Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
368/07.8TAFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: CRIME DE ACESSO INFORMÁTICO ILEGÍTIMO
Data do Acordão: 10/15/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA FIGUEIRA DA FOZ – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 7º DA LEI Nº 109/91 DE 17 DE AGOSTO
Sumário: 1. O bem jurídico protegido crime de acesso ilegítimo p. e p. pelo art 7º da Lei nº 109/91 de 17 de Agosto é a segurança do sistema informático trata-se da protecção ao designado “domicilio informático” algo de semelhante à introdução em casa alheia
2. O acesso ilegítimo tem como elemento subjectivo do tipo a “intenção de alcançar, para si ou para outrem, um benefício ou vantagem ilegítimos
Decisão Texto Integral: A assistente, ”SI, S. A.”, não se conformando com o despacho de não pronúncia da arguida NP, vem dele interpor recurso para este tribunal, sendo que na respectiva motivação formulou as seguintes conclusões:
Face à prova produzida nos autos, são os seguintes os factos indiciados:

1. O presente recurso incide sobre apreciação de indícios de facto e de elementos de direito levada a efeito pelo douto Tribunal recorrido em sede de Inquérito e de Instrução;

2. A arguida não desempenhou funções com o Engenheiro JM a dar apoio informático, uma vez que aquele se encontrava a trabalhar em Lisboa e por vezes era necessário agir localmente na Figueira da Foz anteriormente a Outubro de 2005;

3. Em Outubro de 2006 o Presidente da Direcção disse ao Engenheiro JM que não poderia voltar a fornecer a password à arguida e inclusivamente pediu-lhe para bloquear a conta da arguida enquanto utilizadora;

4. A tal password de administrador é a única e conhecida por vários utilizadores, designadamente o ora depoente e dois técnicos que trabalham consigo;

5. A password que estava atribuída à NP, no âmbito das suas funções de funcionária da UIFF, não lhe dava acesso a dados dos alunos, designadamente dados pessoais e académicos, nem a dados financeiros, nem de docentes, enquanto que a "password de um qualquer funcionário da secretaria da UIFF dava-lhe acesso a esses conteúdos, da mesma forma que a password de administrador" .

6. As funções da arguida não envolviam o acesso ao servidor, nem aos computadores da secretaria, nem qualquer apoio informático;

7. Os acessos ao servidor por parte da arguida tornaram-se diários em Novembro de 2006;

8. A arguida no dia 23 de Novembro de 2006 pelas 9h30 sentou-se no computador da Dra LB, no dia exactamente a seguir a esta se ter demitido, e colocou uma pen-drive de cor azul, de marca desconhecida, nesse computador, tendo efectuado uma transferência de ficheiros;

9. A arguida interpelada pela Dra CM disse-lhe que tinha passado para a pen drive dados de docentes;

10. O computador onde a arguida esteve nesse dia 23 de Novembro de 2006, na secretaria, não tem dados de docentes e apenas dados de alunos, mais precisamente de gestão de alunos notas e avaliações e de gestão de tesouraria de alunos (pagamentos);

11. O computador onde a arguida esteve nesse dia 23 de Novembro de 2006, na secretaria, não tem dados de docentes e apenas dados de alunos, mais precisamente de gestão de alunos notas e avaliações e de gestão de tesouraria de alunos (pagamentos)

12. A arguida a mando do Presidente da Administração exibiu a pen drive à Dra CM que não a conseguiu abrir;

13. A arguida foi avisada e impedida, nesse mesmo dia, pelo Presidente da

Administração de entrar no servidor e de utilizar os computadores da secretaria;

14. No entanto, nesse mesmo dia 23 de Novembro, depois de ter sido impedida a arguida volta à secretaria e utiliza o mesmo computador;

15. A Arguida desrespeitou uma ordem hierarquicamente superior do Presidente da Administração;

16. A Arguida tinha um gabinete próprio com computador e apetrechado ao nível informático com o que lhe em necessário para o exercício das suas funções;

17. Ao lado do gabinete da arguida havia o Instituto Internacional de Estudos Especializados onde se encontrava instalada uma impressora, onde poderia imprimir o que entendesse e precisasse, não se justificando qualquer impressão na secretaria;

18. O apoio informático, a partir de 1 de Maio de 2006, na Universidade da Figueira da Foz passou a ser dado pelo técnico JV em colaboração com o engenheiro JM;

19. A arguida ao aceder ao servidor e ao computador da secretaria da ex-funcionária Dra LB, fê-lo bem sabendo que não estava autorizada.

20. Após o acesso indevido da arguida ao computador da ex-funcionária LB, descobriu-se situações na secretaria que não estavam conforme os procedimentos normais.

21. Ao aceder ao computador da secretaria da ex-funcionária Dra LB retirou dados confidenciais aos quais ela não tinha acesso e não podia ver, no intuito de alcançar para si ou para outrem um beneficio ou vantagem ilegítimos.

22. O servidor encontra-se numa sala própria e extremamente pequena, não sendo justificável de todo o acesso pela arguida ao servidor.

23. A arguida sabia igualmente que a sua conduta em proibida e punida por lei penal;

24. O Tribunal recorrido ao ter proferido despacho de não pronúncia da arguida violou um princípio basilar do direito penal;

25. Face ao exposto, deverá esse Venerando Tribunal proferir Acórdão que revogando a decisão recorrida, declare proferir despacho de pronúncia da arguida pelo crime de acesso ilegítimo previsto e punido pelo artigo 70 da Lei n° 109/91, de 17 de Agosto e o crime de abuso de poder, previsto e punido, pelo artigo 382º do Código Penal, assim se fazendo como sempre boa JUSTIÇA!

Respondeu o digno Procurador-Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta, também, no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

A questão que cumpre conhecer é a de saber se nos autos foram recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena que permita ao juiz proferir despacho de pronúncia pelos factos respectivos.

A instrução tem por fim a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (art.286 do C.P.P.).
De acordo com o art. 308 do C.P.P:, se, até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena o juiz por despacho pronuncia o arguido.
É, pois, de concluir que o arguido só será responsabilizado se existirem “elementos que, logicamente relacionados e conjugados, formem um conjunto persuasivo, na pessoa que examina sobre a existência do facto punível, de quem foi o seu autor e da sua culpabilidade” ou “quando já em face deles seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição.”
Portanto, o juiz só deve pronunciar o arguido quando atenta a prova recolhida nos autos formou a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido.

O Mmo Juiz e após instrução despronunciou a arguida, NP, pela prática de um crime de acesso ilegítimo, p. e p. pelo art 7º da Lei nº 109/91 de 17 de Agosto que lhe vem imputado.
A assistente pugna pela revogação do despacho de não pronúncia com fundamento de que os elementos existentes nos autos indiciam suficientemente a prática pela arguida do referido crime.

Estipula o nº 1 do art 7º da Lei nº 109/91 de 17 de Agosto:
“Quem, não estando para tanto autorizado e com intenção de alcançar, para si ou para outrem, um benefício ou vantagem ilegítimos, de qualquer modo aceder a um sistema ou rede informáticos será punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias”.
O bem jurídico protegido pelo art 7º é a segurança do sistema informático.
Como é referido por Garcia Marques e Lourenço Martins em “Direito da Informática” pg 694, segundo o Conselho da Europa, tratar-se-ia da protecção ao designado “domicilio informático” algo de semelhante à introdução em casa alheia.
Já a nossa Constituição no seu art 35 consagra a protecção dos cidadãos perante o tratamento de dados pessoais informatizados.
Como é referido por Gomes Canotilho e Vital Moreira o desenvolvimento dos meios tecnológicos e o crescente recurso a meios electrónicos que deixam “pegadas electrónicas” (movimentação de contas bancárias, comércio electrónico, portagens electrónicas, utilização da telefonia móvel, visita de sites na Internet, meios de vidovigilância electrónica, etc) tornam cada vez mais importantes as garantias contra o tratamento e a utilização abusiva de dados pessoais informatizados. O mesmo se passa com o “sistema de chips” ou de “cartão-chip”, segundo a tecnologia já hoje utilizada nos serviços de saúde, que armazenam, eles mesmos, dados pessoais do utente (desde os dados de identificação ao ADN), susceptíveis de serem lidos por aparelhos adequados.
A sua relação de tensão com vários direitos, liberdades e garantias (desenvolvimento da personalidade, dignidade da pessoa, intimidade da vida privada) é inquestionável.
O acesso ilegítimo tem como elemento subjectivo do tipo a “intenção de alcançar, para si ou para outrem, um benefício ou vantagem ilegítimos”. Portanto há que saber qual a verdadeira intenção do autor do acesso.
Perante esta explanação e reportando-a ao caso vertente, temos de concluir que bem andou a Sra Juiz ao não pronunciar a arguida.
A assistente sustenta que a arguida acedeu a um sistema informático e a um servidor da UIFF, actuando com a intenção de alcançar, para si, ou para outrem um benefício ou vantagem ilegítimos.
Vejamos:

Dos depoimentos prestados por S…, M…, I…. e P…., resulta que no dia 24 de Novembro de 2006, pelas 9 horas, a arguida utilizou um computador da secretaria que estava adstrito até ao dia imediatamente anterior, à funcionária LB. A arguida, para tal, introduziu uma “pen-drive” no computador.

Ao contrário do sustentado pela recorrente resulta dos autos que a arguida, durante vários anos, trabalhou com o Engº JM, pessoa que era responsável pela gestão dos sistemas informáticos da SIPEC, a dar apoio informático, pelo facto de o mesmo trabalhar em Lisboa e de, por vezes, ser necessário agir localmente na Figueira da Foz, tendo a mesma conhecimento da password de administrador de sistema (password essa única, conhecida por vários utilizadores e que se manteve inalterada até Novembro de 2006), a qual lhe foi transmitida pelo Engº JM para ela resolver problemas informáticos que apenas podiam ter solução através do servidor e que lhe dava acesso a dados dos alunos, financeiros e dos docentes.

O Engº JM afirmou que nunca a arguida tentou enganá-lo para conseguir a password tendo a máxima confiança na arguida.

O Engº JM e as testemunhas C…, I…. e LB afirmaram que a arguida tinha acesso à password que dava acesso a todo o material informático sendo que era a mesma quem resolvia as questões técnicas relacionadas com o equipamento informático da UIFF, designadamente qualquer problema que surgisse com as impressoras, deslocando-se com tal objectivo ao servidor.

A arguida NP, no seu depoimento nega ter-se apropriado de quais quer dados, bem como de ter mentido ao técnico de informática de forma a obter a palavra-passe de administrador, tanto mais que desde há vários anos tem vindo, em colaboração com este técnico, a resolver alguns problemas informáticos localmente. Negou ter acedido a quaisquer dados e justificou ter acedido ao computador na secretaria em 23 de Novembro de 2006, com uma pen-drive pelo facto de ter aí colocado, dias antes, um documento para impressão. Versão que teve apoio no depoimento prestado por LB. Refere, ainda, a arguida, que nesse mesmo dia, horas depois, foi a pedido de uma colega, aceder a um computador da secretaria para retirar dados de docentes, uma vez que as funcionárias da secretaria não tinham entregue os dados atempadamente e foi nessa altura que foi interceptada por CM. Este factos foram confirmados por C…., autora do pedido de ajuda à arguida no sentido de recolher os dados de docentes junto da secretaria.

Sustenta a recorrente que em Outubro de 2006 o presidente da Direcção disse ao Engº JS que não poderia voltar a fornecer a password à arguida, tendo-lhe pedido para bloquear a conta da arguida enquanto utilizadora. Ora, indiciam os autos, nomeadamente face ao depoimento de JM de Vigo que referiu que após a arguida ter sido “apanhada” num computador da secretaria a descarregar dados para uma pen-drive, em Novembro de 2006, a avisou de que não poderia aceder a tais computadores.

Dos depoimentos prestados pelas testemunhas C…, I…. e LB não resulta que a arguida até Novembro de 2006 estivesse impedida de utilizar os computadores da secretarias. Estas testemunhas afirmam que a arguida se movimentava na secretaria, com regularidade e que era normal, logo de manhã a mesma ligar o computador da LB para que pudesse ver se tinha mensagens urgentes antes de irem juntas tomar café.

No dia 23 de Novembro de 2006 a arguida acedeu ao computador da LB. A arguida acedeu a tal computador, que se encontrava na secretaria, no dia a seguir á L…. se ter demitido e colocou uma pen-drive, nesse computador.

Refere a arguida, declarações corroboradas pela testemunha LB, que dias antes tinha colocado no computador da LB um documento para impressão, uma vez que o seu computador estava ocupado pelo técnico de Lisboa. A arguida colocou a pen-drive no computador da LB para retirar o documento, uma vez que o imprimiu nessa altura e não o queria deixar no ambiente de trabalho da sua colega.

Refere, ainda, a arguida que nesse mesmo dia, horas depois, a pedido de uma sua colega, acedeu a um computador da secretaria para retirar dados de docentes, tendo sido interpelada por CM. Tais factos foram corroborados pela testemunha C…., autora do pedido de ajuda á arguida no sentido de recolher os dados de docentes junto da secretaria.

Ora, de todos os elementos trazidos aos autos não resulta minimamente indiciado que a arguida tenha feito uma transferência de ficheiros para a sua pen-drive, não se tendo apurado se houve ou não acesso a dados da UIFF. Também, não resulta minimamente indiciado de que a arguida tenha acedido ao computador da LB com intenção de alcançar para si ou para outrem um benefício ou vantagem ilegítimos.

Em resumo, não se encontram minimamente indiciados os elementos objectivos e subjectivos do crime de acesso ilegítimo.

Imputa, ainda a assistente à arguida a prática de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo art 382 do CPenal

Dispõe tal normativo que:

O funcionário que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, abusar de poderes ou violar deveres, inerentes às suas funções, com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

O crime de abuso de poder exige uma intenção específica que é a de obter para si ou para outrem, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa – dolo específico.

Não resulta dos autos que a arguida tenha praticado um crime de abuso de poder, ou seja que tenha abusado ou violado os deveres a que estava obrigada no âmbito da sua actividade profissional, não resultando, também, que a arguida tenha actuado de forma e com o propósito de beneficiar a si ou a terceiro, ou causar prejuízo à recorrente.

Não nos merece pois, qualquer censura, o despacho recorrido.

Termos em que se nega provimento ao recurso.

Custas pela recorrente fixando-se em 10 ucs a taxa de justiça.

Coimbra,