Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
862/06.8TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO
MODALIDADE DE PRÉMIO VARIÁVEL
FORMA
OMISSÃO PARCIAL DO VENCIMENTO PAGO NAS “FOLHAS DE FÉRIAS” ENVIADAS À SEGURADORA
CONSEQUÊNCIAS CONTRATUAIS
Data do Acordão: 11/17/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 37º, Nº 3, DA LAT E 303º DO CÓDIGO DO TRABALHO; 429º DO CÓDIGO COMERCIAL.
Sumário: I – O contrato de seguro de acidentes de trabalho na modalidade de prémio variável/flutuante, conforme folhas de salários a enviar à Companhia até ao dia 15 de cada mês, deve ser reduzido a escrito num instrumento que constituirá a apólice de seguro.

II – Do seu enunciado devem constar, além do mais, o objecto do seguro, sua natureza e valor, bem como, em geral, todas as circunstâncias cujo conhecimento possa interessar o segurador.

III – Esse documento de suporte constitui uma formalidade “ad substantiam” – artº 429º Cód. Comercial.

IV – São as “folhas de férias” que determinam o objecto/âmbito pessoal a que, em cada momento, o seguro dá cobertura: quem delas/o que delas não constar não se pode considerar abrangido pelo contrato…, salvo qualquer lapso que possa ser relevado ao abrigo da boa-fé contratual.

V – É mediante as folhas de salários, a enviar à seguradora até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeita a prestação, que se efectua a actualização do objecto do contrato e se define o prémio a cobrar.

VI – Nesta modalidade de contrato de seguro, tal como a omissão do trabalhador sinistrado nas folhas de férias remetidas mensalmente pela entidade empregadora à seguradora, também a omissão parcial da retribuição que lhe era efectivamente paga não gera a nulidade do contrato, antes determinando a sua não cobertura, em conformidade.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:


I –
A CAUSA

1 – Terminada, sem êxito, a fase conciliatória deste processo especial emergente de acidente de trabalho, veio A..., demandar, com patrocínio oficioso do M.º P.º, B..., e «C...», pedindo a condenação:
a) - Da ré seguradora a pagar-lhe, a partir de 19/7/06, uma pensão anual, parcial e obrigatoriamente remível de 780,27 euros;
b) Da ré seguradora a pagar-lhe, a quantia de 17,05 euros referente a despesas com deslocações obrigatórias;
c) Da ré ‘B...’ a pagar-lhe, a partir de 19/7/06, uma pensão anual, parcial e obrigatoriamente remível de 1.508,02 euros;
d) Da ré ‘B...’ a pagar-lhe, a quantia de 32,95 euros referente a despesas com deslocações obrigatórias;
e) Da ré ‘B...’ a pagar-lhe, a quantia de 9.265,53 euros referente a indemnização por 228 dias de ITA, 22 dias de ITP a 20%, 16 dias de ITP a 50% e 21 dias de ITP a 30%.
Alegou para o efeito, em resumo útil, que era trabalhador subordinado da ré ‘B...’, com o salário anual de 28.059,92 euros, sendo que essa ré tinha transferido para a ré seguradora a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho que o vitimassem, mas apenas pela remuneração anual de € 9.568 euros.
Em 4/10/05, sofreu um acidente ao serviço da ré ‘B...’, o qual deve ser qualificado como de trabalho, donde emergiram para ele 228 dias de ITA, 22 dias de ITP a 70%, 16 dias de ITP a 50%, 21 dias de ITP a 30%, e uma IPP de 11,65%.
Pelos períodos de ITA só foi indemnizado pela ré seguradora.
Despendeu 50 euros em deslocações obrigatórias que teve de fazer no âmbito destes autos.

2 - A ré ‘B...’ contestou, pugnando pela improcedência da acção, conforme articulado de fls. 173 e 174.
Alegou em resumo, que não é exacta a remuneração anual do autor invocada na petição inicial, pois que o sinistrado auferia anualmente uma média de 25.959, 89 euros, nos quais estavam integrados 14.174,37 euros de ajudas de custo reais, pagas ao sinistrado, bem assim como 1.000 euros de prémio de produtividade, sendo que tais ajudas e prémio não podem qualificar-se como retribuição.
À data do acidente, estava transferida para a ré seguradora a responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho em que estivesse envolvido o autor, pela totalidade das quantias que a ‘B...’ lhe pagava.
A IPP de que o autor padece é, apenas, de 8%.

3 - A ré seguradora também contestou, pugnando por uma decisão a proferir de acordo com a prova que venha a ser produzida em Audiência – fls. 203.
Alegou, em síntese, que a IPP resultante do acidente em causa é inferior a 11,65 %.

A ré seguradora respondeu à contestação da ré ‘B...’, alegando que a responsabilidade civil para si transferida tinha como limite a remuneração anual do sinistrado declarada pela tomadora do seguro, que é de 9.568 euros.

4 – Condensada, instruída e discutida a causa, elaborou-se sentença a julgar a acção procedente, condenando a co-R. Seguradora no pagamento das quantias discriminadas no dispositivo, a fls. 264, a que nos reportamos, com a consequente absolvição da co-R. ‘B...’ do pedido.

5 – Inconformada, a co-R. Seguradora vem apelar.
Alegando, concluiu assim:
ü O capital transferido para a Seguradora, mediante as folhas de salários do mês anterior ao do acidente, só admite prova documental, baseada exactamente nas folhas de salários;
ü Com base nas folhas de salários juntas aos Autos resulta claramente que o capital transferido para a recorrente corresponde ao capital admitido pela Seguradora na sua contestação;
ü Nos termos do art. 712.º/2, b), do C.P.C. terá de ser alterada a resposta ao quesito 6.º, dele passando a constar que o montante da remuneração anual do A. era o decorrente da soma de todas as quantias referidas na resposta aos quesitos 2.º, 3.º e 5.º, estando transferida para a Seguradora a remuneração anual de € 9.568,00;
ü Nos termos do art. 37.º/3 da L.A.T. e art. 303.º do Cód. do Trabalho deve a recorrida ‘B...’ responder pelo remanescente da diferença entre aquela remuneração anual de € 9.568,00, a cargo da recorrente, e a remuneração anual de € 12.207,23.

6 – Respondeu o A., pela voz do M.º P.º, concluindo, em síntese, que não tendo havido omissão do envio da folha de férias com o nome do sinistrado, antes ocorrendo apenas uma recepção tardia dessa folha, manteve-se em vigor o contrato de seguro, pelo que responsabilidade dos danos emergentes do acidente deve recair exclusivamente sobre a Seguradora, conforme se decidiu.
A sentença deve, pois, ser mantida.
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Recebido o recurso e colhidos os vistos legais devidos, vamos apreciar e decidir.

II –
FUNDAMENTAÇÃO.

A – DE FACTO.
Vem seleccionada da 1.ª Instância a seguinte factualidade:
· O autor nasceu em 2/11/1972 – A);
· Em Outubro de 2005, o autor era trabalhador subordinado da ré ‘B...’, trabalhando com a categoria de manobrador de máquinas, sob a autoridade, direcção e fiscalização dela, mediante a remuneração anual que ela lhe pagava de, pelo menos, 11.745, 52 euros – B);
· No dia 4/10/05, cerca das 8h 30m, em Pampilhosa da Serra, quando assim trabalhava para a ré ‘B...’, sob a direcção e autoridade dela, nos seus local e horário de trabalho, arrumando uma grua, o autor caiu involuntariamente abaixo da mesma – C);
· Em 4/10/2005, a ré ‘B...’ tinha transferida para a ré seguradora, a responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho que vitimasse ao seu serviço o autor, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº AT29120890, pelo menos pela retribuição anual de 9.568 euros – D);
· Do acidente referido na alínea C) dos factos assentes resultaram para o autor lesões que consolidaram em 18/7/06, após 228 dias de ITA, 22 dias de ITP a 70%, 16 dias de ITP a 50% e 21 dias de ITP a 30% – E);
· Para ser submetido a exame no GML e para se deslocar a este Tribunal no âmbito deste processo, o A. despendeu 50 Euros – F);
· Na tentativa de conciliação levada a efeito pelo MP, o autor aceitou que era trabalhador subordinado da ré ‘B...’, com a remuneração anual de 28.059, 90 euros; que sofreu o acidente descrito nessa tentativa; que esse acidente lhe causou as lesões descritas e examinadas a fls. 78 a 81; que as mesmas consolidaram em 18/7/06, com IPP de 11, 65%; que esse acidente deveria ser caracterizado como acidente de trabalho; que existia nexo de causalidade entre esse acidente e as lesões acabadas de referir; que a ré B... tinha transferido para a seguradora ré, mas apenas pela remuneração anual de 9.568 euros, a responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho que vitimasse o autor ao seu serviço; que despendeu 50 euros com deslocações que teve de efectuar no âmbito destes autos a tribunal e ao GML; mais aceitou estar integralmente indemnizado pela seguradora pelos períodos de IT que sofreu em consequência do acidente e que estavam em dívida, por parte da ré B..., indemnizações correspondentes a esses períodos de IT no valor global de 3.513, 29 euros – G);
· Na tentativa de conciliação levada a efeito pelo MP, a ré seguradora aceitou que o autor era trabalhador subordinado da ré B..., com a remuneração anual de 28.059, 90 euros; que o autor sofreu o acidente descrito nessa tentativa; que esse acidente causou ao autor as lesões descritas e examinadas a fls. 78 a 81; que as mesmas consolidaram em 18/7/06; que esse acidente deveria ser caracterizado como acidente de trabalho; que existia nexo de causalidade entre esse acidente e as lesões acabadas de referir; que a ré B... tinha transferido para ela, mas apenas pela remuneração anual de 9.568 euros, a responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho que vitimasse o autor ao serviço da B...; que o autor despendeu 50 euros com deslocações que teve de efectuar no âmbito destes autos a tribunal e ao GML; mais aceitou ter pago ao autor todas as indemnizações que lhe eram devidas pelos períodos de IT que ele sofreu em consequência do acidente e que estavam em dívida, por parte da ré B... ao autor, indemnizações por IT no valor global de 3.513, 28 euros; porém, considerou que a IPP resultante para o autor daquelas lesões era, apenas, de 8, 8%, razão pela qual não se conciliou – H);
· Na tentativa de conciliação levada a efeito pelo MP, a ré B... aceitou que o autor era seu trabalhador subordinado, dela auferindo uma remuneração anual que não especificou mas que não era a indicada na tentativa; que o autor sofreu o acidente descrito nessa tentativa; que esse acidente lhe causou as lesões descritas e examinadas a fls. 78 a 81; que as mesmas consolidaram em 18/7/06; que esse acidente deveria ser caracterizado como acidente de trabalho; que existia nexo de causalidade entre esse acidente e as lesões acabadas de referir; que ela tinha transferido para a seguradora, mas pela totalidade da remuneração anual auferida pelo autor, que não indicou, a responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho que vitimasse o autor ao serviço dela (B...); que o autor despendeu 50 euros com deslocações que teve de efectuar no âmbito destes autos a tribunal e ao GML; porém, não aceitou que o autor auferisse dela a remuneração anual de 28.059, 90 euros e que as ditas lesões tivessem causado ao autor uma IPP de 11,65%, razão pela qual não se conciliou – I);
Da base instrutória:
· As lesões referidas na alínea E) dos factos assentes causam ao autor uma IPP de 11, 65% – 1º);
· No âmbito e por causa do contrato de trabalho entre eles celebrado, as quantias pagas pela ré ‘B...’ ao autor eram as seguintes:
a) retribuição-base de 597,00 euros 14 vezes por ano;
b) subsídio de alimentação de 5,00 euros por cada dia de trabalho efectivo, que era pago autonomamente por referência aos dias em que o autor não auferisse as ajudas de custo referidas na alínea C) da resposta aos quesitos 2º), 3º) e 5º), sendo incorporado nessas ajudas de custo por referência aos dias em que as recebesse;
c) ajudas de custo, no montante médio mensal de 769,02 euros, 11 vezes por ano, nas quais estava integrado, por referência aos dias em que essas ajudas de custo eram pagas, o subsídio de alimentação referido na alínea B) da resposta aos quesitos 2º), 3º) e 5º);
d) remuneração de trabalho suplementar, no montante médio mensal de 128,82 euros, 11 vezes por ano;
e) prémio de produtividade, no montante médio mensal de 111,11 euros, 11 vezes por ano;
f) 0,36 euros por cada quilómetro que o autor percorresse em viatura própria ao serviço da ré B... – 2º), 3º) e 5º);
· Os valores auferidos pelo autor e que lhe eram processados e pagos pela ré ‘B...’, a título de ajudas de custo, destinavam-se a compensá-lo pelos custos acrescidos que o mesmo suportava com alojamento e alimentação, sempre que o mesmo trabalhava, como quase sempre acontecia, fora da área da sede da ré – 4º);
· O montante da remuneração anual do autor pelo qual se encontrava transferida para a ré seguradora, em 4/10/05, a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho que o vitimassem ao serviço da ré ‘B...’, era o decorrente da soma de todas as quantias referidas na resposta aos quesitos 2º), 3º) e 5º) – 6º).
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B – CONHECENDO.
Como a Recorrente adianta na abertura da sua motivação – propósito depois estampado na síntese conclusiva, por onde se afere, como é consabido, o objecto e âmbito do recurso, por via de regra – o seu inconformismo com o decidido limita-se à parte da sentença em que se determinou ser a apelante a responsável por todas as prestações devidas ao sinistrado, não havendo, no caso, lugar à aplicação do regime do art. 37.º/3 da L.A.T.

É esta a questão.
Partindo do pressuposto de facto constante da resposta ao quesito 6.º, (onde se quis saber se o montante da remuneração anual do A. pelo qual se encontrava transferida para a R. seguradora, em 4.10.2005, a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho que o vitimassem ao serviço da co-R. ‘B...’, era de € 25.959,89…e a que se respondeu que o montante …era o decorrente da soma de todas as quantias referidas na resposta aos quesitos 2.º, 3.º e 5.º’, conforme fls. 255), considerou-se, na verdade, não haver lugar à aplicação do referido regime, decidindo-se ser a R. Seguradora responsável por todas as prestações, calculando-se a pensão devida ao sinistrado com base na remuneração anual de € 12.207,23.
A recorrente apoia a sua reacção nos argumentos seguintes.
Entende que o capital transferido, mediante as folhas de salários do mês anterior ao do acidente, só admite prova documental, baseada exactamente nas folhas de salários.
E, com base nelas, resulta claramente que o capital transferido para a Seguradora corresponde ao capital que admitiu na sua contestação.
É por isso que pugna pela alteração da resposta dada ao quesito 6.º, devendo dar-se como provado que a remuneração anual para si transferida era de € 9.568,00.
A co-R. patronal deverá, assim, responder pela diferença entre aquela remuneração anual e a de € 12.207,23.

Ora bem.
Para alcançar a resposta dada ao controverso quesito 6.º, o Exm.º Julgador adiantou, na respectiva motivação da decisão de facto, que a sua convicção se formou com base na prova globalmente produzida na Audiência de julgamento, nomeadamente na conjugação dos depoimentos de Susana Mendes, funcionária da R. ‘B...’ na área dos recursos humanos, …’na parte em que prestou esclarecimentos isentos e credíveis sobre a prática remuneratória observada pela R. ‘B...’ em relação ao A., designadamente em matéria de salário-base, remuneração de trabalho suplementar, subsídio de alimentação, prémio de produtividade, ajudas de custo e compensação por utilização de viatura própria em serviço da ‘B...’.
Nesta parte, o depoimento da testemunha também foi conjugado com os documentos de fls. 62, 63, 65 a 73 e 87.
O depoimento desta testemunha também foi levado em consideração na parte em que a mesma se reportou ao montante da retribuição anual do A. pelo qual a responsabilidade civil da R. ‘B...’ se encontrava transferida para a R. Seguradora em matéria de acidentes de trabalho de que o A. fosse vítima ao serviço da R. ‘B...’.
Nesta parte o depoimento da testemunha foi conjugado com os documentos de fls. 188 a 200’. (Sublinhado e bold agora).

Para melhor enquadrar a questão decidenda, importa lembrar:
Na tentativa de conciliação o sinistrado começou por adiantar perceber a remuneração anual de € 28.059,90 ao serviço da R. patronal, valor mantido no petitório, propondo o acordo no pressuposto da responsabilidade repartida entre as co-responsáveis, com a indicação de que a transferência para a Seguradora se acharia feita apenas com base no montante correspondente à soma da retribuição-base e no subsídio de alimentação, no total anual de €9.568,00.
A R. patronal alegou ter a sua responsabilidade transferida pela totalidade da retribuição que pagava ao sinistrado, nos termos do contrato de seguro que identifica.
A co-R. seguradora apenas admitiu a responsabilidade para si transferida por eventuais acidentes de trabalho que o A. tivesse ao serviço da co-R. ‘B...’ com os montantes salariais indicados pela entidade empregadora. (Enfatizado agora).
Aceitou responder unicamente pelos vencimentos declarados – items 2.º e 4.º da contestação.

À data do acidente a que respeitam os Autos, a co-R. patronal tinha a sua responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho que vitimassem o A. ao seu serviço transferida para a co-R. seguradora através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º AT29120890, como especificado se acha.
Verificados os elementos documentais a esta correspondentes, (fls. 22-25), constata-se que estamos na presença de um contrato de seguro na modalidade de prémio variável/flutuante, conforme folhas de salários a enviar à Companhia até ao dia 15 de cada mês, de acordo com a alínea c) do n.º1 do art. 16.º das Condições Gerais da Apólice.

Assim:
O contrato de seguro deve ser reduzido a escrito num instrumento que constituirá a apólice de seguro.
Do seu enunciado devem constar, além do mais, o objecto do seguro, sua natureza e valor, bem como, em geral, todas as circunstâncias cujo conhecimento possa interessar o segurador.
O documento de suporte, como é comummente aceite, de modo pacífico, constitui formalidade ‘ad substantiam’ – cfr. art. 429.º do Cód. Comercial, e, entre outros, Cunha Gonçalves, ‘Comentário, II, pg. 500, Pinheiro Torres, ‘Ensaio sobre o Contrato de Seguro’, pg. 46 e Moutinho de Almeida, ‘O Contrato de Seguro’, pg. 38.
Pacificamente se tem também entendido que as partes, ao escolherem a modalidade de contrato de seguro de prémio variável, como no caso, acordam sobre a natureza do trabalho que justifica a opção e as demais circunstâncias tidas por influentes na avaliação do risco, não definindo porém, prévia e imediatamente, o seu universo quântico.
São as ‘folhas de férias’ que determinam o objecto/âmbito pessoal a que, em cada momento, o seguro dá cobertura: quem delas/o que delas não constar não se pode considerar abrangido pelo contrato …salvo qualquer lapso que possa ser relevado ao abrigo da boa-fé contratual.
(Apud, ‘inter alia’, Ac.’s do S.T.J. de 14.4.1999, de 31.10.2000 e de 25.1.2001, referidos no Acórdão Uniformizador n.º 10/2001, de 27 de Dezembro, in D.R. , n.º 298, I-A Série).

É mediante as folhas de salários, a enviar à seguradora até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeita a prestação, que se efectua a actualização do objecto do contrato e se define o prémio a cobrar.
Seguindo de perto a fundamentação do Acórdão Uniformizador, atrás identificado, mais diremos que …não se encontrando determinado trabalhador (ou parte da/retribuição do/s…) incluído nas folhas de férias enviadas à Seguradora, verifica-se uma situação de não cobertura, com a consequente não assunção de responsabilidade por parte desta, tendo a entidade empregadora de suportar o pagamento do que for devido ao trabalhador.

Sem entrar em delongas de ordem mais ou menos dogmática, é interessante reter que no contrato de seguro é particularmente exigente a confiança nas declarações emitidas pelos contraentes, sancionando a Lei com a invalidade os contratos em que tenha havido declarações inexactas, incompletas ou prestadas com reticências, reservas ou omissões, que contendam com a existência ou condições do mesmo.

(A não inclusão de trabalhadores ou de parte da retribuição realmente paga ao trabalhador nas folhas de férias não implica a automática invalidade do contrato.
Constituindo mera faculdade de resolução do contrato ou de agravamento do prémio, por parte da Seguradora, não significa que não subsistam as consequências directamente decorrentes da omissão.
O contrato pode perfeitamente subsistir, sem resolução. Simplesmente ficam fora da cobertura os trabalhadores ou a parte da retribuição que não constem das chamadas ‘folhas de férias’).

Este entendimento da jurisprudência obteve consagração impositiva no referido Acórdão Uniformizador, cuja doutrina se estende, por igualdade de razão, como já se adiantou, à omissão parcial da retribuição efectivamente paga pelo empregador.
Podemos assentar, pois, que nesta modalidade de contrato de seguro, (seguro de acidentes de trabalho de prémio variável), tal como a omissão do trabalhador sinistrado nas folhas de férias remetidas mensalmente pela entidade empregadora à seguradora, também a omissão parcial da retribuição que lhe era efectivamente paga não gera a nulidade do contrato, antes determinando a sua não cobertura, em conformidade.

Isto posto:
Importa saber então se a resposta dada ao quesito 6.º é ou não susceptível da pretendida alteração.
Na sequência do acima referido sobre a natureza formal do contrato de seguro, preceitua o art. 16.º das Obrigações Gerais da Apólice que o tomador do seguro obriga-se …a enviar mensalmente à seguradora, quando se trate de seguro de prémio variável, e até ao dia 15 de cada mês, as folhas de retribuições pagas no mês anterior a todo o pessoal e que devem ser os duplicados ou fotocópias das remetidas à Segurança Social, devendo ser mencionada a totalidade das remunerações previstas na Lei como parte integrante da retribuição para efeitos de cálculo na reparação por acidente.
Ora, como facilmente se concederá, estamos perante um meio de prova documental.
Para responder ao quesito 6.º da B.I., nos termos em que o fez, o Exm.º Julgador 'a quo' estribou-se – como já acima se consignou e ora se relembra – no depoimento da testemunha Susana Alexandre Carvalheiro Mendes, funcionária da R. patronal, precisamente na parte em que a mesma se reportou ao montante da retribuição anual do A. pelo qual a responsabilidade civil da R. ‘B...’ se encontrava transferida para a R. Seguradora em matéria de acidentes de trabalho de que o A. fosse vítima…sendo o depoimento, nesta parte, conjugado com os documentos de fls. 188 a 200’ - sic, a fls. 256.

Tudo revisto:
Por um lado, ante o disposto nos arts. 392.º e 393.º/1 do Cód. Civil, afigura-se-nos fora de dúvida que pudesse admitir-se, relevantemente, prova testemunhal sobre tal matéria.
Exigindo-se para a declaração negocial prova escrita/documento, como se exige no caso, directamente afastada fica a possibilidade de produção de prova por testemunhas.
Por outro lado, os documentos a que se refere a fundamentação da decisão de facto, que conferimos, (trazidos ao processo a coberto de uma declaração da R. seguradora – fls. 188-200 – não impugnados, por qualquer forma), em parte alguma contêm elementos que permitam concluir que, da massa salarial declarada pela co-R. patronal, no período relevante, fizessem parte quaisquer quantias das referidas nas alíneas c) a f) da resposta conjunta aos quesitos 2.º, 3.º e 5.º - (fls. 255).

Por isso – com o devido respeito – não pode subsistir a resposta de facto que foi dada ao falado quesito 6.º, não havendo prova bastante que permita ir além do que foi especificado na alínea D) dos Factos Assentes, valor aliás expressamente assumido/confessado pela co-R Seguradora.
A resposta ao art. 6.º não pode deixar de ser – como aqui se declara, ao abrigo do disposto no art. 712.º, n.º1, a), 1.ª parte, e alínea b), do C.P.C. – simplesmente negativa.

Tem, pois, plena razão a Recorrente, não podendo a sua responsabilidade ir além da retribuição anual de € 9.568,00.
A co-R. patronal suportará o encargo da reparação correspondente à diferença para o valor encontrado como sendo o da retribuição anual efectivamente paga, no montante dos definidos € 12.207,23, tudo em conformidade com o estatuído no n.º3 do art. 37.º da L.A.T.

Considerando que o sinistrado se mostra integralmente indemnizado pela co-R. Seguradora pelos períodos de IT’s que sofreu em virtude do acidente dos Autos, e que, a esse título, nada lhe foi pago por parte da co-R. Patronal, é da responsabilidade desta o diferencial, face à retribuição anual estabelecida, de € 1.322,47.
A pensão anual e vitalícia (capital de remição correspondente a) relativa ao diferencial da retribuição não transferida é de € 215,23.
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III –
DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos deliberam os Juízes que integram esta Secção do Tribunal da Relação de Coimbra julgar procedente a Apelação e, em consequência – revogando a sentença, na parte impugnada – condenam:
A co-R. Seguradora no pagamento ao A./sinistrado da pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, de 780,27, com início de vencimento reportado ao dia 19.7.2006, acrescida da importância de 50,00, referente a despesas de transporte por deslocações obrigatórias a Tribunal;
A co-R. Patronal, ‘B...’ no pagamento ao mesmo A. da pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, de 215,23, com início de vencimento referido àquela data, bem como no pagamento da quantia global de 1.322,47, a que acrescem os juros de mora legalmente devidos sobre as quantias em dívida.
Custas pelas co-RR. na proporção.
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Coimbra,