Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1136/05-OTBCVL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HÉLDER ROQUE
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
TÍTULO EXECUTIVO
CAUSA DE PEDIR
Data do Acordão: 02/26/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 45º, Nº 1, 193º, NºS 1 E 2, A), 288º, Nº 1, B), 467º, Nº 1, D), 493º, NºS 1 E 2, 494º, Nº 1, B) E 466º, Nº 1, TODOS DO CPC.
Sumário: 1. O título executivo não é a causa de pedir na acção executiva, porquanto a causa de pedir é um facto, um elemento essencial de identificação da pretensão processual, enquanto que o título executivo é o documento ou a obrigação documentada, um instrumento probatório especial da obrigação exequenda.
2. O título executivo, apesar de ser um pressuposto específico da execução, de carácter formal, condiciona, igualmente, a exequibilidade extrínseca da pretensão.
3. Não condenando a decisão a satisfazer a prestação exequenda, inexiste título executivo, faltando a respectiva causa de pedir, carecendo de relevância o pedido, por estar em desconformidade com o título executivo.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:



V….., residente na Rua da Archada, nº 30, Unhais da Serra, Covilhã, interpôs recurso da decisão que, nos autos de execução comum, para pagamento de quantia certa, que instaurou contra “P….”, com sede na …….., …….., Covilhã, julgou procedente a excepção dilatória da ineptidão do requerimento executivo e, em consequência, absolveu o oponente da instância executiva, terminando as suas alegações, onde sustenta a revogação da decisão em causa, com as seguintes conclusões:
1ª – Resulta dos considerandos da proposta apresentada pela executada que esta engloba quer os trabalhadores da sociedade recuperanda quer os da sociedade “L….., SA”, que com ela ao longo dos tempos tem um forte relacionamento.
2ª - Resulta ainda do texto final da proposta integrada com as especificações aditadas pela sociedade “A ……, SA” a
conclusão vertida no ponto anterior.
3ª - Ou seja, não resulta em qualquer ponto da proposta a exclusão dos trabalhadores da sociedade “L……, SA”, de cujo universo seriam escolhidos pela executada os que lhe interessavam na continuação da
sua prestação laboral.
4ª - Resulta ainda da proposta aprovada a condição de todos os trabalhadores rescindirem os seus contratos de trabalho quer os
trabalhadores da sociedade “T….., SA”, quer os
trabalhadores da “L……r, SA”.
5ª - Da proposta em toda a sua extensão, resulta implicitamente a
constituição de uma obrigação por parte da executada de pagar aos trabalhadores da sociedade “L……, SA”, de forma igual e
proporcional do que pagou aos trabalhadores da sociedade “……, SA”.
6ª - A executada pagou aos trabalhadores não escolhidos da sociedade ”T…. & M….s, SA”, 75% dos créditos vencidos à data da cessação dos contratos de trabalho e não pagou qualquer quantia aos
trabalhadores da sociedade “L….., SA”.
7ª - A sentença recorrida viola, portanto, o artigo 46º, b), para além de todos aqueles com base nos quais, consequentemente o Mº Juiz "a quo" julgou procedente a excepção dilatória de ineptidão do requerimento executivo e absolveu a executada da instância executiva.
Nas suas contra-alegações, a executada sustenta que a sentença recorrida deve ser mantida, negando-se, por isso, provimento ao recurso.
O Exº Juiz sustentou a decisão impugnada, por considerar não haver sido causado agravo ao recorrente.
Com interesse relevante para a apreciação do mérito do agravo, importa reter a seguinte factualidade:
1 - O exequente V…., invocando a sentença proferida na acção com processo de recuperação de empresa, requerida por “T….., SA”, em que a executada “P…… SA” se obrigou, além do mais, a, tendencialmente, dar igual tratamento aos trabalhadores da firma “L….., SA” e da firma “T……., SA”, tendo liquidado os créditos salariais decorrentes da cessação dos contratos de trabalho aos trabalhadores da firma “T…… SA”, pagando, a cada trabalhador, 75% do montante individual global apurado, em Agosto de 2000, entende que este deverá ser o valor percentual de referência a pagar pela executada ao exequente e que há-de incidir sobre o montante a liquidar decorrente da cessação do contrato de trabalho deste e que aquela está em dívida, sendo o valor dos créditos salariais de 8695,77€, e o valor correspondente a 39% de 3391,35€, que a executada ainda não pagou, ascendendo o total em dívida, que pretende executar, incluindo a importância de 915,63€, a título de juros, ao quantitativo de 4306,98€ - Documento de folhas 1 a 17.
2 - Na acção com processo de recuperação de empresa, em que a requerente “T……, SA” solicitou a providência de gestão controlada, foi aprovada, pela Assembleia de Credores, a proposta do credor “P…….., SA”, homologada por decisão judicial, nos termos da qual e, no que interessa à apreciação do mérito do agravo, este credor, ora executado, considerando que:
A “Paulo de Oliveira, SA”, entende que o universo dos recursos humanos das duas sociedades - a “T……, SA,” e a “L….. da Beira Interior, SA”– não poderá ser superior a 50 trabalhadores [d];
Na preparação da proposta que ora é apresentada “P……, SA” fez admitir, com a concordância da maioria de mais de 70% dos créditos de credores da “L….., SA”, quinze trabalhadores [e];
Que “P….., SA” pode ainda vir a contratar outros
trabalhadores da “L….., SA” [f];
Pelo que o número final de trabalhadores a ficarem no estabelecimento de “T…… SA” será o diferencial para 50, depois de terminadas as contratações na “L….., SA” [g], apresentou a seguinte proposta:
“P……”, declara-se disponível para indicar sociedade para adquirir o estabelecimento industrial da sociedade “T……, SA”, constituído este por todos os bens, móveis, imóveis, contratos, créditos e/ou direitos, de que a sociedade seja titular, nas seguintes condições e termos:
O estabelecimento não terá mais trabalhadores do que aqueles que a
proponente indicar [c];
A proponente indicará, até 13 de Agosto de 2000, para ficarem no
estabelecimento, do universo de funcionários da ”T……., SA”, que somados aos admitidos, por si e/ou por ”A …….., SA”, até 16 de Agosto de 2000, à “L…..” dê, pelo menos, um total de 50 trabalhadores [d];
Todos os outros trabalhadores que não os escolhidos, e mesmo destes
todos aqueles que não pretendam continuar a trabalhar no estabelecimento industrial, nas condições referidas na alínea anterior, terão que ver terminar os seus contratos de trabalho, de forma definitiva e irretratável, antes da transmissão, quer com base na Lei 17/86 (Lei dos Salários em Atraso), quer com base na extinção do posto de trabalho [f];
A proponente pagará aos trabalhadores que, por ela escolhidos, aceitem ficar a trabalhar, a título de indemnização, pela renúncia dos direitos e aceitação das condições, referidas na alínea c), uma quantia até ao montante global de 20.000.000$00, desde que se mantenham a trabalhar para a sociedade que adquira o estabelecimento, ou para quem esta venha a indicar, pelo menos, até ao fim de dois mil e dois, sendo o pagamento do montante feito, em duas prestações iguais, a primeira com a assinatura do contrato e a segunda, até 30 de Junho de 2001 [j].
A proponente compromete-se, com vista a, tendencialmente, igualizar a situação dos trabalhadores da “L…., SA”, sociedade que, como muito bem refere, teve sempre um forte relacionamento com a ”T………., SA”, a apresentar, ou fazer apresentar, proposta de aquisição do remanescente dos bens do activo desta [6 das especificações de “A ……………., SA” e 2 da resposta da executada].

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Tudo visto e analisado, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
A única questão a decidir, no presente agravo, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), consiste em saber se ocorre o vício da ineptidão do requerimento executivo inicial, por falta de correspondência entre a execução e o título.

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DA INEPTIDÃO DO REQUERIMENTO EXECUTIVO

O título executivo é o instrumento considerado como condição necessária e suficiente da acção executiva, necessária porque os actos executivos em que se desenvolve a acção não podem ser praticados senão na presença dele, suficiente porque, em face da sua presença, se segue, imediatamente, a execução, sem que se torne necessário efectuar qualquer indagação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que o mesmo se refere.
Atendendo a esta última característica, o título é, pois, algo que faz as vezes do direito que se pretende realizar, e que se lhe substitui, não podendo, por isso, reduzir-se à natureza de um simples meio de prova , mas antes significando um requisito necessário da existência do direito mencionado no documento, assumindo, assim, uma função constitutiva.
Trata-se de uma função constitutiva, que se não restringe ao momento inicial da vida do direito, mas que reveste um carácter permanente, pois que o documento é imprescindível, também, para o exercício e a transferência do direito .
O título executivo realiza, portanto, uma função constitutiva, na medida em que atribui exequibilidade a uma pretensão, possibilitando que a correspondente prestação seja realizada, através das medidas coactivas impostas ao executado pelo Tribunal .
O título executivo, apesar de ser um pressuposto específico da execução, de carácter formal , condiciona, igualmente, a exequibilidade extrínseca da pretensão.
É que a acção executiva pretende efectivar, na prática, a sanção emergente do incumprimento do devedor, com base na presunção ilidível da existência do direito subjectivo que se contém num documento, que se designa por título executivo.
Dispõe o artigo 45º, nº 1, do CPC, que “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”.
Efectivamente, a acção executiva supõe um título executivo, isto é, um título com força legal suficiente para servir de base à execução, que lhe determina os limites, ou seja, a extensão e o conteúdo da obrigação do devedor, a espécie e o montante da quantia, a identidade da coisa, a delimitação do facto e, consequentemente, até onde pode ir a acção do credor.
Por isso, a extensão do pedido encontra no texto do título a base necessária e suficiente para o exercício do direito de acção executória, emergindo ou nascendo do mesmo, porque fonte autónoma e imediata desta, com eficácia constitutiva, o direito do credor e a obrigação do devedor, o poder de executar daquele e a responsabilidade executiva deste .
Tendo o título executivo esta eficácia, importa que a extensão da demanda executiva se ache bem definida, quanto ao direito do credor e à obrigação ou responsabilidade executiva do devedor, isto é, que entre a causa de pedir, o título, com a respectiva factualidade obrigacional nele reflectida, e o pedido de satisfação da quantia nele contida, exista harmonia ou conformidade .
Por outro lado, o título executivo não é a causa de pedir na acção executiva, porquanto a causa de pedir é um facto, um elemento essencial de identificação da pretensão processual, enquanto que o título executivo é o documento ou a obrigação documentada, um instrumento probatório especial da obrigação exequenda .
Revertendo ao caso a decidir, importa reter que a executada, apenas, se comprometeu a aceitar, no seu estabelecimento, do universo de funcionários da “T....... SA”, que somados aos admitidos, por si e/ou por ”A ……., SA”, à “L………… SA”, perfizesse, pelo menos, um total de 50 trabalhadores, sendo certo que todos os demais não escolhidos, teriam de terminar os respectivos contratos de trabalho, de forma definitiva e irretratável, antes da transmissão, quer com base na Lei dos Salários em Atraso, quer com base na extinção do correspondente posto de trabalho.
Por seu turno, a executada comprometeu-se, tão-só, com vista a igualizar, tendencialmente, a situação dos trabalhadores da “L………… SA”, a apresentar uma proposta de aquisição do remanescente dos bens do activo desta.
Tudo o mais que o exequente expõe, no requerimento inicial da execução, designadamente, que a executada liquidou os créditos salariais decorrentes da cessação dos contratos de trabalho aos trabalhadores da firma “T……….., SA”, pagando, a cada trabalhador, 75% do montante individual global apurado, em Agosto de 2000, por não constarem da sentença de condenação, é, executoriamente, irrelevante.
Efectivamente, não está provado que a executada tenha sido condenada a pagar qualquer quantia ao exequente, mas, apenas, e, tão-só, que aquela “…manifestou o desejo de tratar de forma tendencialmente igual os trabalhadores de “T…………. SA” e de “L……., SA”, e nada mais.
A sentença de condenação nada mais faz do que declarar a vontade da lei ao caso concreto.
Porém, a decisão em análise não condenou a executada a satisfazer a prestação exequenda, inexistindo, portanto, título executivo, sendo certo que a declaração de vontade da lei só adquire eficácia executiva e apresenta, por isso, o aspecto de sentença de condenação, quando verifica a existência de um acto ilícito .
Assim, a execução que excede o contido no título não é conforme com o mesmo, e, na parte em que houver divergência, tudo se passa como se não houvesse título, não se fundando, neste particular, em título executivo, pelo que lhe falta a respectiva causa de pedir , não se contendo o pedido, no âmbito do título executivo.
Isto significa que o estipulado no título executivo ou o nele decidido, quando se trate de sentença não cumprida, voluntariamente, em que avulta uma relação de coordenação funcional entre a acção executiva e a acção declarativa , tem sempre de ser respeitado, sob pena de inexequibilidade do título.
Daí que, traduzindo a disposição legal do artigo 45º, nº 1, do CPC, a prevalência dada por lei ao título que serve de base à execução, pedindo o exequente, no requerimento inicial da execução, a satisfação de uma quantia pecuniária resultante de uma condenação não decretada pela sentença que lhe serve de suporte, carece de relevância o pedido, por estar em desconformidade com o título executivo.
Assim sendo, com fundamento na inexequibilidade do título, julga-se verificada a ineptidão do requerimento inicial e, consequentemente, a excepção dilatória correspondente, que determina a absolvição da instância executiva, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 45º, nº 1, 193º, nºs 1 e 2, a), 288º, nº 1, b), 467º, nº 1, d), 493º, nºs 1 e 2, 494º, nº 1, b) e 466º, nº 1, todos do CPC.
Não se mostram, pois, violadas as disposições legais invocadas pelo agravante ou outras, razão pela qual improcedem, com o devido respeito, as conclusões constantes das suas alegações.

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CONCLUSÕES:

I - O título executivo não é a causa de pedir na acção executiva, porquanto a causa de pedir é um facto, um elemento essencial de identificação da pretensão processual, enquanto que o título executivo é o documento ou a obrigação documentada, um instrumento probatório especial da obrigação exequenda.
II - O título executivo, apesar de ser um pressuposto específico da execução, de carácter formal, condiciona, igualmente, a exequibilidade extrínseca da pretensão.
III - Não condenando a decisão a satisfazer a prestação exequenda, inexiste título executivo, faltando a respectiva causa de pedir, carecendo de relevância o pedido, por estar em desconformidade com o título executivo.

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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar não provido o agravo e, em consequência, em confirmar, inteiramente, a douta decisão recorrida.

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Custas, a cargo do exequente-agravante