Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
47-A/1986.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JACINTO MECA
Descritores: HERANÇA JACENTE
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
DIVISÃO DE COISA COMUM
HERANÇA COMPROPRIETÁRIA
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 10/09/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ARGANIL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 1412º, 2046º E 2091º DO C. CIV.
Sumário: I – Uma herança que não tenha sido aceite é uma herança jacente – artº 2046º C. Civ. – a que a lei processual civil – artº 6º - confere personalidade judiciária, podendo demandar e ser demandada.
II – Mas uma vez aceite a herança cessa a personalidade judiciária e quem já pode intervir nos processos judiciais são todos os herdeiros, não a título individual mas como herdeiros do “de cujus”.

III – As acções de divisão de coisa comum têm de ser intentadas por um ou mais comproprietários contra os demais, sendo que quando tal qualidade – de comproprietário – advém de sucessão “mortis causa”, exige-se que a herança se encontre partilhada, pela simples razão de que até à partilha os herdeiros apenas são titulares de um direito indivisível sobre o conjunto de bens da herança e não sobre bens certos e determinados que a integram.

IV – Achando-se a “coisa” integrada na herança indivisa, a acção de divisão de coisa comum não pode ser intentada por uns herdeiros contra outros em sua representação.

V – Por força do disposto no artº 2091º do C. Civ., na acção de divisão de coisa comum de que seja comproprietário uma herança indivisa, esta há-de intervir como demandante ou como demandada e, sempre numa dessas posições activa ou passiva, tem de ser representada por todos os herdeiros em conjunto.

VI – Se na pendência da acção de divisão de coisa comum se verificar que 1/3 dos bens cuja divisão foi requerida pertencem a uma herança indivisa da qual os autores e réus são os únicos herdeiros, impõe-se a suspensão da instância até à partilha.

Decisão Texto Integral:
Acórdão
Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Coimbra .
O Exmo. Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Arganil proferiu folhas 28 a 34 [Folhas 539 a 545 dos autos principais.] dos presentes autos, o seguinte despacho:
A folhas 519 destes autos foi ordenada a notificação de todas as partes para que, em 15 dias, viessem explicar a razão de ser de só agora terem alegado uns e concordado outros com uma suspensão da instância com base num motivo que não é superveniente à acção, mas, pelo contrário, já anteriormente existia, ou seja, desde 30 de Dezembro de 1966.
Apenas vieram responder os seguintes réus: A..., irmão do autor B..., suma mulher C..., por si e na qualidade de procuradores dos seus filhos menores D... e E... e ainda seus filhos maiores F..., G..., H..., I..., J..., K... e L....
Defendem a folhas 536 e seguintes que o réu Augusto Correia de Aguiar constituiu mandatário nos presentes autos muito recentemente. Obtido que foi o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, transitado em julgado, o qual se debruçou sobre a interpretação a dar ao testamento do pai do réu Dr. António Augusto Correia de Aguiar, entendeu o mesmo e seus filhos maiores constituir mandatário judicial.
Foram então alertados que existia uma questão prejudicial que obstava ao objecto da presente acção, ou seja, faltava partilhar os bens deixados pelo seu tio, Dr. Augusto de Aguiar, os quais se encontram em comunhão hereditária entre o réu Augusto, o réu Mário e o autor António Mário. Acusam ainda os aludidos réus que o autor desta acção deveria ter intentado, antes da interposição da presente acção, processo de inventário para partilha dos bens deixados por óbito do Dr. Augusto de Aguiar, o que não foi feito.
Invocam ainda que é tempestiva a alegação da suspensão da instância, devendo declarar-se suspensa a presente instância até à partilha dos bens deixados pelo Dr. Augusto de Aguiar.
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Cumpre decidir
A questão a decidir resume-se ao seguinte: deverá ser suspensa a instância com base no facto da herança do tio do réu Augusto Correia de Aguiar, Dr. Augusto de Aguiar ter falecido intestado, sem terem sido partilhados os seus bens, entre os quais se incluiu 1/3 dos prédios que se pretende sejam divididos.
A presente acção foi intentada em 25 de Junho de 1981 e no seu âmbito os requerentes vieram alegar serem, conjuntamente com os requeridos, proprietários em comum de três prédios, nas proporções pelos mesmos indicadas a folhas 2vº e 3. Ou seja, os bens cuja divisão se requereu na presente acção, os quais são três prédios e volto a repetir apenas três prédios sitos na freguesia de S. Martinho da Cortiça, concelho de Arganil inscritos nas respectivas matrizes sob os artigos 776, 786 e 6521, os quais foram herdados, por via sucessória dos progenitores do pai do autor nesta acção, Eng.º António Mário e ainda dos réus Dr. Mário Correia de Aguiar e Dr. Augusto de Aguiar, todos filhos dos avós das partes neste processo, Dr. Abílio César Henriques de Aguiar e sua mulher Adelaide Amélia Correia Carvalho de Aguiar coube 1/3 das propriedades que se pretende dividir e que sempre possuíram em comum em sem determinação.
Quanto ao 1/3 pertença do filho António Augusto Correia de Aguiar, pai do ora requerente, a respectiva transmissão operar-se-á nos termos da interpretação do seu testamento, conforme decisão judicial já transitada em julgado e supra referida.
Quanto ao 1/3 pertença do filho Mário Correia Carvalho de Aguiar, interessa salientar que o mesmo deixou testamento de 5 de Julho de 1955, lavrado no 10º Cartório Notarial de Lisboa, no qual constava a seguinte disposição testamentária: (…) A Casa da Sobreira e as propriedades que andam adstritas nos concelhos de Arganil, Penacova e Condeixa constituem uma espécie de vínculo que ele e os seus irmãos têm possuído em comum. É, pois, natural que ele deixe, como efectivamente deixa a parte que lhe pertence tanto na Casa da Sobreira como em todas as propriedades que possuem nos referidos concelhos aos filhos nascituros dos filhos do seu falecido irmão António, de nomes António Mário, Mário e Augusto. (…). Além disso, destes seus legados terão o usufruto os referidos seus sobrinhos.
A esta deixa testamentária a nascituros deverá ser dada a mesma interpretação já consagrada no acórdão acima mencionado para a disposição testamentária feita pelo testador António Augusto Correia de Aguiar.
Quanto ao 1/3 do filho Augusto César Correia de Aguiar, falecido sem deixar testamento, os seus únicos herdeiros, à data da sua morte, são o aqui autor e seus irmãos, também aqui réus, os quais são sobrinhos do falecido, filhos do irmão do «de cujus», de nome António Augusto Correia de Aguiar, possuindo em comum e sem determinação de parte ou direito, 1/3 dos bens cuja divisão é aqui requerida.
O que significa que o autor e seus irmãos, aqui réus são possuidores, cada um deles de 1/3 dos bens cuja divisão se requer, com o esclarecimento relativo à interpretação do testamento atribuído por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, já transitado em julgado, deixado pelo pai do autor António Augusto Correia de Aguiar, o mesmo valendo para a interpretação a conferir ao testamento deixado pelo tio do também autor, Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Assim os prédios têm titulares certos e determinados que os possuem em propriedade comum, isto é, estão em situação de comunhão de direitos, maxime a compropriedade e a manifestação de vontade de um dos consortes em pôr termo através da respectiva divisão.
Cada um dos intervenientes nesta acção tem direito a uma quota – fracção ideal – sobre bens determinados e a única forma de pôr termo à compropriedade é, para além de ser possível a celebração de escritura pública de divisão, a acção de divisão de coisa comum, quando não exista acordo na divisão a fazer. Nestes termos, para além de não considerarmos aqui uma questão prejudicial baseada no facto do tio do autor ter falecido sem deixar testamento, o que é certo é que os três herdeiros do mesmo, tal como os herdeiros dos outros dois falecidos irmãos deste último, possuem um quota, uma fracção ideal sobre prédios determinados, pelo que não haverá lugar a inventário.
Por outro lado, os presentes autos foram saneados, julgando-se as excepções invocadas e ordenando-se o prosseguimento dos regulares termos da presente acção.
Deste modo, também por este motivo, é indeferida a pretensão de suspensão da instância pelos requerentes aqui réus, sendo certo que o réu Augusto Correia de Aguiar, aquando da sua citação há muitos anos atrás, e do seu requerimento de folhas 166 e seguintes, com data de entrada de 15 de Julho de 1987, poderia ter logo suscitado a questão que só agora vem levantar. Nessa altura, não foi motivo de impedimento de entrega de requerimento a que se fez alusão no parágrafo antecedente a falta de constituição de mandatário do réu Augusto, o qual, de facto, só veio juntar procuração a folhas 428. Daí a nossa estranheza na posição agora assumida, a qual já poderia ter sido manifestada em altura própria, ou seja, no momento processualmente oportuno: em sede de contestação.
Face a todo o exposto, indefiro totalmente o pedido de suspensão da presente instância por inexistência de causa prejudicial nesta altura, sendo certo que o motivo invocado não é superveniente à acção, mas, pelo contrário, já existia, ou seja, desde 30 de Dezembro de 1966, sendo certo que todos os herdeiros do aludido Dr. Augusto César de Aguiar estão nestes autos.
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Cumpre-nos ainda, tendo em conta o anterior processado, apreciar se no caso em análise existe, de facto litigância de má fé por parte dos que requereram a suspensão da instância e dos que a aceitaram por nada terem vindo dizer aos autos.
É estranho e demonstrativo da má fé dos aqui réus Augusto Correia de Aguiar e Mário Pignatelli Castelo Branco Correia de Aguiar e ainda do autor B..., todos irmãos, só agora depois de 20 anos de interposição da acção, sendo que mais de 2/3 deles foram processualmente inócuos, já que a instância aguardava suspensa o desfecho da acção cível intentada em Lisboa, devido à interpretação a dar à disposição testamentária do falecido pai daqueles, levantar uma questão o primeiro, concordando com ela os segundos, já que nada vieram dizer nestes autos, a qual, à partida, já estava resolvida tendo em conta o processado na acção.
Na verdade, os três herdeiros do tio Augusto de Aguiar estão nos presentes autos também como partes, nunca sendo posta em causa por nenhum deles a propriedade comum deles em relação aos prédios a dividir – questão esta que nunca se pôs em cheque encontrando-se definitivamente decidida no despacho saneador proferido em 1987.
Nos termos do artigo 456º, nº 2 do CPC litiga de má fé todo aquele que, com dolo ou negligência grave, deduza pretensão ou omita factos relevantes para a decisão da causa, pratique omissão grave do dever de cooperação ou faça do processo ou dos meios processais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da questão.
As consequências de uma lide de má fé traduzem-se na imposição de uma sanção pecuniária (multa) e, eventualmente, de uma indemnização a favor da parte contrária, por virtude dos danos por esta sofridos em consequência dessa litigância de má fé.
Parece podermos concluir, face a estes princípios, que os três principais intervenientes nesta acção, também irmãos, a saber: António Mário Castelo-Branco Correia de Aguiar, Mário Pignatelli Castelo-Branco Correia de Aguiar e Augusto Pignatelli Castelo-Branco Correia de Aguiar de facto litigaram de má fé.
Na verdade, ao alegar o último, motivos de suspensão da instância, encapotando uma forma do processo ficar de novo suspenso, ou melhor, parado, suscitando uma questão nova que até então nunca tinha sido levantada e já existia anteriormente à interposição da acção e contestação (…). Ao não se pronunciarem acerca desse assunto, os dois primeiros, com isso consentindo na suspensão da instância que em tudo vai contra o alegado pelo autor António Mário e réu Mário Pignatelli e consequente conduta processual dos mesmos no âmbito desta acção.
É evidente e claro que deduziu o réu Augusto pretensão cuja falta de fundamento não ignorava, tentando fazer do processo ou dos meios processais um uso manifestamente reprovável e os outros dois, António e Mário, entorpecendo a acção da justiça ao não se pronunciarem, praticando uma omissão grave do dever de cooperação. Está assim consubstanciado o dolo substancial, determinante, pois, de uma condenação em multa por litigância de má fé.
Pelo exposto decido julgar o autor António Mário Castelo-Branco Correia de Aguiar e os réus Mário Pignatelli Castelo-Branco Correia de Aguiar e Augusto Pignatelli Castelo-Branco Correia de Aguiar como litigantes de má fé nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 456º do CPC, condenando-os a pagarem, cada um deles, uma multa igual à soma de 4 Ucs.
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Notificado deste despacho, o réu Augusto Pignatelli Castelo-Branco Correia de Aguiar interpôs recurso que foi recebido como agravo, com subida diferida, em separado e com suspensão dos efeitos da decisão recorrida na parte que aplicou uma multa aos recorrentes (folhas 37).
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Notificado deste despacho, o autor António Mário Castelo-Branco Correia de Aguiar interpôs recurso que foi recebido como agravo, com subida diferida, em separado e com suspensão dos efeitos da decisão recorrida na parte que aplicou uma multa aos recorrentes (folhas 37).
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O agravante Augusto Pignatelli Castelo-Branco Correia de Aguiar atravessou nos autos as suas alegações e, na parte que releva ao conhecimento do recurso, concluiu:
Ø Que o despacho recorrido violou os artigos 659º, nº 2 do CPC e o artigo 1403º do CC.
Ø Que não estão reunidos os requisitos que justificativos da condenação do agravante como litigante de má fé.
Ø Pela procedência do recurso
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O agravante António Mário Castelo-Branco Correia de Aguiar apresentou as suas alegações e concluiu:
· Que o facto de não se terem pronunciado sobre o requerimento do réu onde era requerida a suspensão da instância não configura uma situação de litigância de má fé.
· Que a sua conduta não é enquadrável no artigo 456º do CPC.
· Pela procedência do recurso.
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1. Delimitação do objecto do recurso
As questões a decidir nos agravos e em função das quais se fixa o objecto do recurso sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, nos termos das disposições conjugadas do nº 2 do artigo 660º e artigos 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil, são as seguintes:
Suspensão da instância nos autos de divisão de coisa comum. Questão prejudicial. Inventário para partilha de 1/3 dos 1

mesmos prédios cuja divisão se reclama nos presentes autos, deixados aos agravantes por Augusto Aguiar.
Litigância de má fé. 1

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2. Apreciação das questões elencadas
2.1 – Suspensão da instância
Da leitura do despacho sob censura, concluímos que o Exmo. Juiz respondeu negativamente à pergunta que formulou a folhas 29 dos autos, a qual aqui repetiremos tendo em vista a análise e decisão dos argumentos por si aduzidos como justificativos do indeferimento do pedido de suspensão da instância.
Perguntou o Exmo. Juiz: Deverá ser suspensa a instância com base no facto de a herança do tio do réu Augusto Correia de Aguiar ter falecido intestado, sem terem sido partilhados os seus bens, entre os quais se incluiu 1/3 dos prédios que se pretende sejam divididos?
Tanto quanto nos conseguimos aperceber do traslado que deu corpo ao presente recurso, está a correr pelo Tribunal Judicial de Arganil a acção de divisão de coisa comum nº 47/1986 na qual são partes, entre outros, os aqui agravantes proprietários em comum e nas proporções por eles indicadas a folhas 2vº e 3 [No despacho recorrido o Exmo. Juiz não indicou a proporção que cada um dos agravantes detém sobre os prédios cuja divisão se reclama, limitando-se a remeter para folhas 2 e 3vº dos autos principais, mas tal omissão não tem reflexos no caso a decidir, na medida em que sabemos que o falecido Dr. Augusto de Aguiar era proprietário de 1/3 dos três prédios cuja divisão se requereu na presente acção. No entanto, da leitura do despacho recorrido – folhas 30 – o Exmo. Juiz fixa em 2/3 a proporção que autor e seus irmãos réus detêm sobre os prédios cuja divisão se requer. Na sequência da consulta dos autos verificámos, por referência aos três prédios que a nua propriedade pertence aos requerentes e requeridos (na acção principal) nas seguintes proporções:
Ø 1/6 ao requerente António Mário.
Ø 1/6 aos filhos de António Mário, e em partes iguais, o requerente António Pedro e os requeridos Maria Margarida, Maria Beatriz e Maria Leonor.
Ø 1/6 ao requerido Augusto.
Ø 1/6 aos filhos deste, e em partes iguais, aos requeridos Gonçalo, António Augusto, Marta, Rodrigo, Diogo e Francisco Maria.
Ø 1/6 ao requerido Mário.
Ø 1/6 aos filhos, deste, e em partes iguais, os requeridos Maria Eugénia, Maria Cristina e Maria Inês.] de três prédios.
Acontece que a compropriedade relativamente aos três prédios objecto da divisão, não se esgota no autor e réus, na medida em que 1/3 da propriedade sobre tais prédios integra a herança indivisa deixada por óbito do Sr. Dr. Augusto de Aguiar, do qual são herdeiros as partes – autor e réus – desta acção.
Nos termos do artigo 1412º do CC nenhum comproprietário é obrigado a permanecer na indivisão, à qual se pode pôr termos pela via amigável/convencional ou judicial/litigiosa. Assim, o direito que trata o artigo 1412º do CC configura-se como um direito de dissolução da compropriedade. Trata-se de um direito potestativo que tem que ser dirigido contra todos os consortes e tem como finalidade a cessação da compropriedade. «Não se trata, apenas, de concretizar a quota do requerente na coisa comum, antes e sobretudo, de dissolver a relação de compropriedade existente entre todos [Sublinhado nosso.] os consortes [Sr. Dr. António Carvalho Martins – Divisão de Coisa Comum – Coimbra Editora – pág. 27.]», daí que no processo respectivo tenham de intervir todos os consortes seja na posição de autores ou de réus [Como forma de assegurar a legitimidade das partes em acção de divisão de coisa comum devem ser demandados todos os comproprietários do imóvel, já que só mediante a intervenção de todos se alcançará o efeito útil pretendido com a instauração da acção, sob pena de o consorte não interveniente vir mais tarde a requerer nova divisão que podia alterar completamente a anteriormente efectuada no processo – Ac. RP, datado de 19 de Março de 1998, proferido no âmbito do processo nº 9751275, publicado no endereço electrónico www.dgsi.pt.].
Decorre da situação em análise que a herança indivisa deixada por óbito do Sr. Dr. Augusto de Aguiar é comproprietária de 1/3 das fracções autónomas integrantes do objecto da acção de divisão, não é parte na presente acção e são seus herdeiros o autor António Mário Castelo-Branco Correia de Aguiar e os réus Mário Pignatelli Castelo-Branco Correia de Aguiar e Augusto Pignatelli Castelo-Branco Correia de Aguiar.
Se a herança não tiver sido aceite – herança jacente/artigo 2046º do CC – então a lei processual civil – artigo 6º – confere-lhe personalidade judiciária, podendo em tais casos demandar ou ser demandada. Mas aceite a herança, cessa a personalidade judiciária e quem já pode intervir nos processos judiciais são todos os herdeiros não a título individual mas como herdeiros do «de cujus».
Perguntar-se-á então se o autor podia requerer a divisão de coisa comum do 1/3 dos prédios que se encontram por partilhar?
Com o respeito devido por opinião contrária, parece-nos que não.
Ensina o Supremo Tribunal de Justiça: «a herança é uma universitas juris com o conteúdo próprio fixado na lei. Os herdeiros são titulares de um direito indivisível enquanto se não fizer a partilha. Até à partilha tal direito recai sobre o conjunto da herança e não sobre os bens certos e determinados desta. Logo não se pode atribuir aos co-herdeiros, antes da partilha, a qualidade de proprietários de qualquer bem da herança» [Ac. STJ, datado de 14.1.1972, Revista dos Tribunais, Ano 90, pág. 68; Ac. STJ, datado de 17.4.1984, BMJ nº 296, pág. 298 e Ac. STJ, datado 10.12.1987, BMJ nº 372, pág. 405/6. Ac. RE, datado de 6.2.1997, CJ, Ano XXII, tomo I, pág. 296.].
Como vimos a acção de divisão de coisa comum tem de ser intentada pelo comproprietário contra os demais, sendo que quando tal qualidade – de comproprietário – advém de sucessão «mortis causa», exige-se que a herança se encontre partilhada, pela simples razão de até à partilha os herdeiros serem titulares de um direito indivisível sobre o conjunto de bens da herança e não sobre bens certos e determinados que a integram. Achando-se a «coisa» integrada na herança indivisa, a acção de divisão de coisa comum não pode ser intentada por uns herdeiros contra outros em sua representação [Ac. RP, datado de 8.7.1982, proferido no âmbito do processo nº 0015837, publicado no endereço elect5rónico www.dgsi.pt].
Por força do disposto no artigo 2091º do CC «na acção de divisão de coisa comum de que seja comproprietário uma herança indivisa, esta há-de intervir como demandante ou como demandada e, sempre numa dessas posições activa ou passiva, tem de ser representada por todos os herdeiros em conjunto (…) essa conjugação de herdeiros é incompatível com a separação deles em posições de demandante e demandado, pois a unidade da herança não se compadece com esta duplicidade de sujeito da lide. Portanto, a acção de divisão de coisa comum da qual é comproprietário uma herança indivisa, não pode ser posta por uns herdeiros contra os outros em representação da herança» [Ac. RE, datado de 6.2.1997, CJ, Ano XXII, tomo I, pág. 296.].
Ora, a terem sido demandados na presente acção os herdeiros do Sr. Dr. Augusto de Aguiar estabelecia-se uma completa confusão na medida em que o autor seria em simultâneo autor e réu, o mesmo podendo acontecer com os réus se os herdeiros do falecido ocupassem na acção o lugar de demandantes.
Escorados nestes ensinamentos, impõe-se que respondamos à seguinte pergunta:
Deve a acção de divisão de coisa comum ficar suspensa até que se partilhem os bens deixados por óbito do Sr. Dr. Augusto Aguiar?
Contrariamente ao defendido pelo Exmo. Juiz no despacho recorrido, parece não existir outra solução que não a de se suspender a instância até à partilha daquele património.
A alínea c) do artigo 276º do CC declara que a instância se suspende por determinação do Tribunal, preceituando o artigo 279º do mesmo Código:
1. O Tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente de julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
2. Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as desvantagens.
3. Quando a suspensão tenha por fundamento a pendência de causa prejudicial, fixar-se-á o prazo durante o qual estará suspensa a instância.
4. (…).
É certo que, indevidamente, os comproprietários Srs. Eng.º António Mário Castelo-Branco Correia de Aguiar e António Pedro de Lucena Pignatelli Correia de Aguiar intentaram a acção de divisão de coisa comum, entre outros, contra Augusto Pignatelli Castelo-Branco Correia de Aguiar, numa altura em que este já havia falecido deixando como seus únicos e universais herdeiros os seus sobrinhos – cf. artigos 9º e 10º da contestação apresentada na acção principal.
Neste contexto impunha ao Tribunal a quo, após a fase dos articulados, questionar autores e réus sobre a identidade do comproprietário do 1/3 dos prédios a dividir sob pena de ilegitimidade das partes, por não estarem presentes na acção todos os comproprietários – artigo 28º do CPC – a menos que tal questão tivesse sido abordada pelos réus na sua contestação.
A comproprietária – herança – os herdeiros do Sr. Dr. Augusto não demandaram nem foram demandados na acção de divisão de coisa comum. Visando a acção de divisão de coisa comum pôr termo à compropriedade, parece-nos que o prosseguimento da acção sem que a partilha – acto destinado a fazer cessar a indivisão do património – do restante 1/3 dos prédios que se pretendem dividir esteja concretizada – pode configurar-se como um acto claramente inútil na medida em que o 1/3 dos prédios pode ser adjudicado (artigos 1059º e 1060º do CPC em vigor na data em que a acção foi intentada) a pessoa diferente daquela que, por via da acção, passou a ser proprietária dos 2/3 dos prédios, obrigando a que se intentasse nova acção cuja resultado podia ser diverso daquele a que se chegasse neste processo.
A ter-se por correcto este entendimento e pese o facto de estarmos perante uma acção com uma pendência de cerca de 21 anos nos Tribunais, a verdade é que a requerida suspensão da instância não pode deixar de ser deferida, na medida em que os benefícios resultantes do seu deferimento são, em nosso modesto ver, menos prejudiciais – quer em termos de prazo de conclusão do processo; quer em termos de resolução definitiva da acção de divisão de coisa comum – do que prosseguir-se com a acção nº 47/1986 até à adjudicação, sendo certo que não estando partilhados os bens deixados por óbito de Augusto Correia de Aguiar pode muito bem acontecer que o futuro proprietário do 1/3 possa intentar nova acção de resultado imprevisível e por isso capaz de alterar completamente a decisão fixada naquela acção.
Embora não possamos deixar de manifestar a nossa concordância pela estranheza que o Exmo. Juiz evidencia no despacho recorrido, por só agora os réus [Na acção nº 47/1986.] terem vindo ao processo pedir a suspensão da instância para partilharem o 1/3 dos prédios, a verdade é que «tal estranheza» pode ficar registada mas não pode ter os efeitos evidenciados no despacho recorrido. Também concordamos quando o Exmo. Juiz conclui não existir uma questão prejudicial, todavia, já discordamos quando defende não haver lugar a inventário com o fundamento dos herdeiros do Sr. Dr. Augusto Aguiar possuírem uma quota, uma fracção ideal sobre prédios determinados.
Com feito, cabe perguntar:
Como é que um conjunto de herdeiros pode fazer cessar a indivisão de determinado património sem que antecipadamente o tenham partilhado (amigavelmente ou através do recurso a inventário)?
A propósito do inventário divisório ensinava o Sr. Prof. J. A. Dos Reis: «o inventário-divisório tem como objectivo final a partilha duma massa de bens pelos respectivos titulares. Descrevem-se e avaliam-se os bens não com o fim meramente conservatório ou cautelar, mas com vista à preparação da partilha. Quer dizer, este inventário exerce função divisória: dissolve uma universalidade, substituindo-lhe a formação de quinhões ou quotas individuais ou concretizadas [Processos Especiais, 2º volume, pág. 356.].
Aliás, o artigo 1326º do CPC define como função do inventário o pôr termo à comunhão hereditária, daí que não encontremos outro caminho que não o recurso a este instituto para os herdeiros do falecido Dr. Augusto Aguiar colocarem termo à comunhão, Só através do recurso ao processo especial que é o inventário, se pode, definitivamente, saber a qual dos herdeiros foi adjudicado o 1/3 dos prédios que na acção nº 47/1986 as partes se propõem dividir.
Em conclusão diremos que na acção de divisão de coisa comum devem estar presentes todos os comproprietários dos bens a dividir; no caso de ser uma herança indivisa a comproprietária devem ser demandados na acção de divisão de coisa comum todos os herdeiros – artigo 2091º do CC – não a título individual para sim como herdeiros do falecido; se a herança não tiver sido aceite – artigo 2046º do CC – deve ser esta demandada – artigo 6º do CPC; na acção de coisa comum em que seja comproprietária a herança indivisa, não pode ser proposta por uns herdeiros contra os outros em representação da herança; sendo os autores e réus na acção de divisão de coisa comum os herdeiros do falecido de cuja massa de bens faz parte 1/3 dos prédios a dividir, impõe-se a partilha da herança de modo a assegurar-se o efeito útil e normal da acção; se na pendência da acção de divisão de coisa comum se verificar que 1/3 dos bens cuja divisão foi requerida pertencem a herança indivisa da qual os autores e réus são os únicos herdeiros, impõe-se a suspensão da instância até à partilha.
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2.2 – Litigância de má fé
O Exmo. Juiz condenou os autores e réus como litigantes de má fé escorando as suas razões no facto do réu Augusto encapotar uma situação de o processo ficar de novo suspenso ou parado, na medida que suscitou uma questão nova que até então não havia sido levantada e já existia anteriormente à propositura da acção e contestação «junta em mil novecentos e oitenta e troca o passo». Idêntica condenação mereceram António Mário e Mário Pignatelli por não se terem pronunciado sobre o pedido de suspensão e nela, assim, consentindo.
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Cumpre decidir
A termos tido um correcto entendimento sobre a necessidade de suspensão da instância por via da partilha dos bens deixados por óbito do Dr. Augusto Aguiar e dos quais fazia parte 1/3 dos prédios cuja divisão se requer na acção nº 47/1986, logo, as condenações dos agravantes como litigantes de má fé careciam de fundamento legal, já que a pretensão dos requerentes encontra acolhimento na lei.
No entanto, devemos analisar ainda que superficialmente a questão de modo a concluirmos pelo sem-razão do Exmo. Juiz.
Determina o artigo 456º do Código de Processo Civil
1. Tendo litigado de má fé, a parte será condenado em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2. Diz-se litigante de má fé quem, como dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3. Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé.
O dever de litigar de boa-fé – com respeito pela verdade – emerge como um dos corolários dos princípios enunciados no artigo 266º do CPC, expressando mesmo o artigo 266ºA do CPC que as partes devem agir de boa-fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior, ou seja, o princípio da cooperação, tendo em vista a obtenção com a brevidade possível da justa composição do litígio. Associado ao princípio da cooperação, está o dever de probidade e a probidade [Rectidão, honradez, pundonor, brio.] processual.
O acto merecedor da condenação como litigantes de má fé dos agravantes António Mário e Mário Pignatelli foi o de não se terem pronunciado sobre o requerimento em que o réu Augusto Pignatelli requeria a suspensão da instância. Com todo o respeito, a não tomada de posição sobre um requerimento de uma das partes, não pode reverter numa condenação como litigante de má fé já que o artigo 456º do CPC pressupõe acções e não omissões. O facto de uma parte não se pronunciar sobre o conteúdo de um determinado requerimento, não permite ao Exmo. Juiz concluir que a omissão se traduz num consentimento ao requerido ou que se traduz num não consentimento. A única conclusão que o Exmo. Juiz podia extrair da não resposta dos restantes sujeitos processuais é a de: notificados do pedido de suspensão da instância, nada disseram. Com o respeito devido é legalmente injustificada a condenação dos agravantes António Mário e Mário Pignatelli como litigantes de má fé e daí que o agravo mereça acolhimento.
Quanto à condenação do requerente Augusto Pignatelli, também, não partilhamos o entendimento do Exmo. Juiz.
Sublinhamos com satisfação a irresignação demonstrada pelo Exmo. Juiz ao afirmar que “só agora, depois de 20 anos da interposição da acção, sendo que mais de 2/3 deles foram processualmente inócuos, já que a instância aguardava suspensa o desfecho da acção cível intentada em Lisboa, devido a interpretação a dar a disposição testamentária do falecido pai daqueles (…). Na verdade, os três herdeiros do tio Augusto Aguiar estão presentes nestes autos também como partes, nunca sendo posta em causa por nenhum deles a propriedade comum deles em relação aos prédios a dividir – questão esta que até nunca se pôs em cheque, encontrando-se definitivamente decidida por despacho saneador proferido em 1987”.
Se bem compreendemos os contornos da acção de divisão de coisa comum através do traslado que compõe o presente recurso, não podemos deixar de dizer que a continuação dos autos nº 47/1986 sem que estivessem presentes todos os comproprietários dos prédios, poderá ter-se ficado a dever a lapso das partes nele intervenientes ou até a eventual lapso do Tribunal [Estamos a trabalhar com os elementos que integram a certidão que compõe este recurso. Uma coisa sabemos com segurança: é que na acção de divisão de coisa comum não estavam presentes todos os comproprietários, e daí que tivesse sido requerido – mais de 20 ano depois de intentada a acção – a suspensão da instância até à partilha dos bens deixados por um dos comproprietários e nos quais se integra 1/3 dos prédios objecto da acção de divisão.] caracterizado pela não integração na acção de todos os comproprietários dos prédios que nela as partes se propunham dividir.
O facto dos autos terem estado suspensos por um período superior a 160 meses – 13 anos e 4 meses – por via de questão prejudicial, associado ao inevitável conhecimento por parte do requerido, que nem a herança, nem os herdeiros do Dr. Augusto Duarte estavam no processo [O réu Augusto, como se impunha suscitou tal questão em sede de contestação na acção principal.], levou a que o Exmo. Juiz concluísse que a sua conduta era obstativa de uma justiça célere, que o requerimento de suspensão da instância nesta altura do processo – cerca de 20 anos depois de instaurado – é revelador de uma conduta reprovável, visava protelar o processo sem fundamento sério e por isso ilegal.
Se sensíveis aos argumentos aduzidos pelo Exmo. Juiz quanto à pendência de um processo que foi instaurado em 1986, já discordamos quando os converte em fundamento de condenação como litigantes de má fé. Pelas razões analisadas em 2.1, parece-nos inevitável a suspensão da instância até à partilha de modo a que possamos identificar os herdeiros a quem foram adjudicados os bens pertencentes à herança deixada por óbito de Augusto Aguiar.
Estes considerandos levam-nos a considerar excessiva e desconforme à lei as condenações dos agravantes como litigantes de má fé.
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Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos acorda-se:
1. Em julgar procedente por provado o recurso de agravo em que são agravantes António Mário Castelo-Branco Correia de Aguiar e outros e consequentemente revoga-se a decisão recorrida e em sua substituição determina-se a suspensão da instância na acção de divisão de coisa comum nº 47/1986 até que estejam partilhados – partilha amigável ou através de inventário – os bens deixados por óbito de Augusto Pignatelli Castelo-Branco Correia de Aguiar.
2. Em julgar procedentes por provados os recursos de agravo em que são agravantes Augusto Pignatelli Castelo-Branco Correia de Aguiar e António Mário Castelo-Branco Correia de Aguiar e consequentemente revoga-se a decisão que os condenou como litigantes de má fé.
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Sem custas.
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Notifique.
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Coimbra , 9 de Outubro de 2007