Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3549/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: EXECUÇÃO
PENHORA DE VENCIMENTO E SEU LIMITE
NOTIFICAÇÃO
OPOSIÇÃO
Data do Acordão: 12/14/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE FIGUEIRÓ DOS VINHOS
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 824º, NºS 2 E 3; 863º A E B; E 926º, Nº 1, DO CPC .
Sumário: I – O executado, pese embora tenha conhecimento do processo, deve ser formalmente notificado da penhora, com a finalidade de a ela se poder opor, nos termos dos artºs 863º A e 863º B, do CPC .
II – Aliás, o artº 838º, nº 1, do CPC, obriga, expressamente, a que o executado seja notificado do despacho que ordena a penhora, bem como da realização desta .

III – Ao não se proceder a essa notificação comete-se uma nulidade, já que se concretiza a omissão de um acto que a lei prescreve, sendo que essa omissão influi na decisão da causa, visto que tal falta coarcta o direito de o executado se poder opor à penhora .

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- Na execução ordinária nº 288/2000 do Tribunal Judicial de Figueiró dos Vinhos em que é exequente a A..., com sede na Rua Major Neutal de Abreu, Figueiró dos Vinhos e executados B... e esposa C..., residentes em Pobrais, Vila Facaia, 3270 Podrógão Grande, por requerimento de 13-1-2005 ( nos autos a fls. 246 ), a exequente, com o fundamento de que os bens ( já ) penhorados eram manifestamente insuficientes para o pagamento integral da quantia exequente, solicitou a penhora de outros bens dos executados e ainda de um 1/3 do vencimento do executado B... que ele aufere na empresa que indica.
1-2- O Mº Juiz deferiu tais penhoras, ordenando após a realização delas, a notificação do executado.
1-3- Por requerimento de 26-1-2005 ( nos autos a fls. 253 ), o executado B... veio requerer a sustação da penhora do seu vencimento, por entender que a mesma viola o princípio da proporcionalidade e da adequação, pois a exequente, perante a penhora de direitos já efectivada, satisfaria os seus créditos.
1-4- Ouvida a exequente sobre o requerido, a mesma sustentou, por não existir qualquer fundamento para o levantamento da penhora já efectuada, o prosseguimento dos autos.
1-5- Com o fundamento de que o alegado pelo executado não cabe nas previsões referidas nas als. a) a c) do art. 863º A do C.P.Civil, o Mº Juiz indeferiu o requerido.
1-6- Notificado do despacho de indeferimento do seu requerimento, veio o executado B... “requerer a sua notificação, nos termos do artigo 863º A e B do CPC, de forma a poder deduzir a competente oposição à penhora do vencimento, bem como o susto à penhora do vencimento, nos termos do artigo 824º nº 2 e 3 do CPC”.
1-7- Por determinação do Mº Juiz, a secção de processos informou que não havia sido cumprido o disposto no art. 926º nº 1 do C.P.Civil ( notificação do executado ), mas que este, ainda antes do recebimento do aviso de recepção que confirma a efectivação da penhora, já tinha conhecimento da mesma ( cfr. fls. 253 ).
1-8- O Mº Juiz proferiu então o seguinte despacho:
Efectivamente e não obstante não ter sido cumprido o art. 926º 1 do CPC, verifica-se, conforme requerimento de fls. 253 apresentado pelo executado, que o mesmo já há muito tinha conhecimento dos presentes autos. Não pode agora o mesmo querer prevalecer-se do que dispõe uma disposição legal cujo efeito é precisamente levar a que este tenha conhecimento dos autos, sendo certo que efectivamente, e na prática, o mesmo já tem conhecimento dos mesmos”. Por isso, não ordenou a requerida notificação do executado, ordenando antes, o prosseguimento dos autos.
1-9- Não se conformando com esta decisão, dela veio recorrer o executado, recurso que foi admitido como agravo, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
1-10- O recorrente alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- O agravante tomou conhecimento da penhora do vencimento, através da informação prestada pela sua entidade patronal, tendo apresentado requerimento expondo a sua situação económica e do seu agregado familiar.
2ª- O tribunal, dado este requerimento, considerou o agravante notificado da mesma.
3ª- O agravante não foi regularmente notificado da penhora do vencimento, nos termos dos arts. 863º A e B do CPC.
4ª- Não tendo sido regularmente notificado da penhora, não se pode considerar que se tenha iniciado o prazo para dedução de oposição à penhora, nem que tenha renunciado ao mesmo.
5ª- O agravante, não tendo sido notificado para a penhora do vencimento, não pode deduzir, oportunamente, oposição à penhora.
6ª- Deve ser proferido despacho que ordene a notificação do agravante da penhora do vencimento e para, querendo, deduzir oposição à penhora.
1-11- A parte contrária respondeu a estas alegações, sustentando o não provimento do recurso e a confirmação da decisão recorrida.
1-12- O Mº Juiz sustentou a sua decisão.
Corridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.
II- Fundamentação:
2-1- Como se vê pelo relatório do presente acórdão, o Mº Juiz, após requerimento da exequente nesse sentido, deferiu a penhora de 1/3 do vencimento do executado B..., ordenando após a realização dela, a notificação do executado.
O executado não foi, porém, formalmente notificado da penhora, mas teve conhecimento dela, como se conclui do requerimento que fez em 26-1-2005, que se encontra nos autos a fls. 253.
Tendo o executado levantado ao tribunal a omissão da sua notificação da penhora, o tribunal, no despacho recorrido, entendeu ser a mesma dispensável, porque o executado já há muito tinha conhecimento dos presentes autos.
Não nos parece que esta posição seja juridicamente defensável, porque entendemos que o executado, pese embora tenha conhecimento do processo, deve ser formalmente notificado da penhora, com a finalidade de a ela se poder opor, nos termos dos arts. 863º A. e 863º B do C.P.Civil ( redacção anterior à introduzida pelo Dec-Lei 38/2003 de 8/3 - art. 21º deste diploma- ). Aliás, o art. 838º nº 1 do C.P.Civil ( ex vi dos arts. 861º e 863º, diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem ), obriga, expressamente, a que o executado seja notificado do despacho que ordena a penhora, bem como da realização desta ( devendo a notificação ser acompanhada de cópia do requerimento de nomeação de bens à penhora ).
Ao não se proceder à indicada notificação, cometeu-se uma nulidade, já que se concretizou a omissão de um acto que a lei ( os mencionados arts. 838º nº 1, 861º e 863º ) prescreve, sendo que essa omissão, influiu, obviamente, na decisão da causa (visto que tal falta coarctou o direito de o executado, de se poder opor à penhora ( art. 201º nº 1 ).
As nulidades devem ser arguidas pela parte interessada, nos termos e no prazo definidos no art. 205º nº 1. Para o que aqui importa, a irregularidade deveria ter sido invocada pelo executado, logo que, depois de cometida, interveio em algum acto praticado no processo. Isto é, deveria ter sido levantada na altura em que efectuou o requerimento de 26-1-2005 ( nos autos a fls. 253, requerimento em que requereu a sustação da penhora do seu vencimento ). Evidentemente que nessa altura não podia ignorar que não havia sido ( formalmente ) notificado da penhora do seu vencimento, pelo que estava ciente do cometimento da nulidade ( consistente, precisamente, na omissão da sua necessária notificação).
Como resulta do art. 202º, a parte interessada deve reclamar da nulidade, sendo que o prazo para arguir da nulidade é de 10 dias, como resulta do art. 153º nº 1. Tendo-se de admitir que, pelo menos, em 26-1-2005 ( altura em que fez o aludido requerimento ) já o executado tinha conhecimento do cometimento da nulidade, o prazo de reclamação terminou 10 dias depois da dita data, isto é, em 7-2-2005 ( 5-2-2005, sábado ).
Portanto, a nulidade deveria ter-se como sanada.
Pese embora o prazo de arguição da nulidade já se ter esgotado, a nosso ver e seguindo os ensinamentos de Manuel de Andrade ( Noções, edição de 1976, pág. 182), Alberto Reis ( CPC Anotado, 5º, 424 ), Antunes Varela ( Manual, 2ª ed. pág. 393), porque existe a decisão recorrida que sancionou a omissão ( visto que decidiu ser dispensável a pretendida notificação ), o conhecimento da nulidade pode-se fazer através deste meio de recurso. É que a nulidade está coberta por uma decisão judicial que a sancionou ou confirmou, pelo que o meio próprio de a arguir, será precisamente o recurso. Aqui a reacção contra a ilegalidade incide sobre o próprio despacho judicial, pelo que o meio específico de impugnação será o recurso ( art. 667º nº 1 ).
Nesta conformidade, revoga-se a decisão recorrida, declarando-se a nulidade do processado posterior ao despacho que ordenou a penhora do vencimento do executado ( termos relativos, obviamente e apenas, a esta penhora ).
III- Decisão:
Por tudo o exposto dá-se provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida e declara-se a mencionada nulidade, com as ditas consequência, devendo o Mº Juiz diligenciar pelo cumprimento do disposto no art. 838º nº 1 ( ex vi dos arts. 861º e 863º ).
Sem custas.