Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
70/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
ARBITRAGEM
RECURSO
AVALIAÇÃO
SERVIDÃO NON AEDIFICANDI
Data do Acordão: 03/08/2006
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: COMARCA DE TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 8.º, 2; 26º, 1 DO CÓDIGO DA EXPROPRIAÇÕES DE 1991; ARTIGO 9.º DO DECRETO-LEI N.º 196/089, DE 14/06
Sumário: 1. Equivalendo a decisão da Comissão Arbitral a uma sentença proferida em Tribunal de 1ª instância, pois que de um Tribunal Arbitral Necessário se trata, não podem os expropriados, por via do recurso interposto, ver a sua posição agravada, por tal não ser permitido pelo princípio da «reformatio in pejus».
2. Não incidindo a servidão «non aedificandi» sobre a totalidade da parcela sobejante não expropriada do prédio, não se verifica um dos pressupostos que condicionam a atribuição da indemnização, ainda que, antes da instauração do processo expropriativo, o prédio em causa já estivesse dotado de aptidão edificativa.

3. O princípio da igualdade de encargos entre os cidadãos obriga a que o expropriado não seja penalizado, no confronto com os não expropriados, mas, também, que, pela via da expropriação, não venham os expropriados a ser, manifestamente, favorecidos, em relação aos não expropriados, sendo certo que a lei não prevê qualquer indemnização, em favor dos proprietários de prédios que passam a sujeitar-se à servidão «non aedificandi», independentemente do acto da expropriação.

4. Não é a expropriação que dá causa à servidão «non aedificandi», mas sim o preenchimento da hipótese legal que prevê a sua constituição.

5. A depreciação ambiental ou o ruído que se desejam combater, para merecerem expressão indemnizatória ou obterem a concessão de tutela judiciária, no processo de expropriação, têm de resultar do acto de declaração pública de expropriação, porquanto se aquelas situações derivam, causalmente, da abertura da via de trânsito e da obra realizada, não podem fazer parte do conteúdo da obrigação de indemnização por expropriação, sob pena de violação do princípio constitucional da igualdade.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

Nos presentes autos com processo especial de expropriação judicial litigiosa, por utilidade pública urgente, em que é expropriante o ICOR – Instituto para a Construção Rodoviária, integrado, por fusão, no IEP – Instituto de Estradas de Portugal, actualmente, designado por EP – Estradas de Portugal EPE, com sede na Praça da Portagem, em Almada, e expropriados A... e mulher, B..., residentes em Covas do Vale Donas, nº 1, em Tomar, veio a primeira entidade expropriar uma parcela de terreno, designada pelo número 176, na respectiva planta parcelar, com a área de 2265 m2, destacada do prédio com a área de 4080 m2, inscrita na matriz predial rústica da freguesia de Santa Maria dos Olivais, concelho de Tomar, sob o artigo número 165, secção H, a confrontar do Norte com Francisco Garcia, Manuel Alves Júnior e Manuel Nunes, do Sul com Carlos António Miguel e com M. Henriques Carvalheiro, do Nascente com Manuel Nunes e Manuel Alves Júnior, e do Poente com José Antunes, e inscrita na Conservatória do Registo Predial de Tomar, em nome dos expropriados, desde 4 de Janeiro de 1995, sob o nº 02058/040195.
Do acórdão arbitral, que fixou em 2.239.785$00 o montante indemnizatório a pagar pelo expropriante, foi interposto recurso pelos expropriados.
No recurso da decisão arbitral, os expropriados concluem com a formulação do pedido indemnizatório, no montante de 11288300$00.
A sentença julgou o recurso, parcialmente, procedente por provado, e, em consequência, fixou o valor da indemnização que o expropriante tem a pagar aos expropriados, no montante global de euros a que correspondem 2.788.020$63, valor este actualizado, até 30 de Junho de 2005.
Desta sentença, apenas os expropriados interpuseram recurso de apelação, terminando as suas alegações, onde defendem a sua revogação e substituição por outra, com as seguintes conclusões:
1ª – Na decisão arbitral o terreno do logradouro foi classificado e avaliado como terreno apto para construção.
2ª – Desta classificação não foi interposto recurso pelo que nesta parte, tal decisão transitou em julgado.
3ª – Ao pretender renovar a qualificação jurídica do solo do logradouro violou a Mª “a quo” o disposto no nº 4 do artigo 684º do CPC.
4ª – Também o valor dos 300 m2 que constituíam parte do logradouro da casa e que integravam a parcela expropriada, “supra” designado apenas por logradouro, não podia ser fixado em quantia inferior ao fixado na decisão arbitral, de que apenas os expropriados recorreram.
5ª – Ao baixar esse montante para um valor inferior ao fixado na decisão arbitral violou a Mª Juiz “a quo” o artigo 684º nº 2, “in fine” do CPC.
6ª – O referido logradouro não podia ser avaliado como terreno para outros fins com base nas culturas possíveis, dado que o valor dos logradouros está ligado ao valor das edificações urbanas de que fazem parte e não aos valores de hipotéticas culturas agrícolas.
7ª – Ao avaliar o logradouro, por hipotéticas culturas violou a Mª Juiz “a quo” não só o disposto no artº 22 nº. 1 do DL 438/91, como a obrigação constitucional de fixar a indemnização pelo pagamento da justa indemnização, na medida em que o disposto no artº 24 nº 5 do DL 438/91 de 9/11 é inconstitucional, na interpretação que lhe é dada nos presentes autos.
8ª – A indemnização pela servidão administrativa “non aedificandi” deveria ter sido concedida uma vez que tal servidão corresponde a uma limitação ao direito de propriedade dos ora recorrentes.
9ª – Ao negar tal indemnização violou a Mª Juiz “a quo” o disposto nos artºs 22 nº 1 e 28, 2º parte do DL 438/91 de 9/11.
10ª – Igualmente, ao não conceder aos expropriados uma indemnização pela depreciação da qualidade ambiental do prédio, e ao não condenar a requerida expropriante a insonorizar as janelas da casa dos expropriados, violou a Mª Juiz “a quo” o disposto nos artºs 22 nº 1 e 28, 2º parte do DL 438/91 de 9/11.
11ª – O valor do m2 do terreno rústico da parcela expropriada foi fixado em 474$00 o m2, apenas com referência ao valor das culturas de batata branca e ferrejo, que são das culturas de regadio mais pobres.
12ª – Efectivamente, se os senhores peritos tivessem considerado o valor da cultura do milho que é das culturas de regadio mais utilizadas em Portugal, teriam obtido um valor pelo menos três vezes superior ao utilizado, pelo que a Mª Juiz “a quo” ao aceitar como correcto o valor de 474$00 para preço do m2 do terreno de regadio, violou o disposto no artº. 26º, nº1 do DL 438/91 de 9/11.
O expropriante, nas suas contra-alegações, entende que deve ser, totalmente, confirmada a douta sentença recorrida.
Na sentença apelada, declararam-se demonstrados, sem impugnação, os seguintes factos, que este Tribunal da Relação aceita, nos termos do estipulado pelo artigo 713º, nº 6, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:
1 – Na Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob o nº 02058/040195, freguesia de Stª Maria dos Olivais, encontra-se descrito o prédio misto, sito em Covas de Valdonas, composto de casa de habitação com duas divisões, com a área de 40 m2, logradouro, com a área de 720 m2, e terra de cultura arvense, com oliveiras, construção rural, hortejo e figueiras, com a área de 3.320 m2, a confrontar do Norte com estrada, do Sul com Manuel Ferreira, do Nascente com estrada, e do Poente com António Miguel, inscrito na matriz sob os artigos 606 urbano e 165, Secção H, rústico.
2 - Este prédio encontra-se inscrito, na mesma Conservatória do Registo Predial de Tomar, em nome dos expropriados, desde 4 de Janeiro de 1995.
3 - Por despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas, de 22 de Dezembro de 1998, publicado no Diário da República nº 42, II Série, de 19 de Fevereiro de 1999, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, com vista à construção do lanço do IC 3 – Variante de Tomar, da expropriação, entre outras, da parcela com o nº 176.
4 - Essa parcela tem a área de 2.265 m2 e foi destacada do prédio inscrito na matriz predial rústica, sob o artº. 165, Secção H, da freguesia de Stª Maria dos Olivais, identificado em 1.
5 - Parcela esta que ficou com as seguintes confrontações: do Norte com Francisco Garcia, Manuel Alves Júnior e Manuel Nunes, do Sul com Carlos António Miguel e com M. Henriques Carvalheiro, do Nascente com Manuel Nunes e Manuel Alves Júnior, e do Poente com José Antunes.
6 - Esta parcela, de forma irregular, com um solo de natureza agrológica argilosa, apresentava, à data da vistoria «ad perpetuam rei memoriam», realizada em 24 de Maio de 1999, boa capacidade de uso para as culturas de regadio e dividia-se em duas partes;
7 - Uma, correspondente ao logradouro da casa de habitação, com a área de 300 m2;
8 - Ocupada por espécies arbustivas sem qualquer valor;
9 - Outra, correspondente ao terreno rústico, com a área de 1.965 m2;
10 - Ocupada por 19 oliveiras, muito desenvolvidas, e por trinta pés de vinha, com cerca de trinta anos de idade.
11 - Na parcela nº 176 existia, ainda, na referida data de 24 de Maio de 1999:
a) - Um poço redondo com dois metros e meio de diâmetro e a altura de treze metros e vinte centímetros, revestido a tijolo burro, com guarda do mesmo material e um metro de altura;
b) - Uma cabina, em tijolo, com quinze centímetros de espessura, com as dimensões de um metro e cinquenta centímetros de comprimento, um metro e vinte centímetros de largura e um metro e sessenta centímetros de altura, dotada de porta de ferro com cinquenta centímetros de largura e um metro e meio de altura, coberta com placa de betão armado com a espessura da quinze centímetros;
c) - Canalização de água, em tubo PVC, com um diâmetro de 1 ½, com a extensão de 60 metros;
d) - Rede de distribuição domiciliária de energia eléctrica de baixa tensão.
12 - A parcela tinha acesso, através de uma serventia pública, com o piso em terra batida.
13 - O terreno sobrante e a parcela descrita de 3. a 12., correspondente ao terreno rústico, com a área de 1.965 m2, tinham aproveitamento e boa capacidade de uso para culturas de regadio, em especial, de batata branca.
14 - A produção média possível seria de 12.000Kg de batata, por hectare, e de 15 Kg de ferrejo, por hectare.
15 - Com base na possibilidade, referida em 14., considerando os encargos com as culturas nas percentagens de 60 e de 40 e os preços de 40$00 e de 5$00, para a batata e para o ferrejo, respectivamente, e a taxa de 5%, os Peritos calcularam um rendimento fundiário líquido, por hectare, de 237.000$00, correspondente ao valor de 474$00 por m2.
16 - Quanto ao terreno do logradouro, com a área de 300 m2, os Peritos consideraram-no como solo apto para construção, com o índice de construção máximo permitido de 0,015.
17 - Isto porque todo o prédio, identificado em 1. e 2., se encontra inserido em zona RAN, prevista no Plano Director Municipal de Tomar.
18 - Ponderaram, ainda, os Peritos o índice 0,145 e o preço de construção de 102.100$00.
19 - Tendo atribuído ao terreno de logradouro de 300 m2, identificado em 7., o valor global de 724.828$00, que corresponde a 2.400$00, por m2.
20 - A cada uma das 19 oliveiras, referidas em 10., os Peritos atribuíram o valor de 12.000$00.
21 - E a cada um dos pés de vinha, também referidos em 10., o valor de 800$00.
22 - Os Peritos fixaram ao poço, mencionado em 11. a), o valor de 927.870$00.
23 - À cabina, identificada em 11. b), o valor de 72.000$00.
24 - Aos sessenta metros de tubo, em PVC, o valor de 34.800$00.
25 - O prédio, identificado em 1. e 2., situa-se entre 5 a 6 Km da cidade de Tomar.
26 - Nesse prédio, os expropriados têm implantada a casa de habitação onde vivem, desde há cerca de 40 anos.
27 - Antes da obra de execução do IC 3, a referida casa de habitação era banhada pela luz do sol, durante todo o dia.
28 - Após tal construção, a estrada IC 3 ficou num plano superior ao do telhado da casa onde os expropriados vivem.
29 - Pelo que o sol só se faz sentir na mesma casa, a partir das 11 horas/meio dia.
30 - Dentro da casa de habitação dos expropriados sente-se o barulho do trânsito de veículos, que se faz sentir na IC 3.
31 - Que dista cerca de 10 metros da mesma casa de habitação.
32 - E com um talude com cerca de nove metros de altura.
33 - Os expropriados já receberam, em 4 de Maio de 2001, por conta da indemnização de 2.239.785$00, fixada no acórdão arbitral, a importância de 489.570$00.

*

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do CPC, são as seguintes:
I – A questão da qualificação e da fixação do valor do solo, objecto de expropriação.
II – A questão da servidão «non aedificandi».
III – A questão da indemnização pela depreciação ambiental e da condenação na insonorização do ruído.
IV – A questão da avaliação da parte rústica.

I

DA QUALIFICAÇÃO E FIXAÇÃO DO VALOR DO SOLO

O acórdão arbitral decompôs o terreno expropriado em dois tipos, qualificando como parte rústica, com a área de 1965 m2, um terreno de sequeiro, que avaliou em 453915$00, e o terreno anexo à moradia, com a área de 300 m2, como solo apto para construção, dado ser o logradouro de uma habitação, apesar de se encontrar integrado na Reserva Agrícola Nacional (RAN), que avaliou em 720000$00, no total de 1173915$00.
Entretanto, no recurso do acórdão arbitral, os expropriados, além do mais, pedem que a parte rústica da parcela expropriada seja calculada, à razão de 2500$00 o m2, num total de 4912500$00, e que logradouro, como terreno apto para construção, seja calculado, à razão de 7658$00 o m2, num total de 2297400$00, ou seja, aceitando a qualificação das duas espécies de solo em presença, tal como foram definidas pela decisão arbitral, apenas pretendem a elevação dos respectivos valores indemnizatórios, para o quantitativo global de 7209900$00.
Porém, a sentença que conheceu do objecto do recurso da decisão arbitral, considerando errónea e ilegal a qualificação da parte da parcela expropriada, com a área de 300 m2, que antes integrava o logradouro da casa de habitação dos expropriados, como «solo apto para construção», em virtude de todo o prédio estar integrado na RAN, classificou-a como «solo apto para outros fins», com sujeição da totalidade da parcela expropriada aos critérios de avaliação contidos no artigo 26º, do Código das Expropriações, aprovado pelo DL nº 438/91, de 9 de Novembro (CE91), e, assim, por força do valor de 474$00, fixado para o m2, encontrou o total de 1073610$00 [2.265 m2 =(1965+300)x474$00=1073610$00], isto é, não só inferior ao pedido formulado no recurso, mas, inclusivamente, ao valor já estabelecido pelo acórdão recorrido.
Os expropriados insurgem-se contra esta situação, por entenderem que, não tendo sido interposto recurso, em relação à parte da decisão arbitral que classificou o logradouro como terreno apto para construção, a mesma transitou em julgado, não podendo agora ser renovada a qualificação jurídica do solo do logradouro e, consequentemente, ser fixado o respectivo valor expropriativo, em quantia inferior à estabelecida na aludida decisão arbitral.
Dispõe o artigo 682º, nº 1, do CPC, que “se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas terá de recorrer se quiser obter reforma de decisão na parte que lhe seja desfavorável;”, enquanto que, por seu turno, o artigo 684º, nº 4, do mesmo diploma legal, estatui que “os efeitos do caso julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo”.
Na hipótese em apreço, apenas os expropriados, e não o expropriante, interpuseram recurso do acórdão arbitral, o que significa que esta entidade se conformou com o montante indemnizatório fixado, na totalidade das várias parcelas em que este se desdobra.
Assim sendo, a parte decisória não recorrida torna-se estável, não podendo a posição dos apelantes ser agravada, em virtude do recurso por si interposto, adquirindo a força e autoridade de caso julgado, atenta a proibição constante do princípio da «reformatio in pejus»( Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 317; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V, 1981, 310 e 311.).
Face ao âmbito do caso julgado, assim definido, a decisão arbitral que fixou o montante da indemnização correspondente ao valor do solo, no quantitativo de 1173915$00, teria transitado em julgado, se não houvesse sido interposto recurso, nesta parte, para o Tribunal «a quo», mas não, igualmente, as motivações ou os critérios utilizados para se chegar a essa quantia.
Por isso, se o caso julgado abrangeria, tão-só, o montante da indemnização fixada, a circunstância de os expropriados se não haverem conformado com a sua fixação e terem recorrido da decisão arbitral, por o considerarem insuficiente, apenas significa que o mesmo iria ser discutido e, eventualmente, não elevado, em função da falta de razoabilidade legal da sua fundamentação, mas nunca que a decisão a proferir pudesse vir a estabelecê-lo, em montante inferior ao fixado em 1ª instância, qualidade esta em que está investida a Comissão Arbitral, enquanto Tribunal Arbitral Necessário, por força do estipulado pelo artigo 1525º e seguintes, do CPC.
Assim sendo, considerando que a decisão arbitral funciona como uma sentença proferida em Tribunal de 1ª instância, pois que de um Tribunal Arbitral se trata, e não tendo a mesma, neste particular, sido objecto de recurso, transitou em julgado, nos termos das disposições combinadas dos artigos 671º, nº 1, 673º e 677º, todos do CPC.
Formou-se, pois, um caso julgado material, que obriga, não só dentro do processo arbitral, mas, também, fora deste, impedindo uma nova e diversa apreciação, no mesmo ou em novo processo, da relação jurídica material controvertida, por forma a que, havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma questão concreta da relação processual, seja cumprida a que passou em julgado, em primeiro lugar, atento o preceituado pelos artigos 671º, nº 1 e 675º, nº s 1 e 2, do CPC.
É que o princípio da proibição da «reformatio in pejus», constante do artigo 684º, nº 4, do CPC, não permite que o julgamento do recurso possa agravar a posição do recorrente, tornando-a pior do que aconteceria se o não tivesse interposto( Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 3ª edição, revista, actualizada e ampliada, 137.).
Assim sendo, mantém-se intocável a decisão constante do acórdão arbitral, na parte respeitante à qualificação do solo e aos valores fixados em relação a cada um dos tipos de terreno em que foi decomposto.
E tudo isto, independentemente da circunstância de o valor total da indemnização fixada pela sentença recorrida, no somatório das suas várias parcelas, exceder o montante estabelecido pelo acórdão arbitral, uma vez que, se o recurso arbitral apenas abrangesse o valor do solo, e não os demais aspectos, resultaria da sentença recorrida, quer em termos absolutos, quer em termos relativos, uma quantia inferior aquela que os expropriados, sem o mesmo, teriam obtido, por força da decisão arbitral.

II

DA SERVIDÃO «NON AEDIFICANDI»

Com efeito, qualquer particular está sujeito a ver constituídas sobre o seu prédio as servidões administrativas necessárias à realização do interesse público, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 62, nº 2, da Constituição da República (CR), e 8º, do CE91.
Por outro lado, a servidão «non aedificandi», para protecção de auto-estradas e de estradas nacionais, é uma servidão administrativa, regulada pelo DL nº 13/94, de 15 de Janeiro, como lei especial, e bem assim como pelo DL nº 181/70, de 28 de Abril, como lei comum a todas as servidões administrativas, de natureza legal, pois que resulta, directa e imediatamente, da lei, pela submissão automática a regimes, uniforme e genericamente, predeterminados, em relação a todos os prédios que se encontrem nas condições objectivas tipificadas no respectivo texto, independentemente de ulterior individualização, enquanto que as constituídas por acto administrativo, embora, também, como as demais, impostas por lei, se reportam, especificamente, a certos prédios, porquanto, ao contrário das primeiras, têm de designar aqueles sobre que incidem, caso por caso, exigindo a pratica de um acto da Administração, quer apenas pelo reconhecimento da utilidade pública justificativa da servidão, quer ainda pela definição de certos aspectos do respectivo regime, designadamente no que se refere à área sujeita à servidão e aos encargos por ela impostos( Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 4ª edição, 255 e nota 1; Preâmbulo do DL nº 181/70, de 28 de Abril; STJ, de 28-1-97, CJ, STJ, Ano V, T1, 81; e de 24-6-96, CJ, STJ, Ano IV, T3, 8, respectivamente.).
As servidões administrativas constituem encargos impostos pela lei sobre certo prédio, em proveito da utilidade pública de uma coisa, sendo, por isso, estabelecidas por causa da utilidade pública de certos bens, devendo ser acompanhadas de indemnização, quando se apresentem como verdadeiras expropriações de sacrifício ou substanciais, isto é, como actos que produzem modificações especiais e graves na utilidade do direito de propriedade, em termos tais que ocorreria uma violação do princípio da justa indemnização, consagrado pelo artigo 62º, nº 2, do princípio do Estado de Direito democrático, com assento nos artigos 2º e 9º, b), pelo qual os actos do poder público, lesivos de direitos ou causadores de danos, devem desencadear uma indemnização, e do princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, constante do artigo 13º, todos da CR, se o proprietário do prédio onerado com essa servidão administrativa não obtivesse uma indemnização( Fernando Alves Correia, Expropriação por Utilidade Pública, CJ, Ano IX, STJ, T1, 37 e ss.).
Por isso, a servidão administrativa deve ser constituída, de modo a permitir que os prédios servientes continuem a ser utilizados pelos seus donos, como, anteriormente, segundo o princípio do mínimo prejuízo, pois só quando exista um sacrifício excepcional, imposto ao proprietário, com violação do princípio da igualdade dos cidadãos com os encargos públicos, se justifica a atribuição de uma indemnização( Marcelo Caetano, Princípios Fundamentais de Direito Administrativo, 469.).
Em conformidade com o critério acabado de analisar, só não dão direito a indemnização as servidões administrativas que criem limitações ou condicionamentos à utilização e disposição dos bens, designadamente dos solos, que sejam um mero efeito da função social da propriedade que incide sobre aqueles bens, isto é, uma simples consequência da especial situação factual dos mesmos, da sua inserção na natureza da paisagem e das suas características intrínsecas, ou cujos efeitos ainda se contenham dentro dos limites do direito de propriedade, definidos, genericamente, pelo legislador( Fernando Alves Correia, Expropriação por Utilidade Pública, CJ, Ano IX, STJ, T1, 37 e ss.).
A servidão coactiva é, justamente, um encargo que, em abstracto, a lei autoriza, mediante a outorga de um direito potestativo ao seu beneficiário eventual e a imposição de uma sujeição ao futuro onerado, constituindo-se, tão-só, efectivamente, através da actuação do titular do poder potestativo( Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 4ª edição, 256.).
De facto, a lei distingue entre as servidões fixadas, directamente, na lei e as servidões constituídas, por acto administrativo, sendo certo que as primeiras, por via de regra, não admitem direito a indemnização, salvo quando a lei determinar o contrário, enquanto que as segundas o concedem, quando houver diminuição efectiva do valor ou do rendimento dos prédios servientes, nos termos do preceituado pelo artigo 8°, n°s 2 e 3, do CE91.
Efectivamente, estipula o artigo 8º, nº 2, do CE91, que “as servidões fixadas directamente na lei não dão direito a indemnização, salvo se a própria lei determinar o contrário”.
Porém, a diminuição das utilidades da coisa, por virtude da imposição de certos vínculos administrativos, «maxime» de uma servidão «non aedificandi», é susceptível de fazer nascer uma obrigação de indemnizar, devendo ser levada em linha de conta na determinação do montante a pagar, a título de indemnização, quando resulte do acto expropriativo.
Por isso, considerando existir violação do disposto nos artigos 13º, nº 1, e 62º, nº 2, da CR, foi julgada inconstitucional a norma constante do artigo 8º, nº 2, do CE91, enquanto não permite que haja indemnização pelas servidões fixadas, directamente, na lei, desde que essa servidão resulte para a totalidade da parte sobrante de um prédio, na sequência de um processo expropriativo incidente sobre parte de tal prédio, e quando este, antecedentemente aquele processo, tivesse já aptidão edificativa( TC, de 19-2-98, BMJ nº 474, 141; TC, Acórdão nº 193/98, de 14-1-99, DR, IIª série; TC, de 13-4-94, BMJ nº 436, 62.).
Contudo, e, desde logo, a servidão «non aedificandi» em apreço não incide sobre a totalidade da parcela sobejante não expropriada do prédio, mas antes sobre uma área circunscrita da mesma, pelo que, assim sendo, não se verifica, desde logo, o primeiro dos pressupostos da atribuição da indemnização, em relação às servidões fixadas, directamente, na lei, restando saber se, na verdade, ocorre o segundo, isto é, se o prédio, antecedentemente ao processo expropriativo, já tinha aptidão edificativa.
Resulta, exaustivamente, dos autos que a área da parcela a expropriar fazia parte de um prédio constituído por solo de natureza agrológica argilosa, com boa capacidade de uso para culturas arvenses de regadio, composto por duas partes, sendo uma o logradouro do imóvel de habitação, ocupado por espécies arbustivas sem valor comercial, e a outra um terreno rústico, ocupado por 19 oliveiras, muito desenvolvidas, 30 pés de vinha, com trinta anos de idade, um poço redondo, com 2,50m de diâmetro, 13,20m de profundidade e 1,00m de altura de parapeito, e uma cabina, com canalização de água, numa extensão de 60 m, para abastecimento da moradia e rega do prédio, dotado de abastecimento de água da rede pública e rede de distribuição domiciliária de energia eléctrica, acessível, através de uma serventia pública, com o piso em terra batida, abrangido pelo PDM de Tomar, que o integrou em área de RAN, onde não é possível qualquer construção, dada a exiguidade da superfície do prédio.
Tratando-se de um terreno, situado fora de aglomerado urbano, de natureza, eminentemente, rústica, constituído por solo agrícola, com bons índices de produtividade, integrado em área de RAN, será que, por via disso, deixa de revestir um certo potencial de capacidade ou aptidão edificativa, um determinado coeficiente de edificabilidade?
A proibição de construir edificações urbanas, em solos integrados na RAN, decorre do DL nº 196/89, de 14 de Junho, com as alterações introduzidas pelos D´s L nos 274/92, de 12 de Dezembro, e 278/95, de 25 de Outubro, sendo uma consequência da “vinculação situacional” da propriedade que recai sobre os solos com tais características.
Está-se perante uma restrição que se mostra necessária e, funcionalmente, adequada a acautelar uma reserva de terrenos agrícolas que propicie o desenvolvimento da actividade agrária, e que não viola, quer o princípio da justa indemnização, dada aquela sua “vinculação situacional”, quer os princípios da igualdade e da proporcionalidade, porquanto atingem todos os proprietários e outros interessados que se encontram, quer em concreto, quer em abstracto, no âmbito da mesma situação jurídica( TC, Acórdão nº 347/03, de 8-7-2003, www. tribunal constitucional. pt).
Por isso, embora, teoricamente, exista a possibilidade de construir, em qualquer solo, o facto é que a integração de um terreno, na RAN, determina, na prática, não só a inviabilidade de o respectivo proprietário nele vir a erigir edifícios urbanos, mas, também, o fim de qualquer expectativa razoável da sua desafectação, para que possa vir a ser destinado à construção imobiliária, impossibilidade essa determinada, por razões de interesse público, com justificação constitucional, como sejam a de reservar para a produção agrícola os terrenos que, para tal, demonstrem melhor aptidão, encontrando assento no artigo 93º, nº 1, a) e d), da CR, que consagra, como objectivos da política agrícola, o aumento da “produção e a produtividade da agricultura” e a garantia de um “uso e [ ] gestão racionais dos solos”.
Assim sendo, a proibição de construir, em terreno integrado na RAN, imposta pela natureza intrínseca da propriedade, é, tão-só, “uma manifestação da hipoteca social que onera a propriedade privada do solo”( TC, Acórdão nº 329/99, DR, IIª série, de 20-7-1999.).
A determinação do pagamento da “justa indemnização” não contende, necessariamente, com a qualificação dos terrenos integrados na RAN, ainda que expropriados para que neles se edifiquem construções urbanas, como “solo apto para construção”, não interessando o facto de o terreno deixar de ser agrícola, como acontece quando nele se constrói um prédio urbano, uma auto-estrada ou uma via rápida, sendo antes relevante, para o efeito, o facto de ter ou não uma «muito próxima ou efectiva aptidão edificativa», que resulta da circunstância de o expropriante lhe dar uma utilização para construção( TC, Acórdãos nº 20/00, de 11-1-00, DR, IIª série, de 28-4-00; nº 219/01, de 22-5-01 (Pº 730/2000); nº 243/01, DR, IIª série, de 4-7-2001; nº 333/03, DR, II série, de 7-7-03; e nº 557/03, DR, IIª série, de 12-11-03.).
Por isso, o que importa apurar é a questão de saber se, na parcela em causa, incluída na RAN, expropriada para a execução da “IC3 – Variante de Tomar”, existe uma «muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa», e não uma simples possibilidade abstracta, sem qualquer concretização pratica, nomeadamente nos planos municipais de ordenamento( TC, Acórdão nº 131/88, DR, IIª série, de 29 de Junho; e nº 341/86, DR, IIª série, de 19-3-87.).
Efectivamente, o artigo 24º, nº 2, do CE91, ao definir os índices de qualificação do solo apto para a construção, no cálculo da indemnização a pagar pelo bem expropriado, adoptou um critério concreto de potencialidade edificativa, que é o único idóneo para o efeito, ou seja, o da valorização efectiva, ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma «muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa», porquanto, em abstracto, todos os solos, incluindo os dos prédios rústicos que façam parte, designadamente da RAN ou da REN, são aptos para a construção, desde que a capacidade edificativa do terreno já exista, no momento da declaração de utilidade pública, sob pena de se poderem criar, artificialmente, factores de valorização que, depois, iriam distorcer a avaliação, e de, consequentemente, a indemnização poder deixar de traduzir apenas uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado e ser desproporcionada à perda do bem expropriado( TC, Acórdão nº 131/88, DR, IIª série, de 29-6-88.).
É que só pode dizer-se que os bens expropriados envolvem uma «muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa», quando, no mínimo, estejam destinados a ser dotados de infra-estruturas urbanísticas, “de acordo com instrumento de gestão territorial [alínea c), do n.º 2, do artigo 24º], ou, pelo menos, quando possuam “alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública” [alínea d), do n.º 2, do artigo 24º], do CE91.
De facto, se não devesse exigir-se, para o reconhecimento da aptidão edificativa de um terreno, a sua prévia qualificação como solo apto para construção, por um “instrumento de gestão territorial”, ou a existência de um “alvará de loteamento ou licença de construção, em vigor no momento da declaração de utilidade pública”, o resultado seria, muito decerto, ter que reconhecer-se essa capacidade a quase todos os terrenos, senão mesmo a todos eles, meramente aferida, por parâmetros objectivos e naturais( TC, Acórdão de 20-4-2004, DR, IIª série, de 8-6-04, 8866.).
E, não tendo o proprietário de terrenos integrados na RAN, expectativa razoável de os ver desafectados e destinados à construção ou edificação, e não havendo esses terrenos sido, efectivamente, desafectados, por via da expropriação, mantendo-se a originária vocação dos solos, por não ser titular, anteriormente à expropriação, de expectativas legítimas relativas à potencialidade edificativa do terreno, que bem sabia que, segundo o PDM, não gozava da faculdade de nele construir, não pode invocar o princípio da "justa indemnização", de modo a ver calculado o montante indemnizatório, com base numa potencialidade edificativa dos terrenos que, para ele, era, legalmente, inexistente, e com a qual não podia, razoavelmente, contar.
De facto, no cálculo da indemnização a pagar pela expropriação de um terreno integrado na RAN, não releva o «ius aedificandi», pois que, em tais terrenos, não se pode construir, com ressalva das obras de carácter, exclusivamente, agrícola, nem o expropriado possui tutela constitucional directa no direito de propriedade, ainda que deva ser considerado como um dos factores de fixação valorativa, ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa.
Com efeito, a alteração da destinação agrícola de um terreno não impõe, só por si, uma indemnização arbitrada de acordo com a qualificação de “solo apto para a construção”, a qual não pressupõe a existência de uma «muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa» de construções urbanas, como acontece no caso da construção de uma auto-estrada, de um itinerário complementar ou principal, ao contrário do que sucederia se a expropriação, com desafectação da RAN, se destinasse à construção de um qualquer prédio urbano( TC, Acórdão nº 20/2000, de 11-1-00, DR, IIª série, de 28-4-00. ), em que a expropriação visa, justamente, a concretização da aptidão edificativa, cujo afastamento estava subjacente à exclusão da classificação como “solo apto para construção”.
Na hipótese em apreço, a parcela de terreno, onde veio a ser construído o “IC3 – Variante de Tomar”, estava integrada na RAN, pelo menos, desde a aprovação do PDM de Tomar, pela Assembleia Municipal de Tomar, em 30 de Janeiro de 1995, tendo o respectivo Plano Director Municipal sido ratificado, pela Resolução do Conselho de Ministros nº 100/94, publicada no DR, Iª Série - B, nº 233, de 8 de Outubro de 1994, e declarada a utilidade pública da expropriação, pelo Ministério das Obras Públicas que, em definitivo, foi publicada no DR, IIª série, nº 42, de 19 de Fevereiro de 1999, não havendo conhecimento de qualquer portaria que, entretanto, tenha vindo libertar da RAN o terreno onde se encontra a parcela em causa, que foi integrada nesta Reserva, muito antes da decisão de a expropriar, por entidade diversa da expropriante.
Por outro lado, desconhece-se a existência de parecer favorável à utilização de solo agrícola para a aludida construção, nos termos da alínea d), do nº 2, do artigo 9º, do DL n.º 196/89, de 14 de Junho, por parte da respectiva Comissão Regional da Reserva Agrícola.
A isto acresce que a decisão recorrida não se refere à questão da prévia desafectação da parcela de terreno expropriada, inexistindo nos autos documentos que permitam concluir nesse sentido, nomeadamente a convocação da Comissão da Reserva Agrícola Nacional, para decidir sobre a desafectação da RAN, o parecer da Comissão Regional da Reserva Agrícola sobre a alteração à carta da RAN, e a subsequente deliberação da mesma, da qual resulte o parecer favorável daquela Comissão à desafectação das diferentes parcelas, nem o parecer da Comissão Técnica do PDM de Tomar sobre as áreas a desafectar, isto é, no sentido da ausência de objecções urbanísticas para uso exclusivo deste equipamento.
Como assim, uma hipotética desafectação da RAN do terreno expropriado, para efeitos de construção do “IC3 – Variante de Tomar”, será susceptível de nele gerar uma "muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa"?
É que, a não ser assim, poderia, eventualmente, vir a configurar-se uma situação de desigualdade entre os proprietários de parcelas contíguas, e até entre dois prédios do mesmo expropriado, consoante fossem ou não “contemplados” com a expropriação, acontecendo um ocasional locupletamento injustificado dos primeiros, pois que, enquanto estes viriam a ser indemnizados, com base num valor, significativamente, superior ao valor de mercado, os outros, proprietários de prédios contíguos, igualmente, integrados na RAN e dela não desafectados, se acaso pretendessem alienar os seus prédios, não alcançariam senão o valor que resultava da limitação edificativa, legalmente, estabelecida.
Ora, se é verdade que o princípio da igualdade de encargos entre os cidadãos obriga a que o expropriado não seja penalizado, no confronto com os não expropriados, também não se afigura curial que, pela via da expropriação, devam os expropriados vir a ser, manifestamente, favorecidos, em relação aos não expropriados.
De facto, se é verdade que a indemnização só é justa se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que ele, efectivamente, sofreu, a qual, por isso, não pode ser irrisória ou, meramente, simbólica, também não se deve esquecer que a mesma não pode ser desproporcionada à perda do bem expropriado para fins de utilidade pública.
Em todos os caos em que o plano urbanístico não afecte os solos à construção, para neles serem edificadas obras de interesse público e social, como uma auto-estrada ou um arruamento, devem os mesmos ser avaliados segundo o critério constante do artigo 26º, nº 2, do CE91, visto se encontrarem em situação, em tudo análoga à dos solos incluídos em zona verde ou de lazer nele previstos( Luís Perestrelo de Oliveira, Código das Expropriações, 1992, 65.).
Assim, a parcela a expropriar, porque existente em terreno situado em área de RAN, não é, em princípio, considerada como “solo apto para construção”, não permitindo, consequentemente, a edificação, e, portanto, não pode ser paga com o preço que teria se fosse susceptível de lhe ser implantada uma construção( TC, Acórdão nº 333/03, DR, IIª série, de 7-7-03; e nº 537/03, DR, IIª série, de 12-11-03. ).
Mas, por fim, há ainda que considerar que, na parcela expropriada se encontrava radicada uma moradia, contígua ao logradouro e ao restante terreno rústico expropriados, sendo certo que a construção daquela habitação antecedeu, em cerca de quarenta anos, a declaração de RAN constante do PDM de Tomar, sem que, igualmente, o expropriante tenha provado a sua clandestinidade.
Ora, a existência de uma edificação na parcela expropriada já não impede, apesar da sua localização na RAN, a sua consideração como solo apto para a construção( RP, de 4-11-04, CJ, Ano XXIX, T5, 165.).
Porém, verificando-se o pressuposto da antecedente aptidão edificativa da parcela expropriada, não se demonstrou o primeiro, como já se disse, ou seja, a extensão da servidão «non aedificandi», em relação à totalidade da parte sobrante daquela parcela, razão pela qual já não pode ser julgada inconstitucional a norma constante do artigo 8º, nº 2, do CE91, que não permite a fixação de indemnização pelas servidões consagradas, directamente, na lei, quanto à parte que ficou sujeita a servidão «non aedificandi»( TC, de 19-2-98, BMJ nº 474, 141, citado.).
A isto acresce que a lei não prevê qualquer indemnização, em favor dos proprietários de prédios que passam a sujeitar-se à servidão «non aedificandi», independentemente do acto da expropriação, pelo que, num plano de justiça relativa, não merece melhor tratamento o proprietário, parcialmente, expropriado, cujo prejuízo foi reparado, mediante indemnização pela área de que foi desapossado, sem interferência de critérios espúrios à quantificação de uma justa indemnização, em confronto com centenas de proprietários que, sem outra contrapartida, vêem os seus prédios, no todo ou em parte, onerados pela proibição de neles construírem( RP, de 7-1-92, CJ, Ano XVII, T1, 216.).
Finalmente, diga-se que não é a expropriação que dá causa à servidão «non aedificandi», mas sim o preenchimento da hipótese legal que prevê a sua constituição.

III

DA INDEMNIZAÇÃO PELA DEPRECIAÇÃO AMBIENTAL E DA CONDENAÇÃO NA INSONORIZAÇÃO

Pretendem os expropriados uma indemnização pela depreciação da qualidade ambiental do prédio, e bem assim como a condenação do expropriante a insonorizar as janelas da sua casa.
Contudo, importa considerar que a depreciação ambiental ou o ruído que se desejam combater, para merecerem expressão indemnizatória ou obterem a concessão de tutela judiciária, na presente acção, têm de resultar do acto de declaração pública de expropriação, porquanto se aquelas situações derivam, causalmente, da abertura da via de trânsito e da obra realizada, como parece manifesto, e nem os expropriados demonstraram o contrário, como se lhes impunha, não são susceptíveis de fazer parte do conteúdo da obrigação de indemnização por expropriação( STA, de 28-1-98, BMJ nº 483, 101. ).
A não ser assim, violar-se-ia o princípio constitucional da igualdade, uma vez que os vizinhos não expropriados não teriam direito ao mesmo ressarcimento ou a idêntica tutela judiciária( TC, de 7-7-03, DR, IIª série, de 17-10-03.).

IV

DA AVALIAÇÃO DA PARTE RÚSTICA

Finalmente, os expropriados defendem que o valor do m2 do terreno rústico da parcela expropriada deveria ter sido fixado, com referência à cultura do milho, que é das culturas de regadio mais utilizadas em Portugal, e não à da batata branca e do ferrejo, que são das culturas de regadio mais pobres, o que originou a fixação de um valor, pelo menos, três vezes inferior ao esperado.
Efectivamente, quer a comissão arbitral, quer a comissão de avaliação consideraram a cultura da batata e a do ferrejo como aquelas que se revelavam mais ajustadas à natureza agrológica argilosa do terreno, propícia a culturas arvenses de regadio, e, consequentemente, como aquelas que permitiam uma exploração mais rentável e racional do solo, fixando a capitalização do rendimento fundiário, à taxa de 4%, no valor unitário, por m2, de 231$00 e de 474$00, respectivamente, sendo este último o valor que a sentença recorrida adoptou.
Para determinação do valor do solo para fins distintos da construção, com base nos diversos índices constantes do artigo 26º, nº 1, do CE91, deve ser considerado fundamental o entendimento dos peritos na matéria, em virtude de disporem de elementos privilegiados para o efeito, desde a observação do local, aos conhecimentos técnicos sobre a realidade do solo e do subsolo, à configuração do terreno, às condições de acesso, ao clima da região, às culturas predominantes e às mais adequadas que, em princípio, escapam ao Tribunal, sem esquecer que a unanimidade do laudo, onde se incluem os peritos de designação autónoma pelo Juiz, lhe confere um acrescido crédito de autoridade e de imparcialidade, que deve merecer a adesão de quem decide.
Assim sendo, o valor da parcela expropriada, com referência à data da declaração de utilidade pública, é o resultante do somatório dos seguintes valores parcelares, ou seja, 1651410$00 = [720000$00+931410$00], em relação ao solo, 228000$00, às dezanove oliveiras, 24000$00, aos trinta pés de videira, 927.870$00, ao poço, 72.000$00, à cabina, e 34.800$00, à tubagem em PVC, no total de 2.938.080$00, de cuja importância os expropriados já receberam, em 4 de Maio de 2001, a quantia de 489.570$00.
Operando, em seguida, a actualização desta importância, de acordo com os critérios e em função dos índices de preços ao consumidor, definidos na sentença recorrida, mas agora, como é óbvio, reportados à data da prolação deste acórdão [21 de Fevereiro de 2006], obtém-se o montante indemnizatório devido pelo expropriante, em favor dos expropriados, de 4002383$08 (quatro milhões dois mil trezentos e oitenta e três escudos e oito centavos), correspondente a 19963.80€ (dezanove mil novecentos e sessenta e três euros e oitenta cêntimos).

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CONCLUSÕES:

I - Equivalendo a decisão da Comissão Arbitral a uma sentença proferida em Tribunal de 1ª instância, pois que de um Tribunal Arbitral Necessário se trata, não podem os expropriados, por via do recurso interposto, ver a sua posição agravada, por tal não ser permitido pelo princípio da «reformatio in pejus».
II - Não incidindo a servidão «non aedificandi» sobre a totalidade da parcela sobejante não expropriada do prédio, não se verifica um dos pressupostos que condicionam a atribuição da indemnização, ainda que, antes da instauração do processo expropriativo, o prédio em causa já estivesse dotado de aptidão edificativa.
III - O princípio da igualdade de encargos entre os cidadãos obriga a que o expropriado não seja penalizado, no confronto com os não expropriados, mas, também, que, pela via da expropriação, não venham os expropriados a ser, manifestamente, favorecidos, em relação aos não expropriados, sendo certo que a lei não prevê qualquer indemnização, em favor dos proprietários de prédios que passam a sujeitar-se à servidão «non aedificandi», independentemente do acto da expropriação.
IV - Não é a expropriação que dá causa à servidão «non aedificandi», mas sim o preenchimento da hipótese legal que prevê a sua constituição.
V - A depreciação ambiental ou o ruído que se desejam combater, para merecerem expressão indemnizatória ou obterem a concessão de tutela judiciária, no processo de expropriação, têm de resultar do acto de declaração pública de expropriação, porquanto se aquelas situações derivam, causalmente, da abertura da via de trânsito e da obra realizada, não podem fazer parte do conteúdo da obrigação de indemnização por expropriação, sob pena de violação do princípio constitucional da igualdade.

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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar a apelação, parcialmente, procedente e, em consequência, fixam em 4002383$08 (quatro milhões dois mil trezentos e oitenta e três escudos e oito centavos), correspondente a 19963.80€ (dezanove mil novecentos e sessenta e três euros e oitenta cêntimos), o montante indemnizatório devido pelo expropriante, em favor dos expropriados, que aquele fica condenado a pagar a estes, confirmando, em tudo o mais, embora, por vezes, com fundamentação diversa, a douta sentença recorrida.

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Custas, a cargo dos expropriados e do expropriante, na proporção de 65/100 e de 35/100, respectivamente.

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Notifique.


Declaração de voto.

Entendo, ao contrário da tese que fez vencimento, que o que unicamente esta abrangido pelo disposto no n.º 4 do art.º 684º do C. P. Civil, isto é, o que transita ou não em julgado é o valor global da indemnização proposto na decisão arbitral. Não assim também a classificação ou qualificação do solo que no acórdão, tendo em vista o cálculo dessa indemnização, tenham feito os árbitros, já que, de acordo com o disposto nos art.ºs 37º e 48º nºs 2 e 3 do C. Expropriações de 1991, a função dos árbitros é calcular o valor da indemnização, não lhes cabendo fazer qualificações jurídicas, que são do foro exclusivo dos tribunais judiciais.
Aliás, atento o estatuído no n.º 2 do citado art.º 684º do C. P. Civil, os recorrentes nunca poderiam limitar o recurso que interpuseram da decisão arbitral exclusivamente à discussão da classificação do solo ou do valor de uma faixa apenas da totalidade da parcela expropriada que naquela decisão arbitral mereceu a classificação de “solo apto para construção”. E isto, não só por somente ser licito recorrer das decisões propriamente ditas e não dos seus fundamentos, como ainda por a restrição do recurso só ser permitida no caso de decisões múltiplas, ou seja, quando “a parte dispositiva da sentença contiver decisões distintas”.
Ora, não contendo a decisão arbitral (que fixou o valor global da indemnização pela expropriação) partes distintas, somente estava vedado ao tribunal de 1ª instância, dado não ter havido recurso da expropriante, baixar o valor global da indemnização aí proposto. Mas o tribunal a quo não alterou em prejuízo dos recorrentes essa decisão arbitral, pois até atribuiu aos expropriados recorrentes uma indemnização de valor superior a ali fixada.
Confirmaria, por isso, a sentença recorrida.