica não reverta num ataque pessoal, vale dizer conduzido directamente á esfera privada do ofendido, ou numa contumélia lesiva da honorabilidade do adversário como pessoa singular” Cfr. Op. loc. cit. pag. 89 e 90. No mesmo sentido se pronuncia o penalista italiano Ferrando Mantovani, in “Diritto Penale. Parte Speciale, I, Deliti contro la Persona”, CEDAM, Milani, 1995, pag. 287 e segs. .
O limite que não deve ser ultrapassado é aquele do uso de expressões gratuitamente injuriosas e não correlatas com a ideia critica que pretende exprimir”.
Este será, também do nosso ponto de vista, o limite infranqueável em qualquer pugna ou debate político. Ou seja que não se desborde do objectivo e do conteúdo temático em que o debate se centra e desenvolve. Transbordando dos limites em que se movimenta a actuação politica do adversário e transmigrando para aspectos da vida pessoal ou particular, com especiais alusões ao seu modo de ser e estar pessoais, as expressões que possam ser utilizadas na critica não podem deixar de ser consideradas lesivas da honorabilidade e da reputação de quem quer.
Na anotação que faz ao artigo 180.º do Código Penal, escreve o Prof. Faria Costa que o critério da ofensa à honra é dado pela alteração empiricamente comprovável de certos elementos de facto, quer de raiz psicológica, quer de índole social ou exterior. “[…] A honra subjectiva ou interior, que consistiria no juízo valorativo que cada pessoa faz de si mesma – no fim de contas estaremos, aqui, mergulhados no domínio do “apreço de cada um por si, à auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral” (BELEZA DOS SANTOS, RU 92° 168) ou, se se quiser, “o homem coloca-se perante si mesmo como objecto de percepção e de valoração, por força de um processo autónomo de objectivação, que constitui o instrumento apto à configuração de um quadro da própria personalidade de conteúdo variável, porquanto dependente da quantidade e do tipo da representação singular. Esta representação, que pode referir-se quer às manifestações externas da vida do homem, aos seus hábitos, à sua posição na vida social, quer às suas qualidades espirituais ou físicas, funde-se num quadro único, como consequência da percepção de si mesmo (Selbswahrnelmung) feita pelo sujeito” (Musco, Bene giuridico cit. 11); b) A honra objectiva ou exterior, equivalente à representação que os outros têm sobre o valor de uma pessoa, o mesmo é dizer, a consideração, o bom nome, a reputação de que uma pessoa goza no contexto social envolvente» In “Comentário Conimbricense do Código Penal - Parte Especial, Tomo I”, Coimbra Editora, 1999, p.603..
Intentando identificar o bem jurídico tutelado no crime de difamação, escreve Marcelo Psaro, in “La Diffamazione a Messo Stampa- Profili di rissarcimento del danno”, Giuffrè Editore, Milano 1998, p. 8 e segs. que o bem jurídico protegido é a “dignità sociale”, “entendida esta como a estima difusa no ambiente social de todo e qualquer individuo, se bem que (seppure) em medida diferenciada, goza e que representa, por explicito reconhecimento constitucional, o fundamento do principio da igualdade”(tradução nossa). O conceito de honra para o Tribunal Supremo italiano afirma-se como sendo “ a estima que cada homem difunde de si no ambiente em que vive, o conjunto de valores morais de um sujeito é portador na opinião dos outros”.
Situando as orientações teóricas que têm vindo a assumir relevo na delimitação do conceito de honra, penalista italiano Ferrando Mantovani, tal como o Professor Faria Costa, no comentário ao artigo 180º do Código Penal, começa por dar noticia da evolução que foi sofrendo o conceito até se fixar no conceito normativo-pessoal que hoje enforma quase todos os ordenamentos jurídico-penais. Assente dever ser referenciado como um conceito a relevar de uma dimensão “normativo” e não “naturalístico”, porquanto a referência deve ser feita “não a uma realidade natural, mas a valores sócio-culturais, dessumíveis do nosso ordenamento jurídico ou extra-juridico, os autores enveredavam, no entanto, por uma perspectiva factual ou normativa: “1) a concepção c.d.(cose detta) factual (psicológica e sócio-psicológica) da honra como sentimento do próprio ou de outros valores; 2) a concepção c.d. normativa do sujeito como valore do sujeito” Vide Ferrando Mantovani, in “Diritto Penale, Parte Speciale, Delitti Contro la Persona”, CEDAM, Padova, 2ª Edição, 2005, pag.186. . “A concepção da honra numa perspectiva “normativa”, entende a honra não como dado factual, mas como valor da pessoa humana, enquanto aspecto dela própria, e que por isso prescinde da opinião favorável do sujeito ou de terceiro a respeito dele” Cfr. op. loc. cit., pag.189..
Para uma superação dos inconvenientes das concepções sobreditas um determinante contributo foi dado com a subsunção de honra no sentido personalistico, como “bene personalistico constituzionalmente orientato”, isto é “à luz do princípio personalístico que “impronta” se imprime na nossa Constituição e da totalidade do nosso ordenamento”. Isto é, no sentido: 1) que a honra encontra fundamento, para além (oltre) da lei ordinária, também na Constituição, figurando entre os direitos invioláveis do homem; 2) que a honra é atributo originário da pessoa humana como tal e enquanto tal, constituindo um valor intrínseco dela própria em raiz da própria dignidade da pessoa humana e, portanto, tutelada objectivamente; 3) que a honra é “igual”, como é igual a dignidade, em todos os homens, pertencendo, inderrogavelmente, a cada homem e sendo igual para todos, sem distinção de raça, sexo, religião, língua, opinião politica, condição pessoal e social: do principio ao fim da vida; 4) que o valor da pessoa humana, constituindo o conteúdo da honra, é dado a exteriorizar-se e a operar na própria conformidade de conjunto, e sobretudo, dos valores constitucionalmente significativos, para além de todos os demais valores jurídicos ou socioculturais, constitucionalmente não incompatíveis; 5) que a função da tutela da honra, é a de concorrer para a salvaguarda da “pari dignità” igualdade da pessoa humana, proibindo a qualquer sujeito, privado ou público, a expressão (directa ou mediante a atribuição de factos) de juízos de indignidade, isto é, contrastantes com os valores, no sentido supra precisados, da pessoa, e independentemente dos possíveis efeitos sobre o sujeito ofendido e sobre os demais associados; que a verdade não legitima, enquanto tal, alguma ofensa à honra, a qual enquanto atributo da personalidade enquanto tal, é tutelável, por principio, objectivamente e independentemente da falsidade ou da verdade do atribuído. Salvo as hipóteses, não incrimináveis, de prevalência, segundo o balanço dos interesses, com respeito aos bens da honra de outros interesses constitucionalmente relevantes (por ex., a liberdade de manifestação do pensamento) e nos rigorosos limites de tal prevalência (por ex.. constitui, com respeito a tal liberdade, para além da verdade dos factos, o interesse público-social dos próprios e da linguagem em si não ofensiva); 7) que a notoriedade dos factos ofensivos não exclui a ofensividade da sua atribuição, como se dessume do artigo 596º/1 (do Código Penal italiano) – (a tradução é nossa) Cfr. op. loc. cit. pags. 191 a 194..
Este – sentido normativo-pessoal – é também o sentido conferido pelo Professor Faria Costa in comentário citado – confr. “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pagina 606 – quando refere que “a honra é um aspecto da personalidade de cada indivíduo, que lhe pertence desde o nascimento apenas pelo facto de ser pessoa e radicada na sua inviolável dignidade. Desta forma, a comunidade em que cada um se insere não constitui a fonte da honra, apenas o lugar em que ela se deve actualizar”. Em auxilio da posição que assume, chama a autoridade do Professor Figueiredo Dias, que afirmando esta dimensão considera que:” […] a jurisprudência e a doutrina jurídico-penais portuguesas têm correctamente recusado sempre qualquer tendência para uma interpretação restritiva do bem jurídicohonra”, que o faça contrastar com o conceito de “consideração (…) ou com os conceitos jurídico-constitucionais debom nome” e “reputação. Nomeadamente, nunca teve entre nós aceitação a restrição dahonraao conjunto de qualidades relativas à personalidade moral, ficando de fora a valoração social dessa mesma personalidade; ou a distinção entre opinião subjectiva e opinião objectiva sobre o conjunto das qualidades morais sociais da pessoa; ou a defesa de um conceito quer puramente fáctico, quer – no outro extremo – estritamente normativo” (FIGUEIREDO DIAS, RLJ, 115º, 105)”.
É, diversamente do que já vimos defendido em alguns arestos, pacifica a doutrina de que a honra, enquanto valor juridicamente tutelado, assume uma dimensão ou sentido normativo-pessoal.
“Difamar e injuriar mais não é basicamente [do] que imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, entendida aquela como o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui tais como o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, ou seja a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um, e esta última como sendo o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, o bom-nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, ou seja a dignidade objectiva, o património que cada um adquiriu ao longo da sua vida, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma a opinião públicacfr. Ac. Rel. de Guimarães, Proc. 1467/04-1, que cita o Ac. Rel Lisboa de 6.2.96, CJ, 1, 156, e este, por sua vez, cita o Cód. Penal Anotado de Leal. Henriques e Simas Santos (cfr. 2º Volume, 2ª edição, pág. 317).
Há já muito tempo que o Prof. Beleza dos Santos escreveu na RLJ, ano 92º, pág. 165 — e é actualmente entendimento unânime da Doutrina e Jurisprudência — que: nem tudo aquilo que alguém considere ofensa à dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria punível”.
“Há pessoas com um amor próprio tal, com uma estima tão grande pelo eu, atribuindo um valor de tal maneira excessivo àquilo que possa tocá-los e ainda ao que dizem ou pensam os outros, que se consideram ofendidos por palavras ou actos que, para a generalidade das pessoas, não constituiriam ofensa alguma. Neste caso, não deve considerar-se existente qualquer difamação ou injúria.” (ibidem)
“Não deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrem tudo aquilo que o queixoso entenda que o atinge, de certos pontos de vista, mas aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais.” (ibidem)
“Neste juízo Individual ou do público, acerca do que pode ser ofensivo da honra e da consideração, é comum a todos os meios e países a exigência do respeito de um mínimo de dignidade e de bom-nome. Para além deste mínimo, porém, existe certa variedade de concepções, da qual resulta que palavras ou actos considerados ofensivos da honra, decoro ou bom nome em certo país, em certo ambiente e em certo momento, não são assim avaliados em lugares e condições diferentes. O que pode ser uma ofensa ilícita em certo lugar, meio, época ou para certas pessoas, pode não o serem outro lugar ou tempo.” (ibidem)
“O direito criminal não pune por motivos unicamente individuais, mas pela projecção social dos crimes” (ibidem, pág. 166)» Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 28.06.2006, proferido no processo nº 2315/06. .
Na lição de Francisco Muñoz Conde para que se verifique o elemento subjectivo do crime “Es necesario que se tenga conciencia del caracter injurioso de la acción o expresión y yoluntad, pese a ello, de realizarla. Esta yoluntad se puede entender como una intención específica de injuriar, el llamado «animus iniuriandi». No basta, pues, com que la expresión sea objetivamente injuriosa y el sujeto lo sepa, sino que se requiere un ánimo especial de injuriar. Esta intención específica es un elemento subjetivo del injusto distinto del dolo y que trasciende a él. Su exigencia se desprende de la propia naturaleza del delito. En el fondo la injuria no es mas que una incitación al rechazo social de una poersona, o un desprecio o vejación de la misma, lo que solo puede realizarse intencionalmente. Cfr. Muñoz Conde, Francisco, in “Derecho Penal, Parte Especial”, Tirant lo Blanch, Valência, 2001, pag. 272.
Esboçado o quadro juridico-conceptual em que se orienta a dogmática jurídico-penal importa sindicar as possibilidades da sua eventual compressão e indagar os momentos ou situações em que o direito à honra e reputação sócio-pessoal cede ou se deverá tornar juridicamente atípico. Vale dizer, inquirir o direito penal da sua inacção perante uma conduta que podendo ser enquadrável numa determinada norma incriminadora encontra justificação ou alento exculpante em acções contrapostas na sua materialidade intencional mas que se assumem como reversas admitidas ao direito tutelado.
A Constituição da República Portuguesa ao tempo que reconhece o direito à integridade moral, ao bom-nome e reputação – cfr. artigos 25º, nº 1 e 26, nº 1 - reconhece igualmente o direito à palavra e á liberdade de expressão – cfr. artigo 37º, nº1 da Constituição da República Portuguesa. O direito de expressão sofre das limitações que a lei penal lhe impõe – cfr. artigo 37º, nº 3 da Lei Fundamental.
A propósito das restrições que a lei fundamental impõe para o direito de expressão, onde caberá, certamente, o direito á critica de actos ou acções levadas a cabo por pessoas com funções socialmente relevantes, ou pelo menos para uma determinada quota do meio social, escrevem, os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira que “do nº 3 conclui-se, porém, que há certos limites ao exercício do direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento, cuja infracção pode conduzir a punição criminal ou administrativa. Esses limites visam salvaguardar os direitos ou interesses constitucionalmente protegidos de tal modo importantes que gozam de protecção, inclusive, penal. Entre eles estarão designadamente os direitos dos cidadãos à sua integridade moral, ao bom-nome e reputação (cfr. art. 26º). A injúria e a difamação ou o incitamento ou instigação ao crime (que não se deve confundir com a defesa da descriminalização de certos factos) não podem reclamar-se de manifestações da liberdade de expressão ou de informação” Cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa”, Anotada, Volume I, 4ª edição, 2007, pág. 575.
Para o Prof. Manuel da Costa Andrade, o direito à critica insere-se na “liberdade de expressão o direito que a todos assiste de participar e tomar posição (designadamente sob a forma de crítica) na discussão de todas as coisas e de todas as questões de interesse comunitário” Cfr. Manuel Costa Andrade, in Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Uma Perspectiva Jurídico-Criminal”, Coimbra Editora, 1996, pág. 269.
O direito à crítica filia-se num direito de cidadania alentado e consolidado na sociedade democrática e alçaprema-se a valor essencial do direito de todos e cada um participarem e intervirem no escrutínio dos actos de gestão e administração em que se consubstancia a actividade pública. Tudo o que é social pode ser participado, porque invasor, em maior ou menor medida, da vida de cada um enquanto elemento e membro de um tecido societário em que lhe foi dado vivenciar.
Na crítica ocorrem, ou poderão ocorrer, situações de conflitualidade que sobrepujam, por vezes, os sentimentos e a dignidade pessoal do alvo da critica e que, numa sensibilidade exacerbada, poderão afectar o que cada um tem para si de valor sócio-pessoal adquirido e projectado na comunidade.
Daí que no exercício do direito haja que ponderar os valores em causa e aquilatar dos critérios de oportunidade e necessidade do emprego de determinadas expressões que pela sua aspereza e acinte se potenciem como ab-rogatórias do valor da dignidade pessoal do visado. Conleva aqui uma especial responsabilização do autor da critica em sopesar os termos empregues no exercício do direito. Existe uma obrigação de evitar expressões gratuitamente ofensivas ou desproporcionadas susceptíveis de pela sua conotação social e pela significação que assumem para o comum das pessoas se tornarem lesivas da dignidade e consideração que a qualquer pessoa são socialmente devidas.
Situações há em que a critica se assume como juízo de apreciação e valoração que envolvem realizações de índole científica, académica, artística, profissional, ou sobre prestações conseguidas no domínio do desporto e do espectáculo. Segundo o entendimento hoje dominante, na medida em que não se ultrapassa o âmbito da crítica objectiva – isto é: enquanto a valoração e censura criticas se atêm exclusivamente às obras, realizações ou prestações em si, não se dirigindo directamente à pessoa dos seus autores ou criadores – aqueles juízos caem já fora da tipicidade de incriminações como a difamação. Já porque não atingem a honra pessoal do cientista, artista ou desportista, etc., já porque não atingem com a dignidade penal e a carência da tutela penal que definem e balizam a pertinente área de tutela típica. Num caso e noutro, a atipicidade afasta, sem mais e em definitivo, a responsabilidade criminal do critico, não havendo, por isso lugar à busca da cobertura de uma qualquer dirimente da ilicitude” – cf. Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Coimbra Editora, p. 232 e ss.
Nestes casos a atipicidade ou inanidade jurídica-penal do juízo critico não depende do acerto, da valia técnico-científica ou do fundado das apreciações operadas, que por se inscreverem numa tomada de posição de debate num campo de experimentação e de paradigmas variáveis deverão ser entendidas como acções isentas de conteúdo ilicito relevante para a tutela penal. A carga ou ênfase colocada na crítica poderão, inclusive, resvalar para apreciações depreciativas ou pouco abonatórias da pessoa autora da obra ou situação em critica sem que ainda assim se possa falar de uma necessidade de intervenção do direito penal na protecção dos valores pessoais em jogo. Já não assim quando os juízos críticos desbordam ou empancam num propósito de rebaixar e humilhar e, bem assim, em todas as situações em que os juízos negativos sobre o visado não têm nenhuma conexão com a matéria em discussão, consignando expressamente que uma coisa é criticar a obra, outra muito distinta é agredir pessoalmente o autor, dar expressão a uma desconsideração dirigida à sua pessoa.
Na doutrina espanhola Muñoz Conde expressa a opinião de que “en algunos casos es posible que la acción típica quede justificada por el ejercicio de un derecho o eJ cumplimiento de un deber, así, por ejemplo […] quando se trata de defender intereses colectivos legítimos, de información a la opinión pública de datos personales, íneptitud profesional, comportamientos incorrectos de personajes públicos, políticos, artistas, etc., siempre que ello este dentro de los limites del ejercicio del derecho de expresión, crítica e información o similares reconocidos en el artigo 20 de la Constitución. No cabe duda de que en estos casos puede producirse una colisión entre los derechos reconocidos en el artigo 20 y los reconocidos en el artigo 18.1 de la Constitución, que podría resolverse com la aplicación del estado de necesidad (cfr. STS 7 julio 1980: «La crítica política y de gestión administrativa, no integra delito, si falta el animus iniuriandi, aunque el juicio sea acerbo, apasionado, exagerado o incluso injusto». De todos modos, debe tenerse en cuenta que en muchos de estos casos el elemento subjetivo de la causa de justificación (ánimo de ejercer el derecho a la información o a la crítica) excluye también el animus iniuriandi. La jurisprudência en esta matéria ha ido evolucionando desde una protección absoluta del derecho al honor frente a la libertad de expresión, a una postura más flexible y más conciliadora entre ambos derechos, sobre todo desde que en la nueva etapa democrática se consolida la libertad de expresión, información y crítica, como uno de los derechos democráticos fundamentales. La evolución se ha producido, sobre todo, y como es lógico, en el âmbito de la información y crítica de los personajes públicos y políticos, restringiendo en estas casos el âmbito de protección del honor de estas personas. La restricción de la antigua protección omnicomprensiva del honor por la via penal se ha producido, aparte de por los estrechos cauces que permite la exceptio veritatis legalmente regulada (véase infra), bien por la negación deI animus iniuriandi (véase supra), bien por la apreciación del ejercicio legítimo de un derecho […]. Cfr. op. loc. cit. pag. 273 e 274.
Dentre as especificas causas justificantes soem ser apontadas o direito de manifestação de pensamento desde que nele se aunam quatro requisitos, a saber: a) que o direito seja assumido e manifestado na defesa ou denúncia de um interesse público-social; b) que a noticia veiculada ou a manifestação opinião expressa esteja imbuída de uma verdade objectiva dos factos; c) que o modo como é veiculada a opinião ou critica se conduza por uma correcção de linguagem; e d) que essa opinião se expresse com continência dos termos utilizados ou empregues. Cfr. Mantovani, Ferrando, in “Diritto Penale, Parte Speciale, Delitti contro la Persona”, CEDAM, Padova, 2005, pags. 210 a 216.
Ensaiando delimitar os contornos do que se há-de entender por interesse público relevante escreve Ferrando Mantovani estima que “mais precisamente, o interesse público-social (que não pode ser confundido com a «curiosidade pública» subsiste quando os factos apresentam: a) um interesse público-social imediato, porque contrastam com uma intrínseca relevância público-social (por ex. actividade do governo, dos representantes da coisa pública, graves factos criminosos); b) um interesse público-social mediato, indirecto, porque, ainda que tendo em conta a vida privada pessoal, assumem um preciso e especifico interesse público-social, na medida em que se encontrem incíndivelmente conexos, em concreto, a situações, acontecimentos, de interesse públicos (por ex. noticias sobre a sua vida privada relevante para fins da prova de um álibi, veracidade de um testemunho, caracterização de movimentos criminosos, confirmação de crimes e dos seus autores). Ou quando a conduta do singular passa a fazer parte da esfera pública pela sua inserção não casual, mas funcional nos factos, acontecimentos, cerimónias, públicas (por ex. comportamento ou modo de vestir não conforme ao decoro da situação ou função); ou porque a informação sobre determinados factos da vida privada pode constituir a base de valoração social da personalidade pública do sujeito e da sua idoneidade para desenvolver uma certa função (por ex. Estar de forma geral alcoolizado).
O interesse público-social, pelo contrário, não subsiste quando os factos apresentem um interesse exclusivamente privado, não possuindo qualquer relevância, ao menos mediata, com respeito a qualquer coisa que transcenda a privacidade, qualquer que seja a personalidade, privada ou pública, desconhecida ou notória, a que os factos respeitem. […] Se não pode desconhecer-se que quanto mais ampla deve ser «a zona de luminosidade» mais ampla é a [ex]posição pública da pessoa é ainda assim incontestável que também o «homem público» possui uma intangível esfera de honorabilidade e que a sua integridade moral não pode ser indiscriminadamente agredida, em razão do carácter público da sua particular actividade e opinião. Cfr. op. loc. cit. pág. 213. ““Più precisamente, l’interesse pubblico-sociale (che non va confuso com la «curiosità pubblica») sussiste quando i fatti presentano: a) un interesse pubblico-sociale immediato, diretto, perché contrassegnati da una intrínseca rilevanza pubblico-sociale (es.: attività del govemo, di pubblici ufficiali, gravi fatti criminoso; b) un interesse pubblico-sociale mediato, indiretto, perché, pur riguardando la vita privata personale, vengono ad assumere un preciso e specifico interesse pubblico-sociale, in quanto inscindibilmente connessi, in concreto, a situazioni, vicende, di interesse pubblico (es,: notizie sulla vita privata, rilevanti ai fini della prova di un álibi, della veridicità di una testimonianza, della individuazione dei moventi criminosi, dell’accertamento di reati o dei loro autori). O in quanto la condotta del singolo entra a far parte della sfera pubblica per il suo inserimento non casuale, ma funzionale in fatti, awenimenti, cerimonie, pubblici (es.: atteggiamenti o modo di vestire non conformi al decoro della situazione o funzione); o perché l’informazione su determinati fatti della vita privata può costituire la base della valutazione sociale della personalità pubblica del soggetto e della sua idoneità a svolgere certe funzioni (es,: di generale alcolizzato).
L’interesse pubblico-sociale non sussiste, invece, quando i fatti presentino un interesse esclusivamente privato, non avendo alcuna rilevanza neppure mediata rispetto a qualche cosa che trascenda la privatezza, quale che sia la personalità, privata o pubblica, sconosciuta o notória, cui i fatti attengono. Discriminazioni di tutela non sono legittimabili in base alla personatità pubbtica del soggetto, poiché la differenza di portata della liberta di manifestazione del pensiero in rapporto alla personalità privata e alla personalità pubblica dei soggetti è non qualitativa (neI preteso senso della sua pressoché illimitatezza rispetto a questi ultimi), ma quantitativa, di fatto, nel senso che il carattere pubblico della personalità può rendere di interesse pubblico-sociale dei fatti che, di per sé e se compiuti da comuni cittadini, ne sarebbero sprowÍsti: in mancanza, però, di siffatto interesse, la personalità, sotto altri profili pubblica, torna ad essere agli effetti della tutela dell’onore persona privata. Se non può disconoscersi che più ampia deve essere la «zona di illuminabilità» quanto piu ampia è la posizione pubblica della persona, è aItrettanto incontestabile che anche l’homo pubticus ha una sua intangibile sfera di onorabilità e che Ia sua integrità morale non può essere indiscriminatamente aggredita, in ragione del carattere pubblico di certe sue particolari ativvità ed opinioni. Né discriminazioni possono invocarsi sul pur invocato critério della «notorietà» della persona, poiché esso, per la sua genericità e preso di per sé, ben poco dice circa la rilevanza pubblico-sociale delle vicende attinenti alla persona nota, come tale, potendo fra I’altro derivare la notorierà dalle più svariate cause. E sempre più spesso, dalla appartenenza del soggetto al mondo dell’«effimero» o del «nulla»(tradução nossa)
No caso que vem trazido para apreciação, a temática que o recorrente ver reapreciada prende-se com duas cartas publicadas num jornal local em que o autor se expressava, acerbamente, o padre de uma paróquia, por ter colocado em funcionamento um sino que debitava sons estrídulos, compassados e percucientes na tranquilidade e sossego de uma determinada faixa populacional.
Considerou-se, para concluir pela atipicidade da conduta do arguido, que as cartas expunham, representavam e pretendiam exprimir e dar público conhecimento do desconforto pessoal e social induzido pela destemperada sonoridade transmitida pelo artefacto instalado pelo padre no campanário da Igreja. Daí o interesse público que as cartas abertas serviria e justificava. O desmando e desabusado da situação inculcariam uma necessidade de alguém açoitar publicamente o autor e de fazer pública fé dos incómodos e perturbações que a estridência provocava no meio social. O autor das cartas serviu de veículo de um mal estar experienciado por aqueles que consideravam estar o autor da instalação do sino a causar um dano socialmente exprobrado.
Temos para nós que, em função do movimento social que se criou e do estudo realizado à intensidade do som emitido pelo sino, muito para cima do que é legalmente e cientificamente aceitável e permitido, se justifica a conduta do arguido como revestindo um interesse legítimo, socialmente e publicamente relevante, em criticar a obstinação do padre em manter um dispositivo sonoro violador de regras mínimas de tranquilidade e sossego de um número considerável de cidadãos.
Porém, como acima se procurou demonstrar, não bastará para justificar a conduta violadora da proibição contida na norma incriminadora e geradora de uma situação de atipicidade, que o interesse seja público-socialmente legítimo. Para além deste elemento é necessário que a critica se contenha dentro de limites morigerados e de parâmetros de correcção reveladores de um respeito mínimo pela dignidade da pessoa humana. Independentemente da qualidade do visado na critica, não se nos afigura estar contida dentro dos ajustados e sãos limites, a expressão utilizada na carta aberta publicada no dia 28 de Abril de 2005, no nº 6172 do “Diário de Aveiro” de que o “… cabecilha” é sem dúvida “o culposo manipulador de débeis mentes”.
O texto contém, para além da passagem transcrita outras expressões que vão além do direito de critica como sejam os epítetos de “hipócrita”e “perverso”. Desprende-se das referidas expressões um acinte e um acidulado que ultrapassa e vai além de uma critica correcta e ajustada à concreta situação que visava verberar. A adjectivação utilizada nas cartas, toda ela impressiva e desopressa, é reveladora de um estado de espírito incomodado com uma atitude malsã e desrespeitadora dos direitos dos cidadãos que sofriam com a estridência da aparelhagem instalada. O … colocou-se em posição ser alvo de critica por parte de quem não tem que abdicar de direitos essenciais como a tranquilidade, o repouso e o sossego em prol de uma prática que só alguns aceitam e praticam. O respeito pelos direitos de todos impunha ao … que se abstivesse, ao mais ténue movimento de critica esboçado, de manter o estado de coisas que se veio a verificar serem violadoras das normas vigentes. Não teria sido necessário, como afirmou, que alguém o fizesse retornar à razão. Deveria ter sido ele, como individuo com “especial” responsabilidade num determinado meio social, a tomar a iniciativa de proceder às rectificações pertinentes a uma morigeração do ruído emitido pelo aparato instalado.
Ainda assim, e malgrado o fundado e a legitimidade da critica expressa, temos para nós que ela exorbita e excede o sentido e a correcção que lhe era imposto, não por ser um … mas para qualquer pessoa. A legitimidade da crítica foi adulterada pela desproporcionalidade e incontenção vertidas em algumas das expressões utilizadas nas cartas.
O arguido, tanto mais pela formação que exibe, não podia deixar de conhecer o desvalor da acção conducente ao resultado querido, isto é, não podia deixar de representar a ideia de que com as expressões que utilizou imputando-as ao ofendido, este sairia diminuído e menosprezado na sua honra e dignidade, não só nos planos pessoal e social. A depreciação significativa expressa na linguagem utilizada desabona o ofendido na sua honorabilidade pessoal e social e desdoira-o enquanto elemento socialmente integrado numa comunidade.
Verificam-se, pois, os pressupostos, objectivo e subjectivo, de que depende a aplicação da sanção penal cominada na norma incriminadora, maxime no artigo 180º do Código Penal, com a agravação mencionada na acusação.
A propósito da prova indiciária, a doutrina italiana soe destrinçar três tipos de indícios: os indícios graves; os indícios precisos e os indícios concordantes. Os indícios são “gravi”, são tidos os “indícios consistentes, isto é, resistentes às objecções, atendíveis e convincentes” ou seja que comportam ou carregam, em si, um elevado grau de persuasão. Ocorre que “a máxima de experiência, que se encontra formulada, exprima uma regra que tem um amplo grau de probabilidade” Cfr. Paolo Tonini, “La Prova Penale”, CEDAM, Padova, 2000, pag. 39 e segs. . Os indícios são”precisi” quando não são susceptíveis de uma outra diversa interpretação; e são “concordanti” quando convergem para a mesma conclusão. Segundo a interpretação comummente aceite “a prova indiciária deve emergir de uma valoração global e unitária dos indícios: estes devem, certamente, ser graves, precisos e concordantes, no entanto sempre no seu conjunto e não considerados isoladamente. É a chamada tese daconvergência multíplice”, isto é, o que conta é somente o resultado final da operação de co-valoração dos indícios”.
Para que, na valoração a que se procede, se possa confortar um juízo indiciário é imprescindível que, se tenha em conta que: “I - A simples sujeição de alguém a julgamento, mesmo que a decisão final se salde pela absolvição, não é um acto neutro, quer do ponto de vista das suas consequências morais, quer jurídicas. Submeter alguém a julgamento é sempre um incómodo, se não mesmo um vexame.
II – Por isso, no juízo de quem acusa, como no de quem pronuncia, deverá estar sempre presente a necessidade de defesa da dignidade da pessoa humana, nomeadamente a necessidade de protecção contra intromissões abusivas na sua esfera de direitos, mormente os salvaguardados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e que entre nós se revestem de dignidade constitucional, como é o caso da Liberdade (art. 3.º daquela Declaração e 27.º da CRP).
III – Nestes termos, vem-se entendendo que a «possibilidade razoável» de condenação é uma possibilidade mais positiva que negativa; «o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido» ou os indícios são os suficientes quando haja «uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição».
IV – [o ambiente do processo penal] é dominado por uma atmosfera densificada de emotividade e conflitualidade. O que deve valer como um estímulo ao exercício quotidiano da tolerância e da disponibilidade para aceitar limiares particularmente qualificados de risco permitido e de sacrifício socialmente adequado do bem jurídico mais intensamente coenvolvido, a saber, a honra.
V – De outra forma, abrir-se-ia a porta a limitações tão drásticas como intoleráveis da liberdade de expressão e actuação dos diferentes sujeitos processuais. Estes não podem viver sob a ameaça constante da invocação das reacções criminais em nome da tutela da honra, uma espada de Dâmocles que só poderia redundar em manifestações perversas de auto-censura».
[…] E por isso é que, quer a doutrina, quer a jurisprudência, vêm entendendo aquela «possibilidade razoável» de condenação é uma possibilidade mais positiva que negativa; «o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido» ou os indícios são os suficientes quando haja «uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição (…)» Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 28.06.2006, proferido no processo nº 2315/06..
Existem no processo elementos suficientes para levar o arguido a julgamento, pelo que o recurso interposto deverá proceder.
III. – Decisão.
Na defluência do exposto decidem os juízes que constituem este colectivo na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, em:
- Julgar o recurso interposto pelo Ministério Público procedente e, consequentemente, revogar a decisão sob impugnação que deverá ser substituída por outra que pronuncie o arguido pelo ilicito que lhe foi assacado na acusação.
- Sem tributação.