Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4367/03.0TBVIS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: NUNES RIBEIRO
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
CADUCIDADE DA ACÇÃO
NATUREZA JURÍDICA
Data do Acordão: 09/16/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU 4º J. CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS Nº 4 DO ART.º 144º E 493º NºS 2 E 3 DO C.P.CIVIL
Sumário: 1. A extemporaneidade dos embargos de terceiro constitui uma excepção processual e não uma excepção de direito material. Já que não se está perante um prazo estabelecido para o exercício dum direito substantivo que, não exercido, se extingue (art. 298-2 CC), mas perante um prazo para a oposição a um acto judicial (a penhora) praticado em execução duma deci­são também judicial (o despacho que a ordena).

2. E daí que uma tal intempestividade não importe, por força do disposto no art.º 493º nºs 2 e 3 do C.P.Civil, absolvição do pedido, mas apenas absolvição da instância
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra[1]:

A...., residente na ....... em Torre de Moncorvo, por apenso à execução comum nº X que B... de C... instaurou a D... , deduziu embargos de terceiro, pedindo que, na procedência dos embargos, seja reconhecido que ele (embargante) é dono e legítimo possuidor do veículo automóvel de pronto socorro com a matricula Z...... 66-56 penhorado nos autos, por o haver adquirido ao ora executado em 13-12-2002, antes, portanto, da penhora ordenada nos autos principais, ordenando-se o levantamento desta.

Introdutoriamente recebidos os embargos, com a consequente suspensão da execução quanto ao referido bem, e notificados exequente e executado, veio aquele apresentar contestação em que, além do mais, excepciona o direito de deduzir os embargos, por o embargante conhecer, há mais de 10 meses, segundo alega, o pretenso acto ofensivo da posse.

O embargante respondeu, concluindo pela improcedência da arguida excepção.

No saneador, o Sr. Juiz recorrido, conhecendo da dita excepção, concluiu que os embargos eram «claramente intempestivos, o que determina a caducidade do direito do embargante», tendo, em consequência, julgado procedente «a invocada excepção da caducidade do direito de acção do embargante» e absolvido «os embargados do pedido»

 É deste despacho que, inconformado, agrava o embargante, sustentando, nas conclusões da sua alegação, resumidamente, que a caducidade dos embargos de terceiro é uma excepção de direito processual, pelo que a decisão recorrido deveria ter rejeitado os embargos, por extemporâneos, e, em consequência, absolvido os embargados da instância (e não do pedido, como fez) terminando por pedir, em consequência, a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que rejeite os embargos e absolva os embargados da instância.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Sr. Juiz recorrido mandou subir os autos a esta Relação.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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Os Factos

Os factos pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso são os que emergem do precedente relatório e aqui se dão por integralmente reproduzidos.

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O Direito

Como é sabido são as conclusões da alegação que delimitam o objecto do recurso (art.ºs 684 n.º 3 e 690º n.º 1 do C.P.Civil), não podendo o Tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

Daí que, no caso, não caiba apreciar o acerto ou justeza da decisão recorrida na parte em que concluiu pela intempestividade dos embargos, mas exclusivamente das consequências jurídico-processuais dessa declarada extemporaneidade, isto é, se a dedução dos embargos, para além do prazo de 30 dias estabelecido no nº 2 do art.º 353º do C.P.Civil, constitui uma excepção material, conducente à absolvição do pedido, como entendeu o tribunal recorrido, ou, pelo contrário, uma mera excepção processual determinante da absolvição da instância.

Passemos, então, à sua apreciação.
Até às alterações introduzidas pela reforma processual de 95/96, os embargos de terceiro assentavam num duplo fundamento: a) um fundamento de direito – a posse; b) um fundamento de facto – a lesão ou ameaça de lesão da posse[2].

Com a aludida reforma, e de acordo com o novo regime consagrado no n.º 1 do art.º 351º do C. P. Civil, os embargos passaram a poder fundar-se também em «qualquer direito incompatível» com a realização ou o âmbito da diligência judicial de apreensão ou entrega de bens. 

Hoje, portanto, o embargante pode defender, através dos embargos, não só a posse, como qualquer outro direito atingido pela diligência judicial, nomeadamente o direito de propriedade.

No caso sub judice o ora recorrente veio opor-se à penhora com o fundamento de que o veículo automóvel por ela atingido é sua propriedade (e não do executado), tendo o tribunal recorrido concluído, como se disse, pela intempestividade dos embargos.

 Ora, dispõe o acima citado art.º 353º nº 2 do C.P.Civil que o embargante deve deduzir a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência (referida no nº 1 do art.º 351º) foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados.

E de acordo com o nº 1 do artigo seguinte (354º) «Sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante. Sendo certo que a rejeição do embargos, nessa fase introdutória, como decorre do art.º 355º, «não obsta que o embargante proponha acção em que peça a declaração da titularidade do direito que obsta à realização ou ao âmbito da diligência, ou reivindique a coisa apreendida», já que só «a sentença de mérito proferida nos embargos constitui (…) caso julgado quanto à existência e titularidade do direito invocado… (art.º 358º).

 Do exposto, se pode, assim, concluir que a apresentação da petição de embargos, fora do prazo de 30 dias referido no citado art.º 353 nº 2, é sempre de conhecimento oficioso do tribunal, contrariamente ao que sucede com a caducidade em direito substantivo [que só é de conhecimento oficioso em matéria excluída da disponibilidade das partes (art.º 333º do C. Civil)], e motivo de indeferimento liminar a petição; e que a decisão de indeferimento liminar, com um tal fundamento, não é susceptível de produzir caso julgado material, mas somente caso julgado formal (vide art.º 672º). E, consequentemente também, que aquele não é um prazo substantivo para o exercício de um concreto direito de acção, mas antes um prazo para produção de determinado efeito processual, portanto, um prazo judicial, como, por outro lado, claramente decorre do disposto do no nº 4 do art.º 144º do C.P.Civil, resultante da já referida reforma de 95/96.

Quer dizer, a extemporaneidade da dedução de embargos de terceiro não constitui excepção material ou de direito substantivo, mas antes excepção processual, já que o prazo estabelecido no art.º 353º nº 2 se não trata de um prazo dentro do qual deva ser exercido um direito substantivo, que caduque pelo seu não exercício findo ele, mas antes de um prazo dentro do qual deve ser produzido determinado efeito processual (a oposição a uma diligência judicial), a cuja contagem, uma vez que previsto expressamente no Código de Processo Civil, se aplica o regime estabelecido no nº 4 do art.º 144º deste diploma (neste sentido, o Ac. desta Relação, de 19/10/99, in Col. Jur. tomo IV, pag 36/37, em que foi relator o presente) como, aliás, já explicitamente sucedia desde a alteração introduzida a esse preceito pelo Dec. Lei nº 457/80, de 10/10.

A extemporaneidade dos embargos de terceiro constitui, pois, ao invés do entendimento sufragado na decisão recorrida, uma excepção processual e não uma excepção de direito material. Já que – como diz Lebre de Freitas[3] – «não se está perante um prazo estabelecido para o exercício dum direito substantivo que, não exercido, se extingue (art. 298-2 CC), mas perante um prazo para a oposição a um acto judicial (a penhora) praticado em execução duma deci­são também judicial (o despacho que a ordena)».

 E daí que uma tal intempestividade não importe, por força do disposto no art.º 493º nºs 2 e 3 do C.P.Civil, absolvição do pedido, mas apenas absolvição da instância, como escorreitamente defende o recorrente.

A apelação terá, assim, de proceder.

Decisão

Nos termos expostos, acordam em julgar procedente a apelação e alterar, em conformidade, a decisão recorrida.

Sem custas, por não serem devidas.


[1] Relator: Nunes Ribeiro
   Desembargadores Adjuntos: Dr. Hélder Almeida e Dr. Alexandre dos Reis
[2]  Vide PROCESSOS ESPECIAIS, de Alberto dos Reis, vol. I  pag. 404.
[3]  ESTUDOS SOBRE DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL, Coimbra Editora 2002, pag 478.