Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2222-L/1996.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: LEGITIMIDADE
CASO JULGADO FORMAL
FALÊNCIA
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
DIREITO DE PREFERÊNCIA
TRESPASSE
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
Data do Acordão: 06/05/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ANADIA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 510º, Nº 3, CPC; 157º, 158º E 160º, Nº 1, CPEREF
Sumário: I – Não tendo a questão da legitimidade processual sido resolvida em concreto no despacho saneador, que se limitou a fazer uma referência genérica sobre tal aspecto, não ocorre caso julgado formal acerca desse pressuposto – artº 510º, nº 3, CPC.

II – O liquidatário de uma massa falida goza de legitimidade para a propositura de uma acção de impugnação pauliana apensa à falência, nos termos do artº 160º, nº 1, do CPEREF.

III – Em sede de impugnação de actos do falido, a impugnação pauliana ocorre em benefício da massa falida e, uma vez julgada procedente essa impugnação, os bens ou os valores correspondentes revertem para a massa falida – artºs 157º e 159º, nº 1, CPEREF.

IV – O direito de preferência do senhorio em caso de trespasse de um estabelecimento comercial – artº 116º, nº 1, do RAU – tem natureza patrimonial, pelo que pode ser apreciado à luz do preceituado no artº 158º do CPEREF.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra


I – A Causa


1. O Liquidatário Judicial da Massa Falida de “A... ” (A. e neste recurso Apelado), intentou, no Tribunal (então designado de Círculo) da Anadia, contra A... (1ª R. e aqui Apelante), B... (2ª R. e aqui Apelante) e C... (3ª R. e aqui Apelante), acção declarativa de condenação com processo ordinário, visando o exercício da impugnação pauliana relativamente ao acto de renúncia, por parte da 1ª R., ao exercício do direito de preferência no trespasse, realizado pela 2ª R (B...) para a 3ª R. (Inducertoma), do estabelecimento desta 2ª R. [1] , local este do qual a 1ª R., enquanto proprietária/locadora, era senhoria [2] . Referiu-se tal renúncia [3] a um preço de trespasse de 4.000.000$00, sendo que o valor real desse trespasse seria, então, de 40.000.000$00, pelo menos. Esta renúncia ocorreu cerca de 1 mês antes da 1ª R. ser declarada falida, por impossibilidade de pagamento de mais de um milhão e trezentos mil contos de dívidas, e teve como único objectivo, comum às três RR., o de subtrair a posse plena do referido “Complexo industrial” à possibilidade de alcance pelos inúmeros credores da 1ª R.

Formula o A., em função destes factos, o seguinte pedido:

“[…]
[S]erem as RR. condenadas a reconhecer a ineficácia do acto de administração da 1ª R. – A..., SA – o qual renunciou ao exercício do direito de preferência no trespasse efectuado pela 2ª R. – B..., SA – em favor da 3ª R. –C..., SA – com as legais consequências.
[…]”
[transcrição de fls. 13]


Contestaram as três RR. em termos absolutamente idênticos [4] (respectivamente a fls. 111/116, 118/124 e 125/130), excepcionando a ilegitimidade do A. [5] e alegando, no mais: corresponder o valor declarado do trespasse ao valor do estabelecimento em causa; que do trespasse apenas resultou a transmissão da posição passiva no arrendamento que já onerava a propriedade da 1ª R.; que esta não dispunha dos 4.000.000$00 acordados como valor do trespasse; que nenhum dos RR. actuou com o intuito de prejudicar qualquer credor da A..., desconhecendo as 2ª e 3ª RR. a existência das dívidas da 1ª R. mencionadas na petição inicial.

1.1. No Despacho Saneador proferido a fls. 208 foi omitida qualquer referência à questão da ilegitimidade do A.[6] , tendo as 1ª e 2ª RR. recorrido a fls. 208 dessa parte do Despacho, sendo tal recurso admitido a fls. 226 vº (como agravo a subir com o primeiro que viesse a subir imediatamente), constando as alegações respectivas de fls. 238/240.

1.2. Entretanto, antecedendo a fase de instrução do processo, após a prolação do Despacho de fls. 208/210 contendo a especificação e o questionário (que foram elaborados por remissão para os articulados), apresentou a 1ª R. o respectivo rol de testemunhas (fls. 220), no qual incluiu uma testemunha (D... ) residente no Canadá, requerendo a expedição de carta rogatória para a sua inquirição.

Expedida a carta, foi a mesma devolvida sem cumprimento pelo Canadá, pelas razões indicadas no ofício de fls. 344 (destas avulta a deficiente tradução da mesma realizada pela 2ª R.), requerendo esta R. a fls. 355 o seguinte:

“[…]
A... […], tendo sido notificada da devolução da carta rogatória expedida para o Canadá, vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte:
A ora requerente procedeu à tradução da carta rogatória, conforme consta dos autos a fls….
Constitui entendimento da ora requerente não se verificar qualquer dos fundamentos de recusa de cumprimento da carta rogatória previstos nos artigos 184º e 185º do Código de Processo Civil.
Face ao supra exposto requer-se a V. Exa. se digne proceder à expedição da carta rogatória, prorrogando o prazo para o seu cumprimento, nos termos do artigo 181º do Código de Processo Civil.
[…]”
[transcrição de fls. 355]


Incidiu sobre este requerimento o seguinte Despacho:

“[…]
Este Tribunal não pode coagir qualquer Tribunal rogado a cumprir cartas rogatórias.
Alguns dos motivos alegados para o não cumprimento (designadamente a invocada deficiência de tradução) não são imputáveis ao rogante, nem a este incumbe directamente a sua eventual correcção.
Encontra-se largamente ultrapassado o prazo para o cumprimento da carta rogatória (artigo 181º, nº 2 do Código de Processo Civil).
Os factos a que é indicada a testemunha deverão ser provados pelo A. e não pela R. que ofereceu a testemunha, face às regras vigentes sobre ónus da prova.
A reexpedição da carta corre sério risco de terminar por nova recusa de cumprimento.
A demora no cumprimento da carta protela intoleravelmente o julgamento da acção.
Por todos os motivos expostos, decido indeferir a reexpedição da carta rogatória, sem prejuízo da apresentação da testemunha na audiência de julgamento ou da sua inquirição por teleconferência (se esta se revelar viável).
[…]”
[transcrição de fls. 364]


Reagiu a destinatária deste Despacho, a 2ª R., interpondo o recurso de fls. 365, que foi admitido, a fls. 366, como agravo, com subida diferida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo [7] , juntando a fls. 370/374 as alegações respectivas.

1.3. Tendo o processo alcançado, finalmente – sete anos após a propositura da acção –, a fase de julgamento, realizou-se a audiência – procedendo-se nesta à gravação da prova testemunhal produzida –, finda a qual, apurados os factos provados por referência ao elenco constante do questionário (Despacho de fls. 717/718), foi proferida a Sentença constante de fls. 734/738 vº – a Decisão objecto do presente recurso de apelação –, culminando esta com o seguinte pronunciamento decisório, decorrente da consideração de estarem preenchidos todos os requisitos necessários à procedência da impugnação pauliana:

“[…]
[J]ulgo procedente a impugnação e em consequência condeno as RR. a reconhecer a ineficácia do acto da administração da A...: renúncia ao exercício do direito de preferência no trespasse efectuado pela B... em favor da C..., com a consequência do direito de preferência no trespasse do estabelecimento renascer no património da A... que o terá de exercer nos termos e com as consequências legais, ficando a R. C... condenada a apresentar o estabelecimento ao liquidatário dentro de 5 dias contados a partir do exercício do direito de preferência.
[…]
[transcrição de fls. 738 vº]


1.4. Inconformadas apresentaram-se a 3ª R. (Inducertoma), por um lado, e a 1ª e 2ª RR. (A... e B...), por outro, a recorrer (respectivamente a fls. 743 e 744), sendo os recursos admitidos a fls. 745, constando as alegações respectivas de fls. 745/777 (Inducertoma) e 785/810 (A... e B...) [8] .

Culminaram as alegações da 3ª R. com as seguintes conclusões:


(………………..)

A 1ª e 2ª RR (A... e B...) apresentaram, por sua vez, as seguintes conclusões conjuntas:


(…………………………..)

O A./Apelado, respondeu, pugnando pela integral manutenção da Sentença recorrida.
II – Fundamentação

2. Importa consignar desde já, com interesse para toda a subsequente exposição, que as conclusões de um recurso – de qualquer recurso – operam a delimitação temática do seu objecto [artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)][9] .
. Assim, por referência às questões enunciadas nas conclusões, o recurso apenas pode prescindir de as apreciar quando a sua decisão esteja logicamente prejudicada pela solução dada a outras questões, e apenas pode ir além daquelas na medida em que a lei lhe permita, ou imponha, o conhecimento oficioso de qualquer outra questão, mesmo que não suscitada nas conclusões (artigo 660º, nº 2 do CPC).

Lembrado que está este pressuposto respeitante à intervenção do Tribunal de recurso, pressuposto relevante para qualquer dos recursos aqui em causa, cumpre notar que a existência de dois agravos interpostos pela 1ª e 2ª RR. (aqui Apelantes e, relativamente a eles, Agravantes), admitidos (respectivamente a fls. 226 vº e 366) com subidas diferidas, coloca agora a questão do seu conhecimento, seguindo a ordem estabelecida no artigo 710º, nº 1 do CPC [10]. É, pois, por estes agravos subsistentes no momento da subida da apelação que nos compete começar, sendo certo que a Agravante do segundo agravo – Apelante no recurso dominante – declarou (a fls. 955) manter interesse na sua apreciação (artigo 748º do CPC) e, relativamente ao primeiro agravo (o admitido a fls. 226 vº), tal interesse decorre implicitamente da circunstância de terem as respectivas Agravantes reeditado a questão que subjaz a esse agravo (ilegitimidade do A.) nas conclusões da respectiva apelação.

Cumpre, assim, apreciar, antes de mais, os dois agravos.

O agravo de fls. 218:

2.1. Começando pela questão da legitimidade processual do A. – ou seja, do Liquidatário Judicial da Massa Falida de “A...” –, cumpre sublinhar que esta questão, não tendo sido resolvida em concreto pelo Despacho Saneador, que se limitou a uma referência genérica não direccionada sequer à legitimidade, não se tornou indiscutível dentro do processo, não assumindo a natureza de caso julgado formal, como decorre do disposto no artigo 510º, nº 3 do CPC [11]. E esta constatação vale, não obstante no Despacho de fls. 730, proferido já após o encerramento da discussão da causa, ter sido tratada especificamente tal questão. De facto, uma apreciação tão tardia e desfasada da normal sequência processual, não pode deixar de ser encarada em termos de deixar essa questão da legitimidade tão ausente quanto o estava no saneador de fls. 208. Cumpre, pois, apreciar a mencionada excepção de ilegitimidade do A., enquanto detentor da qualidade pessoal de Liquidatário Judicial da Massa Falida aqui em causa.

Como vimos, assenta a argumentação das Agravantes A... e B... no sentido da ilegitimidade do A., na circunstância de a acção ter sido proposta pelo Liquidatário Judicial em nome próprio, e não como representante da Massa Falida. Sucede, porém, que o Liquidatário, tratando-se aqui de uma impugnação pauliana apensa à falência, está pessoalmente legitimado para a propositura – sublinha-se, ele próprio – da acção com tal objecto, isto nos termos do artigo 160º, nº 1 do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), aprovado pelo Decreto-Lei nº 132/93, de 23 de Abril [12] . Trata-se aqui de uma legitimação processual específica do Liquidatário, e não de uma questão de representação da Massa Falida pelo Liquidatário que cumprisse solucionar nos termos do artigo 134º, nº 4, alínea a) do CPEREF [13] .

Carece, pois, de qualquer fundamento o argumento da ilegitimidade do A., sendo este agravo improcedente, como se declarará no final

O agravo de fls. 365:

2.2. Refere-se este segundo agravo às “peripécias” processuais decorrentes da pretensão da 1ª R., ora Agravante, de obter o depoimento, como testemunha, de uma pessoa residente no Canadá. Como resulta do relato efectuado no item 1.2. deste Acórdão, foi remetida à justiça canadiana a competente carta rogatória, sendo a mesma devolvida sem cumprimento, pelas autoridades judiciárias canadianas, dadas as deficiências detectadas na respectiva tradução para inglês, tradução esta – rectius, deficiências estas – da responsabilidade da Agravante que a ela procedeu.

O Despacho impugnado no trecho processual atinente a tal questão (o Despacho de fls. 364, transcrito no item 1.2.), constatando que estava largamento esgotado o prazo (três meses, nos termos do artigo 181º, nº 2 do CPC) de cumprimento da carta (haviam decorrido dois anos desde a primitiva expedição da carta [14], entendeu que a pretensão da Agravante de reexpedir essa mesma carta – pretensão que formulou, aliás, sem que tenha providenciado sequer pela supressão das deficiências da sua própria tradução – acarretaria o protelar, para além do razoável, da fase de instrução, determinando o Tribunal que a testemunha em causa poderia depor na audiência de julgamento (mesmo através de teleconferência). Significou isto o uso por parte do Tribunal da faculdade prevista no artigo 181º, nº 4 do CPC [15], sendo que, através do ofício do Ministério dos Negócios Estrangeiros de fls. 344, já conhecia o Tribunal, ao proferir esse Despacho, os motivos aos quais alude o nº 3 do mesmo artigo 181º [16]

Pretendeu a ora Agravante – e nisto se encerra a essência deste agravo – que o Tribunal removesse os obstáculos que ela própria criou (ao traduzir inadequadamente a carta) ultrapassando o já largamente excedido prazo de cumprimento desta, remetendo-a de novo – sem que ela Agravante sequer se propusesse corrigir as deficiências da sua tradução – ao encontro de uma mais que segura nova devolução sem cumprimento.

Note-se que, de tão absurda, a pretensão da ora Agravante só é explicável dentro de uma lógica de, contra tudo o que é razoável, protelar indefinidamente o processo, num intuito mal disfarçado de evitar o julgamento da causa – outros comportamentos desta Agravante ao longo do processo parecem confirmar este possível intuito. A esta lógica opôs-se, por sinal muito acertadamente, o Despacho agravado, que se limitou – num correcto entendimento do poder de direcção conferido pelo artigo 265º, nº 1 do CPC – a determinar a consequência, de há muito preenchida no caso, prevista no artigo 181º, nº 4 do CPC, para as hipóteses de ultrapassagem do prazo de cumprimento de uma carta.

Não colhem, pois, os supostos argumentos que a Agravante convocou nas suas alegações a fls. 370/374, e não colhem designadamente os argumentos de inconstitucionalidade desse artigo 181º. Com efeito, a respeito destes pretensos argumentos, cumpre ter presente, como bem sublinha Carlos Lopes do Rego, em anotação ao mencionado artigo 181º [17] , que a nova redacção desta disposição (concretamente a do seu nº 4) introduzida pelo Decreto-Lei 183/2000, de 10 de Agosto, ultrapassou as questões de inconstitucionalidade detectadas pelo Acórdão nº 497/97 do Tribunal Constitucional [18]“[a]s razões que conduziram a este juízo de inconstitucionalidade foram plenamente removidas no regime ora estabelecido: na verdade, prescreve-se, desde logo, que incumbe ao juiz colher, mesmo oficiosamente, informação sobre os motivos do não cumprimento tempestivo da carta, podendo prorrogar tal prazo pelo tempo que se mostre necessário e adequado; e – nº 4 – se tal se revelar incompatível com a celeridade processual e com o direito à obtenção da justiça em prazo razoável, pode determinar a comparência na audiência final de quem devia depor por meio de carta, desde que isso se revele essencial à descoberta da verdade e não represente sacrifício incomportável […]” [19] .

Foi este o procedimento adoptado pelo Tribunal a quo na situação em causa neste agravo, não vendo esta Relação razão alguma para deixar de o sufragar, com a consequência, que no final será expressamente declarada, de negar provimento a esse agravo, o interposto a fls. 365.

Os recursos de apelação:

2.3. São duas as apelações a apreciar, tendo sido transcritas no item 1.4. deste Acórdão as respectivas conclusões delimitadoras. Pressupõem ambas, como se alcança do seu teor, a reapreciação da matéria de facto apurada em julgamento, por referência ao exercício por esta Relação dos poderes de substituição decorrentes do artigo 712º, nº 1, alínea a) do CPC, visando, subsequentemente, qualquer dos dois recursos, a obtenção de uma decisão-outra da questão de direito resolvida na Sentença apelada, pautada, tanto por essa almejada alteração dos factos, como por esses mesmos factos, caso não ocorra modificação deles.

Todavia, no que respeita ao recurso comum às Apelantes A... e B... (respectivamente 1ª e 2ª RR.), constata-se pelas respectivas conclusões que estas, além das mencionadas questões (de facto e de direito) atinentes ao julgamento global da causa operado pela Sentença apelada (correspondentes estas aos itens 17 a 54 das conclusões), suscitam outros desvalores do julgamento pela 1ª Instância (itens 1 a 16 das conclusões), que apresentam precedência lógica relativamente às outras questões, basicamente comuns ao recurso da Apelante C... (3º R.), que identificámos como respeitantes ao julgamento global da causa de facto e de direito. São as seguintes essas questões prévias suscitadas na apelação da A... e da B...: (1) questões respeitantes à gravação da audiência (conclusões 6 e 7); (2) reclamação quanto ao questionário (conclusões 8 a 10); e, enfim, (3) questão da fundamentação da Decisão respeitante à matéria de facto (conclusões 11 a 16) [20] ., questão esta também indicada nas conclusões da Apelante C... (conclusões 2 a 8).

São, pois, estas três questões prévias que cumpre apreciar no passo seguinte do iter deste Acórdão.

2.3.1. Começando pela questão da gravação da audiência, sendo que a crítica das Apelantes só pode dirigir-se às alegações orais das partes, que constituíram o único elemento da audiência que não foi objecto de registo fonográfico ou de transcrição na acta, cumpre sublinhar que a teleologia do artigo 522º-B do CPC, como sublinha António Santos Abrantes Geraldes – contrariamente ao entendimento que lhe atribui a Exma. Mandatária destas Apelantes –, aponta no sentido de se referir o registo à prova produzida perante o tribunal: “[o] objectivo fundamental da inovação legislativa foi o de permitir a documentação da prova produzida perante o tribunal. Por isso, em princípio, apenas se justificaria a gravação da audiência de discussão e julgamento naqueles momentos em que os diversos intervenientes (partes, testemunhas, peritos) fossem chamados a depor perante o tribunal. Não descortinamos no CPC ou nos Preâmbulos dos três diplomas que materializaram a reforma do processo civil a razão da amplitude do registo e a utilidade que se pode retirar da gravação integral de toda a audiência” [21] .

Seja como for, mesmo aceitando-se o pressuposto de que a letra do preceito (artigo 522º-B do CPC) suporte, ou sugira até, que a gravação abranja todos os actos praticados na audiência, e não apenas os traduzidos na produção de prova, não se vislumbra como poderá a omissão da gravação dos debates sobre a matéria de facto ou a discussão oral do aspecto jurídico da causa – os únicos elementos aqui não gravados – constituir irregularidade susceptível de influir no exame ou na decisão da causa e, nessa medida, darem lugar a uma nulidade (artigo 201º, nº 1 do CPC). Com efeito, trata-se de uma omissão irrelevante em sede de exame da causa e da sua decisão, já que aquele e esta são realizados por quem (o juiz de julgamento) assistiu a essa discussão oral [22] e por ela foi, obviamente, motivado. E é igualmente irrelevante quanto à actuação das partes que, também elas, presenciaram – ou puderam presenciar – essa discussão. As partes, aliás, como aqui sucede, reeditam posteriormente esse debate em sede de recurso sem qualquer prejuízo para a sustentação dos respectivos pontos de vista.

Assente o carácter processualmente inócuo da falta de gravação das alegações orais produzidas na audiência, constata-se a improcedência deste fundamento do recurso.

2.3.2. Cumpre agora apreciar, ainda no quadro das mencionadas questões prévias, as críticas das Apelantes A... e B... à elaboração do questionário. Está em causa a reclamação contra a selecção da matéria de facto, consubstanciada no requerimento de fls. 217 (repetido a fls. 227), decidida pelo Despacho de fls. 226 [23] , na parte em que desatendeu a quesitação da matéria vertida nos artigos 17 e 18 da Contestação da A... [24]

Estão em causa, em qualquer uma das situações indicadas pelas Apelantes A... e B..., meras questões de pormenor, apresentando indisfarçável estrutura conclusiva, por sinal passível de dedução através de diversa prova documental, sendo que, em rigor, aquilo que abrange o trespasse aqui em causa (é este o sentido dos itens da contestação indicados por estas Apelantes), tendo sido objecto da avaliação pericial documentada a fls. 689/690, sempre pode – aliás, sempre pôde – ser captado naquilo que apresenta relevância para a presente acção: o real valor económico do trespasse, enquanto elemento do activo patrimonial da A....

Seja como for, em 1999, ao tempo da elaboração do questionário (v. fls. 210), ou seja, face ao artigo 511º do CPC na redacção do Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro, a fixação da base instrutória não se reconduz “[…] à minuciosa, rígida e formalística formulação de quesitos, reproduzindo cada uma das afirmações de facto atomisticamente feitas pelas partes nos articulados que apresentaram” [25].

Constata-se, assim, a improcedência das críticas dirigidas à elaboração da base instrutória.

2.3.3. Restam-nos, das três questões prévias enunciadas no item 2.3., focadas nas alegações da A... e da B..., a que se prende com a fundamentação da matéria de facto (conclusões 11 a 16), tratando-se esta, aliás, de questão também mencionada nas conclusões da Apelante C... (conclusões 2 a 8).

Remete-nos este elemento da impugnação para o teor do Despacho de fls. 717/718, contendo as respostas à base instrutória, sendo que neste vêm as Apelantes o não cumprimento do “[…] dever de analisar criticamente as provas produzidas […]” e a não especificação dos fundamentos determinantes da consideração de determinados factos como provados e de outros como não provados (é este o desvalor apontado na conclusão 15 da A... e da B...). Porém, lendo a fundamentação que o Juiz de julgamento exarou, praticamente resposta a resposta, a fls. 717/718, verifica-se, exuberantemente, a indicação por referência às diversas fontes de prova, e sempre numa perspectiva crítica do significado desta, a razão do que se considerou provado e do que, contido na formulação do quesito respectivo, não foi considerado provado. Note-se, aliás, e esta observação vale para o suposto argumento da falta de fundamentação dos factos não provados, que não existem a fls. 717/718 respostas deste tipo (não provado), existindo tão-só respostas especificadas que restringem, como não poderia deixar de suceder com um questionário elaborado por remissão para os articulados (cfr. fls. 209/210), o que subjaz ao enunciado da pergunta, mas sempre por referência à situação fáctica envolvida pela pergunta.

O dever de fundamentação das respostas consubstanciadoras da matéria de facto, vale, na caracterização que desse dever faz o Tribunal Constitucional, designadamente nos Acórdãos nºs 55/85, 310/94 e 582/2004 [26]
, enquanto instrumento de controlo pelas partes e pelo tribunal de recurso do sentido da decisão (função endoprocessual) e enquanto elemento de garantia genérica de “transparência” do processo de decisão (função extraprocessual) [27] . Ora, neste sentido, nunca se poderia afirmar, face a uma fundamentação tão criteriosa quanto o é a constante de fls. 717/718, que essas duas funções deixem de estar cabalmente preenchidas.

De qualquer forma, embora a invocada falta ou deficiência da fundamentação não tenha um mínimo de correspondência no teor do Despacho de fls. 717/718, constituindo até um argumento absurdo e, por isso, absolutamente improcedente, sempre se acrescentará que a reapreciação da matéria de facto nos subsequentes passos deste Acórdão, envolvendo a reapreciação crítica de toda a prova valorada pela primeira instância, sempre conferiria a uma possível escassez da fundamentação – e, repete-se, isso não existe – a natureza de questão ultrapassada pelo carácter substitutório dos poderes de cognição da segunda instância. Esta – esta Relação –, ao controlar fundamentadamente a matéria de facto nos termos amplos em que aqui o fará, supre qualquer hipotético desvalor da fundamentação efectuada pelo Tribunal a quo.

Assim, por não existir qualquer falta de fundamentação de algum facto essencial para o julgamento da causa, não tem qualquer sentido a pretensão das Apelantes A... e B... de que seja desencadeado o reenvio previsto no nº 5 do artigo 712º do CPC.

2.4. Apreciadas que estão as questões prévias focadas no recurso das Apelantes A... e B..., chegamos assim à impugnação de fundo do acto de julgamento, através da qual, tanto estas duas Apelantes como a Apelante C..., pretendem, nos termos que indicámos no item 2.3., a reapreciação dos factos e a subsequente obtenção, como nesse trecho se disse, de uma decisão-outra da questão de direito.

São estas duas questões – uma “questão de facto” e uma “questão de direito” – que cumpre apreciar nos passos seguintes deste Acórdão.

Da questão de facto:

2.4.1.

(…………………………)

A estes factos acrescentou a Sentença, por estar provado por documento, que “[a] falência da A... foi decretada em 10 de Maio de 1995” (fls. 736).

Da questão de direito:

2.5. Caracteriza a impugnação pauliana – a acção aqui exercida pelo A., na qualidade de Liquidatário Judicial da Massa Falida da “A...” –, enquanto faculdade impugnatória pelo credor dos “[…] actos que envolvam diminuição da [sua] garantia patrimonial […]” [corpo do artigo 610º do Código Civil (CC)], a respectiva modelação pelo interesse patrimonial concreto do autor da acção. Esta natureza da impugnação, verdadeira matriz do instituto regulado nos artigos 610º a 618º do CC, decorreu de uma série de opções fundamentais assumidas por Vaz Serra, no final dos anos cinquenta, no quadro dos trabalhos preparatórios do Código Civil [28] , opções que passaram para o texto do Código, e moldaram a natureza da acção pauliana, por oposição ao carácter rescisório que a caracterizava no Código de Seabra [29] , como verdadeira acção pessoal [30], “[…] cujos efeitos são fixados pela medida do interesse do credor impugnante, e não como uma acção de declaração de nulidade ou anulação” [31].

Note-se, entretanto, e este elemento constitui uma das particularidades da presente situação, que a legitimação impugnatória, que no quadro do Código Civil se refere à situação de credor, decorre aqui, estando em causa actos de uma falida anteriores ao decretamento da falência, da circunstância de serem “[…] impugnáveis em benefício da massa falida todos os actos susceptíveis de impugnação pauliana nos termos da lei civil” (artigo 157º do CPEREF).

Ora, tendo isto presente, e aprofundando a compreensão, nos termos antes indicados, da acção pauliana enquanto acção pessoal, sublinhar-se-á que, precisamente “[…] por o acto do devedor [aqui do falido] que pode ser atingido pela acção pauliana não se configurar, por efeito da verificação dos requisitos deste instituto, como inválido, é que na correspondente acção se não pode pedir a declaração da sua nulidade ou anulação”, sendo que “[d]aí decorre, como corolário natural, que o bem adquirido pelo terceiro, através do negócio impugnado, não regressa ao património do devedor, tendo apenas o credor o direito de sobre ele exercer o seu direito” [32]. Porém, esta última asserção – não regresso do bem em causa ao património do devedor –, coloca-se no quadro da impugnação pauliana referida aos actos do falido, em termos diametralmente distintos do regime emergente do Código Civil. Aqui, em sede de impugnação de actos do falido, a impugnação ocorre em benefício da massa falida (artigo 157º do CPEREF) e, “[…] julgada procedente a impugnação pauliana, os bens ou os valores correspondentes revertem para a massa falida” (artigo 159º, nº 1 do CPEREF) [33] . Assim, a ideia de interesse, que no Código Civil é reportada ao interesse concreto do autor da acção, aparece-nos no caso do artigo 157º do CPEREF modelada abstractamente pelo interesse dos credores do falido na manutenção da respectiva garantia patrimonial, contra actos mais ou menos manipulatórios que impliquem a diminuição dessa garantia. Note-se que este regime, que é o aplicável, como se indicou na nota 12, à presente situação (falência decretada em 10/05/1995), sofreu uma significativa mudança com o diploma falêncial presentemente em vigor, o CIRE. Este procedeu, comparativamente ao CPEREF, a um alargamento substancial das situações de resolução em benefício da massa insolvente de actos praticados pelo devedor antes da declaração de insolvência (artigos 120º e 121º do CIRE), com a consequente perda de relevância, no quadro da apreciação dos actos anteriores a essa declaração, do mecanismo da impugnação pauliana. Esta, com efeito, passa a estar vedada na maioria das situações aos credores da insolvência (artigo 127º do CIRE), perdendo, nas escassas situações em que é, mesmo assim, possível, as apontadas especificidades decorrentes do CPEREF, reconduzindo-se ao regime geral do Código Civil [34] .

2.5.1. Aqui, todavia, aplicando-se o CPEREF, há que ter presente o quadro de referência acima mencionado. Paralelamente, importa valorar a peculiar natureza da situação subjacente a esta impugnação, na qual está em causa o não exercício de um – rectius, a renúncia a um – direito de preferência de base legal, porque expresso no artigo 116º, nº 1 do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado originariamente pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro (RAU) [35], funcionando tal direito de preferência como o “bem” visado pela pauliana, e o seu não exercício como o acto que envolveu a diminuição da garantia patrimonial, acto que nesta situação concreta pode ser apreciado à luz do preceituado no artigo 158º do CPEREF [36]

, sem esquecer, porém, dado que esta última disposição se refere a actos realizados a título oneroso, a subsistência, neste campo, do regime geral da impugnação pauliana (no Código Civil) respeitante a actos gratuitos ou de natureza equivalente (2º trecho do artigo 612º, nº 1 do CC [37]

A natureza peculiar do direito de preferência aqui em causa – do direito de preferência do senhorio no caso de trespasse do estabelecimento comercial [38] – capta-se por referência à teleologia da reintrodução na nossa ordem jurídica, operada pelo RAU em 1990, desta figura, cujo antecedente histórico, abandonado com a publicação do Código Civil de 1967, se situava na Lei nº 1662, de 4 de Setembro de 1924 [39] . Explicou-a António Menezes Cordeiro, o responsável dessa reintrodução, como tendo visado “[…] dois objectivos: dar uma oportunidade ao senhorio de recuperar um bem que a ordem jurídica, supostamente, lhe atribuiu em primeira linha e permiti[r] à sociedade civil, ela própria, pôr um travão nas simulações ocorridas no trespasse, que assumem foro de escândalo” [40] .

Desenvolvendo esta mesma ideia, Manuel Januário da Costa Gomes, caracteriza nos seguintes termos a ratio específica da atribuição desta preferência:

“[…]

[N]o caso do artigo 116º RAU, a ratio só pode ser a estreitamente conexionada ou associada à posição de senhorio que, no quadro da actual legislação locatícia [41] , surge, objectivamente, como espartilhada, designadamente por ter de suportar a cessão da posição contratual do arrendatário (arts. 115º/1 e 122º/1), por não poder denunciar livremente o contrato para o fim do prazo /art 68º/2) – libertando o prédio para o mercado do arrendamento ou da venda desonerada – e não poder actualizar a renda de acordo com as regras do mercado para os novos arrendamentos (art 30º). Ou seja, o direito de preferência do artigo 116º RAU só pode estar relacionado com o prédio, único interesse relevante do senhorio, e não – pelo menos tipicamente – com a continuação da exploração do arrendatário trespassante.

Funcionalmente, o direito de preferência do senhorio surge, assim, como um direito cujo exercício permite ao senhorio o resgate do imóvel, «prisioneiro» do regime do arrendamento. Secundária ou então cumulativamente, tem sido apontada outra ratio: o combate às fraudes e injustiças a que o trespasse do estabelecimento pode dar lugar […].

A atribuição ao senhorio de um direito de resgate na veste de direito de preferência aparece, assim, como uma solução lógica e até justa […]” [42].

Confirma, aliás, a atribuição desta preferência ao senhorio, uma das funcionalidades características deste direito: desonerar a propriedade “[…] de situações embaraçosas, desvalorizadoras das coisas e geradoras de demandas, como as resultantes de arrendamentos comerciais e industriais […]” [43] .

Este elemento apresenta especial relevância na presente situação, por referência à questão da patrimonialidade da renúncia que a Sentença apelada discutiu. Não oferecendo dúvidas a natureza patrimonial do direito de preferência, enquanto elemento susceptível de avaliação pecuniária, inquestionavelmente ligado ao património, ou seja, ao conjunto de situações jurídicas em que este se traduz [44] , importa ter presente que a não patrimonialidade que aqui nos interessa – os actos de “natureza pessoal” que o artigo 610º, nº 1 do CC exclui da impugnação pauliana –, se reduz às situações de “prevalecente aspecto ético” (casamento, adopção, etc.), cuja essência não é compatível com a redução a um valor pecuniário [45] . Não é este, como vimos, o caso da preferência do senhorio no trespasse, e não é este, por identidade de razão, o caso da renúncia a tal direito, como o entendeu o Supremo Tribunal de Justiça no caso jurisprudencial citado na Sentença recorrida [46] , ao afirmar que “[…] a renúncia a um direito traduz[-se] num empobrecimento, isto é, na perda de um valor patrimonial sem o recebimento de qualquer contrapartida […]”, acrescentando “[…] que o direito legal de preferência […] é conferido por lei tendo em conta uma situação particularmente qualificada da coisa sobre a qual incide […]”.

2.5.2. Ora, conjugando estes elementos com a factualidade apurada em julgamento, mostram-se integrados, inquestionavelmente, os pressupostos da impugnação pauliana relativamente à renúncia aqui questionada, sujeitássemos esta ao regime dos actos realizados “a título oneroso” (artigo 158º, nº 1, alínea a) do CPEREF), ou – como parece decorrer da natureza das coisas – ao regime dos actos celebrados a título gratuito (desta feita por referência ao 2º trecho do artigo 612º, nº 1 do CC). Dispomos, com efeito, para a primeira hipótese – suposto carácter oneroso –, de prova de que essa renúncia empobrecedora do património da A..., se fez em benefício de verdadeiros alter ego desta, controlados pelos donos da A... ou por pessoas a estes estreitamente ligadas (v. alíneas M) e N) dos factos provados), ou seja, como sugestivamente referiu uma testemunha, “era tudo a mesma gente”. E só assim se percebe a renúncia a resgatar por 4.000.000$00 um bem cujo índice de valor real de mercado a considerar se situava nos 36.000.000$00.

Assim, não existindo, além do mais, dúvida alguma quanto à anterioridade dos créditos reconhecidos na falência, relativamente à renúncia em causa, há que ter por integrados os fundamentos da impugnação pauliana exercida pelo ora Apelado. Tendo isso mesmo sido reconhecido pela Sentença recorrida, e tendo esta fixado correctamente os efeitos da procedência da impugnação, resta confirmar integralmente, como é de inteira justiça, a Decisão recorrida.


III – Decisão


3. Assim, pelo exposto, decide-se:


A) Negar provimento aos agravos de fls. 218 e 365, confirmando ambas as Decisões aí em causa;
B) Julgar a apelação totalmente improcedente, confirmando integralmente a Sentença apelada.

Custas dos agravos a cargo das Agravantes/Apelantes A... e B... e da Apelação a cargo destas e da Apelante C....

--------------------------------------------------

[1] Corresponde este local à seguinte descrição, constante do documento de fls. 15-A/19: “Complexo industrial, composto por um edifício de rés-do-chão e 1º andar, com logradouro e terreno anexo, sito no lugar de Alagoas, freguesia de Arcos, concelho de Anadia, a confrontar a norte com Aliança Ciclomotores e Herdeiros de Martinho Barros Faustino, do Sul e Nascente com Engº Melchior Barata e do Poente com a Estrada Nacional nº 1, inscrito na matriz urbana sob o artigo 1271”.

[2] A 1ª R., através do contrato junto a fls. 15-A/19, havia dado de arrendamento este local a Motozax – Motorizadas e Acessórios, Lda., que, por sua vez, através do contrato junto a fls. 20/24, o subarrendara à aqui 2ª R. (B...).

[3] Consubstanciada na carta de fls. 25.

[4] Excepção feita à 3ª R. que invocou ainda a existência de prejudicialidade relativamente a esta acção de uma outra acção intentada pelo mesmo A. contra ela 3ª R., visando o despejo do local trespassado aqui em causa.

[5] Por a acção ter sido proposta pelo Liquidatário Judicial e não pela própria Massa Falida.

[6] “O tribunal é competente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias.
Não há nulidades, questões prévias ou outras excepções que cumpra conhecer.”
[transcrição de fls. 208]

[7] Efeito este confirmado, em sede de reclamação, pela Decisão do Exmº Desembargador Presidente desta Relação constante de fls. 428.

[8] Estas completadas a fls. 936/946 pelas Conclusões aí omitidas (v. Despacho de fls. 925).

[9] V. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V (reimp.), Coimbra, 1981, pp. 362/363; cfr., entre muitos outros possíveis, os Acórdãos do STJ de 6/05/1987 e de 14/04/1999, respectivamente na Tribuna da Justiça, nºs 32/33, Agosto/Setembro de 1987, p. 30, e no BMJ, 486,279

[10] “A apelação e os agravos que com ela tenham subido são julgados pela ordem da sua interposição […]”.

[11] “ Se […] o juiz referir genericamente que determinados pressupostos, dos constantes do artigo 494º (por exemplo, a competência, a capacidade, a legitimidade ou os da coligação) […], se verificam, o despacho saneador não constitui, nessa parte, caso julgado formal (artigo 672º), pelo que continua a ser possível a apreciação duma questão concreta de que resulte que o pressuposto genericamente referido afinal não ocorre […]” (José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, Coimbra, 2001, pp. 370/371).

[12] Que diz: “[a] impugnação pauliana, bem como as restantes acções determinadas pela resolução dos actos do falido, são dependência do processo de falência e podem ser propostas pelo liquidatário judicial ou por qualquer credor cujo crédito se encontre já reconhecido”. Note-se que se aplica na presente situação o Decreto-Lei nº 132/93, nos termos do artigo 12º, nº 1 do Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março. Este último Diploma, que aprovou o Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas (CIRE), só se aplica às insolvências decretadas posteriormente a 18/04/2004 (artigo 13º do DL 53/2004).

[13] Sobre o alcance desta legitimação do Liquidatário, vd. Luís Carvalho Fernandes, João Labareda, Código de Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência anotado, 3ª ed., 2ª reimp., Lisboa, 2000, p. 421.

[14] V. fls. 227, tendo em conta que desse lapso de tempo é responsável em medida substancial a ora Agravante que começou por não proceder à tradução da carta, como lhe competia (cfr. fls. 246 e 327).)

[15] “Não sendo a carta tempestivamente cumprida, pode ainda o juiz determinar a comparência na audiência final de quem devia prestar depoimento, quando o repute essencial à descoberta da verdade e tal não represente sacrifício incomportável.”

[16] “O juiz deprecante poderá, sempre que se mostre justificado, estabelecer prazo mais curto ou mais longo para o cumprimento das cartas ou, ouvidas as partes, prorrogar pelo tempo necessário o decorrente do número anterior, para o que colherá, mesmo oficiosamente, informação sobre os motivos da demora.”.

[17] Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., Coimbra, 2004, p. 185.

[18] Disponível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos. Este aresto considerara inconstitucional a redacção anterior (não aplicável e não aplicada na presente situação) do artigo 181º, nº 3 do CPC, “enquanto condicionava a prorrogação judicial do prazo para cumprimento da carta expedida para produção de prova à existência de comunicação oficial de que a mesma não pode ser cumprida no prazo inicialmente fixado, apresentada antes deste findar, e impunha ao juiz a designação de data para a realização do julgamento logo que tal prazo se mostrasse excedido, ainda que ao requerente não fosse imputável a demora no cumprimento”.
Ora, neste caso, não só foi o prazo de cumprimento prorrogado por diversas vezes – aliás, muito para além do razoável (cfr. fls. 338, 339, 339 vº e 342: 4 vezes) –, como a demora, cujo motivo foi apurado a fls. 344, é imputável à aqui Agravante. :

[19] Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código…, cit. pp. 185/186.

[20] A questão da legitimidade do A., também ela focada nas conclusões da apelação destas RR., foi resolvida na apreciação do agravo de fls. 318

[21] Temas da Reforma do Processo Civil, II vol., 3ª ed. revista e ampliada, pp. 208.

[22] Quem não assistiu, por ter faltado a todas as sessões de julgamento, foi a Exma. Mandatária das duas RR. ora Apelantes.

[23] Que só pode ser impugnado neste recurso (artigo 511º, nº 3 do CPC).

[24] A saber:

17
É que do estabelecimento comercial e fabril, objecto do contrato de trespasse ora discutido, não fazia parte qualquer imóvel, não tendo o trespasse sub judice por objecto a transmissão da propriedade das instalações fabris, mas sim um estabelecimento a funcionar no edifício fabril de que a Ré, ora contestante, é proprietária, e do qual a trespassante era locatária.
18
Sendo que, o estabelecimento trespassado funciona num prédio arrendado e melhor identificado no art. 13, não tendo o trespasse acarretado qualquer transmissão da propriedade do prédio arrendado, mas tão-só [a] transmissão da posição de arrendatária, em virtude do estabelecimento trespassado fazer parte o direito resultante do contrato de arrendamento em que é locadora a Ré, ora contestante e locatária a Ré B....
[transcrição de fls. 112/113].

[25] Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código…, cit. p. 444.

[26] O primeiro publicado no Diário da República – II Série, de 28/05/1985 e os restantes disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.

[27] Nas palavras do referido Acórdão nº 310/94, “[…] a fundamentação dos actos jurisdicionais (decisões judiciais), em geral, cumpre duas funções: a) [u]ma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, permite às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente; b) [o]utra, de ordem extraprocessual, já não dirigida essencialmente às partes e ao juiz ad quem, que procura, acima de tudo, tornar possível o controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão – que procura, dir-se-á por outras palavras, garantir a «transparência» do processo e da decisão […]”.

[28] Consta esta parte dos trabalhos preparatórios do BMJ, nº 75 (“Responsabilidade Patrimonial”) pp. 5/410 (pp. 192/404).

[29] O artigo 1040º do Código de Seabra qualificava-a expressamente de “rescisão”: “[a] acção de rescisão, mencionada no artigo 1033º, cessa logo que o devedor satisfaz a dívida, ou adquire com que possa desempenhar-se”. O artigo 1033º, por sua vez, prescrevia: “[o] acto ou contrato verdadeiro, mas celebrado pelo devedor em prejuízo do seu credor, pode ser rescindido a requerimento do mesmo credor, se o crédito fôr anterior ao dito acto ou contrato, e dêste resultar insolvência do devedor”.

[30] V. os Estudos de Luís Carvalho Fernandes (“O Regime Registal da Impugnação Pauliana”) e de Armindo Ribeiro Mendes (“Exercício da Impugnação Pauliana e a Concorrência entre Credores”), ambos nos Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, vol. II, Coimbra, 2002, respectivamente a pp. 25/47 (26/29) e a pp. 417/455 (418/419).

[31] Luís Carvalho Fernandes, “O Regime Registal…”, cit., p. 29. Daí que, no “assento” nº 3/2001 (Diário da República – I Série-A, de 09/02/2001) o Supremo Tribunal de Justiça, interpretando o sentido do artigo 664º do CPC (não sujeição do juiz às alegações jurídicas das partes), tenha considerado, no âmbito de uma acção de impugnação pauliana, “erro na qualificação jurídica do efeito pretendido”, um pedido de anulação do acto impugnado, corrigindo-o, precisamente como decorrência do carácter pessoal da acção, para declaração da ineficácia do acto em relação ao autor.

[32] Luís Carvalho Fernandes, “O Regime Registal…”, cit., p. 31.

[33] Luís Carvalho Fernandes, “O Regime Registal…”, cit., pp. 34/37. Este Autor refere a este propósito que tal “reversão” “[…] opera ipso facto, como efeito legal da procedência da correspondente acção, e significa que os bens objecto do negócio impugnado passam a integrar a massa falida, para todos os efeitos legais, nomeadamente os da sua liquidação, regressando, assim, por esta via, ao património do falido” (p. 35).

[34] Como referem, A. Raposo Subtil, Matos Esteves, Maria José Esteves e Luís M. Martins, em anotação ao artigo 127º do CIRE, “[d]eixando de estar prevista a impugnação pauliana colectiva (em benefício da massa insolvente), anteriormente regulada pelo artigo 157º do CPEREF, a impugnação pauliana de actos não resolvidos pelo administrador da insolvência e de actos cuja resolução por este tenha sido declarada ineficaz por decisão definitiva só aproveita ao credor que a tenha requerido, nos termos do disposto no artigo 616º, nº 4 do CC” (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, 2ª ed., Porto, 2006, p. 210; no mesmo sentido, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Vol. I, Lisboa, 2005, pp. 449/450).

[35] “No trespasse por venda ou dação em cumprimento do estabelecimento comercial, o senhorio do prédio arrendado tem direito de preferência”. Note-se que a comunicação da B... que originou a renúncia da A..., faz expressa referência ao artigo 116º do RAU (cfr. fls. 15).

[36] Que estatui, no trecho com relevância potencial na presente situação:

Artigo 158º
Actos que se presumem celebrados de má fé
Presumem-se celebrados de má fé pelas pessoas que neles participam, para os efeitos de impugnação pauliana:
a) Os actos realizados pelo falido a título oneroso, nos dois anos anteriores à data da abertura do processo conducente à falência, em favor do seu cônjuge, de parente ou afim até ao 4º grau, da pessoa com quem ele vivesse em união de facto ou de pessoas a ele ligadas por um qualquer vínculo de prestação de serviços ou de natureza laboral, bem como de sociedades coligadas ou dominadas por ele.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

[37] No âmbito da falência, o CPEREF contém, relativamente actos gratuitos ocorridos nos dois anos anteriores à falência, uma “legitimação” de resolução destes em benefício da massa (artigo 156º, nº 1, alínea a)). Tal regime, porém, de âmbito mais restrito que o previsto no CIRE, não exclui o recurso, relativamente a actos com essa natureza gratuita, ao regime geral da impugnação pauliana. É este o sentido da remissão geral para a “lei civil” constante do artigo 157º do CPEREF.).

[38] O artigo 116º do RAU abrange o trespasse de estabelecimentos industriais (cfr. neste sentido Manuel Januário da Costa Gomes, “Cessão da Posição do Arrendatário e Direito de Preferência do Senhorio”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Vol III, Direito do Arrendamento Urbano, Coimbra, 2002, pp. 505/506).

[39] Cujo § único do artigo 9º prescrevia: “[o] senhorio terá sempre o direito de opção, nos termos da legislação geral”, indicando o corpo do artigo que “[o]s trespasses de estabelecimentos comerciais e industriais só terão validade quando reduzidos a escritura pública, devendo nela especificar-se o preço do trespasse” (vd. António Pedro Pinto de Mesquita, Rui Manuel Polónio de Sampaio, Legislação sobre Arrendamentos, Coimbra, 1961, pp. 94 e 133).

[40] António Menezes Cordeiro, Francisco Castro Fraga, Novo Regime do Arrendamento Urbano anotado, Coimbra, 1990, p. 152.

[41] Vale esta afirmação para o regime do RAU, que é o aqui em causa. Quanto ao regime actual, cfr. o artigo 1112º, nº 4 do CC, que mantém a preferência do senhorio como regime supletivo (vd. Manuel Januário da Costa Gomes, “Breves notas sobre as «Disposições especiais do arrendamento para fins não habitacionais» no Projecto do NRAU”, in O Direito, 2005, II, p. 386.

[42] “Cessão da Posição do Arrendatário…”, cit., pp. 511/512. No mesmo sentido Antunes Varela, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, nº 3881, pp. 254/256

[43] J. Pinto Loureiro, Manual dos Direitos de Preferência, vol. I, Coimbra, 1944, pp. 6/7.

[44]Vd. José de Oliveira Ascensão, Teoria Geral do Direito Civil, vol. IV, título V, Relações e Situações Jurídicas, Lisboa, 1993, pp. 120 e 122.

[45] É o sentido da ideia de patrimonialidade definida por José de Oliveira Ascenção: “[…] as situações jurídicas pessoais são aquelas em que há um prevalecente aspecto ético, e as patrimoniais aquelas cuja essência é compatível com a redução a um valor pecuniário” (ibidem; cfr., no mesmo sentido, João de Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. I, Lisboa, 1978, pp. 370/371).

[46] Acórdão do STJ de 01/03/1988 (Eliseu Figueiras), no BMJ nº 375, 369/374.