Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
205/07.3GTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: HOMICÍDIO INVOLUNTÁRIO
DIREITO À VIDA
MONTANTE DE INDEMNIZAÇÃO
- PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
MOMENTO ATÉ QUANDO É DEVIDA
DANOS FUTUROS.
Data do Acordão: 03/25/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TORRES NOVAS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA.
Legislação Nacional: ARTIGOS 137.º, N.º 1 DO C.P.; 1878.º, 1880.º, 2003.º; 493.º; 562.º, N.º 2 E 566.º, N.º 3 DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário: I. - Sendo a vítima um homem jovem, promissor engenheiro informático, saudável, solidário, culto, amante da prática desportiva, e muito próximo do filho, antevendo-se um futuro longo e prometedor, deve o montante de do direito à vida ser fixado em € 60.000.
II. – Mantendo, os pais, a obrigação de proverem ao sustento dos filhos e de suportarem as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação, mesmo depois de estes atingirem a maioridade, se ainda não tiverem completado a sua formação profissional, na medida em que seja razoável exigir aos pais tal obrigação, deve a prestação por alimentos abranger um período temporal até aos 25 anos de idade do credor da prestação alimentar.
Decisão Texto Integral: 30

I. RELATÓRIO.
No 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Torres Novas, mediante acusação do Ministério Público, que lhe imputava a prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137º, nº 1, de um crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo art. 200º, nºs 1 e 2, todos do C. Penal, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº 2, do Dec. Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, de uma contra-ordenação por violação do art. 24º, nº 1, do C. da Estrada, de uma contra-ordenação por violação do art. 38º, nºs 1 e 2, b), do C. da estrada e de uma contra-ordenação por violação do art. 11º, nº 1, do Dec. Regulamentar nº 7/98, de 6 de Maio, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o arguido J..., solteiro, industrial, nascido em Cabo Verde, residente em Santo António dos Cavaleiros, Loures.
O Instituto de Segurança Social deduziu contra a G... – Companhia de Seguros, SPA., pedido de reembolso do subsídio por morte e pensões de sobrevivência que pagou a V..., pedindo a condenação da demandada no pagamento da quantia de € 11.162,47, e no pagamento das pensões que se vencerem e forem pagas na pendência do processo, bem como nos juros legais desde a citação e até integral pagamento.
O assistente e demandante civil V... deduziu pedido de indemnização civil contra a G... – Companhia de Seguros, SPA., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 441.691,11, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.
Por sentença de 28 de Julho de 2008, o arguido foi absolvido da prática do crime de omissão de auxílio e da contra-ordenação por violação do art. 38º, do C. da Estrada, e foi condenado, pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137º, nº 1, do C. Penal, na pena de 1 ano de prisão, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº 2, do Dec. Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 6 meses de prisão, e em cúmulo, na pena única de 1 ano e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sob condição de entrega da quantia de € 800, no prazo de dez meses, aos Bombeiros Voluntários de Torres Novas. Foi ainda o arguido condenado pela prática da contra-ordenação por violação ao art. 24º, nºs 1 e 3 do C. da Estrada, na coima de € 350 e pela prática da contra-ordenação por violação ao art. 6º, nº 1, do Dec. Regulamentar nº 7/98, de 6 de Maio, na coima de € 175.
Relativamente ao pedido de reembolso deduzido pelo Instituto de Segurança Social, foi a G... – Companhia de Seguros, SPA condenada no pagamento da quantia de € 1.437, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a notificação do pedido.
Relativamente ao pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente V... foi a G... – Companhia de Seguros, SPA condenada nos seguintes termos:
- No pagamento do valor venal do veículo de matrícula 00-00-UM, a liquidar no incidente próprio, com o limite de € 4.500, acrescidos de juros de mora, desde a data da liquidação, à taxa legal de 4% e até integral pagamento;
- No pagamento da quantia de € 5.119,24, correspondente às prestações de alimentos vencidas entre Maio de 2007 e Julho de 2008, acrescida de juros desde a data da decisão, à taxa legal de 4% e integral pagamento;
- No pagamento das prestações da pensão de alimentos que se vencerem a partir de Agosto de 2008 inclusive, e até 16 de Abril de 2022, que se encontra fixada para 2008 em € 370,53, e que será actualizada anualmente, de acordo com a taxa de inflação publicada pelo INE para o ano imediatamente anterior e com efeitos a partir de Janeiro de cada ano, devendo o pagamento de cada prestação ser efectuado no primeiro dia de cada mês e ficando a demandada obrigada ao pagamento de juros de mora à taxa legal dos juros civis que vigorar, em caso de atraso na prestação;
- No pagamento da quantia de € 25.000 por danos não patrimoniais próprios do demandante, no pagamento da quantia de € 55.000 pelo dano morte, e no pagamento de juros de mora sobre estas quantias, à taxa legal de 4%, desde o trânsito da decisão e até integral pagamento.
Tendo a demandada sido absolvida do demais peticionado.
Inconformado com a sentença, dela recorre o assistente e demandante V..., formulando no termo da respectiva motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“ (…).
1. A prestação de alimentos deve ser fixada e tida em conta até aos 25 anos e não até aos 23 anos, como por menor ponderação da jurisprudência actualmente unânime foi decidido na sentença.
2. Assim decorre, por exemplo, dos Ac. do STJ de 19/03/2002 – ITIJ, Processo 01A4183, nº. convencional JSTJ00000092 (acerca da responsabilidade contratual – danos futuros – equidade).
3. Ali consta que ."… Sendo o beneficiário da indemnização pela morte da vítima do acidente um filho menor, é razoável considerar a idade de 25 anos como limite para este completar a sua formação profissional."
4. Daí que a obrigação de alimentos que impende sobre a recorrida deva ser calculada em função da idade de 25 anos e não de 23 anos, como se decidiu na sentença recorrida.
5. Houve também um pequeno erro de cálculo, meramente aritmético, com os próprios dados fixados na sentença, mas que urge corrigir, tanto mais que se trata de um valor que tem repercussão futura nos cálculos que futuramente deverão seguir-se.
6. Assim, apresentam-se mal realizados os cálculos na sentença a partir do ano de 2005, tendo em conta que a inflação referente ao ano de 2004, que é de 2,4%, aplicada à prestação mensal devida a título de alimentos, estipulada para o ano de 2004, apresenta um resultado de 342,40 €, em que 334,38 € x 2,4% = 8,03 € e não 7,69 € conforme exposto (pequeno erro de cálculo).
7. Assim, para o ano de 2008, seria o pai do recorrente obrigado a entregar-lhe mensalmente a quantia de 370,89 € conforme se demonstra: 342,40 € x 2,3% (inflação referente ao ano de 2005) = 7,88 € + 342,40 € = 350,28 € (prestação para o ano de 2006); 350,28 € x 3,1 % (inflação referente ao ano de 2006) = 7,88 € + 350,28 € = 361,14 € (prestação para o ano de 2007); 361,14 € x 2,7% (inflação referente ao ano de 2007) = 9,75 € + 361,14 € = 370,89 € (prestação para o ano de 2008).
8. Deve também considerar-se, ao invés do que ficou decidido, que o pagamento de metade das despesas apresentadas e consideradas como provadas deve ser incluído na condenação da demandada / seguradora.
9. Por outro lado, a aliás douta sentença recorrida, ao recusar o pagamento de metade das despesas que ali houve pelo menos o cuidado de reconhecer como tendo sido efectuadas (fls. 59 da decisão recorrida), ofendeu gravemente os legítimos direitos e expectativas do recorrente e prejudicou-o, sem que se vislumbre qualquer espécie de razão ou lógica para compreender e muito menos poder aceitar a tese da recusa, sobretudo com o argumento de que "não ficou provado nos autos que tivesse sido o demandante V... a pagar aqueles montantes" (fls. 61 da sentença) …
10. Ora, se as despesas foram pagas pela Mãe do recorrente ou por quem quer que seja, parece óbvio que tendo a encomenda dos produtos ou dos serviços sido feita em nome do recorrente será sempre em nome deste que os recibos devem ser passados, aliás, exactamente tal como aconteceu!
11. E se foi feita em nome de um menor uma encomenda, a circunstância de alguém (seu representante legal ou não) em seu nome ter pago a factura, não pode jamais excluir o direito a exigir o recibo passado em nome de quem encomendou.
12. E não há dúvida que se quem alguma vez encomendou for porventura incapaz, terá de ser o seu legal representante (mas então e só então, apenas) a assumir o acto de administração respectivo …
13. Assinale-se, por exemplo, que as companhias de seguro jamais procedem ao reembolso de despesas de saúde relativas a um menor sem que os recibos estejam passados em nome dele!
14. Por outro lado, o pagamento desde Março de 2008 de metade das despesas extraordinárias previstas na Cláusula 2ª, B) do acordo de regulação do exercício do poder paternal anexo ao pedido de indemnização sob documento nº. 5 deve ser incluído na condenação da demandada / seguradora.
15. Na verdade, a metade das despesas extraordinárias ali previstas, naquela Cláusula 2ª, al. B) do acordo de regulação do exercício do poder paternal, deve agora ser objecto da respectiva fixação indemnizatória, condenando-se a demandada / seguradora a pagar ao recorrente / menor as respectivas meações,
16. Ou numa quantia única, em alternativa, procedendo-se a uma razoável estimativa, segundo prudentes juízos de equidade, perante o que foram as despesas já demonstradas nos autos, desde a morte do Pai do recorrente/menor, para daí calcular que montante se poderá prever como necessário até que seja atingida a idade de 25 anos.
17. Acresce que o recorrente tem direito a ser reembolsado das despesas do funeral do seu Pai, contrariamente ao que se decidiu na sentença recorrida,
18. Atendendo a que a obrigação da seguradora resulta directamente do disposto no art. 495º, 1 do Cód. Civ. e tendo ainda em conta que o documento comprovativo junto aos autos refere claramente "O Funeral" de G..., sendo certo que, tendo em conta a data que ali consta e o nome, independentemente de o recibo ter sido passado em nome de pessoa diversa, a prova é mais do que suficiente para que o recorrente deva ser indemnizado, reembolsando depois (ou não) a pessoa que fez anteriormente face àquela despesa.
19. Bastante mais difícil de obter conformismo ou aceitação por parte do recorrente é a existência de um cômputo indemnizatório determinado, aqui a ser considerado sob a qualificação de "lucros cessantes" e que passa necessariamente pela demonstração da diferença entre o na jurisprudência comum utilizado conceito de "dependência económica" e o pressuposto aquisitivo da absorção de direitos denominado "economia comum" (utilizado a fls. 65 da sentença).
20. O que é certo é que o recorrente dependia muito do ponto de vista económico do seu pai e este, por sua vez, tinha uma promissora carreira profissional tecnicamente rara e muito apurada de engenheiro informático toda pela frente, sobretudo em razão dos elevados ganhos e vantagens, previsivelmente bastante acima da média.
21. Tal dependência económica não se confunde nem se mistura com qualquer "quantum" de pensão de alimentos, sendo certo que esta apenas se fixou num montante que nada mais significa do que "…tudo o que indispensável ao sustento, habitação e vestuário" ! (art. 2003º. 1 do C. Civ.).
22. A circunstância de o recorrente se encontrar entregue à guarda da Mãe era e é meramente física, já que o Pai / Gonçalo, tal como claramente se provou e tal como foi dito e redito pelas testemunhas que falaram sobre o assunto, estava sempre com o filho e em todos os períodos em que o podia concretizar, em fins de semana, datas festivas, feriados, períodos de férias e de folgas e acompanhava-o na vida escolar, nos itinerários escolares e nos usuais de ocupação dos tempos livres.
23. A profundidade de uma tal ligação afectiva acaba sempre por produzir viva e segura convicção quanto às vantagens materiais e de qualidade de vida que o recorrente legitimamente poderia esperar do seu pai, numa natural relação de dependência, pelo menos até alcançar os 25 anos de idade.
24. Assim, não há qualquer espécie de duplicação (contrariamente ao que se afirma a fls. 67 da sentença) quando aos montantes correspondentes às pensões de alimentos se devem acrescentar as expectativas económicas de dependência que o recorrente / menor tinha de uma vida do seu Pai que com todos os indicadores existentes à data da sua morte asseguravam já um padrão certo de elevada qualidade de vida e de rendimentos bastante acima da média.
25. Isto, tanto mais que o pai do recorrente era já um profissional internacionalmente disputado como engenheiro informático, com uma perspectiva futura de auferir ganhos bastante acima da média e capaz de gerar e de criar invulgares sistemas de "software", com valores mercantis, industriais e comerciais extremamente bem cotados no mercado.
26. Há que reconhecer que a dependência económica não se esgota com o formalismo obrigacional de uma qualquer pensão de alimentos devida a um menor.
27. São conhecidos e frequentes os casos de pais que acabam por despender com os filhos quantias iguais ou mesmo superiores aos montantes de alimentos a que se acham obrigados (frequentemente com filhos únicos, como é o caso).
28. Quanto aos danos não patrimoniais também não se conforma o recorrente, face aos € 25.000,00 arbitrados como "indemnização a atribuir ao demandante em resultado do desgosto por ele sofrido pela perda do seu pai, a vítima G..." pois verifica-se que é uma quantia inferior ao que é devido, aliás, exactamente pelos mesmos motivos que vieram consignados e reconhecidos na sentença, sobretudo porque era invulgarmente afectiva, sólida e muito profunda a relação existente entre pai e filho.
29. Houve uma oportunidade ÚNICA entre o recorrente e o seu pai para ambos desfrutarem de uma activa e inusitada relação afectiva, pelo que às consequências deste corte violentíssimo que teve lugar deve fixar-se uma indemnização por danos morais nunca inferior a € 30.000,00, aliás, tal como foi pedido na demanda original, atentas as circunstâncias especiais e invulgares que enquadram este caso concreto.
30. Por outro lado, a indemnização pelo dano morte de € 55.000,00 encontra-se também cerca de € 10.000,00 abaixo do valor que no caso concreto a personalidade especial da vítima e as demais circunstâncias caracterizadoras do seu perfil profissional e pessoal permitiriam sempre pressupor, com referência sobretudo à prova abundante que foi produzida em julgamento.
31. Reconhece-se que alguma jurisprudência do STJ, já com cerca de 5 anos e, aliás, doutamente apontada na sentença recorrida (fls. 78 vº a 83 da decisão), inclinava-se em casos similares para montantes que rondavam os € 50.000,00 e que, porventura, se deveriam situar hoje, com alguma segurança orientada em função de cálculos aritméticos de actualização de base e de conteúdo, em quantia nunca inferior a € 60.000,00.
32. Porém, a aplicação dos dispositivos previstos nos nº's. 2 e 3 do art. 496º. do Cód. Civ., referenciada com toda a prova produzida acerca das características específicas do perfil pessoal e profissional do G...e da sua intensidade inter-activa com o recorrente obrigam "in casu" a ir bastante mais longe.
33. A quantia de € 65.000,00 mostra-se assim mais adequada e proporcionada à perda da vida do Gonçalo, encontrando-se os € 55.000,00 fixados na sentença recorrida para aquém do que é realmente devido ao recorrente pelo dano da morte do pai, ponderados os factos e circunstâncias envolventes, que caracterizam esta fixação acima das médias tabelares ou meramente exemplificativas em uso corrente e que, na maior parte das vezes, nada têm a ver com uma realidade que deve ser devidamente respeitada e assim ponderada e julgada.
34. Finalmente, assinale-se que a pena atribuída ao arguido pela prática de homicídio negligente parece ser desconforme perante o ilícito cometido e as suas respectivas circunstâncias, que foram especialmente gravosas, devendo nitidamente situar-se num patamar penal superior para que pelo menos a desejada função dissuasora para o comportamento do arguido possa ser mais efectiva, eficaz e segura.
35. Porque ficou consignado na sentença "tendo em conta todos estes elementos da culpa do agente e da prevenção, entende o tribunal adequado aplicar a arguido uma pena que se situe acima do limite mínimo e próximo do limite médio da pena abstracta." há que reconhecer que a pena nunca deveria ter sido inferior a dezasseis meses de prisão, sendo certo, porém, que a pena de vinte meses de prisão se mostra como mais ajustada ao conjunto de factos e circunstâncias que rodearam a prática do crime de homicídio por negligência simples.
Nestes termos, bem como pelos demais doutamente a suprir, deve na sentença recorrida ter lugar a revogação e a alteração das várias decisões indicadas, tudo com as legais consequências, como é de Inteira e Merecida JUSTIÇA!
(…)”.
Respondeu ao recurso o arguido, invocando a ilegitimidade do assistente para, desacompanhado do Ministério Público e sem demonstração de interesse próprio, pedir o agravamento da pena, e a falta de invocação das normas violadas, concluindo pela rejeição do recurso e, caso assim não se entenda, pela sua improcedência.
Respondeu também ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido, pronunciando-se pela ilegitimidade do assistente na parte em que, desacompanhado da acusação pública, recorre da medida concreta da pena aplicada ao arguido, por não ter invocado um específico interesse, e concluindo pela rejeição, nesta parte, do recurso e, assim não se entendendo, pelo seu não provimento.
Respondeu igualmente ao recurso a demandada G... – Companhia de Seguros, SPA, formulando no termo da sua contramotivação as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“ (…).
1º. A sentença recorrida não merece qualquer reparo.
2º. Para o que interessa nestes autos e atendendo sempre ao objecto do recurso, a partir do momento em que não é posta em causa a matéria de facto provada e não provada, jamais poderia ser outra a decisão do tribunal a quo.
3º. Com efeito, só o Recorrente poderia ter provado os factos que alegava.
4º. Não o tendo feito, terá que assumir a responsabilidade desse seu comportamento.
5º. O G... encontrava-se obrigado a prestar alimentos ao recorrente, na qualidade de pai, enquanto o mesmo fosse menor, i.e., até o recorrente perfazer 18 anos (arts. 1874º, n.º 2, art. 1877º e 2009º, n.º 1, alínea c) do Cód. Civil).
6º. Após a maioridade apenas nas situações específicas previstas no art. 1880º do Cód. Civil é que se mantém a obrigação de prestação de alimentos.
7º. Não foi feita prova nos autos, que o Recorrente após perfazer 18 anos não terá completado a sua formação profissional, pelo que, tendo em conta que a obrigação de alimentos fixada no âmbito do processo de regulação do poder paternal cessaria quando o recorrente atingisse a maioridade, a pensão de alimentos fixada deveria atender aos 18 anos do recorrente e não aos 23 anos.
8º. Sem prejuízo, caso se entenda que a obrigação de alimentos se manteria após a maioridade do Recorrente, por ser previsível que este frequente um curso universitário, sempre se dirá que a referida obrigação apenas se manteria pelo tempo normalmente requerido para a formação profissional se completar.
9º. Com base no Processo de Bolonha, a frequência do ensino superior passaria pela frequência do primeiro ciclo – licenciatura – com duração de 3 (três) anos.
10º. Após este, facultativamente, poderia o recorrente frequentar um segundo ciclo – mestrado com a duração de dois anos,
11º. Assim, ainda que se presuma, como faz a douta sentença, que o recorrente iria prosseguir os seus estudos teríamos que atender ao tempo normalmente requerido para alcançar o ensino superior, pelo que o recorrente ingressaria na universidade com 18 anos, terminando a licenciatura três anos depois, com 21 anos.
12º. E, ainda que este pretendesse frequentar o segundo ciclo, terminaria o mestrado, 2 anos depois, com 23 anos,
13º. Pelo que, tendo em conta o tempo normalmente requerido para a formação profissional se completar a idade a considerar sempre teria de ser 21 ou 23 anos, após o que cessaria a obrigação de alimentos, e nunca os 25 anos pretendidos pelo recorrente.
14º. Dos factos provados resulta que nos termos do acordo de regulação de poder paternal o G... ficou obrigado a liquidar ao recorrente uma pensão de alimentos.
15º. Do acordo de regulação do poder paternal resulta também que os pais do recorrente estavam obrigados a proceder ao pagamento a meias de todas as despesas de saúde, incluindo consultas de rotina e com a educação, abrangendo gastos com os colégios, estabelecimentos de ensino e de formação, bem como outras actividades extracurriculares.
16º. Conforme consta da douta sentença, não logrou o recorrente provar que os montantes correspondentes às despesas mencionadas nos pontos 51 a 87 da matéria de facto provada foram por si liquidadas.
17º. Não se encontra provado que o Recorrente tenha ficado privado de quaisquer consultas de rotina, de bens necessário à sua educação, quer seja com colégios, estabelecimentos de ensino e de formação, ou outras actividades extracurriculares.
18º. Não tendo ficado demonstrado que o recorrente tenha sofrido, nesta sede, qualquer dano patrimonial.
19º. Desconhece-se, não se encontrando provado nos autos, se foi a legal representante do recorrente ou terceiro quem procedeu ao pagamento das despesas mencionadas nos pontos 51 a 87 da matéria de facto provada.
20º. Certo é porém que quer tenha sido a mãe do recorrente quer tenha sido terceiro a proceder aos referidos pagamentos serão estes, e não o recorrente, quem terá legitimidade para reclamar o seu reembolso.
21º. O recorrente, não sofreu nem irá sofrer qualquer dano patrimonial no que às despesas extraordinárias contempladas na cláusula 2 B do acordo de regulação paternal, que o próprio assume serem liquidadas pela mãe.
22º. Assim, seria a mãe do recorrente e não o recorrente quem teria legitimidade para requerer o reembolso dos montante correspondentes à metade das despesas que deveriam ter sido suportadas pelo malogrado G....
23º. Ao não provar ter sofrido qualquer dano patrimonial e material, pressuposto essencial da responsabilidade civil, não pode o recorrente pretender nesta sede que lhe seja liquidada uma indemnização.
24º. Acresce que, como bem fundamenta a douta sentença "(…) não é pelo facto de ter havido despesas referentes à saúde e educação do demandante nos meses anteriores que se poderá dizer que as mesmas se irão repetir regularmente e nos seus precisos termos até o demandante atingir a idade de 25 anos. Logo com base na mera especulação não se poderia condenar no pagamento de uma indemnização referente a esses danos futuros, na medida em que não se poderão considerar os mesmos previsíveis".
25º. Assim, ao não provar a necessidade de promover à liquidação de despesas referentes à saúde e educação, não pode o recorrente pretender que lhe seja atribuída uma indemnização.
26º. Igualmente não logrou o recorrente provar ter gasto com o funeral do pai o montante de € 1.000,00, conforme resulta da alínea r) da matéria de facto não provada, e que o recorrente não pôs em causa.
27º. Pelo contrário, de acordo com os documentos juntos aos autos não terá sido o recorrente, e sim um terceiro, a liquidar as despesas com o funeral do malogrado G....
28º. Esteve pois bem o tribunal a quo na sua decisão!
29º. Não se compreende aliás a que título invoca o recorrente o "interesse prevalecente do menor" nesta sede como fundamento de decisão diversa …
30º. Na verdade o "interesse prevalecente do menor" não o exime de provar nos autos os factos que alega!
31º. E cabia ao recorrente provar, o que não logrou fazer, que a quantia referente às despesas com o funeral do seu pai haviam sido por si liquidadas.
32º. Ora, mais uma vez, ao não provar qualquer dano patrimonial e material, pressuposto essencial da responsabilidade civil, não pode o recorrente pretender nesta sede que lhe seja liquidada uma indemnização.
33º. Dos autos resulta inequívoco que o recorrente não vivia em economia comum com o pai, G... e que está entregue à guarda e cuidados da sua mãe, com quem habita, estando consequentemente integrado no seu agregado familiar e não no agregado familiar do G....
34º. Não vinga também, salvo o devido respeito por opinião diversa, o argumento de que se deveria atender à situação de dependência económica do recorrente em relação ao G....
35º. É que por o recorrente viver na dependência económica do G..., este liquidava mensalmente uma pensão de alimentos.
36º. E, a acrescer à pensão de alimentos, liquidava ainda o G... metade das despesas de saúde, com a educação e com actividades extracurriculares.
37º. Não se encontra provado nos presentes autos que o recorrente beneficiasse de qualquer outra parte do rendimento do seu pai.
38º. Não provou pois o recorrente a existência de qualquer dano patrimonial e material, pelo que não pode o recorrente pretender nesta sede que lhe seja liquidada uma indemnização.
39º. Conclui ainda o recorrente que "são frequentes e conhecidos os casos de pais que acabam por despender com os filhos quantias iguais ou mesmo superiores aos montantes de alimentos a que se acham obrigados (frequentemente com filhos únicos, como é o caso.)".
40º. E até pode assim ser em abstracto … No entanto e o que importa nos presentes autos é atender à matéria de facto provada.
41º. E o recorrente não logrou provar que o seu pai, G..., despendesse quaisquer quantias com o recorrente além das mencionadas em 46) e 48) da matéria de facto provada!
42º. Ora, a simples expectativa ou uma mera possibilidade de o recorrente pudesse vir a beneficiar de quaisquer outras quantias não basta para que este seja indemnizado a título de lucros cessantes.
43º. Pelo que, face à inexistência de dano também aqui não assiste ao recorrente o direito a ser indemnizado.
44º. As quantias fixadas a título de compensação devida em caso de morte ao herdeiro menor e pela perda do direito à vida são de valor superior ao ficado na lei como proposta razoável de indemnização.
45º. A Portaria n.º 377/2008, de 26.05 veio fixar os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal.
46º. Nos termos do Anexo II da Portaria n.º 377/2008, de 26.05 a compensação devida em caso de morte e a título de danos morais ao herdeiro, filho menor de 25 anos, seria de € 15.000,00.
47º. Sendo certo que tal valor é meramente orientador, o tribunal a quo considerou os factores da proximidade e da afectividade entre o recorrente e o G..., bem como a Jurisprudência, para fixar o quantum indemnizatório, sendo exagerada e desproporcional a quantia de € 30.000,00 pretendida pelo recorrente.
48º. Por outro lado, e no que respeita a perda do direito à vida por parte do falecido G..., fixou o tribunal a quo uma indemnização no montante de € 55.000,00.
49º. De acordo com o Anexo II (C) da Portaria n.º 377/2008, de 26.05, a compensação devida pela perda do direito à vida de vítima com idade compreendida entre os 25 e os 49 anos é de € 50.000,00.
50º. Importa nesta sede atender à posição do Dr. Leite de Campos, in a Vida, a Morte e sua Indemnização, in BMJ n.º 365, pág. 15, seguida pela douta sentença, de que "a indemnização deve ser igual para todas as vítimas, já que a perda da vida humana constitui sempre o mesmo dano".
51º. Não poderá de leve ânimo considerar-se, como parece pretender o recorrente, que a vida de um alto quadro de uma empresa vale mais do que a vida de um funcionário que exerce actividades modestas e aufere um parco rendimento …
52º. A indemnização fixada nos presentes autos para compensar a perda do direito à vida encontra-se enquadrada nos padrões habituais da nossa jurisprudência, revelando-se pois desadequado e exagerado o montante indemnizatório pretendido pelo recorrente nesta sede.
53º. Acresce que para fundamentar o direito a um montante indemnizatório superior ao constante da douta sentença o recorrente recorre-se de diversos argumentos vertidos na matéria de facto não provada – em concreto nas alíneas t) a aa) –, a qual o recorrente aliás não coloca em causa.
54º. De tudo o exposto inexiste fundamento para alterar a quantia indemnizatória fixada pela douta sentença.
Nestes termos, nos mais de direito e sempre com o mio douto suprimento de V. Exas. deve ser negado provimento ao recurso apresentado pelo Recorrente em conformidade com as presentes alegações, assim se fazendo como sempre Justiça.
(…)”.
Por despacho de 10 de Novembro de 2008, devidamente notificado, foi rejeitado o recurso interlocutório interposto pelo arguido a fls. 1008 a 1011, não foi admitido o recurso do assistente na parte em que impugnou a medida concreta da pena aplicada ao arguido, e foi admitido o recurso do assistente e demandante civil relativamente ao pedido de indemnização deduzido.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO.
Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 335, Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 103, e Acs. do STJ de 24/03/1999, CJ, S, VII, I, 247 e de 17/09/1997, CJ, S, V, III, 173).
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:
- A exiguidade dos montantes indemnizatórios fixados pelo dano morte e pelos danos não patrimoniais próprios do recorrente;
- O reembolso das despesas com o funeral da vítima;
- O erro de cálculo existente na determinação do montante indemnizatório devido a título da perda de recebimento da prestação de alimentos, e a errada fixação deste montante com referência aos 23 anos de idade do recorrente;
- O pagamento de metade das despesas escolares e de saúde comprovadas, e o pagamento desde Março de 2008 de metade das despesas extraordinárias previstas na cláusula 2ª, B), do acordo de regulação do exercício do poder paternal relativo ao recorrente;
- A indemnização devida por lucros cessantes.
Desde já se refere não evidenciar a sentença recorrida vício previsto no art. 410º, nº 2, do C. Processo Penal.
Para a resolução destas questões, importa ter presente o que de relevante consta da decisão objecto do recurso. Assim:
A) Na sentença foram considerados provados os seguintes factos (transcrição):
“ (…).
1- No dia 1 de Maio de 2007, entre as 19 horas e 45 minutos e as 20 horas e 20 minutos, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula 00-00-VV, marca Audi, modelo A8, pela A 1, no sentido Norte – Sul, ao km 94,5, na zona de Zibreira, na área desta comarca de Torres Novas.
2- Fazia-o sem ser titular de carta de condução que o habilitasse à condução de veículos automóveis ligeiros.
3- Nesse local, no sentido Norte – Sul, na berma direita da citada via, encontrava-se imobilizado, devido a avaria, o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula 00-00-UM, marca Citroen, modelo C3, pertencente a G..., e por ele conduzido.
4- O veículo de matrícula 00-00-UM encontrava -se devidamente sinalizado, com triângulo de pré-sinalização de perigo e com cones de sinalização da "Brisa" que o ladeavam.
5- O referido G... encontrava-se no interior do seu veículo e tinha vestido um colete reflector verde.
6- O arguido circulava na faixa mais à esquerda, a uma velocidade concretamente não apurada, mas superior àquela que lhe permitia controlar o veículo, efectuando uma manobra de ultrapassagem a dois veículos que circulavam na faixa mais à direita.
7- Quando o arguido estava a terminar a manobra de ultrapassagem e retomar a via da direita, não conseguiu controlar o veículo e mantê-lo na faixa de rodagem, saiu desta e foi embater com a sua parte frontal direita na parte traseira e lateral esquerda do veiculo com a matrícula 00-00-UM, que se encontrava imobilizado na berma, devidamente sinalizado.
8- Em consequência do embate, o veículo de matrícula 00-00-UM foi projectado para fora da berma, tendo ficado imobilizado a 26.7m de distância do local do embate, na ribanceira que ladeia a berma da A 1.
9- Por sua vez, o referido G..., que se encontra no interior desse veículo de matrícula 00-00-UM, foi projectado para o exterior do mesmo, ficando a 6/7 metros do veículo.
10- Após o embate, o veículo conduzido pelo arguido ficou imobilizado na via esquerda, junto ao separador central, a 52 metros do local do embate.
11- O arguido saiu do seu veículo e dirigiu-se ao local onde o outro veículo acidentado se encontrava, conjuntamente com as testemunhas A... e C....
12- Na altura, o arguido e as testemunhas A... e C... viram o corpo do referido G... caído no solo, ainda com vida e necessitando de assistência médica de urgência.
13- Após ter perguntado à testemunha C... como estava o referido G... e se era necessário chamara o INEM, e depois daquele lhe ter respondido que a testemunha E... já tinha chamado o INEM, o arguido ausentou-se do local.
14- Em consequência do embate atrás descrito, o referido G... sofreu contusão a nível da região fronto-parietal direita, equimose na região frontal direita, circular com 3 cm de diâmetro, equimose na face lateral esquerda do pescoço, vertical, com 8 cm de comprimento e 3 cm de largura, seis pequenas escoriações, oblíquas, de cima para baixo e para trás, no terço inferior do hemitórax direito, com cerca de 2 cm cada e uma fractura de C 1, com secção medular, amolecimento e hemorragia a esse nível.
15- Estas lesões traumáticas crânio-encefálicas e raquimedulares provocaram ao referido G... directa e necessariamente a morte.
16- O embate ocorreu na berma, junto à faixa direita de rodagem em que seguia o veículo conduzido pelo arguido.
17- No local do embate, a faixa de rodagem tem uma configuração rectilínea, em patamar, com 7,60 metros de largura, existindo duas vias de trânsito no mesmo sentido.
18- A berma onde estava o veículo com a matrícula 00-00-UM tem 3 metros de largura.
19- A via é construída em pavimento betuminoso, em estado razoável de conservação.
20- A via estava na altura ladeada do lado esquerdo por um separador central, de plástico, móvel e, do lado direito, por vegetação rasteira.
21- A via no local encontra-se sinalizada com um sinal de proibição de circulação acima dos 100 Km/hora.
22- Chovia com intensidade e a estrada estava molhada.
23- O veículo conduzido pelo arguido tinha, à data dos factos, o pneumático da frente direito em desconformidade no que diz respeito à altura dos relevos principais da zona de rodagem, sendo que o mesmo apresentava relevo com altura de 1 mm.
24- O arguido sabia que não era titular de carta de condução que lhe permitisse conduzir o aludido veículo em que se fez transportar e que a mesma era imprescindível ao exercício daquela actividade e, não obstante, quis conduzir a viatura nos termos referidos supra.
25- O arguido iniciou esse dia a condução sem, previamente, ter verificado o estado dos
pneumáticos do veículo que conduzia, como podia e devia ter verificado.
26- O arguido não adequou a velocidade que imprimia ao veículo, de modo a que, atendendo às características e estado da via, do veículo e do pneu, às condições meteorológicas que se verificavam na altura, pudesse, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade fosse de prever, como a finalização de ultrapassagem e o regresso à via mais à direita.
27- O arguido agiu de forma descuidada, contra o que podia e devia ter feito.
28- O arguido sabia que devia conduzir de forma cuidadosa e que devia ter adequado a velocidade do veículo que conduzia às condições climatéricas que se verificavam na altura. Contudo assim não o fez, tendo com essa actuação dado causa ao embate.
29- Era previsível para o arguido que da sua conduta pudesse resultar o embate noutros veículos, designadamente o verificado entre o veículo por si conduzido e o veículo de matrícula 00-00-UM.
30- Era previsível para o arguido que da sua conduta, e em resultado do embate referido supra, podiam resultar para o referido G..., que se encontrava no interior da viatura, as lesões traumáticas verificadas que lhe provocaram a morte.
31- O arguido sabia que o referido G... se encontrava com vida, sendo seu dever ajudar a vítima do embate que causou e, promover o respectivo socorro.
32- O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei penal.
33- O referido G... faleceu entre as 21 horas e 15 minutos e as 21 horas e 39 minutos.
34- Com base no falecimento do referido G... em consequência do acidente descrito supra, foram requeridas ao demandante Instituto da Segurança Social as respectivas prestações morte, as quais foram deferidas.
35- Em consequência o demandante ISS pagou a título de subsídio por morte o montante de 9.725,47 euros.
36- A título de pensões de sobrevivência, o demandante ISS pagou o montante global de 1.437 euros, no período de 6-2007 até 3-2008.
37 - O valor actual e mensal da pensão de sobrevivência é de 119,75 euros.
38- O referido G... não fez testamento ou qualquer disposição de última vontade e deixou como único e universal herdeiro o demandante V..., seu filho.
39- Na data referida em 1), através de um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice nº 0084/10218024, a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo veículo de matrícula 00-00-VV, encontrava-se transferida para a demandada G....
40- O referido G... encontrava-se a trabalhar como engenheiro informático para a firma: "M… – Sociedade de Prestação e Gestão de Serviços, S.A., a exercer funções de desenvolvimento de "software".
41- O referido G... concluiu com sucesso um curso na Oracle University.
42- O referido G... desempenhou na firma E…, S.A., a função de Programador Júnior, com empenho e diligência, entre 12 de Março de 2001 e 25 de Fevereiro de 2005.
43- O referido G... tinha conseguido resultados a nível profissional de excelente qualidade.
44- À data do seu falecimento, a vítima G... auferia mensalmente a quantia de 1.450 euros, a título de vencimento base, acrescida da importância diária de 6,05 euros a título de subsídio de refeição.
45- Na sequência do embate referido supra, o veículo de matrícula 00-00-UM sofreu estragos na parte traseira esquerda, não sendo viável a sua reparação.
46- Por acordo homologado por sentença proferida no dia 19 de Abril de 2001, devidamente transitada em julgado, nos autos de divórcio por mútuo consentimento nº 135/00, que correram termos na 23 secção, do 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, ficou o referido G... obrigado a pagar, a título de pensão de alimentos a favor do demandante V..., a prestação mensal de Esc- 60.000$00, correspondente actualmente a 299,28 euros.
47- Ficou ainda acordado no processo referido em 45) que a prestação mensal da pensão de alimentos seria actualizada anualmente no mês de Janeiro, na proporção do aumento do vencimento do pai ou de acordo com a taxa de inflação anual publicada pelo INE.
48- No acordo que definiu o regime de regulação do poder paternal do demandante referido em 45) ficou ainda estabelecido que o referido G... ficava obrigado a proceder ao pagamento a meias de todas as despesas de saúde, incluindo consultas de rotina e com a educação, abrangendo gastos com o colégios, estabelecimentos de ensino e de formação, bem como com outras actividades extracurriculares (estas desde que aprovadas por ambos progenitores).
49- O demandante V... nasceu no dia 16 de Abril de 1999.
50- O demandante é um aluno estudioso, aplicado, atento e interessado.
51- No dia 26-2-2008 foi despendida a quantia de 70 euros na consulta de nefrologia a que se submeteu o demandante.
52- No dia 7-3-2008 foi despendida a quantia de 70 euros na consulta de oftalmologia que se submeteu o demandante.
53- No dia 14-3-2008 foi despendida a quantia de 35 euros na consulta de nefrologia, a que se submeteu o demandante.
54- No dia 19-3-2008 foi despendida a quantia de 85 euros na consulta de pediatria, a que se submeteu o demandante.
55- No dia 18-6-2007 foi despendida a quantia de 70 euros em 2 sessões de fisioterapia, a que se submeteu o demandante.
56- No dia 27-7-2007 foi despendida a quantia de 350 euros em 7 sessões de fisioterapia, a que se submeteu o demandante.
57- Foi despendida a quantia de 60 euros em duas sessões de fisioterapia, a que se submeteu o demandante.
58- No dia 24-9-2007 foi despendida a quantia de 60 euros em duas sessões de fisioterapia, a que se submeteu o demandante.
59- No dia 17-10-2007 foi despendida a quantia de 250 euros em 5 sessões de fisioterapia, a que se submeteu o demandante.
60- No dia 5-11-2007 foi despendida a quantia de 60 euros em duas sessões de fisioterapia, a que se submeteu o demandante.
61- No dia 14-12-2007 foi despendida a quantia de 60 euros em duas sessões de fisioterapia, a que se submeteu o demandante.
62- No dia 26-12-2007 foi despendida a quantia de 600 euros em duas sessões de fisioterapia, a que se submeteu o demandante.
63- No dia 9-4-2008 foi despendida a quantia de 60 euros na consulta de psicologia, a que se submeteu o demandante.
64- No dia 7-3-2007 foi despendida a quantia de 315 euros na matrícula do demandante no Colégio Príncipe Carlos, que frequenta.
65- No dia 12-2-2007 foi despendida a quantia de 455,40 euros na mensalidade do Colégio Príncipe Carlos, que o demandante frequenta.
66- No dia 9-5-2007 foi despendida a quantia de 425,20 euros na mensalidade do Colégio Príncipe Carlos, que o demandante frequenta.
67- No dia 17-4-2007 foi despendida a quantia de 461,60 euros na mensalidade do Colégio Príncipe Carlos, que o demandante frequenta.
68- No dia 12-6-2007 foi despendida a quantia de 449,20 euros na mensalidade do Colégio Príncipe Carlos, que o demandante frequenta.
69- No dia 19-9-2007 foi despendida a quantia de 220,50 euros na mensalidade do Colégio Príncipe Carlos, que o demandante frequenta.
70- No dia 9-10-2007 foi despendida a quantia de 457 euros na mensalidade do Colégio Príncipe Carlos, que o demandante frequenta.
71- No dia 8-11-2007 foi despendida a quantia de 473,60 euros na mensalidade do Colégio Príncipe Carlos, que o demandante frequenta.
72- No dia 5-12-2007 foi despendida a quantia de 483,30 euros na mensalidade do Colégio Príncipe Carlos, que o demandante frequenta.
73- No dia 14-2-2008 foi despendida a quantia de 473 euros na mensalidade do Colégio Príncipe Carlos, que o demandante frequenta.
74- No dia 10-3-2008 foi despendida a quantia de 469 euros na mensalidade do Colégio Príncipe Carlos, que o demandante frequenta.
75- No dia 8-4-2008 foi despendida a quantia de 463,30 euros na mensalidade do Colégio Príncipe Carlos, que o demandante frequenta.
76- No dia 10-3-2008 foi despendida a quantia de 330 euros na matrícula do demandante no Colégio Príncipe Carlos, que frequenta.
77- O custo do cabaz de livros escolares anual, nunca é inferior a cerca de 150 euros/ano.
78- No dia 20-10-2007 foi despendida a quantia de 14,30 euros na papelaria denominada de "Artisintra" para pagamento de material escolar para o demandante.
79- No dia 10-9-2007 foi despendida a quantia de 82,95 euros na papelaria denominada de "Artisintra" para pagamento de material escolar para o demandante.
80- No dia 19 de Abril de 2008, foi despendida a quantia de 275 euros para a aquisição das armações e das lentes dos óculos do demandante.
81- No dia 23-4-2008 foi despendida a quantia de 11,50 euros na consulta de pediatria, a que se submeteu o demandante.
82- No dia 23-4-2008 foi despendida a quantia de 10 euros em RX, a que se submeteu o demandante.
83- No dia 30-4-2008 foi despendida a quantia de 50 euros em uma sessão de fisioterapia, a que se submeteu o demandante.
84- No dia 30-4-2008 foi despendida a quantia de 500 euros em dez sessões de fisioterapia, a que se submeteu o demandante.
85- No dia 21-4-2008 foi despendida a quantia de 60 euros numa consulta de psicologia, a que se submeteu o demandante.
86- No dia 15-5-2008 foi despendida a quantia de 85 euros numa consulta de psicologia, a que se submeteu o demandante.
87 - No dia 7-5-2008 foi despendida a quantia de 60 euros numa consulta de psicologia, a que se submeteu o demandante.
88- O demandante irá prosseguir com as consultas por um psicólogo por um período mínimo de 4 meses, tendo cada uma delas o custo de 60 euros.
89- No dia 11-9-2007 foi despendida a quantia de 49,80 euros na firma denominada de "Modester 2 - Comércio, Importação e Exportação" para pagamento de equipamento escolar.
90- No dia 11-9-2007 foi despendida a quantia de 189,34 euros na firma denominada de "Papelaria Fernandes" para pagamento de material escolar.
91- O demandante padece de uma malformação no pé.
92- O referido G... faleceu com 33 anos de idade.
93- O referido G... era um amigo muito dedicado a todos os seus amigos, que o estimavam e admiravam.
94- Era doador de sangue e encontrava-se inscrito para doar medula óssea.
95- Possuía uma cultura geral acima da média e interessava-se sobre uma variedade enorme de assuntos.
96- O referido G... praticava frequentemente natação e corrida.
97- O referido G... tinha uma relação muito próxima com o demandante, seu filho único, existindo entre ambos um entendimento profundo e muito afectivo.
98- O referido G... era o melhor amigo do demandante.
99- O referido G... apoiava e orientava em tudo o demandante, acompanhando-o na evolução do ensino, dedicando-lhe todos os tempos livres e aproveitando por inteiro todo o tempo que o regime de visitas estipulado na regulação do poder paternal lhe permitia aproveitar.
100- O referido G... dava assistência ao demandante em relação aos seus estudos e actividades escolares.
101- O referido G... e o demandante conversavam muito sobre a vida de cada um, o demandante sentia-se muito apoiado, e a todos manifestava alegria e felicidade por estar com o pai.
102- Os pais do demandante são licenciados.
103- O arguido declarou que aufere o vencimento mensal de 1.500 euros da actividade de industrial.
104- Declarou que tem 3 filhos com 15 e 16 anos que se encontram a seu cargo.
105- Declarou que tem uma companheira que é doméstica.
106- Declarou que vive em casa arrendada, pagando de renda um valor não determinado.
107- Tem como habilitações literárias a 4ª classe.
108- Do certificado do registo criminal do arguido consta:
a) Uma condenação no Processo Comum Singular nº 22/04.2TAVRL, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real, pela prática de um crime de descaminho, ocorrido em 4-10-2002, na pena de 7 meses de prisão, suspensa pelo período de 1 ano. A decisão condenatória foi proferida em 3-2-2005;
b) Uma condenação no Processo Comum Singular nº 2.129/99.7JAPRT, da 2ª secção, do 3º Juízo do Tribunal Judicial do Porto, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, ocorrido 27-4-1999, na pena de 120 dias de multa. A decisão condenatória foi proferida em 29-5-2006.
(…)”.
B) Foram considerados não provados os seguintes factos (transcrição):
“ (…).
a) O arguido não providenciou previamente pela prestação de cuidados médicos ao referido G... antes de se ausentar do local.
b) O arguido iniciou a manobra de ultrapassagem sem previamente se certificar de existência de perigo de colisão com outro veículo que transitasse no seu sentido de marcha da via rodoviária em que seguia.
c) O arguido previu como possível embater no veículo de matrícula 00-00-UM, e previu que, com esse embate, poderia provocar a morte do seu ocupante, mas agiu na convicção que tal resultado não iria ocorrer.
d) O arguido não quis promover o socorro do referido G..., antes ausentando-se do local sem previamente providenciar por auxílio médico, bem sabendo que ao actuar desta forma poderia pôr em sério risco a vida do acidentado ou causar-lhe moléstias físicas ou a morte.
e) O falecido G... encontrava-se a desenvolver um determinado "software" para a empresa Siemens, S.A., na sequência de um contrato de prestação de serviços celebrado entre esta última firma, e a empresa "Multipessoal", para quem o referido G... trabalhava.
f) À data do seu falecimento, o referido G... auferia ainda, mensalmente, a quantia de 360 euros, a título de ajudas de custo.
g) À data do acidente descrito supra o veículo de matrícula 00-00-UM tinha o valor venal de 4.500 euros.
h) À data em que faleceu, o referido G... entregava, a título de pensão de alimentos, uma prestação mensal no montante de 372,50 euros.
i) Os avós do demandante são licenciados.
j) Devido a uma malformação congénita, designadamente uma nefropatia do IGA, que o demandante sofre, torna-se necessário consultar o seu urologista 2 vezes por ano.
k) O demandante necessita de ir ao oftalmologista 2 vezes por ano.
l) O demandante gasta 300 euros de cada vez na mudança de lentes e aros dos seus óculos.
m) O demandante vai à consulta de pediatria 4 vezes por ano, despendendo com cada uma a quantia de 85 euros.
n) Devido à malformação congénita no pé que padece, o demandante necessita de efectuar, pelo menos 2 vezes por ano, em cerca de 5 sessões cada, de 15 em 15 dias, tratamentos de fisioterapia que custam 50 euros cada sessão.
o) O demandante necessita de tratamentos aos dentes duas vezes por ano, gastando com cada uma dessas consultas a quantia de 90 euros.
p) O demandante irá passar a ser seguido por um psicólogo, de 15 em 15 dias.
q) A escola frequentada pelo demandante V..., ou seja o Colégio Príncipe Carlos tem o custo mensal de 500 euros, durante 10 meses do ano.
r) O demandante gastou com o funeral do referido G... a quantia de 1.000 euros.
s) O referido G... permaneceu consciente após o acidente referido supra, e esteve sofrer, em agonia e com dores extremas, devido às lesões que lhe advieram do sinistro.
t) O referido G... possuía uma excepcional compleição física e um excelente histórico de saúde.
u) Adquiria jornais, livros e revistas todos os dias, estava sempre a par de tudo o que se passava no País e no Mundo, utilizando todos os meios de comunicação e de notícias a que podia aceder.
v) Possuía bastantes livros, documentos e estudos.
w) Possuía uma biblioteca bastante volumosa, toda bem organizada por ele próprio e cuja consulta fazia diariamente, para além de ter dados organizados informaticamente para habilitar estudos e análises dos mais variados problemas.
x) O que conseguia fazer com rapidez e precisão, competências essas de que os seus amigos, colegas e conhecidos se socorriam frequentemente e perante cujos pedidos de ajuda jamais negou ou se mostrou indiferente.
y) Era muito amigo da sua família, e chegou a ir a pé sozinho até Fátima, em cumprimento de promessa pelas melhoras de uma doença da mãe.
z) O referido G... era uma pessoa que irradiava simpatia, pois relacionava-se com habilidade invulgar com toda a gente.
aa) Para além disso, praticava desporto todos os dias, designadamente futebol, surf e ski.
bb) Pelo menos duas vezes por semana o referido G... levava o demandante à escola e sempre esteve presente nas respectivas reuniões de pais.
cc) O demandante era também acompanhado pelo pai nas consultas médicas, bem como nas deslocações à piscina e ao court de ténis, onde praticavam natação e ténis em conjunto.
dd) Na ocasião referida em 1), no fim de uma curva à direita, o arguido avistou uma luz à direita.
ee) Foi devido ao facto de ter visualizado a luz mencionada em dd) e não ter conseguido ver se a mesma estava na berma ou na faixa de rodagem que o veículo 00-00-VV, tripulado pelo arguido entrou em despiste.
(…)”.
C) E dela consta a seguinte fundamentação de facto (transcrição):
“ (…).
O Tribunal fundou a sua convicção quanto aos factos descritos em cima como estando provados nas declarações do arguido, das testemunhas arroladas na acusação, e das testemunhas arroladas no requerimento onde foi formulado o pedido de indemnização civil, em audiência de discussão e julgamento, nos documentos e relatórios de peritagem juntos aos autos, e na ponderação daí advinda.
Designadamente, tanto o arguido, como as testemunhas A..., C..., E..., que chegaram ao local depois do acidente ter ocorrido e que pararam as viaturas para prestar socorro aos sinistrados, e ainda a testemunha S..., que foi o agente da Brigada de Trânsito da GNR que tomou conta da ocorrência, como a testemunha N..., que foi o militar da GNR que efectuou a investigação dos factos, confirmaram que a data em que os mesmos ocorreram é aquela que consta da acusação.
Por sua vez, o arguido confirmou que os factos se passaram entre as horas referidas na acusação. Esse intervalo horário também resultou do depoimento das outras testemunhas.
O arguido veio igualmente confirmar as características da viatura que tripulava, como sendo aquelas que constam na acusação, e ainda o local onde ocorreu o acidente.
Desse modo, se fez a prova dos factos referidos no ponto 1).
Quanto ao que se passou a seguir o Tribunal deu grande credibilidade ao depoimento das testemunhas A..., C... e E.... Na verdade, estas testemunhas realizaram um depoimento isento, seguro e lógico, tendo resultado assim bastante convincente para o Tribunal. Além disso, nenhuma destas testemunhas tem qualquer interesse no objecto em causa nos autos. O que confere uma plena garantia de isenção, imparcialidade e objectividade do seu depoimento.
Veio assim a testemunha A... informar que seguia dois automóveis atrás em relação ao veículo conduzido pelo arguido. Confirmou ainda a via onde ocorreram os factos, o sentido de trânsito, e as características da viatura conduzida pelo arguido, designadamente que o mesmo era um Audi "topo de gama". Além disso, informou que segui pela via da direita da A 1. Por sua vez, o veículo conduzido pelo arguido seguia pela via da esquerda da auto-estrada em manobra de ultrapassagem da viatura da testemunha e ainda de dois outros veículos que seguiam à frente do conduzido pela testemunha. Informou ainda que seguia a uma velocidade entre 100/110 km/hora. Deste modo, e de acordo com as regras da experiência comum, se o veículo da testemunha seguia a essa velocidade, o do arguido teria de seguir a uma velocidade superior para o poder ultrapassar. Esclareceu ainda que chovia de forma significativa no local onde ocorreram os factos e que o piso estava molhado. Negou, no entanto, que houvessem lençóis de água no local onde ocorreu o acidente. Informou ainda que, depois de ter efectuado a ultrapassagem e quando se preparava para retomar a via da direita, o veículo conduzido pelo arguido entrou em despiste e seguiu descontrolado em direcção à berma direita onde estava imobilizado o outro veículo sinistrado. Que o veículo conduzido pelo arguido foi então embater na parte esquerda da traseira desse outro veículo, abalroando-o. Após o veículo do arguido prosseguiu o seu percurso descontrolado, tendo voltado para a faixa de rodagem, e foi embater nuns rails em plástico que se encontravam no separador central da auto-estrada, imobilizando-se nesse local. Informou ainda esta testemunha que o veículo que estava imobilizado na berma tinha colocado um triângulo de pré-sinalização próximo da traseira, e tinha ainda à sua volta cerca de 4/5 cones que a Brisa costuma colocar para assinalar os veículos avariados. Após o embate, o veículo imobilizado na berma foi projectado e precipitou-se rampa abaixo. Esclareceu ainda que no local haviam sinais indicativos que existiam obras naquele troço.
Esta testemunha informou que, depois de ter visto ocorrer o acidente, parou a sua viatura na berma. Após foi ver como estava o condutor do Audi, ou seja o arguido, apresentando-se este bastante nervoso. Foram então até à berma e verificaram que o veículo que estava na berma tinha levado uma pancada do lado esquerdo e tinha descido a ribanceira existente junto à berma da estrada e tinha capotado. Que entretanto apareceu a testemunha C.... Na sequência as testemunhas A... e C... foram verificar se havia alguém dentro da viatura. Que a testemunha C... encontrou o sinistrado que estava dentro da viatura imobilizada mais à frente no meio de umas ervas. Nessa altura apareceu o arguido a falar ao telefone. Que primeiro perguntou como estava o sinistrado. Após disse que ia chamar o 112. Contudo, começou a andar pelos campos adiante até desaparecer do campo de visão da testemunha. Confrontado com o arguido na audiência de julgamento, esta testemunha A... reconheceu o mesmo como sendo o conduto do Audi.
Informou ainda esta testemunha que quando chegou perto do sinistrado verificou que mesmo ainda se encontrava vivo, na medida em que tinha pulsação e respirava. Que a vítima tinha um colete reflector vestido. E ainda que o INEM, que havia sido chamado pela testemunha E..., chegou cerca das 21,15 horas. Na altura os técnicos do INE tentaram reanimar o sinistrado, sem sucesso. Informou ainda que quando a GNR e o INE chegaram ao local o arguido já aí não se encontrava. Informou ainda que o embate ocorre entre o lado direito frente do Audi conduzido pelo arguido e a parte traseira esquerda da outra viatura que estava imobilizada. Informou ainda que o veículo imobilizado era um Citroen C3.
Por sua vez, a testemunha C... declarou que circulava na mesma via e n mesmo sentido de trânsito do veículo conduzido pelo arguido. Confirmou ainda o local onde ocorreu o acidente como sendo aquele que consta da acusação. Declarou ainda que se apercebeu que algo teria ocorrido quando viu veículos a travar à sua frente e viu estilhaços no chão. Esclareceu ainda que chovia intensamente, o piso da faixa de rodagem estava molhado, mas que não havia lençóis de água. Designadamente, não teve dificuldades e travar e parar a sua viatura, não tendo a mesma escorregado na altura. Logo o piso não tinha poças de água, nem se encontrava escorregadio. Verificou então a presença do veículo tripulado, pelo arguido, cujas características confirmou, designadamente que era um Audi "topo de gama", encostado ao separador central. Informou ainda que parou a sua viatura quando viu a testemunha A... a gesticular na berma do lado direito. Enquanto esposa, ou seja a testemunha E..., ligava para o 112, saiu da viatura e foi ter com testemunha A.... Referiu ter visto o arguido junto ao veículo encostado a separador.
Informou ainda esta testemunha que após se dirigiu para o local onde estava o veículo que estava imobilizado na berma e que tinha sido embatido pelo do arguido, tendo verificado que o mesmo tinha sido projectado para uma ribanceira situada ao lado da berma. Verificou que esse outro veículo sinistrado estava com a porta do lado do condutor aberta. Posteriormente, encontrou o condutor a cerca de 7 metros da viatura. Esclareceu que se acercou desse condutor e verificou que o mesmo encontrava-se inconsciente, mas ainda vivo, embora com o pulso e a respiração fracos. Informou ainda que o arguido se aproximou de si e perguntou-lhe como estava o condutor da outra viatura. Em resposta esta testemunha C... disse ao arguido que a pessoa estava mal. Nessa altura o arguido disse que iria chamar o INEM. Contudo, a testemunha C... respondeu-lhe que tal não era necessário, na medida em que a sua esposa já o tinha feito. Informou ainda que viu então o arguido, ou seja o condutor do Audi, começar a andar para frente ao longo do campo, a falar ao telemóvel, até que desapareceu do seu campo de visão. Que quando chegou a GNR o arguido já não se encontrava no local.
Esclareceu ainda esta testemunha que não havia sinais de travagem na auto-estrada, designadamente deixados pelo veículo conduzido pelo arguido. Os únicos vestígios do acidente eram vidros e plásticos partidos. Que o veículo que estava na berma terá capotado após ter sido embatido pelo conduzido pelo arguido e, após descido a barreira. E ainda que o Audi apresentava danos na parte da frente do lado direito.
Por sua vez, a testemunha E... confirmou que seguia na viatura conduzida pela testemunha C... e que viu os veículos à sua frente com as luzes de travagem. Informou que na ocasião em causa chovia com intensidade, encontrando-se o piso molhado no local, mas sem lençóis de água. Designadamente, pararam a sua viatura sem quaisquer problemas, designadamente em nenhum momento o veículo começou a escorregar. Confirmou ainda o local onde ocorreu o acidente, a via, e ainda o sentido de trânsito. Informou ainda ter visto o veículo conduzido pelo arguido, cujas características confirmou serem as que constam na acusação, designadamente que era um Audi, junto ao separador central. Pararam então na berma do lado direito, onde encontraram a testemunha A... e o condutor do Audi. Confirmou ter sido ela a ligar de imediato para o INEM, através do seu telemóvel. Após sair da viatura, verificou que se encontrava um veículo capotado na valeta e no meio da vegetação. Que posteriormente a testemunha C... encontrou o condutor dessa outra viatura sinistrada, com o colete reflector vestido, poucos metros à frente do veículo. Referiu ainda que o condutor do Audi, após se ter deslocado à sua viatura e ter trocado umas palavras com a testemunha A..., desapareceu de repente, não mais o tendo visto. Que quando chegou a GNR e o INEM o condutor do Audi já não estava no local.
Tanto a testemunha C..., como a testemunha E..., referiram que foram chamados à polícia para fazer o reconhecimento do condutor do Audi. Na ocasião não tiveram dúvidas em identificar o arguido como sendo esse condutor no âmbito dessa prova de reconhecimento. Designadamente, que era uma pessoa de raça negra, alto e bem constituído.
Da análise do auto de reconhecimento junto de fls. 139 a 142, constata-se que efectivamente as testemunhas C... e E... reconheceram sem quaisquer dúvidas arguido como sendo a pessoa que conduzia o Audi interveniente no acidente na ocasião em causa nos autos.
Em qualquer dos casos, tal reconhecimento servirá apenas de prova complementar par tal facto, na medida em que, no seu depoimento, o arguido assumiu que era ele que conduzi o Audi em causa e que foi interveniente no acidente.
Por sua vez, a testemunha S..., que foi o militar da Brigada de Trânsito que tomou conta da ocorrência, referiu ter sido ele que elaborou a participação de acidente d viação que se encontra junta aos autos a fls. 312 e 313. Confirmou então todos os elementos que constam dessa participação. Designadamente, confirmou a data, hora e local onde ocorreu o acidente em causa. Confirmou ainda que as características do local onde ocorreu embate são as que constam igualmente daquela participação do acidente de viação. Também é do conhecimento pessoal do julgador essas características do local, na medida em que passa frequentemente pelo mesmo. Para além disso, confirmou ainda as características da viaturas intervenientes no acidente de viação que se encontram descritas no acidente, o sítio onde os mesmos se encontravam quando chegou ao local, e ainda as medidas que tirou, designadamente como sendo aquelas que constam do croquis junto a fls. 313. Esclarece ainda que tinha estado no local antes do acidente a dar assistência ao veículo Citroen C3, n medida em que o mesmo apresentava uma avaria. Informou que tal veículo ficou imobilizado na berma do lado direito, tendo na sua retaguarda o triângulo de pré-sinalização, e ainda alguns cones da Brisa a rodeá-lo. Que após ter seguido viagem recebeu uma chamada para voltar ao local, na medida em que tinha ocorrido um acidente. Inverteu a marcha e demorou cerca de 30 minutos a voltar ao local. Verificou então que chovia intensamente e que o piso estava molhado. Negou, no entanto, que existissem lençóis de água na faixa de rodagem e no local do acidente, quer na via da esquerda, quer na via da direita. Esclareceu ainda que dificilmente poderia haver acumulação de água no local, na medida em que aquela via está preparada para fazer o escoamento das águas pluviais.
Esta testemunha informou ainda que verificou que o veículo Citroen tinha caído por declive de 2 metros em relação á faixa de rodagem. Por sua vez, o condutor deste Citroen encontrava-se deitado próximo da viatura. Verificou ainda que o outro veículo interveniente no acidente, ou seja o Audi se encontrava junto ao separador central encostado a uns depósitos de plástico com água aí existentes. Esta viatura apresentava danos na parte frontal direita. Referiu ainda que o condutor do Audi já não se encontrava no local, tendo fugido do mesmo, conforme lhe indicaram as testemunhas presentes, não tendo assim sido possível contactá-lo. Esclareceu ainda que não se apercebeu de qualquer rastro de travagem deixado pelo Audi, mas que isso seria normal, na medida em que o ABS normalmente não o deixa.
Confrontada esta testemunha com as fotos juntas de fls. 295 a 298, a mesma confirmou que as mesmas representam o local do acidente. Esta testemunha confirmou ainda que o veículo Audi é o que se encontra representado nas fotografias juntas a fls. 281, 284, 285 e 804 a 807. Confirmou ainda que as fotos juntas a fls. 286 e 811, representam um dos pneus do Audi. Por fim, confirmou que o Citroen interveniente no acidente é o que se encontra representado nas fotos juntas a fls. 282, e 285 a 293, 815 a 818.
Também se considerou o depoimento da testemunha N..., que foi o militar da GNR que efectuou a investigação do acidente. O mesmo informou que chegou ao local cerca de 1 hora depois de ter ocorrido o acidente. Confirmou igualmente o local onde ocorreu o acidente, e o sentido de trânsito. Esclareceu ainda que quando chegou ao local as viaturas ainda se encontravam na posição final após o acidente. Designadamente, o veículo Citroen, que estava imobilizado antes do acidente, tinha caído por um talude com uma altura de cerca de 2 metros. Por sua vez, a outra viatura, o Audi que se encontra descrito na participação de acidente de viação, encontrava-se junto ao separador central, encostado a uns depósitos em plástico, cheios de água ali existentes e que haviam sido colocados devido ao facto de aquele troço se encontrar em obras. Confirmou ainda as posições das viaturas e as medidas que constam do croquis junto a fls. 313. Confirmou também que o condutor do Audi não foi inquirido, na medida em que tinha saído do local antes da chegada da GNR. Que fizeram uma revista ao Audi, tendo encontrado então documentos do arguido, que levaram à sua identificação. Informou ainda que se encontrava a chover, embora de forma não muito intensa, e que o piso se encontrava molhado. Negou, no entanto, que existissem lençóis de água no local, quer na via da direita, quer na via da esquerda. Para além disso, nunca sentiu a viatura que conduziu a escorregar ou a entrar em aquaplaning. Esclareceu, no entanto, que se uma viatura circular a uma velocidade superior a 120 km/hora, a mesma poderá entrar em aquaplaning, mesmo que não exista grande acumulação de água na estrada. Informou ainda que, do exame que efectuou ao Audi, verificou que um dos pneus da frente tinha um relevo inferior ao limite legal.
Confrontado com as fotografias juntas aos autos, referiu ter sido ele a tirar as juntas de fls. 281 a 293. Confirmou que as fotografias juntas a fls. 279 e 280 dão uma perspectiva aérea do local do acidente. Que as fotos juntas a fls. 281 e 282, representa o local final, após o acidente, onde ficaram os veículos Audi e Citroen. Por sua vez, a foto junta a fls. 283 representa um sinal de limitação de velocidade que existia junto ao local do acidente. As fotos juntas a fls. 284 e 285 representam o estado do Audi após o acidente e os danos que o mesmo sofreu. Que a foto junta a fls. 286 representa o estado do pneu do Audi que tinha um relevo inferior ao limite legal, e que se encontrava rebentado. A foto junta a fls. 287 representa o interior do Audi. Que as fotos juntas de fls. 289 a 293 representam o estado Citroen após o acidente e os danos que o mesmo sofreu. Por suas vez, as fotos juntas de fls. 295 a 298 consistem em fotogramas retirados das imagens gravadas pelas câmaras de vídeo da Brisa e que representam algumas situações após o acidente ter ocorrido. Informou que na altura ainda não se encontrava totalmente escuro, conforme resulta da imagem constante desses fotogramas.
Esclareceu ainda esta testemunha que não verificou rastros de travagem no local por parte da viatura Audi. Mas que tal situação seria normal, na medida em que a acção do ABS não deixa esses rastros.
Refira-se que o arguido veio igualmente declarar no seu depoimento que, após entrar em despiste, o veículo por si conduzido, foi embater com a parte frontal direita na parte traseira do lado esquerdo de uma outra viatura que estava imobilizada na berma da auto-estrada. Que após o embate a sua viatura prosseguiu em despiste, reentrando na faixa de rodagem, até se imobilizar junto ao separador central. Que após sair da viatura foi com a testemunha A... à procura da pessoa que estava dentro da viatura imobilizada na berma. Viatura essa que tinha caído numa ribanceira situada junto à berma. Referiu ainda o arguido que se ofereceu para chamar a ambulância, mas que a testemunha lhe disse que aquela já tinha sido chamada. Finalmente, declarou ainda, com credibilidade que foi juntamente com a testemunha até junto do condutor da viatura.
Com base nestes meios de prova se fez assim a demonstração dos factos referidos nos pontos 1), 3) a 13), e 16) a 23).
Consequentemente, o Tribunal ficou firmemente convicto de que, na data, hora e local, referidos na acusação, quando pretendia retomar a via da direita, após ter ultrapassado dois outros veículos, devido à velocidade excessiva em que circulava, tendo em conta que chovia intensamente, e que o piso da faixa de rodagem estava molhado, e ao facto de ter, pelo menos, um dos pneus da viatura com relevo inferior ao limite legalmente determinado, o arguido perdeu o controle da viatura. Esta entrou então em despiste e foi embater no veículo de matrícula D2-72-UM, que se encontrava na berma da estrada, devido ao facto de ter sofrido uma avaria. No interior da viatura encontrava-se o referido G.... Devido ao embate, a viatura 00-00-UM foi projectada para uma valeta com uma altura de 2 metros que se situa ao lado da berma da estrada. O referido G... foi igualmente "cuspido" da viatura, tendo ficado deitado uns metros mais à frente. Já o veículo conduzido pelo arguido voltou à faixa de rodagem após o embate e acabou por se imobilizar junto ao separador central.
O Tribunal ficou igualmente convicto que, após se inteirar do estado da vítima G..., o arguido fugiu à fiscalização da GNR, abandonando o local, quando se apercebeu que os militares daquela força policial estavam a chegar. Pretendeu o arguido manifestamente eximir-se às suas responsabilidades, evitando que fossem detectadas as ilicitudes por si cometidas. Designadamente, resulta dos elementos de prova produzidos nos autos que o arguido conduzia sem que fosse titular de carta de condução. Além disso, o arguido verificou o resultado trágico do acidente por si provocado, designadamente que se encontrava uma pessoa no interior da viatura em que havia embatido, e que a mesma se encontrava em perigo de vida. Receou assim o arguido que lhe imputassem a morte do falecido G... devido ao facto de a viatura por si conduzida ter embatido naquele em que aquele se encontrava. Para evitar ser confrontado com essas situações, o arguido optou por abandonar o local antes da chegada dos militares da GNR, certamente fazendo votos para ninguém estivesse em condições de o identificar.
Estamos também convictos que o veículo do arguido circulava a uma velocidade superior a 120 km/hora. Na verdade, apenas assim se explica que o arguido não tenha conseguido controlar a viatura após ter efectuado uma ultrapassagem, e ainda a violência do embate. Para além disso, tendo em conta que a testemunha A... referiu que circulava a uma velocidade entre 100 e 110 km/hora, se o veículo do arguido o ultrapassou é porque circulava a uma velocidade manifestamente superior. Verifica-se que o arguido excedeu manifestamente a velocidade adequada para o local, e atentas as condições atmosféricas e do piso da estrada. Tanto mais que ficou igualmente demonstrado nos autos que o troço da A 1 em causa estava em obras (como é aliás do conhecimento pessoal do julgador), e que havia próximo do local onde ocorreu o acidente um sinal limitador da velocidade a 100 km/hora. Refira-se que o próprio arguido referiu no seu depoimento ter visto no local um sinal indicativo de que a estrada estava em obras. Ora, este sinal é necessariamente indiciador de perigo e aconselha os automobilistas a moderar a velocidade.
Por outro lado, o Tribunal não deu qualquer credibilidade à história rocambolesca e surrealista apresentada pelo arguido de que, após se ter inteirado do estado do falecido G..., lhe deram umas cólicas e teve de ir fazer uma necessidade fisiológica. Devido a esse facto ausentou-se do local, seguindo a andar pelo campo. E ainda que após ter feito a necessidade sentiu tonturas e desmaiou. Trata-se efectivamente de uma história sem nexo e bastante conveniente para justificar o facto do arguido se ter ausentado do local, não tendo ficado à espera que chegassem os agentes de autoridade. Não fica esclarecido é a razão pela qual o arguido não voltou ao local do acidente, tendo abandonado aí a sua viatura. Por outro lado, as declarações do arguido não constituem qualquer presunção de veracidade. Presunção essa que teria de ser ilidida por prova em contrário. Pelo contrário, tendo em conta que o arguido não está obrigado a falar com verdade, nem presta juramento, o grau de fidedignidade das suas declarações é muito relativo.
Acresce que o Tribunal não considerou minimamente convincente a versão dos factos apresentada pelo arguido na parte em que alega que terá perdido o controlo da viatura devido ao facto de ter apanhado um lençol de água, entrando em aquaplaning, e que terá ainda travado antes de embater na viatura que estava na berma da estrada. De facto, o arguido limitou-se a vir fazer o que normalmente fazem a maior parte dos arguidos, mesmo quando confrontados com provas no sentido contrário, ou seja negam que os factos que subsumiriam na actividade ilícita por eles desenvolvida tivessem ocorrido e tentam arranjar uma versão alternativa para alijarem as suas responsabilidades. Para além disso, as declarações do arguido, nesta parte, foram de forma convincente desmentidas pelos meios de prova referidos supra, designadamente pelo depoimento das testemunhas arroladas na acusação, A..., C..., E..., S... e N.... Desse modo, não se ponderou o depoimento do arguido para efeito de prova nesta parte.
Por outro lado, para a prova de que o arguido não é titular de carta de condução, levou-se em conta a informação prestada pela Embaixada de Cabo Verde em Portugal, na medida em que o arguido é de nacionalidade cabo-verdiana, junta a fls. 396, onde consta que ele não é titular de qualquer título de condução. Por outro lado, não resulta dos autos qualquer informação de que o arguido seja titular de carta de condução emitida em Portugal. Aliás, o próprio arguido negou que fosse titular de carta de condução portuguesa.
Daí a prova do facto referido no ponto 2).
Por outro lado, o Tribunal não deu mais uma vez qualquer credibilidade à história rocambolesca apresentada pelo arguido de que seria titular de carta de condução cabo-verdiana, mas que a mesma lhe teria sido apreendida há uns tempos pela polícia. Atenta a informação prestada pela própria Embaixada de Cabo Verde, referida supra, ter-se-á que concluir que a mesma é destituída de qualquer credibilidade e que não é verdadeira.
Para a prova das lesões que sofreu a vítima G... em consequência do acidente e que vêm descritas no ponto 14), e o facto de as mesmas terem sido causa da sua morte, conforme resulta do ponto 15), o tribunal utilizou o relatório da autópsia, junto ao autos de fls. 377 a 383, onde constam tais factos.
Resulta ainda da informação constante do relatório de autópsia, a fls. 378 que, quando chegou ao hospital, pelas 21 ,40 horas, o referido G... já tinha falecido. Por outro lado, as testemunhas C... e A... referiram que quando o INEM levou aquele G..., pelas 21,15 horas, o mesmo ainda se encontrava vivo. Daí se ter dado como provado que o referido G... faleceu no período temporal referido no ponto 33).
O tribunal deu como provada a intenção do arguido em conduzir o veículo apesar de não ser titular de carta de condução, e apesar de ter conhecimento que apenas esse documento o habilitava a conduzir aquele tipo de veículo automóvel, com base nas regras da experiência comum, na medida em que ele estava necessariamente a realizar esse condução de forma voluntária e consciente. Daí a prova do facto referido no ponto 24).
Por outro lado, o arguido sabia perfeitamente que devia adequar a velocidade em que veículo por si conduzido circulava às condições climatéricas e ao estado do piso da estrada, de forma a que pudesse executar, em segurança, as manobras cuja necessidade fosse de prever, designadamente a finalização da ultrapassagem que estava a efectuar e o regresso à via mais à direita. Sabia também que deveria conferir o estado dos pneumáticos antes de iniciar a viagem que iria fazer, de forma a verificar se o relevo dos mesmos se encontrava dentro do limite legal. Sabia também que se circulasse em excesso de velocidade, atentas as condições atmosféricas e o estado do piso da estrada, ou seja a chover intensamente e com o piso molhado, e se tivesse os pneus com o relevo inferior ao limite legal, a viatura por si conduzida perderia aderência e que haveria um risco muito forte de perder o controlo da mesma, caso ela começasse a escorregar, e de se despistar, como efectivamente aconteceu. Não obstante resolveu desrespeitar as referidas regras do trânsito rodoviário referidas supra. Daí a prova dos factos referidos nos pontos 25) a 28).
Para a prova dos factos referidos de 29), 30) e 32), o Tribunal ponderou os elementos de facto anteriores e que retractam a dinâmica do acidente. Levou ainda em consideração as regras da experiência comum. Na verdade, consideramos ser totalmente previsível para o arguido que se não respeitasse as referidas normas do trânsito rodoviário, designadamente as que determinam que, perante as condições adversas existentes, ou seja com chuva intensa e com o piso da faixa de rodagem molhado, e ainda com um pneu com relevo inferior ao limite legal, deveria moderar a velocidade, deixaria de poder realizar, em segurança, a manobra que pretendia realizar, ou seja de terminar uma ultrapassagem e retomar a via mais à direita, correndo sério risco de o veículo por si conduzido perder aderência e se despistar. Era igualmente previsível para o arguido que se o veículo por si conduzido se despistasse poderia embater noutros veículos que circulassem na mesma altura pela faixa de rodagem da via por onde seguia, ou então contra veículos que se encontrassem na berma dessa via. Era também previsível para o arguido que se embatesse em qualquer veículo, poderia provocar lesões e mesmo a morte dos ocupantes do mesmo, como efectivamente aconteceu. O arguido não pôs assim em prática os cuidados necessários e que estava obrigado.
Terá assim que concluir-se que o arguido negligentemente provocou o resultado danoso da sua actividade consistente na morte do ofendido G....
Por outro lado, para a prova dos factos referidos nos pontos 34) a 37), ou seja de ter sido concedido, após ter sido solicitado, o pagamento do subsídio de morte referente ao falecido G..., e da pensão de sobrevivência, e ainda de qual o valor dos mesmos, o Tribunal levou em consideração os documentos juntos de fls. 453 a 456, onde constam tais factos.
Por outro lado, para a prova de que o demandante V..., na qualidade de seu filho, é o único herdeiro do falecido G..., conforme vem indicado no ponto 38), o tribunal levou em consideração a escritura de habilitação que se encontra junta aos autos de fls. 480 a 482 a e onde se encontra atestado tal facto.
A prova do facto referido em 39), ou seja que a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo veículo conduzido pelo arguido, de matrícula 00-00-VV, tinha sido transferida para a demandada G... foi efectuada com base na apólice de seguro junta a fls. 685 e 686.
Por outro lado, para a prova da empresa para a qual o referido G..., do seu currículo, e ainda do seu vencimento, sendo que tais factos se encontram descritos nos pontos 41),42) e 44), levou-se em consideração os documentos juntos de fls. 869 a 875 onde os mesmos constam.
Já a prova do facto referido em 45), ou seja que o veículo de matrícula 00-00-UM ficou irrecuperável após o acidente, atento os estragos que sofreu, o Tribunal levou em consideração as fotos do mesmo após o sinistro que se encontram juntas aos autos, e ainda o documento junto a fls. 965.
Para a prova de que no regime de regulação do poder paternal do demandante V... constam as clausulas que se encontram referidas nos pontos 46) a 48), inclusive, o Tribunal levou em consideração os documentos juntos aos autos de fls. 487 a 496, onde constam tais factos.
Para a prova que a data de nascimento do demandante V... é que se encontra referida no ponto 49), levou-se em consideração o respectivo assento de nascimento junto a fls. 545.
Por outro lado, para a prova da realização das despesas com a saúde e com a educação do demandante que se encontram referidas nos pontos 51) a 76), e 78) a 87), e ainda o valor de cada uma delas, levaram-se em consideração os documentos juntos aos autos de fls. 881 a 914, 924, 926, 930 a 935, 940, 951, e 960.
Refira-se ainda que o demandante juntou aos autos alguns documentos de onde não se pode extrair que estejam em causa despesas referentes ao mesmo, na medida em que deles não consta o seu nome. A título de exemplo indicam-se os juntos a fls. 953 e 954.
A prova do facto referido no ponto 77) resultou do senso comum.
Para a prova da idade que o referido G... tinha quando faleceu, e que se encontra referida no ponto 92), levou-se em consideração o relatório de autópsia onde consta tal facto.
Por outro lado, para a prova das características da personalidade do falecido G..., designadamente as que se encontram referidas nos pontos 43), e 93) a 96), inclusive, o tribunal levou em consideração os documentos juntos de fls. 876 a 879. Para além disso, as testemunhas H..., M..., P... e D..., que eram amigos do referido G..., vieram igualmente descrever no seu depoimento as características da sua personalidade.
Por sua vez, as testemunhas T..., que é a professora do demandante, e I... que é a psicóloga do colégio que ele frequenta, vieram descrever o percurso escolar do demandante, e ainda a forma como ele ficou perturbado psicologicamente após a morte do referido G....
Também as testemunhas F..., que se encontra casado com a avó materna do demandante, E..., que é pai do falecido G..., e ainda as testemunhas H..., M..., que é igualmente psicóloga, D... e P..., vieram, no seu depoimento, descrever a grande proximidade e afectividade que existia entre o demandante e o falecido G.... Designadamente, que este aproveitava todas as oportunidades para estar com o filho, e procurava acompanhá-lo sempre que possível. De tal forma pretendia o mesmo manter-se próximo do filho, que o referido G... rejeitou algumas propostas de emprego aliciantes para trabalhar no estrangeiro. Vieram ainda estas testemunhas descrever a forma como o demandante ficou perturbado e afectado psicologicamente com a morte do referido G..., e ainda a forma como ele sente a sua falta.
Com base nestes elementos de prova se fez assim a demonstração dos factos referidos nos pontos 50), e 97) a 101), inclusive.
Para a prova do facto referido em 91), ou seja que o demandante tem uma malformação num pé, levou-se em consideração a declaração médica junta a fls. 928.
Por sua vez, para a prova de que o demandante irá prosseguir com o acompanhamento com um psicólogo, conforme referido no ponto 88), levou-se igualmente em consideração a declaração médica junta a fls. 938.
Por outro lado, não se deu como provado que o demandante pagou a importância que refere no requerimento onde formulou o pedido de indemnização civil para o funeral do falecido G..., na medida em que, como única prova para esse facto, apresentou os documentos junto a fls. 962 e 963. Contudo, tais documentos não se encontram em nome do demandante, mas sim de L.... Logo não há prova de que foi o demandante que pagou aquela quantia.
O conhecimento da situação económica e familiar do arguido resultou das suas declarações.
Para a prova dos antecedentes criminais do arguido utilizou-se o Certificado de Registo Criminal, junto aos autos de fls. 556 a 557-A, e de fls. 650 a 652.
A conclusão de que os factos referidos acima não se encontram provados, resultou do facto de não ter sido realizada qualquer prova, ou prova convincente sobre os mesmos.
Designadamente, o demandante não logrou fazer prova em relação aos factos por si alegados no requerimento em que formulou o pedido de indemnização que demonstravam a existência efectiva de determinadas causas para despesas de saúde, escolares extracurriculares, e ainda que a ocorrência das mesmas se iria prolongar no tempo e no futuro.
(…)”.
Da exiguidade dos montantes indemnizatórios fixados pelo dano morte e pelos danos não patrimoniais próprios do recorrente
1. Diz o recorrente que a indemnização fixada pelo dano morte de seu pai [€ 55.000] se encontra fixado cerca de € 10.000 abaixo do que a personalidade da vítima e o seu perfil profissional pressuporiam.
Para tanto invoca a idade da vítima [33 anos], a sua excepcional compleição física e saúde, a circunstância de ser uma pessoa dedicada aos amigos e solidária [era dador de sangue e estava inscrito como dador de medula] que irradiava simpatia e facilmente se relacionava, a circunstância de ser pessoa muito informada e com uma cultura geral acima da média, sendo possuidor de uma biblioteca volumosa e bem organizada, muitos livros, documentos e estudos, a circunstância de ser um amante do desporto [que todos os dias praticava] e de ser muito amigo da família e, particularmente, do filho ora recorrente.
De tudo isto, o que resultou provado é que a vítima, pai do recorrente, faleceu com 33 anos de idade, era muito dedicado aos seus amigos que o estimavam e admiravam, era doador de sangue e encontrava-se inscrito para doar medula óssea, possuía uma cultura geral acima da média e era pessoa interessada em vários assuntos, praticava frequentemente natação e corrida, e tinha uma relação muito próxima com o recorrente, seu filho único, existindo entre ambos um entendimento profundo e muito afectivo.
O direito à vida é o primeiro, o mais importante, dos direitos absolutos. É o bem supremo, cuja tutela é assegurada pelo art. 24º, da Constituição da República Portuguesa. E que a sua violação gera um dano susceptível de compensação, não se dúvida.
A questão colocada é a de saber como fixar o quantitativo que compense a produção do dano. A regra é-nos dada pelo art. 496º, nº 3, do C. Civil: o montante da indemnização pelos danos não patrimoniais será fixado equitativamente.
O direito à vida, como direito absoluto inerente à condição humana que é, deve, em abstracto, obter sempre a mesma valoração absoluta isto é, todas as vidas se equivalem. Mas esta afirmação não significa que, em cada caso concreto e, precisamente por isso, por razões de equidade, não devam nem possam ser ponderados determinados factores que estabeleçam diferenças no montante indemnizatório a fixar. Na verdade, a justiça do caso concreto pode impor a consideração de elementos relativos à idade, à saúde, à integração e desempenho social da vítima, entre outros como factores de valoração do dano (Cfr. neste sentido, Acs. do STJ de 11 de Dezembro de 2008, proc. nº 08B2935, de 27 de Setembro de 2007, proc. nº 07B2737, ambos in, http://www.dgsi.pt, e de 25 de Março de 2004, CJ, S, XII, I, 140; e em sentido contrário, Ac. do STJ de 8 de Junho de 2006, proc. nº 06A1464, in, http://www.dgsi.pt). Em todo o caso, como nota o Cons. Sousa Dinis, estamos perante parâmetros genéricos que deixam a cada juiz um âmbito de decisão suficientemente elástico para que possam em cada caso, expressar a arte de minorar a supressão do direito à vida (CJ, S, IX, I, 7). Mas, a título meramente indicativo, não deixaremos de referir algumas decisões do nosso mais Alto Tribunal: assim, o acórdão de 4 de Novembro de 2003 (CJ, S, XI, III, 133) fixou o montante devido pelo dano morte em € 40.000, os acórdãos de 8 de Junho de 2006 (já identificado), de 24 de Outubro de 2006 (proc. nº 06A3021, in, http://www.dgsi.pt), 18 de Dezembro de 2007 (proc. nº 07B3715, in, http://www.dgsi.pt), e de 23 de Abril de 2008 (proc. nº 08P303, http://www.dgsi.pt), fixaram aquele montante em € 50.000, e os acórdãos de 30 de Outubro de 2008 (proc. nº 08B2989, in, http://www.dgsi.pt) e de 11 de Dezembro de 2008 (já identificado) fixaram o mesmo montante em € 60.000.
Sendo a vítima um homem jovem, promissor engenheiro informático, saudável, solidário, culto, amante da prática desportiva, e muito próximo do filho, dúvidas não restam de que tinha diante de si um futuro longo e prometedor, sobejando-lhe motivos para encarar de forma alegre e positiva o caminho a percorrer, que foi abruptamente interrompido pelo acidente de que o arguido e segurado da demandada é o único responsável.
Por isso mesmo entendemos que o montante de € 60.000 para compensação do dano morte de mostra mais adequado, atenta a ponderação global daqueles factores, à realização da justiça do caso concreto.
Concluindo, fixa-se em € 60.000 a indemnização devida para compensação do dano morte.
2. Diz o recorrente que a indemnização fixada pelo dano causado pelo desgosto sofrido com a morte do seu pai [€ 25.000] é inferior à devida, dada a invulgarmente afectiva, sólida e profunda relação existente entre ambos, devendo tal indemnização ser fixada em montante não inferior a € 30.000.
Para tanto invoca a invulgarmente afectiva, sólida e muito profunda relação existente entre pai e filho, resultando da morte do pai do recorrente um desgosto marcante e que perdura e que marcará a sua formação e equilíbrio psicológico.
Com relevo para a questão provou-se que o recorrente é filho único da vítima, existindo entre ambos uma relação muito próxima, de grande amizade e afectividade e de entendimento profundo, sendo o recorrente apoiado, orientado e acompanhado pelo pai na evolução do seu percurso escolar, dedicando-lhe todos os tempos livres e aproveitando integralmente os períodos de visitas fixados, conversando ambos muito sobre as respectivas vidas e manifestando o recorrente a todos a sua satisfação por estar com o pai.
Também aqui estamos perante um dano não patrimonial que, pela sua gravidade, merece a tutela do direito (art. 496º, nº 1, do C. Civil). Já sabemos igualmente que a regra para a sua fixação é a do recurso à equidade (nº 3 do mesmo artigo). Podemos pois dizer que na fixação deste dano há que encontrar a quantia que, idealmente, proporcione ao lesado momentos de alegria, de satisfação e de distracção, que atenuem a dor sofrida, sempre tendo em vista a justiça do caso concreto.
Como se refere na sentença recorrida, os factos provados evidenciam a existência de uma relação de empatia e afectividade profunda entre pai e filho e por isso a morte daquele causou no recorrente, inevitavelmente, um profundo desgosto e abalo, que perdurarão no tempo.
Mas, em boa verdade, esta é a relação esperada entre pais e filhos, muito particularmente, quando se trata de crianças. Na verdade, se um pai não é o melhor amigo do filho com a idade do recorrente, não o apoia e acompanha no seu percurso escolar, se não o acompanha nas brincadeiras e nos tempos livres e muito particularmente [porque esta era a circunstância do recorrente] não esgota com o filho todas as possibilidades de estar com ele conferidas pelo regime de visitas fixado, é um pai ausente, um pai que não cumpre as suas responsabilidades parentais, e que por isso se torna merecedor de censura. Felizmente, não era esta, como se provou, a relação existente entre o recorrente e o seu pai.
Por isso, e ainda que o tempo tudo atenue, a brusca perda do pai e o desgosto evidente que tal causou no recorrente, enquanto dano não patrimonial, impõem a fixação de uma indemnização adequada à ponderação global daqueles pressupostos.
E foi precisamente isso o que se fez na sentença recorrida. O montante fixado para a compensação devida por este dano mostra-se razoável, adequado e mesmo, superior ao critério seguido em algumas decisões do nosso mais Alto Tribunal (cfr. Acs. do STJ de 23 de Abril de 2008, já identificado, e de 8 de Maio de 2008, proc. nº 08B726, in, http://www.dgsi.pt), realizando por isso, a justiça do caso concreto.
Concluindo, mantém-se a indemnização de € 25.000, fixada na sentença recorrida, para compensação dos danos não patrimoniais próprios do recorrente.
Do reembolso das despesas com o funeral da vítima
3. Pretende o recorrente ter direito a receber a quantia correspondente às despesas que, em seu nome, alguém assumiu, para pagamento do funeral do seu pai.
As despesas com o funeral da vítima integram o objecto da indemnização que o responsável está obrigado a satisfazer, como claramente resulta do disposto no art. 495º, nº 1, do C. Civil.
A este respeito foi alegado no pedido de indemnização civil deduzido pelo recorrente (art. 47º) que, entre os danos que sofreu, com o funeral foram suportadas despesas em cerca de € 1.000.
A alínea r), dos factos não provados da sentença recorrida tem a seguinte redacção: “O demandante gastou com o funeral do referido G... a quantia de 1.000 euros.”.
A convicção formada pelo Mmo Juiz a quo relativamente a este facto não provado encontra-se expressa, de forma clara e inequívoca, na fundamentação de facto da sentença recorrida, nos seguintes termos: “ (…) não se deu como provado que o demandante pagou a importância que refere no requerimento onde formulou o pedido de indemnização civil para o funeral do falecido G..., na medida em que, como única prova para esse facto, apresentou os documentos de fls. 962 e 963. Contudo, tais documentos não se encontram em nome do demandante, mas sim de L.... Logo, não há prova de que foi o demandante que pagou aquela quantia.”.
E basta atentar no documento de fls. 962 para se concluir que o Mmo. Juiz a quo não incorreu em qualquer lapso de leitura relativamente ao respectivo conteúdo. Trata-se efectivamente de um recibo, relativo a despesas de funeral do pai do recorrente, emitido por uma agência funerária de Seia, em nome de L… .
O recorrente não impugnou a matéria de facto nos termos impostos pelo art. 412º, nºs 3 e 4, do C. Processo Penal, quer em relação a este concreto facto não provado, quer em relação a qualquer outro facto, provado ou não provado, constante da sentença recorrida. Com efeito, e além do mais, o recorrente não especificou as concretas provas que impõem decisão diversa da tida pelo tribunal recorrido, em relação a qualquer facto, provado ou não provado, como também não indicou, relativamente às provas gravadas, as concretas passagens em que funda a discordância.
A sentença recorrida, relativamente ao facto não provado em questão, mostra-se devidamente fundamentada, sendo certo que o processo lógico seguido pelo Mmo. Juiz a quo observou plenamente o disposto no art. 127º, do C. Processo Penal.
Tem-se pois por definitivamente fixado o referido facto não provado.
Não tendo sido feita a prova de que o recorrente suportou as despesas causadas pelo funeral de seu pai, é evidente que não lhe pode ser arbitrada a peticionada indemnização.
Improcede pois, nesta parte, o recurso.
Do erro de cálculo existente na determinação do montante indemnizatório devido a título da perda de recebimento da prestação de alimentos, e da indevida fixação deste montante com referência aos 23 anos de idade do recorrente
4. Diz o recorrente existir um erro de cálculo relativamente à determinação do quantitativo mensal da pensão de alimentos, a partir do ano de 2005.
E assim é, efectivamente.
Com efeito, na sentença recorrida, quando se procedia ao cálculo da prestação mensal devida em 2005, multiplicou-se a prestação mensal do ano de 2004 [€ 334,38] pela taxa de inflação de 2004 [2,45%], indicando-se como resultado, € 7.69, quando o valor correcto é o de € 8.03 que, adicionado ao valor da prestação mensal de 2004, daria uma prestação mensal para 2005 de € 342,41, e não os € 342,07, que constam da sentença.
E efectuando agora os cálculos subsequentes, tendo em conta a correcção operada, obtemos os seguintes valores, para a prestação mensal de alimentos:
- Ano de 2006 – (€ 342,41 x 2,3%) + € 342,41 = € 350,29;
- Ano de 2007 – (€ 350,29 x 3,1%) + € 350,29 = € 361,15;
- Ano de 2008 – (€ 361,15 x 2,7%) + € 361,15 = € 370,90.
Por outro lado, na sentença recorrida considerou-se que a vítima deixou de pagar a pensão de alimentos devida ao recorrente seu filho em Maio de 2007 e assim terá, necessariamente sido, uma vez que o seu decesso ocorreu a 1 de Maio de 2007.
Porém, ainda que se tenham considerado devidos os meses de Maio a Dezembro de 2007, a prestação mensal para este ano foi apenas multiplicada por 7 meses quando são, na realidade, 8 meses.
Assim, relativamente ao período compreendido entre Maio de 2007 e Julho de 2008 são devidos ao recorrente:
- [Ano de 2007] € 361,15 x 8 meses = € 2.889,20;
- [Ano de 2008] € 370,90 x 7 meses = € 2.596,30;
- No total de € 5.485,50.
Procede pois, nesta parte, o recurso.
5. Pretende o recorrente que a prestação de alimentos lhe é devida, não até aos 23 anos, como foi decidido na sentença recorrida, mas até aos 25 anos, idade considerada razoável para um estudante aplicado terminar a formação de base, e estágios e especialidades necessárias ao exercício apto de uma profissão.
Vejamos.
Como é sabido, no âmbito do poder paternal, compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los e administrar os seus bens (art. 1878º, nº 1, do C. Civil).
Os pais deixam, no entanto, de estar obrigados a prover ao sustento dos filhos e a assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em eles estejam em condições de suportar tais encargos, seja pelo produto do seu trabalho, seja através de outros rendimentos (art. 1879º, do C. Civil).
Porém, mantém-se a obrigação de os pais proverem ao sustento dos filhos e de suportarem as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação, mesmo depois de estes atingirem a maioridade, se ainda não tiverem completado a sua formação profissional, na medida em que seja razoável exigir aos pais tal obrigação, mas apenas pelo tempo normalmente exigido para que aquela formação se complete (art. 1880º, do C. Civil).
O recorrente nasceu a 16 de Abril de 1999 e tem sido um aluno estudioso, aplicado, atento e interessado, e é filho de pais licenciados.
Tudo isto, aliado ao facto de hoje a maior parte dos jovens almejarem obter uma licenciatura [antes de Bolonha] ou um mestrado [depois de Bolonha] é razoável admitir que também o recorrente pretenderá obter tais graus académicos.
Ainda que seja hoje um aluno com as apontadas características, e fazendo-se votos para que elas se mantenham e apurem no desenrolar da sua vida escolar e académica, tem que aceitar-se como fazendo parte da vida de um estudante normal a possibilidade de insucesso. Por outro lado, a formação profissional não acaba com a obtenção do grau académico. No mundo actual, altamente competitivo, em regra, aquela formação inicia-se precisamente depois de obtido o grau académico e pode ter duração mais ou menos variável.
Assim, se um percurso escolar e académico sem acidentes permitirá ao recorrente obter o grau de licenciado/mestre, conforme o regime universitário em questão, quando atingir os 23 anos de idade, não deixa de ser razoável aceitar a hipótese de um ano de insucesso ou de um estágio superior a um ano.
Neste pressuposto, entendemos que a prestação mensal devida ao recorrente se deve manter até este perfazer 25 anos de idade (cfr. Acs. do STJ de 8 de Maio de 2008, já identificado, e de 19 de Março de 2002, proc. nº 01A4183, in, http://www.dgsi.pt).
Procede pois, nesta parte, o recurso.
Do pagamento de metade das despesas escolares e de saúde comprovadas, e do pagamento desde Março de 2008 de metade das despesas extraordinárias previstas na cláusula 2ª, B), do acordo de regulação do exercício do poder paternal relativo ao recorrente
6. Entende o recorrente que lhe é devido o pagamento de metade das despesas de saúde e educação documentadas nos autos, insurgindo-se contra o decidido na sentença recorrida com fundamento em não terem sido por si pagas, atenta a sua idade [9 anos], a ausência de actividade profissional e a ausência de rendimentos, pois se os serviços foram por si encomendados, a circunstância de alguém, em seu nome, v.g. o seu representante legal, os ter pago, apenas significa assumir a sua representação. Não existe pois, razão alguma, continua o recorrente, para que na sentença se argumente que não ficou provado nos autos que tivesse sido o demandante V... a pagar aqueles montantes, como não existe razão para a afirmação de que o demandante carece de legitimidade para peticionar tais importâncias, tendo-se confundido a legitimidade do incapaz com a representação do incapaz.
No pedido de indemnização civil deduzido pelo recorrente foi alegado que nos termos do acordo de regulação do poder paternal homologado em acção de divórcios entre os seus progenitores, foi fixada uma prestação de alimentos mensal de 60.000$00 acrescidos do pagamento de metade de todas as despesas de saúde e de educação, e ainda todas as despesas com actividades extracurriculares, estas desde que aprovadas por ambos os progenitores, entregando a vítima, na data da morte, a prestação de € 372,50 (arts. 27º a 29º). E depois, foram alegadas diversas despesas de saúde, umas certas [urologia, oftalmologia e estomatologia], outras previsíveis e variáveis no número [pediatria, fisioterapia e psicologia] que, em média anual, ascenderiam a € 1.450 (arts. 34º a 40º), e diversas despesas com educação, umas fixas [mensalidade do colégio], outras variáveis [cabaz escolar] que, em média anual, ascenderiam a € 5.150 (arts. 44º e 46º).
Na sentença recorrida constam, como factos provados [pontos 46 a 48], que por sentença de 19 de Abril de 2001, transitada, foi homologado acordo pelo qual a vítima se obrigou a pagar a título de alimentos favor do recorrente a prestação mensal de 60.000$00 a que equivalem € 299,28, prestação que seria actualizada anualmente, em Janeiro, na proporção do aumento de vencimento do obrigado ou de acordo com a taxa de inflação anual, bem como se obrigou a pagar metade de todas as despesas de saúde, incluindo consultas de rotina, e metade de todas as despesas de educação, incluindo colégios, estabelecimentos de ensino e de formação, bem como outras actividades extracurriculares, estas desde que aprovadas por ambos os progenitores do recorrente. Constam ainda, como factos provados, as quantias despendidas por tratamentos a que se submeteu o recorrente e a despender em tratamentos futuros [pontos 51 a 63, 80 a 87 e 88], e as quantias despendidas com matrículas do recorrente, mensalidades do colégio que frequenta, cabaz escolar e despesas de papelaria [pontos 64 a 79, 89 e 90].
Na sentença recorrida, para afastar o pedido do recorrente relativamente a metade destas despesas de saúde e educação, o Mmo. Juiz argumentou da seguinte forma: “Contudo, não ficou provado nos autos que tivesse sido o demandante V... a pagar aqueles montantes referentes às despesas havidas com a sua saúde e com a sua educação e que se encontram descritas supra. Logo não foi feita prova da existência deste dano invocado pelo demandante, designadamente que tivesse sido ele a sofrer o mesmo.
Os valores referidos supra referentes àquelas despesas terão sido pagos eventualmente pela mãe do demandante, VG, ou por qualquer outro familiar. Não terão sido pagos pelo demandante na medida em que o mesmo tem 9 anos de idade e, como tal, não terá fonte de rendimentos, sendo sustentado por sua mãe.
Ora, o demandante não tem assim legitimidade para vir reclamar o pagamento das despesas com sua saúde e com a sua educação que se encontram referidas supra, na medida em que não foi ele que arcou com as mesmas. Apenas a pessoa que arcou com as despesas em causa poderá vir e terá legitimidade para instaurar uma acção em que reclame o pagamento daquelas despesas.
Consequentemente, ter-se-á que concluir que não ficou demonstrado nos autos que o demandante sofreu o referido dano patrimonial e material correspondente às mencionadas despesas com a sua educação e saúde. Não poderá assim condenar-se o lesante no pagamento no pagamento de uma indemnização correspondente ao valor desse dano, devendo absolver o mesmo quanto a este pedido.
Posto isto.
6.1. Começaremos por dizer, correndo o risco de nos repetirmos, que o recorrente não impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos impostos pelo art. 412º, nºs 3 e 4, do C. Processo Penal, pois que, nem no corpo da motivação do recurso, nem nas respectivas conclusões, se encontram feitas as especificações previstas naqueles preceitos e que o caso imporia.
A circunstância de ter o recorrente nascido em 1999, sendo ainda hoje portanto, uma criança, não permite, sem mais, a conclusão de que o mesmo não tem rendimentos que lhe permitam efectuar os pagamentos das despesas em questão. Basta para tanto atentar na infeliz situação que está na origem dos autos, e que o tornou único herdeiro de seu pai.
Mas, admitindo que o recorrente não tem rendimentos, tal circunstância, em si mesma, não significa sem mais, que as despesas feitas por si são pagas por terceiros no sentido de que estes assumem tal pagamento como obrigação própria. Na verdade, a solidariedade humana ainda hoje dá frequentes exemplos de ajudas traduzidas no adiantamento de verbas destinadas à satisfação de necessidades urgentes, com o compromisso de posterior restituição.
E a verdade é que os documentos nos quais o tribunal recorrido formou a sua convicção relativamente aos factos atrás enunciados, em regra, facturas/recibos, encontram-se emitidos em nome do recorrente (entre outros, fls. 896 a 906, 910 a 913, 926, 930 e 931, 933 e 934), sendo certo que foi precisamente porque os documentos respectivos não se encontravam em nome do recorrente que foi considerado não existir prova de que foi este quem pagou as despesas do funeral da vítima (fls. 1028, v).
De qualquer forma, cremos que a solução da questão colocada não passa por aqui, nem nada tem a ver, por outro lado, com um invocado mas não concretizado, princípio do interesse do menor.
6.2. Já tivemos oportunidade de dizer que o conteúdo do poder paternal compreende a promoção da segurança, da saúde, do sustento, da educação, da representação e da administração dos bens dos filhos, tudo no interesse destes (art. 1878º, nº 1, do C. Civil). Assim, a obrigação alimentícia faz parte integrante do conteúdo do poder paternal.
E também vimos que circunstâncias a obrigação de sustento e de custeio das despesas de segurança, de saúde e de educação, típica do conteúdo do poder paternal, se prolonga pela maioridade do filho (art. 1880º, do C. Civil).
Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário (nº 1, do art. 2003º, do C. Civil). No caso de o alimentando ser menor, os alimentos também compreendem a sua instrução e educação (nº 2, do mesmo artigo).
Apesar de a obrigação de alimentos ser uma relação creditória de fim determinado, o seu cumprimento é feito, em regra, através de uma prestação pecuniária (art. 2005º, nº 1, do C. Civil). Mas se a lei fixa, como regra, uma prestação pecuniária mensal, já nada impede que essa prestação possa ter, por acordo das partes, uma componente fixa, e uma componente variável, em função da verificação de determinadas situações previamente definidas.
A cláusula 2ª, do acordo de regulação do exercício do poder paternal relativo ao recorrente, referido nos pontos 46 a 48 dos factos provados, tem o seguinte teor (fls. 495):
A) O pai prestará para alimentos do menor, a importância mensal de Esc. 60.000$00 (sessenta mil escudos) que será depositada na conta (…), de que mãe do menor é titular, no primeiro dia de cada mês.
B) Logo que o pai receba o seu primeiro vencimento, todas as despesas com a saúde, incluindo consultas de rotina, e com a educação, incluindo despesas com o infantário e colégios, bem como com actividades extracurriculares do menor, estas desde que aprovadas por ambos os progenitores, serão suportadas a meias por ambos os pais. “.
Não restam pois dúvidas de que esta cláusula 2ª, na perspectiva de quem a aceitou, regulava os alimentos devidos ao menor e ora recorrente. E assim é efectivamente, face à lei, atento o referido art. 2003º, nº 2, do C. Civil.
Não existe, como dissemos, qualquer impedimento legal em que a prestação mensal de alimentos tenha uma componente fixa e uma componente variável, esta estabelecida por razões que facilmente se compreendem. É que a vítima, quando a cláusula foi acordada, ainda não auferia rendimentos do trabalho mas, como pai responsável que era, assumiu desde logo o compromisso de, logo que aumentassem os seus meios para prestar alimentos, aumentaria a prestação mensal fixa, à qual passariam a acrescer as referidas despesas de saúde e educação.
Em suma, quer a prestação mensal fixa, referida na alínea A), quer as despesas de saúde e educação, referidas na alínea B), da cláusula segunda do acordo de regulação do exercício do poder paternal integram o conteúdo da obrigação alimentícia a que voluntariamente se vinculou o pai do recorrente.
O recorrente era então credor de uma obrigação alimentícia com tal conteúdo da qual era devedor o seu falecido pai. E com a morte deste, ficou o privado de auferir as vantagens de tal obrigação, o que inequivocamente, se traduz num dano. Logo, deve a demandada, enquanto seguradora do veículo exclusivamente causador do facto ilícito, proceder à sua reparação.
Assim, é devida ao recorrente o valor correspondente a metade de todas as despesas de saúde, e metade de todas as despesas de educação, efectuadas pelo recorrente. Já não assim, relativamente às despesas extracurriculares na medida em que, por razões óbvias, falta o acordo da vítima.
Estando provadas nos autos despesas de saúde, no montante total de € 2.921,50 [pontos 51 a 63, e 80 a 87 dos factos provados] e despesas com educação [pontos 66 e 68 a 79 dos factos provados], no montante total de € 4.341,35, efectuadas pelo recorrente, e todas após a morte da vítima, deve ser-lhe pago o montante correspondente a metade das mesmas isto é, € 3.631,43.
7. Pretende também o recorrente receber a quantia correspondente a metade das despesas extraordinárias previstas na alínea B), da cláusula 2ª do acordo de regulação do exercício do poder paternal, desde Março de 2008.
Esta questão mais não é do que o desenvolvimento da questão abordada no ponto que antecede, agora relativamente a despesas futuras.
Com o esclarecimento de que não vemos que na referida alínea se encontrem previstas quaisquer despesas extraordinárias mas apenas despesas com a saúde e educação do recorrente que, com toda a probabilidade, virá a efectuar, estando tais despesas incluídas na conteúdo da obrigação alimentícia a que estava vinculada a vítima, como atrás dissemos, resta concluir que, face a tal caracterização, e com excepção das despesas extracurriculares [estas pelas razões já referidas], deverão ser satisfeitas pela demandada, na proporção de metade, à medida que forem sendo comprovadas pelo demandante.
Mas aqui, uma precisão se impõe fazer. O recorrente fixou como data inicial Março de 2008, à qual não é certamente alheia a data em que foi deduzido o pedido (31 de Março de 2008). Sucede que várias das despesas comprovadas são já posteriores a Março de 2008, encontrando-se por isso englobadas na quantia total que consta do número que antecede.
Assim, as quantias relativas a despesas de saúde e educação a relevar são as posteriores à data mais recente das já comprovadas e que constam da decisão recorrida.
Em conclusão, tais quantias são devidas a partir de 15 de Maio de 2008.
Da indemnização devida por lucros cessantes
8. Pretende o recorrente que lhe é devida uma indemnização pelos lucros cessantes correspondentes às expectativas económicas que tinha de receber do seu pai algo mais do que uma pensão de alimentos, designadamente, o que poderia auferir em férias e em viagens com o pai, em bens de consumo como jogos informáticos, veículos e artigos de desporto, e que a vítima, com as perspectivas profissionais que tinha lhe poderia proporcionar.
No pedido de indemnização civil o montante indicado a título de perda, pela vítima, da sua capacidade de ganho, foi o de € 183.152,32, tendo para o respectivo cálculo sido usado, como diz o recorrente, o caminho seguido no Ac. do STJ de 12 de Abril de 2007, in, http://www.dgsi.pt. Mas na motivação de recurso, algo diferentemente, diz o recorrente que a quantia a arbitrar não poderá ser inferior a pelo menos metade das quantias que iria receber a título de meros alimentos.
Na sentença recorrida entendeu-se que não vivendo o recorrente em economia comum com o seu falecido pai, nem integrando o seu agregado familiar, não beneficiava do rendimento deste, com excepção da parte referente à prestação mensal de alimentos, e por isso não sofreu o dano alegado de perda de rendimentos. Por outro lado, ainda que assim não se entendesse, o pedido em questão constituiria uma duplicação na medida em que o recorrente também deduziu pedido relativamente à pensão de alimentos devida pelo pai e que deixou de auferir.
Por esta razão, na motivação do recurso, o recorrente disserta sobre o sentido a dar ao conceito de dependência económica e ao conceito de economia comum, concluindo que não são idênticos, que se encontrava na dependência económica de seu pai e que por isso lhe assiste o direito à indemnização por lucros cessantes decorrentes da perda de rendimentos por parte da vítima.
Vejamos se assim é.
8.1. A regra quanto à titularidade do direito à indemnização é a de que tal direito cabe ao titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado com a violação da norma, e não ao terceiro que só reflexa ou indirectamente seja prejudicado. Mas, excepcionalmente, a indemnização pode caber também ou apenas a terceiro, como sucede nos casos previstos no art. 495º, do C. Civil (cfr. Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 3ª Ed., 515 e ss.).
Há na concessão deste direito de indemnização uma verdadeira excepção à regra de que só os danos ligados à relação jurídica ilicitamente violada contam para a obrigação imposta ao lesante.
Com efeito, a obrigação alimentar, quer fundada na lei, quer baseada em qualquer dos deveres de justiça em que assenta a naturalis obligatio, constitui um direito relativo a que o lesante era estranho. Só por disposição especial da lei este poderia, por conseguinte, ser obrigado a indemnizar os prejuízos que para o titular desse direito relativo advieram da prática do facto ilícito.” (Mestre e ob. cit., 517).
Assim, o direito à indemnização por terceiro tem como fundamento um direito próprio, designadamente, o direito a alimentos que nasce directamente na sua esfera jurídica.
Mas pode ainda a vítima transmitir aos seus herdeiros, agora pela via sucessória, o que pressupõe que a sua morte ocorra em momento posterior à lesão causal – só assim, face ao disposto no arts. 67º e 68º, do C. Civil, a vítima pode adquirir o direito à indemnização – o direito pela perda dos seus rendimentos futuros.
No caso sub judice, o pai do recorrente sobreviveu algumas horas ao acidente que haveria de o vitimar, como resulta dos pontos 1 e 33, dos factos provados da sentença.
E o recorrente invoca como fundamentos do direito à indemnização, o direito próprio a alimentos – que, aliás, o pai estava obrigado a satisfazer por sentença – e o direito à indemnização pela perda de rendimentos futuros de seu pai.
Colocada a questão nestes termos, logo se intui que, não existindo propriamente uma sobreposição nos fundamentos invocados, o montante da indemnização fundada no direito próprio a alimentos terá necessária repercussão no cálculo da indemnização devida pela perda da capacidade de ganho da vítima, a transmitir por via sucessória.
Determinada que está a indemnização devida no direito a alimentos, detenhamo-nos agora na fixação da indemnização devida pelo fundamento sobrante.
8.2. A perda de capacidade de ganho em consequência do facto ilícito traduz-se num dano futuro.
Os danos futuros, desde que previsíveis, devem ser atendidos na fixação da indemnização (art. 564º, nº 2, do C. Civil). No seu apuramento há, necessariamente, que recorrer à equidade (art. 566º, nº 3, do C. Civil).
São conhecidas as dificuldades na quantificação dos danos futuros, operação que pressupõe o funcionamento de juízos de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que, no caso concreto, seria normal acontecer (Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, C. Civil Anotado, Vol. I, 4ª Ed., 580).
Nesta tarefa socorre-se a jurisprudência de determinadas operações matemáticas como critério de aproximação, para a final, tendo em conta as regras da prudência e da justa medida das coisas, se poder alcançar a justiça do caso concreto. O princípio desta operação, com o enquadramento que tem nos autos, é o de que o cálculo do dano correspondente à perda da capacidade de ganho da vítima [devido à sua morte] deve representar um capital produtor de um rendimento que se extinguiria no final da vida útil daquela, a fim de que não ocorra um enriquecimento sem causa do beneficiário.
Posto isto.
O pai do recorrente faleceu com 33 anos de idade e auferia o vencimento mensal de € 1.450, pelo que o seu rendimento anual do trabalho era de [€ 1.450 x 14 meses =] € 20.300.
Era um promissor engenheiro informático que, face aos elementos dos autos, faleceu no estado de divorciado. Sendo comum, na realização do cálculo que nos propomos fazer, considerar que a parcela que a vítima gastaria consigo mesma, a retirar do montante que auferiria, não fora o seu decesso, corresponde a 1/3, não nos parece que, no caso concreto, esta fracção se mostre realista. Na verdade, 1/3 do rendimento mensal acima mencionado corresponde a € 483,33, quantitativo que nos parece manifestamente insuficiente para que um cidadão, do estrato profissional e cultural da vítima, pudesse fazer frente a despesas fixas com habitação, automóvel, alimentação, vestuário, higiene, cultura e lazer entre outros, tanto mais que não existem nos autos elementos que permitam concluir que a vítima beneficiava de economias de escala relativamente a algumas destas despesas.
Por outro lado, estando a vítima obrigada a satisfazer a pensão do recorrente, ascendendo esta, como vimos, na parte fixa, em 2007, a € 361,15, e havendo ainda que considerar a parte variável – metade das despesas de saúde e de educação – que, pelas próprias contas do recorrente [arts. 40º e 45º, do requerimento do pedido de indemnização], não seriam inferiores a [€ 6.450 : 2 =] € 3.225 por ano ou seja, a € 268,75 por mês, verificamos que para a vítima sobejavam por mês, menos de 2/3 do seu rendimento, quantitativo que nos parece perfeitamente razoável que gastasse na sua totalidade, na satisfação daquelas necessidades.
Em suma, do rendimento mensal de € 1.450, o pai do recorrente gastaria cerca de € 600 com os alimentos a este devidos, sobrando € 850, integralmente aplicados na satisfação das suas necessidades. Nada sobraria portanto para maiores despesas com o recorrente – fosse com brinquedos caros, fosse com viagens, fosse com veículos – e muito menos, para a constituição de poupanças.
Esta situação permaneceria tendencialmente, até que se extinguisse a obrigação de alimentos ou seja, e face ao que atrás de deixou exposto, até aos 25 anos do recorrente.
A partir de então a vítima passaria a dispor da totalidade do rendimento do seu trabalho, sendo previsível e natural que aumentasse o seu próprio nível de vidas, face ao acréscimo de rendimento disponível o que vale dizer, aumentaria as suas próprias despesas.
Por outro lado, atingindo o recorrente a autonomia académica e profissional, não seria previsível que fosse então viver com o pai, e pudesse nessa medida beneficiar de parte do seu rendimento do trabalho.
Não se vê pois, que se mostre provado o invocado dano futuro.
III. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso parcialmente procedente.
Consequentemente, decidem:
A) 1. Condenar a demandada G... – Companhia de Seguros, SPA, no pagamento, ao recorrente, da quantia de € 60.000 (sessenta mil euros), a título de indemnização devida pelo dano morte.
2. Condenar a demandada G... – Companhia de Seguros, SPA, no pagamento, ao recorrente, da quantia de € 5.485,50 (cinco mil quatrocentos e oitenta e cinco euros e cinquenta cêntimos), referente às prestações de alimentos vencidas desde Maio de 2007 a Julho de 2008.
3. Condenar a demandada G... – Companhia de Seguros, SPA, no pagamento, ao recorrente, das prestações de alimentos que se vencerem a partir de Agosto de 2008, inclusive, até este perfazer 25 anos ou seja, até 16 de Abril de 2024, prestação que foi de € 370,90 (trezentos e setenta euros e noventa cêntimos) para o ano de 2008.
4. Condenar a demandada G... – Companhia de Seguros, SPA, no pagamento, ao recorrente, de metade das despesas com saúde e educação – com excepção das despesas relativas a actividades extracurriculares – por este feitas e devidamente comprovadas, a partir de 15 de Maio de 2008 e até este perfazer 25 anos ou seja, até 16 de Abril de 2024.
5. Condenar a demandada G... – Companhia de Seguros, SPA, no pagamento, ao recorrente, da quantia de € 3.631,43 (três mil seiscentos e trinta e um euros e quarenta e três cêntimos), referente a metade das despesas de saúde e educação por este feitas até 15 de Maio de 2008.
B) Confirmar quanto ao mais a sentença recorrida.