Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
99/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. RUI BARREIROS
Descritores: INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Data do Acordão: 03/23/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Legislação Nacional: ART. 663.º DO CPC
Sumário:

I – Não há inutilidade superveniente da lide quando, pedida a destituição e suspensão dos réus de cargo social, entretanto, findo o respectivo contrato de administração, os mesmos réus voltam a ser eleitos para novo mandato, continuando a praticar os mesmos actos já referidos na petição inicial.
II – Estes factos, já praticados no âmbito do novo contrato, não constituem alteração da causa de pedir e devem ser tomados em conta por força do princípio da atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes (art. 663ºº do CPC).
Decisão Texto Integral:
Acordam, na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, no recurso de agravo nº 99/04, vindo do 2º Juízo do Tribunal da Comarca de Leiria (Acção de suspensão e destituição de titular de órgão social nº 346-A/02):
I – Relatório.
1. Em 12 de Abril de 2002, M e J, casados entre si, .., intentaram acção de destituição dos órgãos sociais e suspensão do cargo contra “F, S.A.”, A, H e R.
O fundamento dos pedidos é o facto do réu A, com a permissão dos dois últimos, ter retirado acções da propriedade dos autores, ter impedido a entrada do autor na sede e instalações da primeira ré, bem como nas suas lojas, não fornecer informações e documentos, não pagar salários, despesas de representação e outras ao autor, desde 30 de Abril de 2001, não convocar o autor para a reunião do conselho de administração de 4 de Maio de 2001, para além de outros factos que entendem integrar gestão danosa da primeira ré.
2. Os réus contestaram, alegando, entre outras questões, a inutilidade da lide, uma vez que o mandato do Conselho de Administração vigorou no triénio 1999/2001, tendo sido convocada, em 20 de Abril de 2002, a assembleia geral anual para eleição dos órgãos sociais para o triénio de 2002-2004, pelo que não pode destituir-se alguém de um cargo que já não tem. Alegaram ainda a existência de outras acções em que se discutem questão que são prejudiciais da questão em discussão nesta acção.
...
A seguir, os autores juntaram quatro documentos em que, genericamente, se referiam a factos idênticos aos da petição inicial mas ocorridos já depois da última eleição.
Finalmente, foi proferido despacho com as seguintes decisões:
1ª) julgar «os presentes autos inúteis» por os réus «actualmente exercerem o cargo no âmbito de um novo contrato, tendo-se extinguido o anterior»;
2ª) não declarar já a consequente extinção da instância por se estar a discutir noutro processo o pedido de anulação da deliberação social que elegeu o novo conselho de administração: «por essa razão terão os presentes autos que aguardar o trânsito em julgado da decisão a proferir naqueles autos»;
3ª) haver outro processo que torna este prejudicado, porque nele se discute a qualidade de sócios da primeira ré por parte do autor;
4ª) mandar desentranhar três dos referidos documentos juntos pelos autores.
4.1. Desta decisão, os autores interpuseram recurso, concluindo as suas Alegações da seguinte forma:
4.1.1. É desinteressante para efeito da utilidade da lide nos autos considerar se a reeleição dos RRR os recorrentes, com esta abreviatura (RRR), referem-se aos réus que são pessoas singulares. para o cargo de administrador consubstancia um novo contrato de mandato;
4.1.2. A destituição com justa causa está ligada às acções ou omissões do administrador em causa, e deve ser decretada verificando-se o requisito da justa causa;
...
4.1.4. Os requerimentos e documentos ... mandados desentranhar ... contém, ..., interesse para a prova dos factos alegados na pi, pelo que deve ordenar-se que sejam juntos aos autos;
4.1.5. De entre os ora referidos documentos avulta a acta da assembleia geral de 22.5.2002 (a pi dos autos entrou em 12.4.2002) e folha de presenças, na qual, sem oposição que conste da acta, foi admitido a participar e a votar o A. J com 141.580 acções representativas do capital social da R F;
4.1.6. Assim representando mais de 10 por cento do capital social da R. F (o capital social desta tem o valor global de 750 mil contos, representando um universo de 750 mil acções);
...
4.2. Por sua vez, os réus defendem a decisão sob recurso, ... .
II – Fundamentação.
6. Factos a considerar.
6.1. Em 18 de Março de 1999, foram eleitos membros do conselho de administração os réus A, H e o autor J.
6.2. Na assembleia geral de 30 de Abril de 2001, foram deliberadas as destituições do réu A e do autor J como membros do conselho de administração.
6.3. Por deliberação do conselho de administração da ré F de 4 de Maio de 2001, por unanimidade, foi cooptada a ré R para ocupar a vaga deixada no conselho de administração pela destituição do autor J.
6.4. A mencionada deliberação foi impugnada, mediante procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, interposto por cada um dos destituídos, encontrando-se registado o instaurado por A a 4.5.2001 e o do autor J em 19.6.2001.
6.5. Por sentença transitada em julgado em 17.09.2001, foi declarada suspensa a execução da deliberação aprovada na Assembleia Geral da aqui ré, realizada em 30.4.2001 que determinou a destituição do réu A.
6.6. O capital social da primeira ré tem o valor de 750.000 contos (setecentos e cinquenta mil), representando 750.000 acções (setecentos e cinquenta mil) de valor nominal de 1.000$00 (mil escudos) cada.
6.7. A assembleia geral anual da ré F foi convocada para o dia 22 de Maio de 2002, pelas 16 horas, constando do ponto 5° da ordem de trabalhos a eleição dos órgãos sociais para o triénio de 2002-2004.
6.8. Com data de 19 de Maio de 2003, o presidente do Conselho de Administração dirigiu uma carta aos autores na qual escreveu:
«Assunto: Assembleia Geral Anual
Ex.mos Senhores Accionistas,
Foi feita prova de accionistas, através ..., em como estão depositadas ... 161.280 acções que conferem a qualquer um dos senhores accionistas a legitimidade para estar presente na Assembleia Geral Anual.
Por comunicação recebida hoje do Senhor presidente da Mesa da assembleia geral foi este Conselho de Administração informado da desconvocação da Assembleia geral Anual que se encontra convocada para 22 do mês corrente
...».
6.9. No referido dia 22 de Maio de 2002, teve lugar a convocada assembleia e foram eleitos como membros do conselho de administração, para o triénio de 2002 a 2004, os réus A, H e R.
6.10. Da respectiva acta consta o seguinte: antes de ser apresentada a lista de presenças para os presentes a assinarem, o accionista J objectou o número de acções que constam na lista de presenças em seu nome e apresentou um despacho do tribunal com o número de acções penhoradas.
6.11. No referido acto, o autor participou e votou com 141.580 acções representativas do capital social da primeira ré.
6.12. No processo nº 516/2001 do 3° juízo cível, do tribunal da comarca de Leiria, com data de 18 de Outubro de 2001, os réus apresentaram contestação impugnando que os autores sejam titulares das 313.320 acções cuja propriedade reivindicam: «os A.A. não têm o direito de propriedade que invocam».
6.13. No processo nº 575/2002, do 2º juízo do tribunal da comarca de Leiria, discute-se a anulação da deliberação social que elegeu o novo conselho de administração.
7. O Direito.
7.1.1. A decisão sob recurso entendeu que havia inutilidade superveniente da lide porque, pedida a suspensão e a destituição dos três últimos réus do cargo de administradores da primeira ré, entretanto, findou o respectivo contrato de administração, pelo que não se pode suspender ou destituir ninguém de um cargo que já não tem: «deste modo, não faz sentido pedir a destituição dos, membros do conselho de administração nos presentes autos, porquanto a mesma é pedida por correspondência ao mandato 1999-2001. Sendo assim, os presentes autos são de facto inúteis».
Por outro lado, o despacho mandou desentranhar documentos apresentados posteriormente aos articulados, em que os autores alegavam factos iguais aos alegados na Petição inicial, mas ocorridos posteriormente: «...».
Finalmente, entendeu-se manter a instância, embora suspensa, por haver outras acções que são prejudiciais desta, numa discute-se a anulação da deliberação que destituiu os sócios e, na outra, a qualidade de sócio do autor.
7.1.2. Os recorrentes têm entendimento diferente, defendendo que não há motivo para julgar «a inutilidade dos autos» e que os documentos juntos são relevantes para a prova da matéria de facto alegada, pelo que a sua junção deveria ter sido ordenada e não rejeitada, para mais sem explicitação do fundamento da recusa. Também defendem que não há motivo para a suspensão da instância, uma vez que a prova de que o autor é sócio está feita por documentos juntos a este processo da autoria do presidente do Conselho de Administração.
7.1.3. Os requeridos defendem o que foi decidido.
7.2. Assim, o que está em discussão é saber se o fim do contrato de administração a que se referem os factos alegados na Petição inicial, com nova eleição para o cargo de que se pede a destituição e a suspensão tornam a lide inútil (nºs. 29 30 e 31 das Conclusões), ao mesmo tempo que se discute se os documentos juntos pelos autores, onde alegam factos ocorridos na vigência do novo contrato de administração são pertinentes ou não para a referida discussão (nº 32 das Conclusões) e, ainda, se há outras causas prejudiciais que impõem a suspensão desta instância (nºs. 33 a 37 das Conclusões).
7.3. A relação entre a nova eleição e a inutilidade superveniente da lide poderá estar ligada aos factos que fundamentam o pedido: se eles se reportam ao período da vigência do contrato, findo este, não faz sentido suspender ou destituir quem já não é parte no contrato; os próprios recorrentes talvez o admitam: «a inutilidade superveniente da lide só teria lugar quanto àquele ou àqueles administradores cessassem essa funções; só assim o objecto da acção seria impossível - suspender/destituir»; se os factos que fundamentam o pedido abrangem o novo contrato, então, não há inutilidade superveniente da lide se o pedido se reportar a ele.
7.3.1. E pode haver vias para trazer à discussão factos e pretensões relativos ao segundo contrato de administração: a alteração da causa de pedir artigo 273º, nº 1, do CPC., a alteração do pedido artigo 273º, nº 2, do CPC., ou a alteração da causa de pedir e do pedido artigo 273º, nº 6, do CPC., e a introdução de um articulado superveniente artigo 506º, do CPC..
Quanto à alteração da causa de pedir, não havendo acordo, nem confissão dos réus, ela não é possível por não haver Réplica.
O pedido pode ser alterado se o novo for «o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo».
Sempre foi grande a latitude com que a nossa lei admitiu a alteração do pedido e da causa de pedir. Mesmo o Sr. Prof. Manuel de Andrade, numa altura em que ainda se discutia a possibilidade de alteração simultânea do pedido e da causa de pedir, embora expressasse a dúvida, admitia-a quando houvesse conexão com o pedido inicial e com a originária causa de pedir «a não ser que se requeira certo nexo (aliás não fácil de precisar) com o pedido inicial e com a originária causa petendi» (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 170).. Ora, parece que a situação deste processo configura esse especial nexo entre o que se pedia e o que se pede e os respectivos fundamentos. Na verdade, os novos factos, alegados no documento que foi aceite e nos que foram mandados desentranhar, são os mesmos, noutro tempo, são os factos já alegados, mas numa outra época; o pedido é o mesmo, embora reportado a contrato diferente; contrato diferente mas com um nexo íntimo em relação ao anterior: trata-se do mesmo cargo, na mesma pessoa colectiva e relativamente às mesmas pessoas.
Através do articulado superveniente também se pode operar uma modificação objectiva da instância, introduzindo novos factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito. E, dessa forma, pode-se ir ao encontro do princípio de que a decisão deve corresponder ao estado das coisas existentes no momento do julgamento artigo 663º, nº 1, do CPC.. Desde que se respeite a identidade da causa de pedir.
7.3.2. No requerimento de fls. 5, com data de 24 de Fevereiro de 2003, nas alíneas b), c), d) e e), os autores falam da dívida fiscal da primeira ré, ao mesmo tempo que da compra pelos réus de viaturas de luxo.
No requerimento de fls. 15, de 27 de Fevereiro de 2003, os autores referem-se ao facto do réu A, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da primeira ré, pedir um abaixamento da renda, alegando «posição deveras desconfortável» da empresa, com a manutenção da dívida fiscal, ao mesmo tempo que referem a compra de viaturas de luxo para administradores e certos funcionários, «quer antes, quer depois da propositura desta acção» sublinhámos..
No requerimento de fls. 74, com data de 23 de Maio de 2003, os autores vêm informar que os réus pessoas singulares não prestam informações aos accionistas, o que lhes foi pedido por carta de 16 de Maio de 2003.
Ora, todos estes factos já tinham sido alegados na petição inicial, pelo que representam uma actualização temporal; é como se os autores deslocassem a fundamentação para a época actual. No fundo, estão a dizer que a situação anterior se mantém, o que poderia não acontecer. Mantendo-se ela, «deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos ... do direito que se produzam posteriormente à propositura da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão» nº 1, do já referido artigo 663º do CPC..
7.3.3. É certo que os autores têm uma intervenção no processo que não prima pela disciplina, o que dificulta a ordenação das questões e a sua resolução:
1º) presumindo-se que tenham pedido a suspensão e destituição dos três últimos réus do cargo que tinham no triénio de 1999 a 2001, pretendem agora que o tribunal decrete aquelas medidas para o novo mandato. Mas, não o dizem explicitamente. Pelo contrário, afirmam que «não se especifica se se trata ou não de factos ocorridos no mandato contemporâneo da entrada em juízo da acção judicial correspondente - art. 1484-B,1, do CPC» nº 4 das Alegações, a fls. 2.. Mas, isso constitui um problema: «na petição inicial, com que propõe a acção, deve o autor expor os factos ... que servem de fundamento à acção» artigo 467º, nº 1, al. c), do CPC.. Ora, se os próprios autores dizem que não datam os factos expostos, não pode saber-se se pedem a destituição dos que já não são titulares do cargo respectivo, se a dos que, entretanto, foram eleitos.
Contudo, dizem que não datam, mas fazem-no, realmente.
2º) afirmam que não articulam factos supervenientes requerimento de fls. 74, mandado desentranhar: «e) não se trata neste requerimento de um articulado superveniente»., mas trazem ao processo «factos ocorridos posteriormente aos termos dos prazos marcados nos artigos precedentes», o que, nos termos do nº 2, do artigo 506º do CPC, são factos supervenientes.
7.3.4. Tal situação, não facilitadora, porém, não deve impedir que se não procure a essência das coisas, e não a sua aparência, com a subsequente aplicação do direito. Impõem-no o princípio da economia processual - alicerce do princípio estabelecido no artigo 663º, nº 1 do CPC -, o do inquisitório artigo 265º, do CPC. e o da cooperação artigo 266º, do CPC.. Quanto ao primeiro, não parece nada curial que uma pessoa que deduz um pedido circunscrito a determinado contrato e período de tempo, com a alteração desse quadro temporal, tendo trazido ao processo os novos factos, havendo um nexo intrínseco entre os dois contratos e entre a pretensão sobre eles, seja obrigada a intentar uma outra acção para resolver o que pode ser resolvido nesta. E intentar outra acção para dizer exactamente o mesmo que já disse e está a dizer nesta; com uma pequena diferença: os factos que nesta acção integravam a causa de pedir, iriam aparecer também na outra como instrumentais; os factos que nesta acção são supervenientes, seriam os factos jurídicos fundamentadores do pedido dessa acção, porque constitutivos do direito dos autores, iguais aos desta, mas para período diferente.
7.3.5. Não obsta à pretensão dos autores que os dois contratos sejam diferentes um do outro, como se disse no despacho: «O contrato de administração, tal como qualquer contrato, está integrado por duas manifestações de vontade, a saber a eleição, enquanto deliberação da colectividade dos accionistas e a aceitação, por parte do administrador eleito (Cf. Brito Correia, Os administradores das Sociedades Anónimas, pg 470.). Através da eleição atribui-se os poderes e deveres correspondentes ao cargo de administrador, através da aceitação, o administrador eleito assume esses poderes deveres correspondentes a essa qualidade. Ora, cada vez que um administrador é eleito e aceita o cargo, formaliza-se um contrato de administração ex novo. A reeleição (Vide AC. RP.12.12.1994, CJ, V, 228.) e aceitação para novo triénio de desempenho de funções não corresponde aos mesmos pressupostos do anteriormente existente. Existem tantos contratos de administração quantas as vezes que o administrador consiga as suas sucessivas eleições» fls. 481, 6º e 7º §§..
Esta afirmação está contextualizada na possibilidade de um conselho de administração novo poder retirar ou reduzir a remuneração que o anterior conselho deliberara pagar a um administrador; ora, nesse contexto, a afirmação é válida e com reflexos nesse caso concreto. Neste caso, o facto de haver dois contratos diferentes, não impede que uma causa de suspensão e destituição se mantenha válida para o contrato seguinte: basta a existência dos pressupostos aqui verificados - as mesmas pessoas destituendas continuam a praticar os mesmos actos que praticavam antes -.
7.3.6. Defendem os recorridos que os documentos juntos pelos autores e mandados desentranhar não constituem articulado superveniente «e ainda que o fosse, o momento da sua apresentação não era o próprio, nos termos dos arts. 506º e seguintes do C.P.C.», bem como que «mediante tal expediente, manifestamente anómalo, os autores pretendiam trazer para os autos factos novos e nova causa de pedir» Alegações, a fls. 88..
7.3.6.1. Já dissemos que, embora sem o envólucro expressão usada pelo Sr. Prof. Vasco Lobo Xavier, embora a propósito das obrigações cartulares. de “articulado superveniente”, os autores trouxeram aos autos factos supervenientes, para não dizer que são os mesmos apresentados dinamicamente, no desenrolar do tempo.
7.3.6.2. Já desde 1995 que o momento para apresentação de articulado superveniente não é o decêndio posterior ao conhecimento do facto: «reformulou-se, clarificando-a e conferindo-lhe maiores virtualidades, a matéria dos articulados supervenientes, ... adequando-se a introdução dos novos factos aos diversos momentos do devir processual e à nova filosofia de prazos» Relatório do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro., pelo que cada vez se torna mais possível «que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão» parte final do nº 1, do artigo 663º do CPC..
7.3.6.3. E entre a apresentação dos documentos e os factos neles contidos medeia um espaço aproximado de um mês, o que não impede a sua junção, tendo em conta que a referida reformulação da matéria referencia «a extemporaneidade da superveniência subjectiva restritivamente a atitude culposa da parte que dos novos factos pretenda socorre-se» Relatório do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro..
7.3.6.4. Os novos factos, consideremo-los assim, não constituem alteração da causa de pedir. Eles contêm-se dentro da causa de pedir em que assenta a acção Cf. Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, vol. V, pág. 84..
Fazemos esta afirmação, situando-nos dentro da teoria da substanciação, para seguir o Sr. Prof. Alberto dos Reis: «a causa de pedir não é o facto abstracto e geral do adultério; é o facto preciso e concreto de adultério com determinado indivíduo». O Autor faz esta afirmação estando a tratar concretamente da identidade ou alteração da causa de pedir e o caso que ele traz à discussão era de superveniência de acto integrador de adultério mas com indivíduo diferente do apontado na petição inicial ibidem, pág. 85..
Relativamente a uma acção de condenação, diz o Mestre que, se o facto ilícito imputado ao réu ocorrer já depois de proposta a acção, «esse facto deve ser tomado em consideração, com fundamento no artigo 663º»; e explica que o facto ilícito veio pôr em movimento o direito alegado pelo autor e não um direito diferente desse, concluindo que a causa de pedir não sofre alteração ibidem, pág. 84.. Ora, não estando nós numa acção de condenação formal, estamos numa que, materialmente, o é: declaração da existência de justa causa (declaração da existência de facto ilícito violador de direito) e destituição do agente da acção qualificada com de justa causa (e condenação do agente do facto a uma prestação); então, o acto ou actos integradores de justa causa ocorridos posteriormente à propositura da acção vieram pôr em movimento o direito alegado pelo autor e não um direito diferente desse.
Mas se nos chegarmos à posição do Sr. Prof. Anselmo de Castro, que perfilhamos, no sentido de que, em matéria de modificação da instância, a nossa lei consagra a teoria da individuação Prof. Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, 1981, vol. I, pág. 168: «o nosso legislador terá, pois, a este respeito optado por um conceito de causa de pedir e uma noção de objecto de litígio de certo modo semelhante ao traçado pela teoria da individualização»., não há dúvidas quanto à identidade da causa de pedir.
Para este Autor, numa acção de despejo por sublocação ilegal, a cessação dessa sublocação quando posterior à acção é irrelevante, mas já constitui facto constitutivo superveniente a sublocação posterior à acção obra citada, vol. III, 1982, pág. 242, nota., ou seja, são relevantes os factos praticados pelos réus após a propositura da acção no mesmo sentido, mas relativamente a um despejo por hospedagem ilícita, RLJ, 83º, 10..
7.3.7. Assim, somos da opinião que, não obstante a manifesta deficiência das posições processuais dos autores, elas, integradas pelos requerimentos mandados desentranhar e pelo que foi mandado juntar aos autos, integram a previsão do nº 1, do artigo 663º do CPC.
Verdadeiramente, não há factos novos, há os mesmos que foram alegados na Petição inicial e a notícia de que eles continuam a ocorrer; repare-se que há um requerimentos em que os autores vêm juntar documentos posteriores à instauração da acção e à nova eleição e afirmam que se destinam a fazer prova dos que foram alegados na Petição inicial: documentos 1 e 3: para prova dos arts. da pi - 107, 119 a 122 e 186 e para contraprova ...» fls. 15..
A modificação do pedido - para suspensão e destituição dos réus no novo contrato -, que está só implícito, mas claramente pretendido pelos autores, é permitido pelo nº 2, do artigo 273º, do CPC: «e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo» a ampliação do pedido caracteriza-se pela modificação da pretensão primitiva para mais, dentro da mesma causa de pedir (Prof. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, 1946, vol. 3º, pág. 94)..
Nestes termos, os documentos mandados desentranhar devem ser admitidos, o que permite atender aos factos jurídicos supervenientes, por um lado, e a ampliação do pedido é permitida, o que mantém a lide útil, por outro lado. Assim, nesta parte, o processo pode prosseguir para conhecimento de mérito.
...
9. Contudo, deve manter-se a suspensão ordenada na primeira instância, uma vez que está em discussão, noutro processo, a anulação da deliberação social que elegeu o novo Conselho de Administração. Se proceder a respectiva pretensão, não há lugar à destituição, por impossibilidade. Voltamos ao início: se, por decisão doutro tribunal, se chegar à conclusão que a eleição é nula e não produz efeitos, esta acção perde o seu objecto.
Bem, mas ressurge o anterior conselho de administração e o pedido primitivo. Está bem, mas só nessa altura é que é possível que, nesta acção, procedendo a pretensão dos autores, se decrete a destituição dos membros de cargo no contrato anterior ou no seguinte e não nos dois ao mesmo tempo.
Assim, embora com alteração das restantes decisões, mantém-se esta última.
III – Decisão.
Pelo exposto, dão provimento ao agravo, na medida em que julgam que não há inutilidade superveniente da lide, mas confirmam a decisão de suspender a instância até conclusão da acção nº 575/2002, do 2º juízo do tribunal da comarca de Leiria.
Custas do incidente na acção pelos réus, com 1/2 UC, e do agravo, em partes iguais, pelos agravantes e agravados.
23 de Março de 2004.