Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
171/07.5TBVZL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: REGINA ROSA
Descritores: LOTEAMENTO URBANO
NECESSIDADE DE ALVARÁ MUNICIPAL A CONCEDER AUTORIZAÇÃO
REGISTO DE AQUISIÇÃO
REGISTO PROVISÓRIO POR DÚVIDAS
Data do Acordão: 04/08/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VOUZELA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NÃO PROVIDO
Legislação Nacional: ARTºS 2º, ALS. A) E I), E 49º DO D.L. Nº 555/99, DE 16/12 (NA REDACÇÃO DO D. L. Nº 177/01, DE 4/06)
Sumário: I – O D. L. 555/99 introduziu uma alteração substancial no regime jurídico do licenciamento municipal das operações de loteamento, das obras de urbanização e das obras particulares, adoptando a designação de regime jurídico da urbanização e edificação.

II – De harmonia com a definição dada pelo artº 2º, al. i), desse diploma, entende-se por loteamento urbano “as acções que tenham por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados imediata e subsequentemente à edificação urbana, e que resulte da divisão de um ou vários prédios, ou do seu emparcelamento ou reparcelamento”.

III – A “edificação urbana” supra referida vem definida no artº 2º, al. a), como “a actividade ou o resultado da construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de um imóvel destinado a utilização humana, bem como de qualquer outra construção que se incorpore no solo com carácter de permanência”.

IV – Desta definição resulta que no conceito de edificação estão abrangidos quer a construção a fazer, quer a que já está feita.

V – Decorre do estabelecido no artº 49º do D. L. 555/99, que nos instrumentos notariais relativos a actos ou negócios jurídicos de que resulte, directa ou indirectamente, a constituição de lotes nos termos da al.i) do artº 2º, sem prejuízo do disposto nos artºs 6º e 7º, deve constar o número de alvará, a data da sua emissão pela câmara municipal e a certidão de registo predial.

VI – Na operação de loteamento definida no referido artº 2º, al. i), está incluída a divisão de um prédio já construído em outros distintos.

VII – Impondo o artº 49º citado que dos instrumentos notariais formalizando actos ou operações relativos a loteamentos devem constar o número e a data do alvará, quando assim não se verifique na escritura de divisão, e também falte a prova dessa isenção, o registo de aquisição respectivo tem necessariamente a natureza de provisório por dúvidas.

Decisão Texto Integral:             ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

I-RELATÓRIO

            I.1- A... e B..., requisitaram junto da Conservatória do Registo Predial de Vouzela, o registo de aquisição a favor de C... de um dos novos prédios que resultaram da divisão do prédio urbano descrito nessa Conservatória sob o nº886/19940311 feita pelos comproprietários através da escritura pública de 30.4.07. Foi também requisitado o registo de aquisição do segundo destacado prédio – inscrições 04 de 11.5.07 e 05 da mesma data, respectivamente.

            O 1º registo foi efectuado provisoriamente por dívidas e o 2º por natureza.

            Em 6.6.07 os requerentes interpuseram recurso do despacho de provisoriedade e impugnaram também o despacho de qualificação relativo à Ap.05.  

            Foi mantida pelo Conservador a decisão recorrida.

            Inconformados, os requerentes interpuseram recurso contencioso para o tribunal de Vouzela.

            Remetidos os autos ao tribunal, entendeu o MºPº que o recurso deve ser julgado improcedente.

            Foi então proferida sentença a julgar improcedente o recurso contencioso e a manter os despachos de registo provisórios emitidos nos seus precisos termos.

            I.2- Inconformados, o requerentes recorreram de agravo para este tribunal, concluindo assim as suas alegações:

            1ª- A sentença incorre em nulidade por omissão de pronúncia, ao não analisar as razões invocadas pelo recorrente em recurso contencioso de recusa do registo predial;

            2ª- Gera ainda nulidade a falta de notificação aos recorrentes do parecer do MºPº no recurso desfavorável aos mesmos;

            3ª- A divisão por negócio jurídico de um prédio urbano, composto de casa de habitação e logradouro, com formação de dois prédios adjudicados aos comproprietários, cada um com casa e logradouro, não constitui uma operação de loteamento;

            4ª- Segundo a lei, tal operação tem por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados imediata ou subsequentemente a edificação urbana;

            5ª- A construção discutida foi inscrita na matriz antes de 7.8.1951.

            I.3- Foram apresentadas contra-alegações pelo Conservador, e foi proferido pelo juiz despacho de sustentação.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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            II.FUNDAMENTOS

            II.1- De facto

             A factualidade a considerar é a indicada pela 1ª instância na sentença recorrida, uma vez que não em posta em causa, e para cujos termos se remete ao abrigo do disposto no art.713º/6, CPC.

            II.2- De direito

            É questão controvertida neste recurso de agravo, saber se a divisão do prédio urbano inscrito na matriz sob o art.1411º e 1412º desde o ano de 2001 e descrito na C.R. Predial de Vouzela sob o nº886, operada através da escritura pública de divisão outorgada pelos recorrentes em 30.4.07, constituiu uma operação de loteamento que deveria estar autorizada por alvará.

            Mas antes de analisarmos esta questão, outra questão vem levantada pelos recorrentes que desde já se conhece.

            Apontam à sentença a nulidade do art.668º/1-d) e ao processo a nulidade nos termos do art.201º, ambos do C.P.C..

            Entendem que a sentença incorreu na nulidade de omissão de pronúncia porque não analisou as razões que invocaram no recurso contencioso.

            Essa nulidade traduz-se na circunstância de o juiz se não pronunciar sobre questões que devesse apreciar. Ora, uma coisa são as questões a apreciar, e outra, as razões ou argumentos produzidos pela parte. No caso, o tribunal decidiu a questão posta – conversão em definitivo dos registos provisórios em causa – não lhe incumbindo apreciar os fundamentos ou razões aduzidos pelos requerentes.

            A sentença não enferma, pois, do apontado vício.

            Sustentam também os recorrentes a existência de uma nulidade processual, derivada da falta de notificação da resposta do MºPº.

            É patente a falta de razão.

            O MºPº emitiu parecer ao abrigo do disposto no art.146º do C.R.Predial. Na tramitação do julgamento do recurso contencioso, não há lugar a resposta ao parecer seguindo-se a sentença. Ora, o princípio do contraditório consagrado no art.3º-3/C.P.C. não tem de ser observado quando a parte contrária apresente requerimento que não admita resposta.

            Logo, não podendo os requerentes responder ao parecer do MºPº, não se impunha ao tribunal o cumprimento das regras do contraditório.

            Volvendo então à questão de fundo.

            Resulta do elenco factual que os requerentes, pretendendo pôr termo à compropriedade, procederam à divisão do prédio em dois novos prédios compostos, cada um, de casa de habitação e inscritos na matriz sob aqueles artigos, ficando o art.1411º a pertencer ao requerente C... e o art.1412º à requerente B....

            O registo de aquisição de um dos novos prédios a favor do requerente, foi feita provisoriamente por dúvidas, com fundamento em a divisão do prédio urbano em dois novos prédios urbanos constituir uma operação de loteamento que não se comprova ter sido autorizada por alvará emitida pela C.Municipal, ou ter havido isenção de licença ou autorização, ou se houve autorização esta ainda não foi inscrita no registo.

            No entender dos recorrentes, a divisão de um prédio urbano em duas casas distintas não constituiu uma operação de loteamento, porque, face à definição dada pelo art.2º-i) do DL555/99, de16.12, tal operação tem por objecto a constituição de um ou mais lotes destinados a edificação, sendo que no caso a edificação já existe, e que ao falar-se em lotes, a lei refere-se a terrenos destinados a construção.

            Vejamos.

            O negócio em causa – escritura de divisão – foi realizado em 30.4.07, pelo que o regime jurídico aplicável é o constante do DL nº555/99, de 16.12, com alterações pontuais introduzidas pelo DL nº177/01, de 4.6, que o republicou em anexo com essas alterações.

            É, pois, irrelevante para se saber qual o regime jurídico a ter em conta, a data da inscrição matricial do prédio (art.273º) que depois deu origem a uma nova inscrição (art.1246º) e por sua vez a uma outra (art.1412º), a qual no ano de 2001 deu origem aos arts.1411º e 1412º.

            Conforme se salienta no relatório do DL 177/01, o referido DL 555/99 introduziu uma alteração substancial no regime jurídico do licenciamento municipal das operações de loteamento, das obras de urbanização e das obras particulares, adoptando a designação de regime jurídico da urbanização e edificação

            De harmonia com a definição dada pelo art.2º-i) do DL 555/99, entende-se por loteamento urbano “as acções que tenham por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados imediata e subsequentemente à edificação urbana, e que resulte da divisão de um ou vários prédios, ou do seu emparcelamento ou reparcelamento”.

            No anterior DL nº289/73, de 6.6, o loteamento urbano era definido como a “operação que tenha por objecto ou simplesmente tenha por efeito a divisão em lotes de qualquer área de um ou vários prédios, situados em zonas urbanas ou rurais, e destinados imediata ou subsequentemente à construção”. Tal operação dependia de licença da câmara municipal.

            Da análise deste preceito resulta que eram então dois os requisitos do conceito de loteamento urbano: Um fraccionamento predial (divisão em lotes de um ou vários prédio); um destino – a construção.

            Confrontando este conceito com aquele que vem dado pelo citado art.2º-i), conclui-se que hoje a operação de loteamento não se esgota na divisão ou constituição em lotes de um ou vários prédios com destino à construção, como defendem os recorrentes. Analisando os dois preceitos vê-se que o legislador do DL 555/99 não usou a expressão “construção”, substituindo-a pela expressão “edificação urbana” como destino dos lotes.

            A edificação vem definida no art.2º a) como “a actividade ou o resultado da construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de um imóvel destinado a utilização humana, bem como de qualquer outra construção que se incorpore no solo com carácter de permanência” (sublinhado nosso).

            Desta definição resulta que no conceito de edificação estão abrangidos quer a construção a fazer, quer a que já está feita.

O legislador ampliou, portanto, o objecto do loteamento urbano, abrangendo também os prédios com construções já existentes.

            Contudo, também por outra via podemos chegar a esta conclusão.

            Com efeito, decorre do estabelecido no art.49º do DL 555/99, que nos instrumentos notariais relativos a actos ou negócios jurídicos de que resulte, directa ou indirectamente, a constituição de lotes nos termos da al.i) do art.2º, sem prejuízo do disposto nos arts.6º e 7º, deve constar o número de alvará, a data da sua emissão pela câmara municipal e a certidão de registo predial.

            O referido art.6º vem estabelecer no seu nº4, isenção de licença ou autorização os actos que tenham por efeito o destaque de uma única parcela de prédio com descrição predial que se situe em perímetro urbano, desde que cumpram, cumulativamente, as seguintes condições: a) – as parcelas resultantes do destaque confrontem com arruamentos públicos; b)- a construção erigida ou a erigir na parcela a destacar disponha de projecto aprovado quando exigível no momento da construção.

            Ora, conjugando o disposto neste art.6º/4 com a ressalva constante do art.49º, é legítimo concluir que na operação de loteamento definida naquele art.2º-i) está igualmente incluída a divisão de um prédio construído em outros distintos. Só assim se compreende a referência feita no art.49º à constituição de lotes da al.i) do art.2º, sem prejuízo do disposto nos arts. 6º e 7º (respeitando este a isenções de licença ou autorização das operações urbanísticas promovidas pela administração pública).  

            No caso, os recorrentes dividiram, separando-o, um prédio já construído em dois prédios urbanos autónomos. Fizeram, portanto, uma operação de loteamento urbano.

            Impondo o art.49º que dos instrumentos notariais formalizando actos ou operações relativos a loteamentos devem constar o número e a data do alvará, isto não consta na escritura de divisão, não tendo sido mencionada a isenção referida no art.6º/4 se fosse caso disso.

            Faltando aqueles elementos ou a prova de isenção, teria necessariamente a natureza de provisório por dúvidas, o registo de aquisição pedido pelos requerentes.

            Nenhuma censura nos merece a sentença recorrida, pelo que se impõe a sua confirmação.

            Dito isto, o recurso não pode deixar de improceder.

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            III-DECISÃO

            Acorda-se, pelo exposto, em negar provimento ao agravo, confirmando-se na íntegra a sentença agravada.

            Custas pelos agravantes.

            Notifique.

Transitado, remeta á Conservatória certidão desta decisão (art.147º/4).

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                                                                       COIMBRA,