Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
894/11.4TBPBL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
DANO APRECIÁVEL
Data do Acordão: 09/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.396 CPC
Sumário: 1. No procedimento cautelar de suspensão de deliberação social ( art.396 nº1 CPC), exigência legal da demonstração do “ dano apreciável” reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade.

2. Para o efeito, tem de haver uma certeza, uma probabilidade muito forte ( mais que séria ) do dano apreciável, muito mais forte do que o juízo de verosimilhança utilizado para o requisito ( autónomo ) da ilegalidade da deliberação.

Decisão Texto Integral:

              Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados:

              A assembleia geral da sociedade anónima A (…) (= ADM) deliberou, em 19/03/2011, i) eleger um novo presidente da mesa e uma nova secretária da AG, que assumiram de imediato as respectivas funções, cessando as até aí desempenhadas pelos anteriores, ii) alterar os estatutos da sociedade, iii) destituir os membros do conselho de administração, e, iv) designar novos membros do Conselho de Administração.

              J (…), que é um accionista da ADM com, segundo ele, 3,08% do capital social, e que é também um dos administradores destituídos, veio requerer a suspensão de tais deliberações, em antecipação à sua impugnação, alegando, para o preenchimento do requisito perigo de “dano apreciável” que o art. 396 do CPC exige para a concessão da suspensão, que (sintetizam-se os mais de 100 artigos dedicados ao assunto):
         Em consequência da execução de tais deliberações a ADM poderá passar a ser gerida de forma contrária ao interesse social e a favor do accionista C (…), nomeado para o CA, o qual poderá passar a ser o presidente de uma comissão executiva ou administrador delegado, com poderes para gerir a ADM como bem quiser; este accionista é titular, directa ou indirectamente, de várias sociedades concorrentes da ADM, que apresentam situações financeiras bastante debilitadas ou problemas de gestão de tesouraria ou dívidas avultadas; este accionista poderá vir a gerir a ADM de forma a favorecer tais sociedades, e/ou de modo a esvaziar a ADM e/ou ainda de modo a prejudicar as sociedades de que o requerente é parte; existe, tendo em conta as sociedades em que o accionista C (…) é titular e exerce igualmente funções de administração, uma situação de concorrência material e geográfica e uma actuação concorrente não autorizada; verifica-se o risco de, de forma directa ou indirecta, se criarem situações de benefício ou proveito próprio dos administradores, em prejuízo e sem consideração dos interesses comuns dos sócios enquanto tais e dos credores sociais; como deixou de ser administrador não poderá acompanhar e sindicar o exercício da administração por parte do accionista C (…).

              Este pedido de suspensão foi indeferido, depois da contestação da requerida, por se ter entendido que tudo o que requerente traz a juízo milita no terreno da abstracção, do que logo seria sintoma o facto de não ter avançado o valor do dano que pretende evitar; todo o pedido radicaria numa construção marcadamente especulativa e sem um claro substrato factual; o requerente teria construído múltiplos cenários passíveis de causar prejuízo, a ele requerente, ou à ADM, erigidos, apenas, com base em especulações, já que não alega um único facto passível de tornar mais ou menos denso o perigo que visa evitar; nesta decisão salienta-se que o requerente admite que a situação/actuação de concorrência já existia anteriormente e que contra ela não reagiu; em suma, o acervo factual narrado pelo requerente não contém eventos concretos susceptíveis de possibilitar a aferição da existência de prejuízo significativo decorrente da execução da deliberação social qualificada de ilegal. Ora, como se refere no ac. do TRL de 28/02/2008 [920/2008-6 da base de dados do ITIJ], as meras hipóteses, previsões ou suposições antecipadas daquilo que poderá suceder não constitui a alegação de factos concretos consubstanciadores do dano apreciável.

              A 08/07/2011, o requerente recorreu deste despacho considerando que alegou o necessário para se poder dar como preenchido o requisito do dano apreciável exigido pelo art. 396 do CPC.

              A ADM defende posição contrária nas contra-alegações que apresentou a 22/07/2011.

                                                                       *

              A questão que importa resolver é apenas a de saber se o requerente alegou factos suficientes ao preenchimento do requisito “dano apreciável” exigido por lei (art. 396/1 do CPC) para a concessão da providência cautelar da suspensão de deliberações sociais.

                                                                 *

              Tendo em conta o resumo feito acima da alegações de facto do requerente dá-se razão à decisão recorrida. De facto, se se reparar bem, tudo aquilo que o requerente alega são coisas possíveis de ocorrer, mas o requerente não diz por que é que pensa que elas vão ocorrer.

              Antes de continuar diga-se que a ADM tinha 5 accionistas: pai, mãe e três filhos. O pai e a mãe, diz o requerente, tinham 90,76%. Ele e cada um dos outros dois irmãos tinham 3,08% cada. A mãe morreu e o requerente diz que ainda não foi partilhado o património comum. Na AG só estiveram presentes, como accionistas, ele e o irmão (…) com o total, segundo o requerente, de 6,16% do capital.

              Voltando ao que se estava a dizer, veja-se, em pormenor, cada um dos receios invocados pelo requerente:

              - a possibilidade de a ADM passar a ser gerida de forma contrária ao interesse social e a favor do accionista/administrador irmão C (…), é uma possibilidade real; mas não deixa de ser isso mesmo, uma simples possibilidade, que existe em relação a qualquer administrador em qualquer sociedade; o que o requerente não diz é por que é que pensa que o irmão vai passar a fazer isso; ou seja, não se diz qual é o facto concreto que, provado, pode levar a crer que a ADM vai passar a ser administrada do modo como o requerente diz que é possível vir a acontecer;

              - o facto de o accionista C (…) ser titular, directa ou indirectamente, de várias sociedades concorrentes da ADM, que apresentam situações financeiras bastante debilitadas ou problemas de gestão de tesouraria ou dívidas avultadas, é especulação parcial, pois que nem sequer se diz, mesmo que se aceitasse que tais situações se possam analisar da forma como o requerente o faz, que elas se devam à actuação dolosa ou negligente daquele accionista; por outro lado, não é alegado nenhum facto concreto que, provado, possa levar a crer que, devido a tais situações, aquele accionista iria gerir a ADM de forma a favorecer tais sociedades, e/ou de modo a esvaziar a ADM;

              - o requerente também não diz qual o facto que o leva a crer que aquele accionista irá gerir a ADM de modo a prejudicar as sociedades de que o requerente é parte;

              - por outro lado, a situação/actuação de concorrência que ele invoca já existia, na própria lógica da construção do requerente, há 2 anos; ela não vai passar a existir na sequência das deliberações…;

              - ainda: o risco de, de forma directa ou indirecta, se criarem situações de benefício ou proveito próprio dos administradores, em prejuízo e sem consideração dos interesses comuns dos sócios enquanto tais e dos credores sociais, é comum a todas as sociedades; o requerente não avança um facto concreto que seja que faça crer que esse risco seja um risco acrescido em consequência da execução das deliberações em causa; ou dito de outro modo, também não invoca nenhum facto que provado possa levar a crer que o irmão vai fazer o que ele diz;

              - por fim, o facto de o requerente ter deixado de ser administrador da ADM não impedirá que continuem a poder ser exercidas todas as possibilidades de sindicância do exercício da administração que a lei prevê…; a única diferença é que ele o deixará de poder fazer nas vestes de administrador.

                                                                       *

              Há, assim, como se dizia na decisão recorrida, falta de alegação de factos concretos que sustentem as conjecturas feitas pelo requerente. E essa alegação era necessária, para que o juiz, com base na prova de tais factos, pudesse formular o juízo de certeza quanto à verificação do preenchimento do requisito do dano apreciável, que é distinto e não se confunde nem decorre do preenchimento do requisito da ilegalidade das deliberações.

              Alberto dos Reis, no CPC anotado, vol. I, Coimbra Editora, 3ª edição, reimpressão de 1982, distingue, como o resto da doutrina, o requisito da ilegalidade da deliberação e o requisito do dano apreciável (págs. 677 e 678) e lembra que em relação ao primeiro é necessário um juízo de simples ou de mera probabilidade mas em relação ao segundo é necessário um juízo de certeza ou, pelo menos, de uma probabilidade muito forte de que a execução da deliberação poderá causar dano apreciável. Isto coerentemente com a construção que faz em termos gerais das providências cautelares (págs. 619 a 628, 682 e 683).

              Esta mesma construção é feita por Lebre de Freitas e outros, CPC anotado, vol II, Coimbra Editora, 2008, 2ª edição, pág. 95, ou pág. 37, anotação 2 ao art. 387 do CPC, também citados na decisão recorrida embora com referência à 1ª edição: “[…] “exigi[…]-se, quanto ao dano apreciável […] uma prova mais consistente, traduzida na probabilidade muito forte de que a execução da deliberação possa causar o dano apreciável que, com a providência, se pretende evitar.”

              Neste mesmo sentido, vão ainda, citados por Lebre de Freitas e outros, Castro Mendes e Anselmo de Castro.

              Abrantes Geraldes (Temas da reforma do PC, IV vol., Almedina, 2001, pág. 89) não anda longe disto, ao defender que é necessário um critério de verosimilhança semelhante ao que vigora para o procedimento cautelar comum e depois ao falar dos juízos de séria probabilidade quanto ao direito tutelável e de critérios mais rigorosos na apreciação dos factos integradores do perigo, embora sem exigir a certeza inequívoca quanto à existência da situação de perigo (IIIº vol daqueles temas, págs. 87/88, 1ª edição, Almedina, 1998).

              As passagens citadas de Abrantes Geraldes, na decisão recorrida, que o recorrente utiliza para minimizar a necessidade de um juízo de certeza, não têm, como se vê, depois de contextualizadas, esse sentido.

              Tem pois de haver uma probabilidade muito forte (mais que séria) do dano apreciável, muito mais forte do que o juízo de verosimilhança utilizado para o requisito da ilegalidade da deliberação, não se vendo pois qualquer vantagem em chamar-lhe também juízo de verosimilhança. É pois de um juízo de certeza ou de probabilidade muito forte e não de mera verosimilhança que se trata [em sentido contrário, veja-se, o ac. do TRP de 12/02/1996, publicado na CJ.96.I, págs. 219 a 222 e no ITIJ sob o nº. 9551089, citado por Lebre de Freitas e outros, que defende que, quanto ao requisito ‘de a execução poder causar dano apreciável’, não tem o tribunal de formular um juízo de certeza, bastando um juízo de verosimilhança. Este acórdão lembra um estudo de Alberto dos Reis (publicado no BMJ 3, pág. 357 e segs) no qual, ao que parece (não se teve possibilidade de consultar este estudo), este prof. defendia que o tribunal não tem que formular um juízo de certeza porquanto, encontrando-se no campo das probabilidades e conjecturas, esta condição de exercício do dito procedimento cautelar, como as demais, não demanda senão um juízo de verosimilhança. Mas, como se viu acima, Alberto dos Reis, no CPC anotado, fala de um juízo de certeza, não de simples ou mera probabilidade ou verosimilhança].

                                                                  I

              O estudo de alguns casos jurisprudenciais pode servir de ponto de comparação e entendimento da situação:

              Pinto Furtado (Deliberações dos sócios, Almedina, 1993, págs. 485 a 488) analisa um caso (decidido pelo ac. do TRC de 20/10/1987, publicado na CJ.87.IV.82, págs. 82 a 85) em que um banco, invocando a sua titularidade sobre acções nominativas correspondentes a 75% do capital da sociedade e ter sido impedido de participar e de votar na reunião da assembleia geral à eleição dos novos corpos sociais, pediu a suspensão da execução da deliberação adoptada nessa reunião pelo grupo minoritário, a eleger, por si só, pessoa da sua confiança em substituição dos anteriores titulares.

              Pinto Furtado entende que “sempre que a deliberação se apresente com um fumus boni juris de efectiva inquinação, o caso de eleição de corpos sociais, é dos mais intuitivamente carecidos de suspensão da sua execução concreta, pela elevada potencialidade de dano apreciável da gestão de titulares eleitos invalidamente.”

              Esta análise poderia apontar para a ideia de que sempre que haja a aparência da ilegalidade das deliberações de eleição de novos corpos sociais, poderia também dar-se como verificado o requisito do dano apreciável. Mas não será essa a posição deste autor, que nesta parte apenas está a analisar tipos de deliberações susceptíveis de serem suspensas [no caso, deliberações de eleição ou de destituição de corpos sociais. Hoje e desde 1988, admite-se, uniformemente, quer jurisprudencial quer doutrinalmente, que a objecção de que a “execução” de tais deliberações se consumaria de imediato (mas só com o registo delas…), não impede que possam ser suspensas para evitar os prejuízos decorrentes da sua execução ou da sua eficácia (vejam-se, apenas por exemplo, Pinto Furtado, obra e local citados; a anotação de Lobo Xavier ao ac. do TRC de 14/07/1987, publicada na RLJ 123, págs. 371 e segs, e 124, págs. 10/11; Carlos Olavo, CJ88.III, págs. 29 a 31; Alexandre Soveral Martins, O procedimento cautelar de suspensão da deliberação social pela qual foram designados os administradores de uma sociedade anónima: breves considerações sobre a posição de terceiros, ROA 1998, pág. 1383; Alexandre Soveral Martins, Suspensão de deliberações sociais de sociedades comerciais: alguns problemas, ROA 2003/1 e 2, págs. 345 a 35; Rui Pinto Duarte, A ilicitude da execução de deliberações a partir da citação para o procedimento cautelar de suspensão, Cadernos de Direito Privado, nº. 5 Janeiro/Março de 2004; Coutinho de Abreu, CSC em comentário, ao art. 64, Almedina, Out2010, págs. 689/699)], não a questão da verificação do requisito do dano apreciável (de que trata mais à frente, págs. 495 a 497 da mesma obra).

              Aliás, Pinto Furtado cita, no sentido do que defende, o ac. do TRP de 23/05/1989, publicado na CJ. 89.III.208, págs. 206 a 208, que invoca o perigo decorrente do exercício da administração pelos eleitos até decisão definitiva. Ora, este acórdão revogou a decisão da 1ª instância desde logo porque o TRP considerou não verificado o primeiro requisito da concessão da providência, isto é, o da violação da lei, dos estatutos ou do contrato. Mas, para além disso, considerou que não tinham sido alegados suficientemente os danos apreciáveis decorrentes da execução da deliberação.

              Ou seja, a análise do acórdão do TRC de Out1987 é apenas para a questão dos tipos de deliberação que podem ser suspensos, não para a questão do dano apreciável, pelo que não deve servir minimamente para a ideia de que a aparência da ilegalidade levaria também ao preenchimento do requisito do dano apreciável ou de que este estaria implícito em deliberações ilegais.

                                                                 II

              No ac. do TRC de 14/07/1987 (RLJ 123/371 e segs) considerou-se, ao contrário do tribunal da 1ª instância, que tinham sido alegados factos suficientes para a integração do requisito do dano apreciável. É que no requerimento inicial, apesar de se dizer conclusivamente que o novo CA pode causar dano apreciável à sociedade, se tinha acrescentado que o CA destituído vinha desenvolvendo esforços no sentido de todos os accionistas realizarem entradas de capital correspondentes às acções que subscreveram, e que o novo CA teve precisamente em vista tolerar aos accionistas a não realização integral do capital subscrito. Ora, uma tal administração levará a sociedade a recorrer, inevitavelmente, ao crédito, o que lhe trará inevitavelmente prejuízos. É que uma coisa é a sociedade trabalhar com capitais próprios e outra com capitais alheios, tendo de suportar os correspondentes encargos.

              Assim, no caso, para dar base às conjecturas, invocou-se uma actuação concreta que ficou provada.

                                                                 III

              O ac. do TRL de 12/11/1987 (publicado na CJ87.V, págs. 101 a 104, também citado por Lobo Xavier), suspende a deliberação de destituição de gerente, com base em danos provocados no destituído, dados como provados em concreto (no acórdão remete-se para a al. i) dos factos provados, mas é lapso, já que os danos são referidos em h), aliás como se vê do penúltimo parágrafo da 1ª coluna da pág. 104).

                                                                IV

              O ac. do TRP de 12/02/1996, publicado na CJ.96.I, págs. 219 a 222 e no ITIJ sob o nº. 9551089, embora reconheça que a deliberação pela qual se elegeram os membros dos órgãos sociais da sociedade requerida é, porque a situação criada perdura no tempo, susceptível de poder gerar danos enquanto não for suspensa, decide que a suspensão da deliberação não procede se não forem alegados e provados (como não foram) factos que demonstrem a danosidade da execução dessa deliberação.

                                                                 V

              No sumário (da responsabilidade de MSCM) do ac. do STJ de 18/06/1996, publicado na CJ.STJ.1996.II, págs. 134 a 139, diz-se que uma deliberação contrária à lei é sempre fonte de prejuízos para a sociedade que será considerável consoante as circunstâncias do caso concreto. No texto do acórdão não consta esta afirmação e o que se faz é analisar, em concreto, os prejuízos invocados, que eram vários e ficaram provados e quantificados…

              No ac. do TRG de 15/10/2003, publicado nos CDP, nº. 13, pág. 44, invoca-se este sumário do ac. do STJ para se concluir no sentido de que uma deliberação contrária à lei é, por princípio, sempre fonte de prejuízos para a sociedade. Invoca-se também, no mesmo sentido, Pinto Furtado, no Curso de Direito das Sociedades, Almedina, 4ª edição, 2001, pág. 465.

              Na edição desta obra, que se consultou, a 3ª, não se encontrou tal afirmação nem nada que a possibilitasse, inclusive na parte que se refere à análise da al. b) do nº. 1 do art. 58 do CSC. De qualquer modo, o acórdão do TRG não se bastou com aquele “princípio” e analisou em concreto os prejuízos cuja susceptibilidade tinha sido invocada e que ficou provada e quantificada.

                                                                VI

              No ac. do TRL de 13/07/2010, 12/09.9TYLSB-A.L1-1, diz-se, seguindo a lição de Lobo Xavier recorrentemente citada em quase todos os acórdãos, que “para efeitos de valoração do dano apreciável, não é considerada toda e qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação, ou a sua execução, em si mesmo comportem, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora do processo de anulação. Visa-se prevenir e impedir os prejuízos que para o requerente adviriam da execução das deliberações impugnadas durante a pendência da acção principal” ([cfr. ac. STJ de 20/05/1997, relatado pelo Cons. Silva Paixão, in BMJ 467 pag 529/535]. No caso do ac. do TRL, o que estava em causa era o exercício da gerência por uma outra pessoa, que não o requerente. Conclui-se que “é apenas este dano que há que ter em conta para fundamentar a suspensão e não a quaisquer outros decorrentes das deliberações, sendo que, a este nível, nada provou o requerente. Sendo assim, não tendo o requerente alegado e prova-do factos donde possa extrair-se que a execução do deliberado no seio da pessoa colectiva acarretará um prejuízo significativo, conclui-se pela não verificação do requisito “dano apreciável”.

                                                   VII

              No ac. do TRL de 25/03/2010, 665/08.5TYLSB-A.L1-6, decidiu-se que “existe esse dano, quando por efeito da execução da deliberação social é afectada a actividade profissional do impugnante, com quebra no recebimento dos respectivos rendimentos patrimoniais.” Não importa saber se esta é a melhor posição (em sentido contrário parece ir o ac. do TRC de 21/12/2010, 15/10.0TBACN-A.C1: A perda do vencimento de Presidente do Conselho de Administração, decorrente da destituição ou termo do mandato ou o não exercício de qualquer cargo na nova administração, não são, de per si, um dano apreciável, subsumível no art. 396º, nº 1, do CPC), visto que no caso dos autos não foi invocado este possível dano (até porque os administradores não seriam remunerados…).

                                                  VIII

           No  ac. do TRL de 17/11/2009, 3427/08.6TBTVD-A.L1-1, decidiu--se que não era suficiente a alegação de que “os prejuízos para os requeren-tes, decorrentes das deliberações são evidentes, uma vez que, com estas pretendem a sua exclusão de sócios. Com a alegada exclusão poderão os sócios a seu bel-prazer fazerem o que entenderem no seio da sociedade, o que inevitavelmente, trará prejuízos para os requerentes detentores de participações sociais de 50%. Com o aludido expediente, pretendem espoliar ilegalmente os requerentes das suas quotas”. E entendeu-se que não era suficiente porque o “transcrito apenas encerra matéria conclusiva, sem factualidade desenvolvida.”

              Este acórdão tem no entanto um voto de vencido no sentido de considerar apreciável o dano “que se traduz na impossibilidade de exercer qualquer dos direitos inerentes à qualidade de sócio, que não tem ser objecto de mensurabilidade económica”, consideração que não tem relevo no caso dos nossos autos.

                                                   IX

           No ac. do TRP de 22/02/2011, 348/10.6TYVNG-A.P1, depois de longas considerações sobre o requisito do dano apreciável decidiu-se, sem mais, pela verificação deste, com base na simples consideração de que “a inactividade do gerente destituído e/ou a actividade do gerente nomeado constituem efeito reflexo da deliberação, integrando a sua execução e podendo produzir efeitos danosos.” O que, salvo o devido respeito, é a negação de tudo o que se tinha dito atrás pelo próprio acórdão sobre a necessidade de alegação e prova de factos concretos para integração do requisito em causa.

                                                                 X

              O ac. do TRP de 12/05/2009, 959/08.0TBESP.P1, decidiu que a suspensão não deve ser decretada se os prejuízos invocados não tiverem – como não tinham no caso - carácter ‘apreciável’. Neste acórdão invoca-se o ac. do TRP de 17/12/2008, publicado com a referência n.º 0825051, onde se escreveu no respectivo sumário: “I. O requisito do dano apreciável é matéria que implica a alegação e prova de factos concretos bastantes e relevantes – v.g. quanto ao montante do mesmo e situação económico-financeira do requerente, etc. –, em função dos quais se possa densificar o conceito legal e concluir pela sua ocorrência. II. Os danos atendíveis no âmbito do artigo 396.º do CPC não são todos aqueles que resultem de actos mediatos ou complementares da deliberação societária, mas apenas os que dimanem de actos a cuja prática os administradores ou gerentes ficam, expressa, directa e imediatamente vinculados pela mesma”. O pedido de suspensão foi indeferido.

              O entendimento deste acórdão, sumariado sob II, que poderia ser mais um fundamento para a não concessão da suspensão no caso dos nossos autos, visto que em nenhuma das “nossas” deliberações está em causa uma vinculatividade imediata dos administradores eleitos à prática de quaisquer actos, não é, no entanto, correcta, já que quase uniformemente se vem dizendo o contrário, aliás como resulta dos casos que foram sendo analisados. Para além disso, e apenas por exemplo, veja-se: Rui Pinto Duarte, obra citada, pág. 18: uma deliberação de eleição de membros para os órgãos sociais vai sendo executada à medida que as pessoas eleitas vão exercendo as suas funções; enquanto esse exercício de funções não terminar, é possível – pois tem sentido útil – suspender a deliberação. Ou Brito Correia (cita-se através do primeiro, por facilidade – Direito Comercial, vol. III, Deliberações dos Sócios, AAFDL, 1989, págs. 364 e 365): “Nomeadamente, pode ser suspensa uma deliberação vinculante para a administração, quando esta não acabou de exercer ainda toda a actividade exigida pela deliberação, seja a actividade directamente imposta por esta (vinculação directa na terminologia de Lobo Xavier), seja a actividade complementar dela (efeitos laterais ou secundários […]), seja a actividade decorrente dos efeitos próprios da deliberação (“efeitos reflexos”, v.g., no caso da eleição de corpos sociais, a actividade funcional destes). Ou Alexandre Soveral Martins, Suspensão de deliberações…, pág. 354: “estarão abrangidos os actos a que a administração social fica vinculada pela deliberação, mas também os casos em que essa vinculação não existe”.              

                                                                 *

              Assim: os dois acórdãos do ponto I não concedem a providência e no último, tal como no caso dos acórdãos do ponto IV, VI, VIII e no último do ponto X (no outro, considerou-se que o dano provado não era apreciável), diz-se que não tinham sido alegados suficientemente os danos apreciáveis decorrentes da execução da deliberação (mas no caso do ac. do ponto VIII há um voto de vencido).  Nos acórdãos dos pontos II e III exige--se a alegação em concreto de factos e considera-se que essa exigência foi cumprida. Nos acórdãos do ponto V e no do ponto VII tem-se o cuidado de se verificar o preenchimento, com factos concretos, do dano apreciável, apesar da invocação de um “princípio”, que não parece correcto, no texto do último do ponto V e no sumário do primeiro do ponto V.

           Em suma: de todos os casos analisados só num deles – no do ponto IX - se decidiu pela verificação do dano apreciável sem prova em concreto desse prejuízo (mas em contradição com a fundamentação na qual se tecem longas considerações para demonstrar a necessidade da alegação em concreto do dano apreciável…).

                                                                 *

              Posto tudo isto, não se aceita, que se possa invocar a ilegalidade das deliberações para, sem mais, se concluir pela verificação do requisito do dano provável. São requisitos autónomos e distintos e um não implica o outro. E isso mesmo que se verifique uma série de ilegalidades.

              De qualquer modo, o conjunto das ilegalidades cometidas poderá, no entanto, ser tão significativo e revestir tais características que se possa concluir, devido a ele, pelo preenchimento do requisito do dano apreciável como se, por exemplo, uma minoria toma o controlo da sociedade por forma e com a prática de tais actos que tornem evidente que no exercício da administração da sociedade porão em causa a sociedade ou os direitos do associado requerente da providência. Se assim for é o requisito do dano apreciável que já está de novo em questão.

              No caso dos autos, o conjunto dos factos alegados pelo requerente quanto à ilegalidade das deliberações, de algum modo aponta neste sentido, mas a verdade é que acaba por se revelar inaproveitável.

              Assim, o requerente diz que ADM  aquando da sua transformação em sociedade anónima tinha 5 sócios, que eram o casal de pai e mãe (cada um deles titular de 45,38% das acções representativas do capital social) e os três filhos (cada um deles com 3,08% das acções). Não diz qual o título de aquisição destas acções, nem quando é que elas foram adquiridas. Depois diz que a mãe faleceu em 2007 e que o pai e a mãe eram casados no regime de comunhão geral de bens. Apesar disto tudo ser insuficiente para o efeito [como logo resulta das normas do art. 1733/1, als. a) e b) do CC], o requerente conclui que as acções eram bem comum do casal e que, por isso, com a morte da mãe, as acções ficaram a fazer parte de um património comum ainda não partilhado. Mais à frente (art. 59 do requerimento) diz que as acções representativas do capital social da ADM são valores mobiliários titulados nominativos e que nos termos do art. 102 do Código dos Valores Mobiliários (este artigo trata da forma de transmissão de tais acções) as 90,78% das acções não foram objecto de transmissão (art. 60 do requerimento). Antes (no art. 48 do requerimento) tinha transcrito aquilo que disse na AG: “… os accionistas, do conhecimento do accionista, ainda são apenas a herança indivisa por morte da sua mãe, o seu pai e os seus irmãos, pelo que censura veementemente os termos e os comportamentos que estão a ser adoptados na empresa, desconhecendo por completo os seus motivos…”

              Por isto, conclui que na AG apenas as acções dele e do irmão C (…) estavam representadas, com o total de 6,16% do capital social. E como as deliberações vão permitir que o irmão Carlos possa administrar a sociedade de acordo com a sua vontade, conclui pela ilegalidade e prejudicialidade das mesmas.

              Mas naquela mesma AG foi feita referência (3º§ da acta, fls. 333 destes autos) ao livro de registo das acções e nele consta o accionista C (…) como sendo titular de 71,12% das acções representativas do capital (conf documento nº. 4, a fl. 318 a 332), por lhe terem sido transmitidas. Ora, o requerente não impugna o registo, apenas afirmando que, do seu conhecimento, ainda são apenas accionistas a herança, o seu pai e os seus irmãos. Ou seja, admite que algo que não é do seu conhecimento se possa ter passado. Esse algo é a transmissão das acções para o seu irmão… Ora, “os direitos inerentes aos valores mobiliários titulados nominativos não integrados em sistema centralizado são exercidos de acordo com o que constar no registo do emitente” (art. 104/2 do CVM).

              E, por outro lado, se antes eram administradores os pais e os irmãos, agora continuam a ser administradores o pai (que também estava presente na AG) e o irmão Carlos, deixando de o ser os outros dois irmãos (e a mãe, por ter morrido…).

              Ou seja, em vez de um “golpe palaciano” em que um associado com apenas 3,08% das acções passa a poder controlar a ADM a seu “bel-prazer”, tem-se três deliberações (aparentemente aprovadas com quorum e por maioria) que colocam este, com o apoio do pai (sendo que os dois juntos, antes da transmissão registada das acções, representavam 48,44% do capital social), a administrar a sociedade (da qual ambos já eram administradores, o pai com poderes para obrigar a ADM por si só), com possibilidade de o fazerem contra a vontade de dois irmãos que apenas têm (na perspectiva que será de ambos) 6,16% do capital social ou que têm 28,88% contra 71,12%  do  irmão C (…), segundo o livro de registo de acções que, repete--se, não foi impugnado.

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              Em suma: a execução da três últimas deliberações em causa nestes autos poderá vir levar a uma administração de facto da ADM em sentido desfavorável aos interesses do requerente ou mesmo aos dos da própria ADM e em benefício do accionista C (…), mas tal trata-se de uma simples possibilidade, não de um evento para o qual o requerente tenha invocado factos concretos que, provados, possam levar a crer que se verificará de certeza ou com uma probabilidade muito forte. Tratam-se de conjecturas que não assentam em factos concretos.

              Visto tudo isto de outra perspectiva, tinha sentido perguntar às testemunhas pelos vários factos concretos que foram dados como provados em vários dos acórdãos analisados acima, mas já não teria sentido perguntar-lhes se confirmavam as conjecturas feitas pelo requerente do caso destes autos. Estas conjecturas seriam construções que o juiz teria de subscrever com base em factos que teriam de ser alegados pelo requerente para sobre eles poderem ser inquiridas as testemunhas.

              Teve pois razão a decisão recorrida ao considerar que o requerimento de suspensão da execução das deliberações “não contém eventos concretos susceptíveis de possibilitar a aferição da existência de prejuízo significativo decorrente da execução da deliberação social qualificada de ilegal”.

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              Sumário: A suspensão da execução das deliberações sociais (de destituição de administradores, eleição de novos administradores e alteração de estatutos) está dependente da alegação de factos concretos que justifiquem as conjecturas do requerente quanto ao perigo de dano apreciável decorrente da actuação futura da nova administração eleita.

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              Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.

              Custas pelo recorrente.

              Coimbra, 06/09/2011.              

              Pedro Martins ( Relator )

              Virgílio Mateus

              António Carvalho Martins