Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1/05.2FDCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: JOGO DE FORTUNA E AZAR
MÁQUINA DE JOGO
JOGO ILÍCITO
PENA DE MULTA
MULTA APLICÁVEL
Data do Acordão: 02/01/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ANSIÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 1º, 108º E 159º DO DEC-LEI 422/89, DE 2/12
Sumário: 1. Uma máquina, contendo pequenas cápsulas ovais de plástico que, mediante a introdução de uma moeda e o simples rodar de um manípulo, saem aleatoriamente tendo dentro uma letra ou um número correspondente a um prémio, constitui uma modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar.

2. A exploração de uma daquelas máquinas em conjunto com uma outra, esta de jogo de fortuna ou azar, integra um só crime p. e p. pelo artigo 108º do DL 422/89, de 2/12.

3. Só em situações muito excepcionais de fraquíssima capacidade económica (quase absoluta indigência) poderá actualmente justificar-se a fixação de uma taxa diária de multa inferior a cinco euros.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acusação deduzida pelo Magistrado do Mº Pº contra os arguidos:
A..., nascido a 13-08-1973, casado, empresário, filho de D... e de E..., natural de Luanda, Angola, residente em Pontão, Avelar;
B..., nascido a 16-10-1938, casado, reformado, filho de F...e de G..., natural da freguesia de Almoster, Alvaiázere, residente na Rua Joana de Brito Calhau, Carrascal, S. Gregório, n.º47, Arraiolos; e,
C..., nascido a 22-01-1966, casado, empresário, filho de H... e de I..., natural de Ilhas da Boavista, Arraiolos, residente na Rua do Valbom, n.º 8, Ilha da Boavista, Arraiolos,
Sendo decidido:
a)- Condenar o Arguido A..., pela prática, como autor material, de um crime de crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art. 108º, nº 1 do DL. nº 422/89 de 02/12, na pena de dois meses de prisão e sessenta dias de multa;
b)- Substituir a pena de prisão referida em a) ao Arguido A... por sessenta dias de multa:
c)- Nos termos do art. 6º, nº 1 do DL. nº 48/95 de 15/03, que alterou o Código Penal, aplicar uma só pena ao Arguido A... equivalente à soma da multa directamente imposta e da que resultar da substituição da prisão, de 120 (Cento e Vinte) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), perfazendo € 1.200,00 (Mil e Duzentos Euros);
d)- Condenar o Arguido B..., pela prática, como autor material, de um crime de crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art. 108º, nº 1 do DL. nº 422/89 de 02/12, na pena de seis meses de prisão e cento e cinquenta dias de multa;
e)- Substituir a pena de prisão referida em d) ao Arguido B...por cento e oitenta dias de multa:
f)- Nos termos do art. 6º, nº 1 do DL. nº 48/95 de 15/03, que alterou o Código Penal, aplicar uma só pena ao Arguido B...equivalente à soma da multa directamente imposta e da que resultar da substituição da prisão, de 330 (Trezentos e Trinta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo € 1.980,00 (Mil Novecentos e Oitenta Euros);
g)- Condenar o Arguido C..., pela prática, como autor material, de um crime de crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art. 108º, nº 1 do DL. nº 422/89 de 02/12, na pena de seis meses de prisão e cento e cinquenta dias de multa;
h)- Substituir a pena de prisão referida em g) ao Arguido C... por cento e oitenta dias de multa:
i)- Nos termos do art. 6º, nº 1 do DL. nº 48/95 de 15/03, que alterou o Código Penal, aplicar uma só pena ao Arguido C... equivalente à soma da multa directamente imposta e da que resultar da substituição da prisão, de 330 (Trezentos e Trinta) dias de multa, à taxa diária de € 20,00 (vinte euros), perfazendo € 6.600,00 (Seis Mil e Seiscentos Euros);
- Declarar perdido a favor do Estado as máquinas apreendidas e os objectos apreendidos nos presentes autos a fls. 6, registados a fls. 115, ordenando-se a destruição dos mesmos, lavrando-se o competente auto – art. 116º do DL n.º 422/89, de 02/12;
- Declarar ainda perdida a favor do Fundo de Turismo a quantia de € 117,50 (Cento e Dezassete Euros e Cinquenta Cêntimos) registada a fls. 10 e 11 – art. 117º do do DL n.º 422/89, de 02/12.
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Inconformados interpuseram recurso os arguidos, B... e C....
São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do seu recurso, e que delimitam o objecto do mesmo:
A. Vem o presente recurso da circunstância dos Recorrentes não se conformarem com a, aliás, douta sentença proferida a fls... dos presentes autos que julgou a acusação parcialmente procedente e, por via disso, os condenou pela prática, como autores materiais, de um crime de exploração ilícita de jogo p.p. pelo art. 108, n.º 1 do DL. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, por via da qual o arguido B... foi condenado na pena única de 330 (trezentos e trinta) dias de multa, à taxa diária de €: 6,00 (seis euros), contabilizando a quantia total de €: 1.980,00 (mil novecentos e oitenta euros) e o arguido C... na pena única de 330 (trezentos e trinta) dias de multa, à taxa diária de €: 20,00 (vinte euros), perfazendo a quantia global de €: 6.600,00 (seis mil e seiscentos euros).
B. O Meritíssimo Tribunal "a quo" expressamente referiu na douta sentença que assentou a sua convicção no conjunto da prova produzida e examinada em julgamento, sustentando a sua decisão nas declarações do co-arguido A... e nos depoimentos das testemunhas J... e L..., ambos agentes da G.N.R. que procederam à acção de fiscalização.
C. Se atentarmos na fundamentação da douta sentença que atende e valora as declarações do co-arguido A... por considerar que as mesmas foram corroboradas por outras provas tendentes a demonstrar a autoria dos aqui Recorrentes nos factos relatados na acusação, constatamos o contrário, pois, na em julgamento não se vislumbrou qualquer outro meio de prova que confirmasse, de modo claro preciso e objectivo, como se impunha, o depoimento do co-arguido susceptível de concluir por provada tal factualidade e, muito menos, de conduzir a uma decisão condenatória segura quanto aos demais arguidos.
D. Não foi produzida qualquer outra prova em audiência de julgamento que permitisse com absoluta certeza apoiar o alegado pelo co-arguido A... (declarações gravadas na cassete 1, lado A, de 226 a 1071 e lado B de 1 a 205) e, designadamente, as testemunhas J... (depoimento gravado na cassete 1, lado A, de 1072 a 1405) e L... (depoimento gravado na cassete 1, lado A, de 1405 até ao fim) foram peremptórias em afirmar que, aquando da acção de fiscalização, o co-arguido A... não identificou o(s) proprietário(s) das máquinas, por não possuir qualquer elemento identificativo do(s) mesmo(s).
E. Denota-se, assim, claramente, que a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento não consolidou, de forma alguma, a versão perspectivada pelo co--arguido, que não mereceu sustentação em qualquer outro meio de prova.
F. Pelo que, atendendo à douta fundamentação expressa na sentença recorrida, lógico seria que, na falta de corroboração por demais meios probatórios e, na dúvida, as declarações do co-arguido não deviam ter sido valoradas como credíveis, porque parciais, levando a que não pudesse ser proferida decisão condenatória segura quanto aos demais co-arguidos.
G. De modo que, não se compreende, em face da prova oferecida em julgamento -declarações do co-arguido A... - que se revela indiscutivelmente fragilizada, por insuficiente, parcial, duvidosa, incongruente e não corroborada por qualquer outro meio de prova, como pôde o Tribunal "a quo" ter concluído como provada a factualidade imputada aos agora Recorrentes.
H. Até porque, a fundamentação ostentada na douta sentença parte exactamente da premissa de que as declarações do co-arguido devem ser valoradas, mas apenas quando corroboradas por outros elementos de prova.
I. Assim não tendo acontecido, é manifesto que o Tribunal" a quo" expressa uma flagrante contradição entre a fundamentação e a decisão que proferiu, já que, condenou os aqui Recorrentes unicamente com base nas declarações do co-arguido, valorando-as enquanto conjugadas com outros elementos probatórios, contudo, em plena contradição, não refere, em concreto, quais os demais elementos de prova produzidos em audiência de julgamento que levaram a sustentar tal depoimento.
J. Termos em que, se conclui, obviamente, pela insuficiência de meios de prova que -permitissem, pois, uma decisão condenatória segura contra os aqui Recorrentes pela prática do crime p. e p. pelo art. 108, n.º 1 do DL. n.º 422/89, de 2.12, enfermando a douta sentença recorrida de manifesta contradição insanável entre a fundamentação e a decisão (art. 410, n.º 2, als. a) e b) do C.P.P.).
K. Acresce que, salvo melhor opinião, a máquina identificada como extractora de cápsulas, não devia ter sido considerada como desenvolvendo um jogo de fortuna e azar, tal como concluiu o Dign.º Tribunal, mas, quando muito, ser qualificada como desenvolvendo uma modalidade afim nos termos dos arts. 159 e seguintes do D.L. 422/89, de 2 de Dezembro, alterado pelo D.L. 10/95, de 19 de Janeiro.
L. Devendo atender-se, para o efeito, à jurisprudência mais recente que se debruçou obre tal questão, salientando-se o exposto no douto Ac. R.L. de 26.10.2005 que refere que actualmente não existe qualquer distinção material entre os conceitos de jogo de fortuna ou azar e de modalidades afins, impondo-se, por isso, uma sua delimitação formal, considerando-se como jogos de fortuna ou azar apenas aqueles cuja prática, nos termos dos ns.º 1 e 3 do art. 4 do D.L. 422/89, de 02 de Dezembro, é autorizada nos casinos.
SEM PRESCINDIR
M. Com o presente recurso pretendem também os Recorrentes insurgir-se contra a medida das penas aplicadas, radicando a sua discordância na retribuição justa das mesmas.
N. Com efeito, se é certo que é muito difícil "medir" a culpa de quem pratica factos criminalmente puníveis, não o é menos que, para a determinação judicial da pena, a nossa lei penal oferece ao julgador um quadro ou moldura em cujos limites aquela deverá ser fixada e dentro dos quais o julgador deverá ter em consideração, em conjunto, as particularidades do crime e do seu autor, orientando-se por critérios valorativos objectivos.
O. Assim, será dentro da moldura penal abstractamente cominada para o crime cometido pelo arguido que há-de ser encontrado o quantum da pena, pena esta justa, adequada, proporcional e razoável.
P. O Tribunal "a quo" considerou como elementos agravantes relativamente aos ora Recorrentes o grau de mediana gravidade da ilicitude dos factos, a intensidade do dolo que o classificou como directo, tudo tendo em conta as exigências de prevenção geral e especial que se impunham considerar.
Q. Contudo, pese embora tenha sido ponderada a favor dos arguidos a sua inserção profissional, familiar e social, a verdade é que, descurou a Meritíssima Juiz "a quo" os imperativos da justiça, da proporcionalidade e adequação das penas às exigências de punição e prevenção, pois, perseguindo tais princípios, deveria ter considerado adequado e justo aplicar aos ora Recorrentes penas menos elevadas.
R. Mais que, atendendo às condições financeiras dos arguidos, ponderado os seus rendimentos com os encargos normais dos seus agregados familiares, conclui-se também que se mostram excessivos os montantes diários de multa fixados (de €: 6,00 e €: 20,00 respectivamente) revelando, assim, que as penas únicas concretas aplicadas se mostram desproporcionais às suas reais capacidades económicas.
S. Até porque, «Omontante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar.» - Ac. STJ de 97/10/02; Ac. ST, V,183.
T. Ademais, atendendo que os arguidos se encontram familiar, profissional e socialmente inseridos, como ficou provado, as exigências de prevenção especial e reinserção social destes, se não forem de se considerar totalmente inexistentes, terão, pelo menos, de ser consideradas como estando extremamente mitigadas.
U. Por outro lado, não se vê que as exigências de prevenção geral, ditas de integração, não fiquem perfeitamente prosseguidas com a condenação dos Recorrentes em penas menos graves ou na fixação de quantitativos diários mais moderados, realizando-se de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
V. A douta sentença sob recurso violou os artigos 40, 47, n.º 2 e 71 do Código Penal, os artigos 4, 108 n.º 1 e 159 todos do DL n.º 422/89, de 2.12 e incorreu nos vícios expressos no art. 410, n.º 2, al. a) e b) do Código do Processo Penal.
Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de v. Exas., sopesadas as conclusões acabadas de exarar, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser revogada a sentença ora recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que absolva os Recorrentes da prática do crime pelo qual foram condenados, ou, caso assim não se entenda, ser conformada com as conclusões supra expendidas aplicando aos arguidos/Recorrentes penas consideravelmente menos gravosas.
Foi apresentada resposta, pelo magistrado do Mº Pº, na qual conclui:
1°- A Exma. Juiz a quo condenou o arguido C... na pena de multa de 330 dias, à taxa diária de 10€ e o arguido B... na pena de 330 dias, à taxa diária de 6€, por factos ocorridos a Janeiro de 2005, pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelo art. 108 n.º 1 do D.L. n.º 422/89, de 2 de Dezembro.
2°- O tribunal a quo apreciou e valorou correctamente as provas produzidas e examinadas em audiência à luz do princípio da livre apreciação da prova, nos termos do art. 127° do CPP .
3°- Não merece qualquer censura o julgamento da matéria de facto face à prova produzida em audiência de julgamento.
4°- O julgador teve em conta as declarações do co-arguido A..., que se revelaram coerentes e credíveis,
5°- Os depoimentos dos militares da GNR, que corroboram a sua versão e o exame pericial às máquinas de jogo apreendidas.
6°- Não se verifica qualquer contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.
7°- As máquinas apreendidas constituem um jogo de fortuna ou azar,
8°- Em virtude dos sistemas usados conduzirem a resultados que dependem única e exclusivamente da sorte, na atribuição aleatória de prémios a quem arrisca dinheiro, na esperança de ganhar mais dinheiro, ou um prémio em géneros de maior valor, não dependendo da habilidade, destreza ou experiência do utente.
9°- Os arguidos foram condenados pela prática do mesmo crime por factos praticados em 2000.
10°- As penas de multa aplicadas aos arguidos são adequadas face às fortes e elevadas exigências de prevenção geral e especial.
11°- O quantitativo diário fixado é adequado às condições económicas dos arguidos, o qual a alterar-se, retiraria à pena de multa efectividade enquanto medida punitiva e dissuasora.
l2°- Além disso, os limites mínimo e máximo da taxa diária da pena de multa fixados no art. 47° permanecem inalterados desde 1982, quando o salário mínimo era sensivelmente 1/5 do salário actual.
13°- Pelo exposto, não merece qualquer reparo a decisão recorrida.
14°- Não foi violada qualquer norma jurídica.
Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto entende, em parecer emitido, que, o recurso não é merecedor de provimento.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre decidir.
***
Mostra-se apurada, a seguinte matéria de facto e fundamentação da mesma:
- Factos provados
1) No dia 5 de Janeiro de 2005, o arguido A..., no estabelecimento que explorava chamado “Café Pérola”, sito em Pontão, Avelar, Ansião, tinha em cima do balcão de atendimento: 1. Uma máquina eléctrica ligada à corrente, com a identificação de “Berlindes Decorados”; 2. Uma máquina contendo pequenas cápsulas ovais de plástico, com a identificação “Solo 1€”, que se encontravam devidamente aptas a funcionar e prontas a serem utilizadas pelo público.
2) Tais máquinas encontravam-se no estabelecimento mencionado em 1) à exploração, desde data não apurada, tendo sido transportadas e aí sido colocadas pelos arguidos C... e B...,
3) Os arguidos recolheriam periodicamente os lucros provenientes da sua exploração, bem como os repartiriam entre todos os arguidos;
4) No canto superior direito da máquina n.º 1 encontrava-se o mecanismo de introdução de moedas de 0,50€ e ao centro do aludido painel situava-se um mostrador circular dividido em oito pontos, os quais observados no sentido dos ponteiros do relógio são identificados pelos seguintes números e palavras: • 200 Berlindes; • 10 Berlindes; • 1 Berlinde; • 50 Berlindes; • 2 Berlindes; • 100 Berlindes; • 5 Berlindes; • 20 Berlindes.
5) No enfiamento de cada número situava-se um orifício, que se ilumina à passagem de um sinal luminoso e que se move num movimento giratório uniformemente desacelerado, quando a máquina desenvolve uma jogada.
6) Ao centro do referido círculo existe uma janela digital, onde são apresentados os pontos ganhos em cada jogada, acumulando-os para jogadas seguintes.
7) Após a introdução de uma moeda pelo jogador, automaticamente é disparado um ponto luminoso que percorre, no sentido dos ponteiros do relógio, os vários orifícios existentes no mostrador circular, iluminando-os à sua passagem, e sem que haja qualquer acção do jogador, o ponto luminoso, fixa-se aleatoriamente num dos orifícios já mencionados. Neste ponto, duas situações podem acontecer ao jogador: • o orifício em que parou o ponto luminoso corresponde a um dos oito identificados pelos números já referidos e, neste caso, o jogador terá direito aos pontos correspondentes, que oscilam entre 1 (equivalente por convenção a 1€) e 200 (equivalente por convenção a 200€); • o ponto luminoso pára num dos restantes orifícios, sem qualquer referência a pontos, pelo que o jogador não terá direito a qualquer prémio, restando-lhe a hipótese de tentar novamente a sua sorte, introduzindo novas moedas de 0,50€.
8) Na parte frontal inferior da máquina n.º 2 continha um dispositivo para a introdução de moedas de 1€ e um manípulo rotativo que é desbloqueado por uma só volta, após a introdução da moeda.
9) Junto da máquina encontrava-se um cartaz expositor de prémios e um saco de plástico contendo canivetes, baralhos de cartas, afias e agendas.
10) Tirando o jogador uma cápsula, recebe uma senha com as palavras “PARABÉNS BRINDE...”, seguidas de uma letra do alfabeto compreendida entre "A" e "J", ou, em sua substituição um algarismo.
11) Abertas a senhas, há dois resultados possíveis: - Se a senha tiver a inscrição de uma letra do alfabeto, o jogador receberá o prémio correspondente, conforme consta na tabela de prémios; - Se a senha tiver a inscrição de um algarismo, o jogador terá direito a receber o objecto que tenha esse mesmo algarismo, objecto este que se encontra exposto no cartaz.
12) As máquinas e os sistemas usados conduzem a resultados que dependem única e exclusivamente da sorte e consiste na atribuição aleatória de prémios a quem arrisca dinheiro, na esperança de ganhar mais dinheiro um prémio em géneros de maior valor, não dependendo da habilidade, destreza ou experiência do utente.
13) Os arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente, visando explorar lucrativamente o material apreendido;
14) Os arguidos B...e C...conheciam as características da máquina apreendida como de jogo de fortuna e azar e sabiam que não tinha autorização para tal e que as suas condutas eram proibidas por lei;
15) O arguido A... tinha consciência e conhecimento de que era proibido explorar jogos de fortuna e azar, não tendo, no entanto, conhecimento de que o jogo supra descrito carecia de autorização ou fosse proibido;
16) O arguido A... não procurou informar-se junto de entidades oficiais, por qualquer forma, se o descrito jogo era ou não proibido ou se carecia ou não de autorização para o seu funcionamento;
17) O arguido A... vive com a mulher e duas filhas (de 17 meses e 7 anos de idade) em casa própria;
18) O arguido A...explora um restaurante e café junto a sua casa, tendo encargos de cerca de € 4.000,00 mensais;
19) O arguidoA... tem carros próprios, uma carrinha Renault Kangoo e uma carrinha Audi A4;
20) O arguido A... tem como habilitações literárias o 8º ano de escolaridade;
21) O arguido A... não tem antecedentes criminais;
22) O arguido B... vive com a mulher, reformada, e um neto, maior, economicamente independente, em casa propriedade de um filho;
23) O arguido B... aufere cerca de € 250,00 mensais de reforma;
24) O arguidoB... tem como habilitações literárias a 4ª classe;
25) O arguido B... tem os seguintes antecedentes criminais: pela prática, em 19/05/2004, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo DL. nº 42289 de 02/12, foi condenado por sentença de 23/05/2005, na pena de 240 dias de multa à taxa diária de € 4,50, no total de € 1.080,00 (Tribunal Judicial de Alvaiázere, Processo Comum Singular nº 7/04.9FDCBR);
26) O arguido C... vive com a mulher, empregada fabril, e uma filha (de 5 anos de idade) em casa própria, sem qualquer tipo de encargo bancário;
27) O arguido C... é comerciante da área de máquinas de diversão e snooker, declarando rendimentos entre € 1.500,00 a € 2.000,00 mensais;
28) O arguido C...tem carro próprio, uma carrinha Fiat Doble de 2004;
29) O arguido C... tem como habilitações literárias o 6º ano de escolaridade;
30) O arguido C... tem os seguintes antecedentes criminais: pela prática, em 12/09/2000, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo DL. nº 42289 de 02/12, foi condenado por acórdão de 03/02/2004, na pena única de 270 dias de multa à taxa diária de € 5,00, no total de € 1.350,00 (Tribunal Judicial de Arraiolos, Processo Comum Singular nº 48/00.5GAARL).
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- Factos não provados
a) Que tais máquinas fossem pertença do arguido B...;
b) Que o arguido C... trabalhasse por conta do arguido B...;
c) Que o arguido A... conhecesse as características daquele jogo de fortuna e azar, bem sabendo que não tinha autorização para tal e que a sua conduta era proibida por lei;
d) Que o arguido B...seja pessoa respeitada e considerada no meio social onde vive;
e) Que o arguido C... não seja proprietário de qualquer máquina ou expositor de carácter ilícito, exposto em estabelecimento comercial ou ainda de qualquer máquina que não seja de diversão;
f) Que o arguido C... seja pessoa respeitada no meio social onde vive;
g) Que o arguido C...venda chocolates e produtos alimentares.
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- Fundamentação da decisão de facto
A convicção do tribunal acerca da factualidade dada como provada assentou no conjunto da prova produzida e examinada em julgamento, nos seguintes termos:
Apenas o arguido A... prestou declarações, de forma relevante para a descoberta da verdade, admitindo os factos, embora não a intenção, pois disse desde logo desconhecer que fosse proibido ter aquelas máquinas no café/restaurante que explora. Relatou que o arguido B... lhe foi propor o negócio, não sabendo concretamente quanto iria ganhar em termos percentuais, afirmando ao Tribunal “que não era para ficar rico”, mas que confiou nele porque ele cumprimentou um seu cliente diário do café. Todavia, sabia que teria parte dos lucros e foi com esse intuito que as máquinas ficaram no seu estabelecimento. Disse ter exigido a licença das mesmas, tendo-lhe sido garantido que a tinham e que lha trariam na semana seguinte, quando acertassem contas. Segundo a sua versão, os demais arguidos deixaram tais máquinas numa 4ª feira (sendo que o arguido B... levou a das bolas e o arguido C...a tipo roleta), e explicaram-lhes como funcionavam. Ligou-as no dia seguinte e a inspecção fiscal surgiu no seu estabelecimento na 6ª feira. Disse que tem outras máquinas mas devidamente legalizadas e licenciadas.
As testemunhas J... e L..., agentes da GNR que procederam à apreensão das máquinas relataram o ocorrido e que o arguido A... disse desconhecer serem máquinas de fortuna ou azar, não sabendo na altura identificar o proprietário de tais máquinas, pois não tinha ficado com qualquer documento, nome ou nº de telefone (o que o arguido confirmou, dizendo que depois da acção de fiscalização é que procedeu a investigações junto desse seu cliente por forma a apurar o nome dos demais arguidos). Bem assim disseram que o arguido A... afirmava não ter pago prémios em dinheiro aos clientes. A testemunha J... relatou ainda que a máquina tipo roleta foi a única com tais características apreendidas na zona onde prestam serviço, pertencendo ao destacamento de Coimbra.
As características das máquinas e seu modo de funcionamento foram apuradas com base no relatório pericial de fls. 96 a 104.
- relativamente à intenção com que os arguidos agiram, o tribunal fundou a sua convicção, nas regras de experiência, atentas as circunstâncias em que tudo se passou, designadamente, o facto de o arguido A... ser comerciante, com estabelecimento comercial de algum movimento, visando todos a exploração lucrativa das máquinas, com a sua colocação;
- relativamente às condições sócio-económicas e familiares dos arguidos, nas declarações dos próprios;
- relativamente aos antecedentes criminais, nos certificados de registo criminal de fls. 160 e 171 a 174.
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Importa ainda realçar que o tribunal levou em conta a conjugação de todos estes meios de prova e factos entre si e com a apreensão directa pelo tribunal das atitudes dos intervenientes e depoentes e com as regras da experiência comum.
Quanto aos factos dados como não provados, tal resulta de nenhuma prova ter sido feita acerca dos mesmos, ou a prova feita ter estado em contradição com a matéria dada como provada.
Quanto aos factos alegados não especificamente dados como provados ou não provados, tal resulta de, ou serem factos instrumentais, de outros fundamentais dados como provados ou não provados, ou estarem, em particular ou em geral, em contradição lógica com a matéria fáctica supra referida ou de não terem interesse para a decisão da causa ou ainda de se tratarem de factos conclusivos ou de matéria de direito.
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Dispõe o artigo 127º do Código de Processo Penal que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, princípio da livre apreciação da prova que sofre limitações, nomeadamente no que respeita às provas documental e pericial.
Por outro lado, a lei admite presunções judiciais, que são as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigos 349º a 351º do Código Civil).
Em caso de presunção, a prova é racionalizada numa proposição, prosseguindo silogisticamente para outra proposição, à base de regras gerais que servem de premissas maiores do silogismo e que podem ser regras jurídicas ou máximas da experiência.
Dispõe o art. 133º do Código de Processo Penal:
“1. Estão impedidos de depor como testemunhas:
a) O arguido e os co-arguidos no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto mantiverem aquela qualidade;
b) As pessoas que se tiverem constituído assistentes, a partir do momento da constituição;
c) As partes civis.
2. Em caso de separação de processos, os arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo podem depor como testemunhas, se nisso expressamente consentirem.”
A Doutrina já respondeu que os arguidos não estão impedidos de produzir prova por declarações do arguido no decurso do julgamento, nos termos dos arts. 140º e seguintes, como decorre, entre outros, do disposto nos arts. 343º e 345º, todos do CPP, mas que essas declarações - na decorrência de co-arguição - não podem validamente ser assumidas como meio de prova relativamente aos outros arguidos .
Mas a propósito da mesma questão do depoimento de co-arguido, enquanto meio proibido ou não de prova, também se concluiu pela não proibição, lembrando, no entanto, que se trata de um meio de prova frágil, que impõe o controle pela defesa do co-arguido e prefere a corroboração por outras provas.
E conclui-se igualmente que é a posição “interessada” do arguido, a par de outros intervenientes citados nesse art. 133º, que dita o impedimento, o que significa que nada obsta a que preste declarações, nomeadamente para se desonerar ou atenuar a sua responsabilidade, o que acarreta que, não sendo meio proibido de prova, as declarações do co-arguido podem e devem ser valoradas no processo, não esquecendo o tribunal a posição que ocupa quem as prestou e as razões que ditaram o impedimento deste artigo.
E tem sido neste último sentido que se tem formado a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.
“As declarações de co-arguido são meios admissíveis de prova e, como tal, podem ser valoradas pelo Tribunal para fundar a sua convicção acerca dos factos que dá como provados. O art. 133.º do CPP, o que proíbe é que os co-arguidos sejam ouvidos como testemunhas, mas não impede que os arguidos da mesma infracção possam prestar declarações (cuja credibilidade é, naturalmente, mais diluída), no exercício do direito, que lhes assiste, de o fazerem em qualquer momento do processo (art. 343º, nº 1, do CPP)” – Acórdão do STJ de 23/10/1997, in www.dgsi.pt).
A crítica feita no sentido de não ser lícita a utilização das declarações dos arguidos como meio de prova contra os outros, não tem razão de ser em face do art. 125°, do CPP, pois este artigo estabelece o princípio da admissibilidade de quaisquer provas no processo penal, e do elenco das provas proibidas estabelecido no art. 126° do CPP não consta o caso das declarações dos co-arguidos, que são perfeitamente possíveis como meios de prova do ponto de vista da sua legalidade, como o são as declarações do assistente, das partes civis, etc.
Pode, assim, afirmar-se que o art. 133º do CPP apenas proíbe que os arguidos sejam ouvidos como testemunhas uns dos outros, ou seja, que lhes seja tomado depoimento sob juramento, mas não impede que os arguidos de uma mesma infracção possam prestar declarações no exercício do direito, que lhes assiste, de o fazerem em qualquer momento do processo, nada impedindo que o arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova, ou seja, tanto sobre factos que só ele digam directamente respeito, como sobre factos que respeitem a outros arguidos.
O art. 344º, n.º 3 do CPP não prevê qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova, resultante das declarações do arguido.
Tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça que a proibição constante do art. 133º do CPP, tem um objectivo muito próprio: garantir ao arguido o seu direito de defesa, que facilmente se mostraria incompatível com o dever de responder, e com verdade, ao que lhe fosse perguntado, com as sanções inerentes à recusa de resposta ou à resposta falsa, mas, apesar do seu regime específico, as declarações de um co-arguido não deixam de ser um meio de prova, cujas limitações o não privam da virtualidade de influenciarem relevantemente, ou até fundamental ou exclusivamente, a convicção dos Julgadores (neste sentido, o Acórdão do STJ de 28/06/2001, in www.dgsi.pt).
O Tribunal valorou pois as declarações prestadas pelo co-arguido A..., que fez um depoimento importante para a descoberta da verdade. Assim, o depoimento de um co-arguido não está sujeito a quaisquer regras (particulares) de valoração no conjunto das demais provas, e, desde que apreciado segundo as regras da experiência e livre convicção pelo tribunal, pode ser suficiente para fundamentar o ter-se como demonstrada determinada factualidade, sem que haja violação de quaisquer princípios constitucionais e processuais penais.
Importa pois sublinhar que a lei não estabelece, para o depoimento do co-arguido, quaisquer regras de valoração legal ou tarifada (neste sentido, Acórdão da Relação do Porto de 29/11/2000, in www.dgsi.pt).
Por outro lado, no mesmo sentido se pronuncia Teresa Pizarro Beleza, em “Tão amigos que nós éramos: o valor probatório do depoimento de co-arguido no Processo Penal português” - publicado na Revista do Ministério Público, nº 74, 2º Trimestre de 1998, pág. 39 e segs. No ponto 6 deste trabalho, a referida criminalista conclui: “O depoimento de co-arguido, não sendo em abstracto, uma prova proibida em Direito português, é no entanto um meio de prova particularmente frágil, que não deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia; muito menos para sustentar uma condenação.
Não tendo esse depoimento sido controlado pela defesa do co-arguido atingido nem corroborado por outras provas, a sua credibilidade é nula.
Na medida em que esteja totalmente subtraído ao contraditório, o depoimento de co-arguido não deve constituir prova atendível contra o(s) co-arguido(s) por ele afectado(s)”.
Portanto, mesmo para tal corrente doutrinal o depoimento de co-arguido, na medida em que afecta a posição processual de outro ou outros co-arguidos, é atendível e valorável desde que corroborado por outras provas e tenha a possibilidade de ser submetido ao contraditório (o que não deve ser confundido com o facto de não ter sido contraditado por as respectivos factos serem de difícil contradição).
De resto, o STJ tem decidido repetidas vezes que “as declarações do co-arguido são meio admissível de prova e, como tal, podem ser valoradas pelo Tribunal para fundar a sua convicção acerca dos factos que dá como provados” - cfr., entre outros, Acórdão do STJ de 20/06/2001 (CJSTJ, Tomo II, pág. 230 e segs.).
Assim, tais declarações não valem como prova testemunhal, mas nada impede que tais declarações sejam tidas em conta, conjuntamente com outros elementos probatórios de modo a que, funcionando como um todo conjugado, contribuam para o esclarecimento dos factos. Todos estes elementos, concatenados entre si e tendo em conta as regras da experiência comum, apontam iniludivelmente para a autoria dos arguidos B... e C... pelos factos por que vinham acusados.
O depoimento do co-arguido A... foi produzido de livre vontade, devidamente circunstanciado, motivado e coerente, não sendo o único meio de prova em que assentou a convicção do Tribunal, apenas funcionando corroborado e conjugado com os demais elementos probatórios, como já acima explicitado.
Cabe ainda referir, como exemplarmente se afirma em Acórdão proferido no Recurso nº. 99/2001 da Relação do Porto, “a actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. Por isso, a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (inclusive, os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a mesma estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente”.
Deve temperar-se, assim, o sistema de livre apreciação das provas (artigo 127º do CPP), com a possibilidade de controle imposto pela obrigatoriedade duma motivação racional da convicção formada, evitar-se-ão situações em que se impute ao julgador a avaliação "caprichosa" ou "arbitrária" da prova, e, sobretudo, justificar-se-á a confiança no julgador ao ser-lhe conferida pela liberdade de apreciação da prova garantindo-se, simultaneamente a credibilidade na Justiça (vd. Marques Ferreira, O novo Código de Processo Penal, CEJ, 229 e segs.).
Relativamente à fundamentação de facto, entendemos que o que se deixa dito basta para dar cumprimento integral ao disposto no art. 374º, nº 2 do CPP. Há assim que realizar uma exposição tanto quanto possível completa, mas concisa, dos motivos de facto e indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, sem necessidade de esgotar todas as induções ou critérios de valoração das provas e contraprovas, mas permitindo verificar que a decisão seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo ilógica, arbitrária contraditória ou violadora das regras da experiência comum (neste sentido, Acórdão do STJ de 17/11/1999, in CJSTJ, III, pp. 200 e segs.).
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Conhecendo:
Os recorrentes questionam a matéria de facto e a forma como foi dada como provada, entendendo ser insuficiente a prova e haver contradição, e que na dúvida não deveria ser valorada essa prova.
Questionam a qualificação jurídica dos factos, em relação à máquina extractora de cápsulas.
Por fim, questionam a medida da pena.
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Matéria de facto:
No recurso interposto questiona-se a matéria de facto, entendendo-se como incorrectamente apreciada face à prova produzida.
É colocada em causa a prova e a apreciação da mesma.
Desde já se diz, conforme se verifica da transcrição supra, que a sentença se encontra sobejamente fundamentada, se justificando plenamente o motivo do convencimento pelo julgador através do depoimento do co-arguido A..., pelo que nos dispensamos de repetir os fundamentos aí aduzidos com os quais concordamos plenamente.
Pelo que nesta parte, o recurso é manifestamente improcedente.
Da fundamentação resulta que o convencimento adveio do depoimento daquele co-arguido, sendo que a confirmação por testemunhos de agentes da GNR respeita apenas a pontos secundários, mas que ajudam a compreender como os factos ocorreram.
Na sentença não se diz, contrariando o recorrente –al. c) das conclusões-, que as declarações do co-arguido A... foram valoradas “por se considerar que as mesmas foram corroboradas por outras provas tendentes a demonstrar a autoria dos aqui recorrentes…”.
Esse depoimento do co-arguido poderia ter sido “contraditado” pelo depoimento dos ora recorrentes, caso não tivessem optado pelo silêncio em audiência. Sendo, o silêncio, um direito que lhes assiste (aos arguidos), sem que daí lhes possa resultar qualquer prejuízo, não podem é esperar que desse mesmo silêncio lhes resulte benefício.
A prova é valorada tal qual é produzida em audiência, tendo em conta que as declarações do co-arguido não foram colocadas em crise.
No nosso ordenamento jurídico/processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova, sendo esta valorada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador -, art. 127°do C. P. Penal.
Não se trata de apreciação arbitrária, antes tendo como pressupostos valorativos os critérios da experiência comum e da lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica. O princípio da livre apreciação da prova está intimamente ligado à obrigatoriedade de motivação ou fundamentação fáctica das sentenças criminais, com consagração no art. 374°/2 do Código de Processo Penal.
Cumpre também aqui referir que o juízo valorativo do tribunal tanto pode assentar em prova directa como em prova indiciária da qual se infere o facto probando, não estando excluída a possibilidade do julgador valorar preferencialmente a prova indiciária, podendo esta só por si conduzir à sua convicção.
E não dispensa a prova testemunhal um tratamento cognitivo por parte do julgador mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal qual a prova indiciária de qualquer natureza, pode ser objecto de formulação de deduções ou induções baseadas na correcção de raciocino mediante a utilização das regras de experiência.
A atribuição de credibilidade ou da não credibilidade a uma fonte de prova por declarações assenta numa opção motivável do julgador na base da sua imediação e oralidade que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum. O juiz é livre de formar a sua convicção no depoimento de um só declarante em desfavor de testemunhos contrários, cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 207 (in casu as declarações do co-arguido).
Ao apreciar a matéria de facto, o tribunal de recurso está condicionado pela circunstância de não ter com os participantes do processo aquela relação de proximidade comunicante que lhe permite obter uma percepção própria do material que há-de ter como base da sua decisão.
Refere Figueiredo Dias que só a oralidade e a imediação permitem o indispensável contacto vivo com o arguido e a recolha deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabelece-se com o tribunal de 1ª instância, e daí que a alteração da matéria de facto fixada em decisão colegial deverá ter como pressuposto a existência de elemento que, pela sua irrefutabilidade, não afecte o princípio da imediação.
Observe-se que a decisão da primeira instância será sempre o resultado duma «convicção pessoal» nela desempenhando papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionais não explicáveis -, v. g. a credibilidade que se concede a determinado meio de prova -, pelo que o tribunal de recurso ao apreciar a prova por declarações deve, salvo casos de excepção, adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.
Na fundamentação o julgador refere, “apenas o arguido A...prestou declarações, de forma relevante para a descoberta da verdade….”.
Paulo Saragoça da Matta, in Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 253, refere que se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração.
Diga-se também que a prova processual, ao invés do que acontece com a demonstração no campo da matemática ou com a experimentação no âmbito das ciências naturais, não visa a certeza lógica ou absoluta mas apenas a convicção essencial às relações práticas da vida social- cfr. A. Varela in Manual de Processo Civil pág. 407.
A propósito do art.º 127 refere o Ac. do TC 197/97 de 11.3.97 [ DR, IIª Série, de 29.12.98] que o juiz aí pressuposto pelo legislador é o juiz responsável e livre, capaz de pôr o melhor da sua cultura, inteligência e conhecimento das realidades da vida na apreciação do material probatório que lhe é fornecido.
Na parte em que o recorrente discorda da convicção do tribunal este fundamentou-se nas declarações do co-arguido, versão que teve por a mais consentânea com a verdade, justificando a sua convicção de modo coerente e conforme às regras da experiência.
O que o recorrente pretende é que o tribunal julgue de acordo com as suas próprias convicções, o que não é viável pois que o acto de decisão pertence ao tribunal que aprecia as provas segundo as regras de experiência e a sua livre convicção.
Basta um depoimento, se credível, para fundamentar a convicção, não sendo necessário “qualquer outra prova em audiência de julgamento que permitisse com absoluta certeza apoiar o alegado pelo co-arguido A...”, como pretendem os recorrentes –al. d) das conclusões.
Não foi afectado o princípio «in dubio pro reo», princípio este que só é desrespeitado quando o tribunal colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas decidisse nessa situação contra o arguido. O que não acontece nos autos. Tal não acontece quando há declarações prestadas, “de forma relevante para a descoberta da verdade”.
Vícios do art. 410 nº 2 do CPP:
Os recorrentes alegam os vícios da insuficiência para a matéria de facto provada e contradição insanável.
Porém, coloca a tónica não como vícios, mas como errada interpretação da prova.
Os recorrentes têm como insuficiente o facto de o julgador se convencer essencialmente com o depoimento do co-arguido A.... Mas a para deste depoimento tido como essencial, há depoimentos circunstanciais dos agentes da autoridade, e há a existência das máquinas e demais objectos apreendidos.
Os recorrentes vêem a contradição ao referirem que a sentença diz (onde apenas os recorrentes vêem) que o depoimento do co-arguido é corroborado por outra prova sem dizer qual. Ora, da motivação da sentença de facto a fundamentação resulta do depoimento do co-arguido, sem necessidade de qualquer corroboração, já que se teve como essencial para a descoberta da verdade.
Tudo andando em redor da prova e da matéria de facto, que já se analisou e se tem como correctamente interpretada.
E, os vícios do art. 410 nº 2 do CPP respeitam a outras questões diferentes.
Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existe quando há lacuna no apuramento da matéria de facto, necessária para a decisão de direito;
- Lacuna ao não se apurar o que é evidente que se podia apurar;
- O tribunal não investiga a totalidade da matéria de facto, podendo fazê--lo;
- Por haver lacunas no apuramento da matéria de facto necessária e possível para a decisão. Se não há essas lacunas, há uma errada subsunção dos factos ao direito - erro de julgamento - (Germano Marques da Silva).
Esta insuficiência manifesta-se, pelo menos tendo em conta as regras da experiência, a levar em conta na formação da convicção.
Como se refere no Ac. do STJ in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 6º, Fasc. 4, pág. 557, "se se verificar que o Tribunal investigou o que devia investigar e fixou -dentro dessas possibilidades de investigação- matéria de facto suficiente para a decisão de direito, tal vício não existirá". "Apenas existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que tal matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz".
No entanto não se vislumbra que outra prova mais se deveria ter produzido, nem os recorrentes a indicam.
A situação apontada não consubstancia os vícios do art. 410 nº 2 do CPP.
A insuficiência alegada pelo arguido é o seu entendimento de que o depoimento do co-arguido não é suficiente para serem dados como provados os factos.
No entanto, sobre esta matéria já nos pronunciamos
Erro notório na apreciação da prova, vício alegado pelo recorrentes, existe quando se verifica:
Erro na crítica dos factos provados. Não erro na sua apreciação em ordem a aplicar o direito (Proc. 48658 eml-2-96;
Contra o que resulta de elementos que constam dos autos e cuja força probatória não foi infirmada, ou de dados de conhecimento publico generalizado, se emite juízo sobre a verificação ou não de certa matéria de facto e se torne incontestável a existência de tal erro de julgamento sobre a prova produzida (Proc. 327/96, em 8-5-96);
Se afirma algo que se não pode ter verificado (Proc. 136/96, em 1-5-96.
Como assim que, ao erro notório, vem sendo, de igual modo, entendimento das Doutrina e Jurisprudência que apenas se terá como verificado em apertadas circunstâncias. Tal vício nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correcta face à prova produzida, ele só pode ter-se como verificado quando o conteúdo da respectiva decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, patenteie, de modo que não escaparia à análise do homem comum, que no caso se impunha uma decisão de facto contrária à que foi proferida - entre muitos, Acórdão do S. T.J:, de 20.03.99, Proc. 1 76/99- 3ª Sec (sublinhado nosso).
Na decisão recorrida foi feito um correcto enquadramento da factualidade apurada face á prova produzida, cargo que, na vertente da livre apreciação da prova, está vedado aos intervenientes processuais, sendo incumbência exclusiva do julgador - art. 127° CPP.
Não se verifica, pois a falta de prova para a atribuição dos factos e a sua prática pelos arguidos (não há errada apreciação da prova), nem sequer sendo necessário lançar mão do princípio in dúbio pro reo, como já se demonstrou.
Qualificação jurídica dos factos, máquina de extractora de cápsulas:
Na sentença se enquadraram os factos respeitantes às duas máquinas como exploração de jogos de fortuna e azar.
Entendem os recorrentes que relativamente à exploração da máquina extractora de cápsulas, a situação será a de “modalidade afim”.
A questão tem sido debatida na jurisprudência, sendo certo que a letra da lei não ajuda muito na interpretação do que será “modalidade afim”.
A esta matéria se reporta o art. 159 do Dl 422/89 de 2-12:

1 - Modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico.
2 - São abrangidos pelo disposto no número anterior, nomeadamente, rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos.
Por sua vez o art. 1 define jogo de fortuna e azar:
“Jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”.
A situação descrita na matéria de facto, relativamente a esta máquina, assemelha-se à tradicional rifa e parecido com a tômbola, que temos como correcto integrar-se nas “modalidades afins”, considerando jogo de fortuna e azar aquele que é, em exclusivo, autorizado nos casinos.
Neste sentido, a jurisprudência expressa nos Ac.s da rel. de Lx. de 5-4-2006, proc. 3490/05 da 3ª Secção, e que se reporta a caso idêntico ao destes autos:
“1. A questão em discussão nos autos é a de saber se o jogo facultado pela máquina em causa deve ser qualificado como de fortuna ou azar, ou antes deve ser englobado nas chamadas “modalidades afins”.
2.Trata-se de uma máquina que, mediante introdução de moeda disponibiliza uma bola contendo um número a que equivale um prémio – objecto como canivete, bola, etc., - exibido num cartaz, de características dos cartazes dos prémios das tradicionais rifas.
3. Sobre esta matéria é larga a controvérsia na Jurisprudência, perfilhando-se, porém, o entendimento expresso no Acórdão desta Relação de 26.10.05 (proc. n°7610/05-3), de acordo com o qual “para a delimitação dos tipos descritos nos artigos 108° a 111° e 115° do Decreto-Lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro, tem de se partir de um conceito formal de jogo de fortuna ou azar, considerando como tal apenas aqueles jogos cuja prática, nos termos dos n.°s l e 3 do artigo 4° daquele diploma, é autorizada nos casinos”, forçoso será concluir que a exploração não autorizada do jogo em questão nos autos constitui uma contra-ordenação prevista no artigo 163° n°. l da Lei do Jogo, por referência aos artigos 159°, 160° n.°l e 161°n°3 do mesmo diploma”.
Assim que a exploração do jogo através deste tipo de máquinas necessita de autorização, sem a qual, não constituindo crime, constitui contra-ordenação.
Porém, in casu é irrelevante.
Na sentença se condenam os arguidos, “pela prática como autores materiais, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art. 108 do Dl. 422/89 de 2-12”.
Apesar da exploração de duas máquinas, a situação é de exploração ilícita de jogo, sendo que não integra cada máquina um crime ou uma contravenção, mas apenas agravação da pena em função do número de máquinas que se explora.
Assim, que explorando-se uma máquina, constituindo essa actuação crime, o mesmo consome a situação de contravenção. Nos termos do art. 20 do Dl 433/82 de 27-10, RGCOC, se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, será o agente punido a título de crime, sem prejuízo da aplicação das sanções acessórias previstas para as contra-ordenações”.
Os arguidos parece que queriam ver agravada a sua condenação, somando-se uma contra-ordenação ao crime, o que também não seria viável, face á proibição da reformatio in pejus –art. 409 do CPP., Mas tal só aconteceria caso se não verificasse o concurso legal, aparente ou impuro.
Assim, embora por via diversa temos como correcto o enquadramento jurídico dos factos, tendo os arguidos praticado um crime de exploração ilícita de jogo.
Medida da pena:
Têm os arguidos como exageradas as penas de multa aplicadas, bem como os montantes diários das taxas, 6,00€ e 20,00€.
Invocam a doutrina de Ac. do STJ: «O montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar.» - Ac. STJ de 97/10/02; Ac. ST, V,183.
Relativamente ao arguido B..., a quem foi fixada a taxa diária de 6,00€ diremos que tem sido orientação desta Relação considerar taxa diária de 5,00€ ou inferior, adequada a quase indigentes, o que manifestamente e felizmente não é o caso.
Na sentença recorrida, foram observados os critérios legais de escolha e determinação da medida da pena, com os quais se concorda inteiramente e, por isso se reproduzem.
“O art. 40º do Código Penal dispõe que a aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos, no sentido de tutela da crença e confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa.
O Supremo Tribunal de Justiça num acórdão de 12 de Março de 1997 resume assim a sua interpretação dos fins das penas:
a) “a prevenção geral positiva ou de integração é a finalidade primordial a prosseguir;
b) deste modo, a prevenção especial positiva nunca pode pôr em causa o mínimo de pena imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada;
c) por sua vez, porém, a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva, também nunca pode pôr em causa a própria dignidade humana do agente, que o princípio da culpa justamente salvaguarda;
d) por isso, a pena jamais pode ultrapassar a medida da culpa ou o máximo que a culpa do agente consente, independentemente de, assim, se conseguir ou não atingir o grau óptimo da protecção de bens jurídicos;
desta forma, o espaço possível de resposta às necessidades de reintegração social do agente é o que se define entre aquele mínimo imprescindível à prevenção geral positiva e o máximo consentido pela sua culpa”.
A determinação das medidas concretas das penas, nos termos do art. 71º do CP, deve ser feita em função da culpa dos agentes e das exigências de prevenção, atendendo às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente.
A este respeito, porque sintetiza e expõe de forma exemplar a doutrina e a jurisprudência dominantes quanto à determinação das medidas das penas, citamos o Ac. do STJ de 09/12/1998, relatado pelo Conselheiro Leonardo Dias, in BMJ 482-77: “Do nosso ponto de vista deve entender-se que, sempre e tanto quanto for possível, sem prejuízo da prevenção especial positiva e, sempre, com o limite imposto pelo princípio da culpa – nulla poena sine culpa – a função primordial da pena consiste na protecção de bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos.
A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. A prevenção especial positiva, porém subordinada que está à finalidade principal de protecção dos bens jurídicos, já não tem virtualidade para determinar o limite mínimo; este, logicamente, não pode ser outro que não o mínimo de pena que, em concreto, ainda, realiza, eficazmente, aquela protecção.
Enfim, devendo proporcionar ao condenado a possibilidade de optar por comportamentos alternativos ao criminal (sem, todavia, sob pena de violação intolerável da sua dignidade, lhe impor a interiorização de um determinado sistema de valores), a pena tem de responder, sempre, positivamente, às exigências de prevenção geral de integração.
Figueiredo Dias propõe a definição de bem jurídico como a “unidade de aspectos ônticos e axiológicos, através da qual se exprime o interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso valioso”, cfr. “Os novos rumos da política criminal”, ROA, ano 43º, 1983, p. 15.
Os princípios jurídico-penais da lesividade ou ofensividade, da indispensabilidade da tutela penal, da fragmentaridade, subsidiariedade e da proporcionalidade, quer os próprios mecanismos da democracia e os princípios essenciais do Estado de direito são garantias de que, enquanto de direito, social e democrático, o Estado não poderá chegar ao ponto de fazer, da pena, uma arma que, colocada ao serviço exclusivo da eficácia, pela eficácia, do sistema penal, acabe dirigida contra a sociedade.
A prevenção geral, no Estado de Direito, por se apoiar no consenso dos cidadãos, traduz as convicções jurídicas fundamentais da colectividade, e coloca assim a pena ao serviço desse sentimento jurídico comum; isto significa que ela não pode ser aplicada apenas para intimidar os potenciais delinquentes mas que, acima de tudo, deve dar satisfação às exigências da consciência jurídica geral, estabilizando as suas expectativas na validade da norma violada. Subordinada a função intimidatória da pena a esta sua outra função socialmente integradora, já se vê que a pena preventiva (geral) nunca poderá ser pura intimidação mas, sim, intimidação limitada ao necessário para restabelecer a confiança geral na ordem jurídica ou, por outras palavras, intimidação conforme ao sentimento jurídico comum.
Ora, se por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, nunca esta pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que – dentro, claro está, da moldura geral – a moldura penal aplicável ao caso concreto (“moldura de prevenção”) há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social.”.
Assim, na determinação da medida concreta da pena, nos termos do referido art. 71º do Código Penal, o tribunal levará em conta:
* Quanto ao arguido B...:
- o grau de ilicitude do facto, que se considera de mediana gravidade, pela razoável prejuízo que pode advir para as pessoas em geral de terem à sua disposição e de forma facilitada máquinas que potenciam o jogo;
- a intensidade do dolo, que se revela elevada, uma vez que o arguido agiu com dolo directo;
- a sua situação económica, assim com a sua condição social e familiar;
- o facto de o arguido ter antecedentes criminais e pelo mesmo tipo de crime.
* Quanto ao arguidoC...:
- o grau de ilicitude do facto, que se considera de mediana gravidade, pela razoável prejuízo que pode advir para as pessoas em geral de terem à sua disposição e de forma facilitada máquinas que potenciam o jogo;
- a intensidade do dolo, que se revela elevada, uma vez que o arguido agiu com dolo directo;
- a sua situação económica, assim com a sua condição social e familiar;
- o facto de o arguido ter antecedentes criminais e pelo mesmo tipo de crime.
No que concerne às exigências de prevenção geral, considera-se que são medianas, dado a frequência com que ocorrem situações como a dos autos.
Para determinação da medida da pena aplicável no caso concreto impõe-se, em primeiro lugar, considerar a moldura penal prevista pelo tipo legal respectivo. Neste caso, o crime de exploração ilícita de jogo, previsto pelo art.º 108º, n.º 1 do DL n.º 422/89, de 02/12, é punível com pena de prisão até 2 anos e multa até 200 dias.
Uma vez fixada a moldura penal que cabe em abstracto ao caso, temos que encontrar a pena que concretamente caberá à conduta dos arguidos.
Em face dos critérios expostos, entendo como adequada uma pena de 6 (seis) meses de prisão e 150 (cento e cinquenta) dias de multa para cada um os arguidos B... e C....
Por força do art. 8º do Código Penal, e na medida em que não existe disposição em contrário, as disposições deste Código são aplicáveis aos factos puníveis pelo DL. nº 422/89 de 02/12.
E, de acordo com o art. 44º, nº 1 do Código Penal, “a pena de prisão aplicada em medida não superior a seis meses é substituída por multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.”
Quanto aos demais arguidos (recorrentes –entre parêntesis nosso), a conclusão não é tão imediata, mas entendemos que não é de afastar na situação concreta igual regime, pese embora os antecedentes criminais de ambos, atendendo a que estão social e familiarmente inseridos, e os antecedentes criminais do arguido C... já distam dos factos aqui em causa quase seis anos, e quanto ao arguido B..., a condenação é posterior aos factos cometidos neste processo, pelo não existe uma necessidade premente de prevenir o cometimento de futuros crimes, impondo-se a substituição da pena de prisão por pena de multa de 60 (sessenta) dias quanto ao arguido A... e por pena de multa de 180 (cento e oitenta) dias quanto a cada um dos arguidos B... e C....
Todas as considerações antecedentes, atinentes quer à culpa, quer à prevenção, devem exercer unicamente influência sobre a determinação do número de dias de multa, não sobre o quantitativo diário que se torna agora necessário fixar.
Nos termos do disposto no artigo 47º, nº 2 do Código Penal, “cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 1,00 euro e 498,80 euros, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais”.
Contudo, a fixação do montante diário da pena de multa, dentro dos limites legais, “não deve ser doseada por forma a que tal sanção não represente qualquer sacrifício para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade” – cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 13/07/1995, publicado na CJ, 1995, Tomo IV, p. 48.
Quanto ao quantitativo diário, nos termos do art. 47º, nº 2 do CP, vistas as condições sociais e económicas diferenciadas dos arguidos (sendo o arguido B... reformado mas sem encargos relevantes e o arguido C... empresário igualmente, com elevados rendimentos e poucas despesas), fixa-se em € 6,00 (seis euros) a taxa diária do arguidoB... e em € 20,00 (vinte euros) a taxa diária do arguido C....
Prevê o art. 6º, nº 1 do DL. nº 48/95 de 15/03, que alterou o Código Penal, que “enquanto vigorarem normas que prevejam penas cumulativas de prisão e multa, sempre que a pena de prisão for substituída por multa, será aplicada uma só pena equivalente à soma da multa directamente imposta e da que resultar da substituição da prisão.”
Assim, as multas aplicadas ao abrigo do DL. nº 422/89, deverão ser somadas às multas resultantes da substituição da pena de prisão, correspondendo pois: quanto ao arguido B..., a uma pena de multa de 330 (Trezentos e Trinta) dias (180 dias + 150 dias), à taxa diária de € 6,00 (seis euros), no valor total de € 1.980,00 (Mil Novecentos e Oitenta Euros); quanto ao arguidoC..., a uma pena de multa de 330 (Trezentos e Trinta) dias (180 dias + 150 dias), à taxa diária de € 20,00 (vinte euros), no valor total de € 6.600,00 (Seis Mil e Seiscentos Euros).
Critérios esses com os quais concordamos inteiramente, mostrando-se a pena em concreto aplicada ajustada aos factos e á culpa dos arguidos.
Entendem os recorrentes que a pena que a cada um foi aplicada, se encontra desajustada, por exagerada, que foi definida não em função da culpa.
Na aplicação da medida da pena de multa deve ter-se em conta o disposto no artº 71º do C. Penal.
Aí se diz – no seu nº 1 – que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (geral e especial).
Visando-se com a aplicação das penas a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, artº 40º nº1 do Cód. Penal.
Sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, artº 40º nº 2 do C. Penal.
Decorre, assim, de tais normativos que a culpa e a prevenção constituem os parâmetros que importa ter em apreço na determinação da medida da pena.
Na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – artº 71º nº 2 do C. Penal.
Enunciando-se, de forma exemplificativa, no mesmo nº 2 quais as circunstâncias que podem ter tal função.
Há que ter em conta as finalidades da prevenção, quer geral, quer especial, incentivar nos cidadãos a convicção que comportamentos deste jaez são punidos e que a honra e consideração da pessoa humana são tutelados pela lei penal.
Assim como há que dissuadir os arguidos para que não voltem a prevaricar (já antes foi sancionado com pena por comportamento idêntico).
A pena, só faz sentido enquanto sentida como tal pelo seu destinatário – cfr. Ac. desta Relação de 7-11-1996, in Col. jurisp. tomo V, 47.
Atenta a natureza de uma pena ou sanção, o condenado tem de senti-la sob pena de se poder traduzir em “absolvição encapotada”, e não surtir o efeito pretendido pela lei. As penas e sanções têm essa designação, de outro modo não o seriam, nem constituiriam dissuasor necessário para prevenir as infracções, se não forem sentidas como tal, quer pelo agente, quer pela comunidade em geral.
Tendo em conta os vectores apontados, entendemos como adequada à situação concreta (e nada exagerada) a pena aplicada a cada um dos recorrentes.
Taxa diária:
Todos os elementos necessários à determinação da taxa diária foram levados em conta -art. 47 nº 2 do CP.
O arguido B... aufere, cerca de 250,00€ por mês, de reforma.
Temos de considerar que a cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 1,00€ e 498,80€, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais (art. 47°, n.º 2, do C. Penal).
Como já decidiu o S.T.J. (Ac. de 2-10-97, C. J., Tomo 3, 183) o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar.
Tal montante não pode, efectivamente, deixar de constituir um castigo, sob pena de deixar de cumprir a sua finalidade de verdadeira pena.
Não se pode levar terceiros a pensar (prevenção geral) que "o crime compensa".
Não se pode transformar a pena de multa numa absolvição encapotada.
Há que fazer sentir ao arguido o desvalor social da sua actuação.
Os encargos do arguido respeitam a ele próprio, esposa igualmente reformada. Vivem em casa propriedade de um filho.
É certo que são parcos os rendimentos do arguido, mas também a taxa diária aplicada é baixa. Temos de ter em conta que o mínimo de 1,00€ remonta ao longínquo ano de 1982, que na altura tinha bem mais valor que agora 6,00€.
Estes são factos demonstrativos de que o arguido tem capacidade para pagar, embora com algum sacrifício mas sem ser exagerado ou insuportável, a quantia diária de 6,00€.
A jurisprudência vem entendendo que "só em situações muito excepcionais de fraquíssima capacidade económica (quase absoluta indigência) que não é a do arguido, poderá actualmente justificar-se a fixação de uma taxa diária de multa inferior a 5 euros".
Pelo que temos que a taxa diária da multa fixada na sentença é de considerar ajustada.
E o arguido, face ao montante global da multa, no caso de sentir necessidade, pode requerer o pagamento em prestações.
Há que ter em conta que a lei prevê medidas para a hipótese de o condenado não poder pagar a multa, pena em que foi condenado, de uma só vez.
O arguido C... declara rendimentos mensais entre 1500,00 e 2000,00€.
Vive com a mulher empregada fabril, têm uma filha de cinco anos, vivem em casa própria e tem uma carrinha Fiat Doble de 2004.
Se se aplicasse um sistema proporcional, teríamos como acertada a taxa diária de 20,00€, mas também outra deveria ser a aplicada ao arguido A... (quem suporta despesas de cerca de 4000,00€ mensais terá necessariamente rendimentos para as cobrir e ainda lhe sobrar).
Porém, não podemos considerar como na sentença que tem “elevados rendimentos e poucas despesas”, para fundamentar a taxa diária aplicada, rendimentos de 1500,00 a 2000,00€ não podem considerar-se rendimentos elevados.
Se as despesas não vão além das normais (outras despesas, nomeadamente extraordinárias, não se provaram, os rendimentos não podem considerar-se elevados.
Se aos rendimentos declarados retirarmos o imposto correspondente (IRS), o rendimento do arguido será mediano.
A taxa diária de 20,00€ seria adequada para rendimentos elevados, mas como se verifica não serem assim tão elevados os rendimentos, temos como adequada a taxa diária de 12,50€, tendo em conta tudo o já referido acerca da determinação concreta da pena e taxa diária da multa.
Assim, e nesta parte se julga procedente o recurso.
*
Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em:
1- Negar provimento ao recurso do arguido B... e, em consequência manter-se na íntegra, quanto a ele, a decisão recorrida.
2- Julgar parcialmente procedente o recurso do arguido C... e:
a)- Fixar-lhe a taxa diária da multa em 12,50€;
b)- No mais manter da sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 7 Ucs para o arguido B... e 5 Ucs para o arguido C....