Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
119/04.9TBFAG-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERREIRA DE BARROS
Descritores: EXECUÇÃO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
EXECUTADO
FIADOR
EMPRESA
INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 03/06/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE FORNOS DE ALGOUDRES
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 638º, 640º DO CC, 276º, 818º, 828º DO CPC, 88º Nº1 E 85º Nº1 DO DL 53/2004, DE 18/03 (CIRE)
Sumário: I-Tendo os executados prestado fiança a favor de entidade que foi declarada insolvente, e tendo renunciado ao benefício da excussão, não se justifica a suspensão da instância executiva até que seja efectuada a venda dos bens apreendidos para a massa insolvente;

II-Em princípio só é de suspender a instância declarativa com base em causa prejudicial;

III-A declaração de insolvência apenas impõe a suspensão das diligências executivas nos termos do n.º1 do art. 88º do CIRE (DL n.º 53/2004, de 18.03);

IV- A circunstância referida em I não justifica, também, a apensação ao processo e insolvência ao abrigo do n.º1 do art. 85º do CIRE.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:


I)- RELATÓRIO

A A... moveu, no Tribunal Judicial de Fornos de Algodres, acção executiva contra B... e esposa C....
Na tramitação normal dos autos, e sem que tivesse sido deduzido oposição à execução, foram penhorados vários imóveis pertencentes aos Executados.
A D... reclamou vários créditos.
Notificados os Executados para se pronunciarem sobre a decisão do Agente de Execução sobre a modalidade da venda e valor base dos bens imóveis penhorados, vieram os Executados requerer a suspensão da instância até à venda da massa insolvente da sociedade E..., ou, então, a apensação dos autos à acção onde a referida sociedade foi declarada insolvente por decisão datada de 24.04.2006.
Notificados, a Exequente e a referida Reclamante opuseram-se a tal pretensão.
Foi proferido despacho a indeferir o requerido.

Inconformados com tal decisão, agravaram os Executados, persistindo na sua tese, tendo extraindo da sua alegação as seguintes conclusões:
1ª-Os Agravantes constituíram-se fiadores das dívidas (mútuos bancários) contraídas pela sociedade por quotas E... que foi judicialmente declarada insolvente no Proc. 90/06.2TBAG, em 24.04.06, tendo já os respectivos credores vindo aos autos reclamar os seus créditos;
2ª-Embora os bens imóveis penhorados aos Recorrentes não façam parte da massa falida da referida sociedade, o certo é que tais bens responderão subsidiariamente para com os credores, no caso dos bens da sociedade serem insuficientes para fazer face às dívidas exequendas e reclamadas;
3ª-Crêem os Recorrentes que só após a venda da massa insolvente poderá o Tribunal recorrido estar em condições de assegurar se os bens destes, na qualidade de fiadores, responderão ou não pelas dívidas exequendas e reclamadas que ainda possam subsistir e em que medida;
4ª-Ainda que assim se não entenda, sempre deveria ser aplicado o art. 88º, n.º1 e 2 do CIRE e bem assim suspender a presente execução;
5ª-O legislador perfilhou, para maior segurança dos credores, um entendimento abrangente ou pleno do que deve ser considerado “bens integrantes da massa insolvente”-vide arts. 85º, n.º1 e 88º, n.º1 do CIRE;
6ª-Para “os bens que integram a massa insolvente”, dever-se-ão considerar, além dos bens próprios da sociedade, todos os bens que de alguma forma contribuam, mesmo numa relação de subsidiariedade, para satisfação dos credores exequendos e reclamantes, por forma a não verem goradas as suas legítimas pretensões;
7ª-Pelo que não pode o Tribunal recorrido “esgotar” em sede de execução os bens dos Recorrente em detrimento dos credores e reclamantes da sociedade insolvente, diminuindo assim o património que eventualmente e em situações normais, contribuiria para a satisfação das legítimas pretensões destes;
8ª-Caso seja considerado que os Recorrentes são devedores que respondem solidariamente com a sociedade insolvente, devem estes autos de execução, em qualquer caso, correr por apenso à acção de insolvência nos termos dos arts. 85º, n.º2 e 88º, n.º2 (“a contrario”) do CIRE;
9ª-A lei processual civil atribui ao Tribunal a possibilidade de suspender a instância, quando ocorra motivo justificativo -arts. 276º, n.º1, alínea c) e 279º, n.º1, 2ª parte, todos do CPC.

Quer a Exequente, quer a credora Reclamante contra-alegaram no sentido da confirmação do decidido.

Foi mantido o despacho impugnado.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


II)- OS FACTOS

Com interesse, e para além do acima relatado, importa considerar o seguinte:
1-Relativamente aos créditos exequendos (mútuos bancários) concedidos à sociedade E..., os Executados, como fiadores, “garantem expressa e pessoalmente o bom pontual cumprimento pela Mutuária das obrigações aqui assumidas, obrigando-se solidariamente com ela, e como principais pagadores pessoalmente perante a A... a pagar, logo que avisados por esta, a totalidade da quantia mutuada, bem como os respectivos juros e despesas conforme estipulado neste contrato, renunciando a todo e qualquer benefício, designadamente os de prévia excussão, que por qualquer forma possa restringir ou limitar as suas obrigações, autorizando desde já a compensação e/ou retenção de quaisquer saldos credores de contas existentes nesta A...” (doc.s de fls. 60 a 63);
2- A D... reclamou vários créditos resultantes de mútuos, um deles celebrado com os Executados e garantido por hipoteca, e os demais celebrados com a sociedade E...., mas garantido o pagamento desses mútuos por hipotecas incidentes sobre os bens penhorados e até por fiança prestada pelos Executados, como solidários e principais pagadores (docs. de fls. 67 a 154).


III)- O DIREITO

Balizado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, mas sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, colocam os Agravantes a julgamento deste Tribunal a questão de saber se deve ser suspensa a acção executiva até que seja efectuada a venda dos bens apreendidos para a massa insolvente da sociedade E...., ou, subsidiariamente, se devem os autos ser apensados ao processo de insolvência.

Vejamos.
Foram os Executados, ora Agravantes, demandados pela Exequente na qualidade de fiadores da aludida sociedade, entretanto, declarada insolvente no Proc. n.º 90/06.2TBFAG, em 24.04.06.
Mas, como se deu por apurado e resulta da fiança prestada, os Executados renunciaram ao benefício da excussão, tendo assumido a obrigação de principais pagadores, tal como permite o art. 640º do CC. Aliás, não se compreende a razão, face ao teor das fianças prestadas, porque teimosamente insistem os Agravantes em negar tal realidade e afirmar que os seus bens respondem face aos credores em “segunda linha” ou subsidiariamente. Consequentemente, não lhes assiste o direito de recusar o cumprimente enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito (art. 638º do CC, a contrario). Ou seja, a obrigação assumida pelos Executados, na qualidade de fiadores, não é subsidiária da dívida principal, equiparando-se, do ponto de vista do credor, a um verdadeiro devedor solidário, e uma vez cumprida a obrigação fica o fiador sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes foram põe ele satisfeitos (art. 644º do CC). E operando a sub-rogação, fica o fiador investido nos direitos do credor, já que a sub-rogação consiste numa transmissão singular do crédito, ao contrário do direito de regresso.
Aliás, mesmo que existisse o benefício da excussão, sempre os Executados, então devedores subsidiários, deveriam, no prazo da oposição à execução, invocar tal benefício (art. 828º do CPC), e tal não aconteceu, ou sequer foi deduzido oposição com qualquer outro fundamento, hipótese em que, em princípio, a suspensão do processo estava dependente da prestação de caução (n.º1 do art. 818º do CPC).
Com a sua pretensão, tendo renunciado ao benefício da excussão e tendo assumido a obrigação de principais pagadores, afinal os Agravantes apenas pretendem exercer um direito que não lhes assiste à luz da lei substantiva, isto é, evitar a venda dos bens próprios antes da venda dos bens do devedor, mais precisamente dos bens apreendidos para a massa insolvente da sociedade de que eram sócios gerentes.

Por outro lado, prevendo o art. 276º do CPC os vários casos de suspensão da instância, pode esta ser ordenada pelo Tribunal (alínea c) do n.º1). Mas tal exige que a decisão da causa esteja dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer motivo justificado (n.º1 do art. 279º do CPC). E porque a razão de ser da suspensão da instância por pendência de causa prejudicial é a economia e coerência dos julgados, só se justifica a sua decretação na fase declaratória, já que o fim do processo executivo não é decidir uma causa, mas dar satisfação efectiva a um direito já declarado por sentença ou constante de título com força executiva[1]. Ora, no caso vertente, desejando apenas os Agravantes/Executados que seja suspensa a instância executiva até à venda dos bens que integram a massa insolvente, de forma alguma se pode concluir que a decisão a proferir numa das acções tire razão de ser à outra. Tão pouco ocorre qualquer outro motivo que justifique a suspensão da instância executiva.

Dir-se-á, também, e já que os Agravantes se estribam na qualidade de fiadores, que os bens imóveis penhorados aos Agravantes não se destinam apenas a satisfazer créditos afiançados na titularidade da Exequente, e de que é devedora a sociedade declarada insolvente. Com efeito, a D... reclamou um crédito devido por aqueles, como mutuários, como reclamou créditos, resultantes, também, de mútuos devidos pela sociedade insolvente. E todos os créditos estão garantidos por hipoteca incidente sobre os bens penhorados, pertencentes aos Executados, e até por fiança dos Agravantes relativamente aos créditos da dita sociedade de que eram sócios gerentes. E aqui, também, os Agravantes constituíram-se como fiadores solidários e principais pagadores, sendo certo que o terceiro, autor da hipoteca, não goza do benefício da excussão prévia, uma vez que, tal como estabelece o n.º 1 do art. 835º do CPC, “a penhora inicia-se pelos bens sobre que incida a garantia e só pode recair sobre noutros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução”, gozando, por isso, o terceiro de legitimidade passiva para a execução que segue directamente contra ele (n.º2 do art. 56º do CPC). E, tal como na fiança, o terceiro que constitui uma hipoteca em benefício do devedor fica, pelo cumprimento da obrigação, sub-rogado nos direitos do credor (art. 717º do CC).

Defendem, ainda, os Agravantes a suspensão da instância executiva, apelando ao disposto no n.º1 do art. 88º do CIRE (Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18.03). Tal norma prescreve o seguinte:
A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes”.
Salta à evidência que a venda na presente acção executiva não atinge os bens integrantes da massa insolvente, porque apenas estão em causa bens imóveis pertencentes aos Agravantes. Apesar de a execução também ter sido movida contra a sociedade que foi declarada insolvente, e penhorados 3 imóveis àquela pertencentes, foi cumprido o disposto no citado art. 88º e suspensa a instância executiva contra a sociedade insolvente, prosseguindo contra os Agravantes, como impõe o n.º2. (cfr. certidão de fls. 66).

Justifica-se, ainda e por fim, a apensação da acção executiva ao processo de insolvência?
No tocante à apensação ao processo de insolvência de outras acções pendentes, o n.º1 do art. 85º do CIRE estabelece o seguinte:
Declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo”.
Exige, pois, tal norma e, desde logo, que a apensação ao processo de insolvência seja requerida pelo administrador da insolvência. E podendo ser apensadas acções intentadas contra terceiros é indispensável que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente e, ainda, que o resultado dessas acções possa influenciar o valor da massa. Ora, salvo o devido respeito, nenhum destes requisitos cumulativos se verifica na presente execução.

Em suma, improcedem, em toda a linha, as conclusões do recurso.

IV)- DECISÃO

Nos termos e pelos motivos expostos, acorda-se em:
1-Negar provimento ao recurso.
2-Confirmar o despacho impugnado.
3-Condenar os Agravantes nas custas do recurso.
__________________
[1] Cfr. Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, p. 272, de Alberto dos Reis