Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
326/09.8TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SERRA LEITÃO
Descritores: TRANSPORTE RODOVIÁRIO
TEMPO DE TRABALHO
CONDUÇÃO AUTOMÓVEL
CONTRA-ORDENAÇÃO
Data do Acordão: 10/22/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA – 1ª JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 8º E 10º, Nº2, DO REG. (CE) Nº 561/06, DE 15/03; 7º, Nº1, DO D.L. Nº 272/89, DE 19/08; E 620º, Nº3, AL. C) DO CÓDIGO DO TRABALHO /03
Sumário: A Directiva nº 2002/15/CE, de 11/03 (relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exerçam actividades móveis de transporte rodoviário de trabalhadores móveis) – transporta para o ordem jurídica interna portuguesa pelo D. L. nº 237/07, de 19/06 - , apenas abrange os trabalhadores móveis que trabalham para uma empresa de transportes estabelecida num Estado-Membro e que participam em actividades móveis de transporte rodoviário abrangidas pelo Regulamento (CEE) nº 3820/85 ou, quando aplicável, pelo Acordo AETR (Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos que Efectuam Transportes Internacionais Rodoviários).
Decisão Texto Integral:      Acordam em Conferência os Juízes da Secção Social do T. Relação de Coimbra

Pela A... - foi aplicada a B.... a coima de € 700, pela prática da infracção p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 8º e 10 nº 2 do Reg CE nº 561/06 de 15/3, 7º nº 1 do D.L. 272/89 de 19/8( redacção da L nº 114/99 de 3/8) e 620 nº 3 c) do C.T/03.

Irresignada  a arguida deduziu impugnação judicial no que não obteve sucesso.

Ainda inconformada recorre agora para esta Relação, alegando e concluindo:

- É nula a decisão proferida nos termos do artº 379º do CPP

- O Reg CE nº 521/06 no seu nº 3, consagra como regra – quadro a responsabilidade objectiva das empresas de transportes pelas infracções laborais praticadas pelos motoristas ao seu serviço, permitindo no entanto a EU que os Estados – Membros venham a adoptar formas mitigadas dessa responsabilização

- O Estado Português no âmbito do exercício do poder – dever de regulamentar esse dispositivo legal, ainda não criou normas sancionatórias das violações aos preceitos do mesmo, em matéria de tempos de condução, de repouso e de interrupções de condução

- Em tal matéria, não se mostra possível a condenação da Ré, por contra ordenação praticada por motorista ao seu serviço em 23/1/08, com base em tipos contra ordenacionais cujas modalidades de imputação subjectiva, são o dolo e a negligência, porquanto o sobredito Regulamento, não prevendo a moldura abstracta correspondente, estabelece um novo paradigma de quadro sancionatório consagrando a responsabilidade objectiva dos empregadores

- Violou a decisão recorrida o disposto no artº 379º do CPP, Reg CE 561/06, D.L. 272/89 na redacção dada pela Lei 114/99

Na 1ª instância o Ex. mo Magistrado do MºPº contra alegou defendendo a sem razão da impugnante.

No mesmo sentido vai o douto parecer do Ex.mo Sr. PGA, neste Tribunal de recurso ( cfr. fls. 80)

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir

DOS FACTOS

È a seguinte a factualidade a ter em conta

1. No dia 22 de Abril de 2008, pelas 11H05, a arguida mantinha em circulação, na EN 109, Km. 142,800, comarca de Pombal, o seu veículo pesado de mercadorias, de matrícula 00-00-00, conduzido pelo motorista C...

2. No dia 21 de Abril de 2008, aquele motorista, no período de 24 horas que decorre entre as 6H00 do dia 21/4/2008 e as 6H00 do dia 22/4/2008 registou o seu repouso diário das 21H25 do dia 21/4/2008 às 6H00 do dia 22/4/2008.

DO DIREITO

Como se sabe neste tipo de recursos e por via de regra, a Relação apenas conhece da matéria de direito ( artº 75º nº1 do D.L. 433/82 de 27/10).

 Pelo que  “in casu” cumpre decidir no fundo sobre a invocada nulidade da sentença e a possibilidade de condenação da arguida, com base no REG. CE 561/06 de 15/3.

Ora e começando pelo primeiro item dir-se-á- e ressalvando o devido respeito por entendimento diverso - que  não padece a decisão em crise do alegado vício.

Na verdade explicitamente foi aí considerada aplicabilidade do mencionado Reg, que era no fundo o que a recorrente questionava( e questiona).

Em suma: a sentença  não é nula.

Passando agora o segundo ponto deve dizer-se o seguinte:

Através do  D.L. 237/07 de 19/6   procedeu-se  à transposição para a ordem jurídica interna da Directiva nº 2002/15/CE de 11/03, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exerçam actividades móveis de transporte rodoviário de trabalhadores móveis que participem em actividade de transporte rodoviário efectuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) nº 3820/85, do Conselho de 20 de Dezembro, ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos que Efectuam Transportes Internacionais Rodoviários (AETR) aprovado, para ratificação, pelo Dec. Lei nº 324/73 de 30/06 (v. preâmbulo do Dec. Lei 237/07).

Todavia tal Directiva apenas abrange os trabalhadores móveis que trabalham para uma empresa de transportes estabelecida num Estado-Membro e que participam em actividades móveis de transporte rodoviário abrangidas pelo Regulamento (CEE) nº 3820/85 ou, quando aplicável, pelo Acordo AETR (V. considerando nº 6 desta Directiva).

Por seu turno o REG. (CEE) nº 3821/85 de 20/12 (alterado pelo REG 561/06) veio introduzir a obrigatoriedade de utilização do aparelho de controlo (tacógrafo) relativamente aos veículos referidos no seu artº 3º.

A Directiva 2002/15/CE ao referir-se apenas às actividades abrangidas pelo REG 3820/85, exclui do seu âmbito a actividade de transporte rodoviário sujeita ao regime do REG 3821/85, pelo que o Dec. Lei 237/07 (que transpôs aquela Directiva) apenas se aplica à regulação dos tempos de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário ou afectos à exploração de veículos automóveis, dispensados da utilização do aparelho de registo previsto no REG (CE) nº 3821/85, o que não acontece com o veículo da aqui impugnante.

Conclui-se isto  do disposto no artº 4 do citado Dec. Lei ao prever o registo dos tempos de trabalho apenas para os trabalhadores não sujeitos ao aparelho de controlo (tacógrafo) registo aquele que, para estes trabalhadores, veio a ser regulamentado pela Portaria 983/07 de 27/08 (V. artº 1º deste Portaria).

Para condutores sujeitos à utilização do tacógrafo, vigora o Regulamento (CE) n° 561/2006 que estabelece regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros.

E se dúvidas subsistissem sobre este ponto elas seriam necessariamente dissipadas  uma vez que  o nº 4 do artº 8º do Dec. Lei  237/07 que dispõe: “o disposto nos números anteriores não prejudica a aplicação aos condutores do regime de interrupções de condução previsto no artº 7º do regulamento ou do AETR.”

Assim sendo e por esta via tem que se considerar como aplicável o Reg. CE nº 561/06.

Do que resulta que  no caso em apreço atenta a factualidade dada como provada tem que entender-se  levou foi  violado o disposto no artigo 8º nº1 de tal   Regulamento (CE) o que constitui a contra-ordenação pela qual a recorrente veio a ser condenada.

Por outro lado a consideração da aplicação do Reg CE 561/06 leva a que se conclua também pela responsabilização em princípio da Ré pela prática das infracções em causa.

Na verdade e no domínio da L. 116/99 de 4/8 parecia - nos irrefutável a possibilidade legal de incriminação e sancionamento do empregador ainda que o domínio do facto pertencesse ao trabalhador.

Apenas assim não seria se se demonstrasse alguma causa de exclusão de culpa e / ou ilicitude que à patronal aproveitasse.

Resultava isto do que determinava o artº 4º da L. 116/99 de 4/6, onde expressamente se referia no seu n.º 1 a), que eram responsáveis pelas contra ordenações laborais e pelo pagamento das coimas, as entidades patronais.

Porém, com a entrada em vigor do C.T./03( que é o de aplicar no caso concreto atendendo às datas da infracção) operou-se a revogação expressa de toda a referida L. 116/99 de 4/8-  artº 21 n.º 1 aa) daquela codificação -

E neste novo diploma, não se encontra normativo idêntico ao aludido artº 4º nº1.

O artº 617º do citado código, que de certa forma corresponde a esse artº 4º, não contem em si a genérica responsabilização da entidade patronal, que anteriormente existia.

Por outro lado o  artº 614º desta codificação C. Trabalho, limita-se a definir como contra ordenação laboral  todo o facto, ilícito e censurável que consubstancie a violação de uma norma que consagre direitos  ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito das relações laborais e que seja punível com coima.

Claro que com este regime legal, não se afastava  de todo em todo a responsabilidade da empregadora  nos casos em que o facto ilícito em si, é praticado pelo trabalhador e o sujeito  da  contra ordenação, não é  directamente a entidade patronal.

É o que se conclui facilmente do que prescreve o mencionado artº 614º.

Todavia, para que tal responsabilização pudesse vir a ocorrer,  passava a ser exigível  que desde logo, quer   o auto de notícia, quer  a participação contivesse a  materialidade fáctica que imputasse  directamente a prática do ilícito à empregadora,  quer seja  a  nível de exclusiva autoria, quer de  co - autoria, quer de cumplicidade( cfr. artºs 26º e 27º do C. Penal, aplicáveis aos ilícitos contra ordenacionais laborais, por força do disposto nos artºs 32º do D.L. 433/82 de 27/10 e 615º do C. Trabalho/03).

Resta apurar portanto se com a entrada em vigor do Reg. CE nº 561/06 citado, este regime  foi modificado, voltando-se no fundo e de certo modo,  ao que determinava a dita L. 116/99.

E entendemos salvo o devido respeito que a resposta a esta questão, não pode deixar de ser afirmativa.

Na realidade e como se sabe, os regulamentos comunitários são obrigatórios e directamente aplicáveis no território de cada um dos Estados, como resulta do artº 189º do Tratado de Roma e para ser aplicado o regulamento não tem que ser recebido na ordem interna, pois que como o Tribunal de Justiça das Comunidades vem reiteradamente decidindo a ordem jurídica comunitária está integrada no sistema jurídico dos estados membros e impõe-se por si própria  às respectivas jurisdições..

Ora o Reg   CE 561/06 no seu artº 10º nº 3  dispõe que “ as empresas são responsáveis por qualquer infracção cometida pelos condutores da empresa.”( itálico nosso)

E acrescenta que sem prejuízo do direito que lhes assiste de responsabilizar plenamente as empresas de transportes, os Estados – Membros podem tornar esta responsabilidade dependente da infracção aos nºs 1 e 2 por parte das empresas de transportes. os Estados Membros podem tomar em consideração quaisquer provas susceptíveis de demonstrar que não existem motivos para imputar à empresa de transportes a responsabilidade da infracção cometida”.

Bom a nosso ver –e salvo o devido respeito – a interpretação desta norma apenas pode ser uma: existe o princípio geral : as empresas são responsáveis pelas infracções cometidas pelos seus condutores.

Todavia ( aqui a excepção) é dada liberdade aos Estados Membros de restringir esta responsabilidade( última parte do citado normativo).

Ora na legislação portuguesa, desde logo o D.L. 272/89 de 19/8 prevê ( seu artº 7º nº 1 ) um regime de contra ordenação para incumprimento das regras relativas a tempos de condução, repouso e interrupções da condução.

E no que concerne aos sujeitos de tal responsabilidade, é evidente que existe norma  expressa que permite a punição de pessoas colectivas.

É o que resulta claramente do que determina o artº 7º nº 1do RGCO ao afirmar que “as coimas podem aplicar-se  tanto às pessoas singulares como colectivas”.

Esta norma é aplicável às contra ordenações laborais, por força do disposto no artº 615º do C.T.( cfr. ainda o artº 617º desta codificação)

O que vale dizer que de tudo isto resulta que não é necessário  no caso português  a adopção de qualquer legislação complementar para assegurar a aplicação do Regulamento em referência.

Ainda haverá que notar que não existe( pelo menos que seja do nosso conhecimento) nenhuma  norma ou princípio na legislação portuguesa que restrinja  a tal regra geral de responsabilização das empresas, contida no nº 3 do artº 10º já mencionado.

Em suma: a Ré é responsável pela prática da infracção.

E embora ainda que não explicitamente( e porque não estamos perante uma imputação dolosa) da factualidade dada como assente resulta uma imputação a título de negligência, já que se apurou que o motorista circulou sempre ao serviço da recorrente, não se mostrando que tenha havido qualquer causa exclusiva da culpa e /ou da ilicitude por parte da empregadora.

No que concerne à medida da coima- e como entretanto entrou em vigor   a Lei nº 7/2009 de 12/02 que aprovou a revisão do Código do Trabalho. - haverá que verificar se ali foi estabelecido qualquer regime mais favorável à arguida.

Ora se se cotejarem os dois diplomas ( C.T/03 e C.T/09) verificamos que as molduras sancionatórias, abstractas são exactamente iguais pare este tipo de infracções( cfr. artºs 620 nº 3 e) 554º nº 3 b) do C.T/09 e 620º nº 3 c) respectivamente).

Assim sendo, uma vez que a moldura abstracta é exactamente a mesma que vigorava à data da prática das contra-ordenações, conclui-se necessariamente, como aliás o decidido na 1ª instância que é aplicável a lei vigente na altura (artigo 3º, nºs 1 e 2, do RGCC).

Termos em que e concluindo, não se acolhendo nenhuma das doutas conclusões do presente recurso e  por tudo  o que se  expendeu, se decide negar provimento ao recurso.

                         Custas pela arguida , com taxa de justiça que se fixa em 5 Ucs