Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2546/06.8TBAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GONÇALVES PEREIRA
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
IMPUGNAÇÃO
REQUISITOS
Data do Acordão: 05/12/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: AVEIRO - 3º J CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: N.º 1 DO ARTIGO 712.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1) A impugnação da decisão de facto exige a indicação concreta dos pontos de facto incorrectamente julgados, o sentido que deveria ter a decisão e a identificação precisa dos meios de prova que impunham julgamento diverso em relação a cada facto.

2) Não preenche os requisitos legais a alegação que, por um lado, se limita a requerer a reformulação de determinadas respostas, sem indicar o respectivo sentido, e que, por outro lado, apela aos documentos juntos aos autos, sem os especificar e sem os correlacionar com cada qual dos pontos de facto a alterar.

Decisão Texto Integral:             Acórdão no Tribunal da Relação de Coimbra:

            I. Relatório:

A... com sede na ...., intentou acção, com forma de processo ordinário, contra B... , com sede na ...., alegando, em resumo, que:

No exercício do seu comércio de bijutaria, adornos pessoais e afins, vendeu à ré, que é, também, comerciante, produtos no valor de € 21.117,82.

Ficou convencionado entre ambas que o preço seria pago a 90 dias da emissão das correspondentes facturas.

No entanto, a ré só lhe entregou € 687,46, tendo omitido o pagamento do restante.

Concluiu pedindo a condenação da ré no pagamento da importância de € 20.430,36, acrescida de juros vencidos até 25.05.2006, no montante de € 1.121,88, e de juros vincendos, ao máximo da taxa legal, a contar de 26.05.2006 e até efectiva liquidação.

Regularmente citada, a ré contestou, afirmando nada dever à autora, por ter devolvido uma parte da mercadoria que lhe fora entregue e pago a restante.

A autora, na réplica, impugnou a devolução e o pagamento alegados pela ré.

No despacho saneador foram afirmadas a validade e a regularidade da lide.

Não suscitou reparos o conteúdo da selecção da matéria de facto.

Realizado o julgamento e dadas as respostas aos pontos controvertidos insertos na base instrutória, foi proferida sentença, que condenou a ré a pagar à autora a quantia pedida (€ 20.430,36), acrescida de juros de mora vencidos até à propositura da acção (29.05.2006), no valor de € 1.128,88, e de juros vincendos, às taxas de juro comercial sucessivamente em vigor, após a data da propositura da acção e até efectivo pagamento.

Inconformada a ré, interpôs recurso (apelação, com efeito devolutivo), apresentou a sua alegação, que instruiu com dois documentos, e formulou as seguintes conclusões, que se transcrevem na íntegra:

1) No julgamento da matéria de facto não foram tidos em conta os documentos que constituem notas de devolução emitidos pela recorrente, nem as notas de crédito emitidas pela recorrida;

2) Apenas foram tidas em conta as facturas emitidas pela recorrida, as quais, como se viu, muitas das vezes traduziam um valor errado;

3) Havendo fornecimentos à consignação, a recorrida devia emitir as facturas em função das notas de consignação e das devolução, facturando pela diferença;

4) Mas não o fez com as facturas acima referidas, como ali se esclarece e se dá aqui por reproduzido;

5) Dessa errada emissão de facturas resulta para a recorrente um saldo positivo de € 7.600,47, que não foi tido em conta;

6) Como não foram tidos em conta os pagamentos efectuados nos meses de Outubro e Novembro de 2005, com dois cheques de 2.500,00 em cada um deles, totalizando € 10.000,00;

7) Ao não os ter tido em conta a douta sentença violou, pelo menos, o disposto nos artigos 342.º e 879.º do Código Civil, ali invocados.

            Terminou pelo provimento do recurso, com a consequente reformulação das respostas dadas aos pontos 4.º, 5.º e 6.º da base instrutória e, em função disso, da declaração de compensação da importância de € 17.600,47, a imputar no valor dos juros calculados.

            A autora respondeu à alegação da ré, tendo concluído o seu articulado desta forma:

1) A prova produzida, tanto a documental, como a testemunhal, demonstra cabalmente a correcção da decisão de facto;

2) Os documentos ora apresentados pela apelante não são admissíveis nesta fase processual;

3) De todo o modo, os mesmos não logram contrariar a prova tida em consideração na audiência de julgamento;

4) Finalmente, a apelante não deu cumprimento ao disposto no artigo 690.º-A do CPC, na medida em que não indicou os concretos elementos de prova que impunham decisão diversa da que foi tomada pelo tribunal “a quo”;

5) O recurso deve ser liminarmente rejeitado, com a consequente manutenção da sentença recorrida.

            Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

            São questões a solucionar:

            a) A alteração da matéria de facto;

            b) O mérito da causa.

            II. Foram estes os factos dados por assentes na sentença apelada:

           

            A autora dedica-se ao comércio de bijutaria, adornos pessoais e afins.

            A ré é comerciante.

            Autora e ré estabeleceram relações comerciais que terminaram em Outubro de 2005.

            Em 23.05.2005, 25.05.2005, 02.06.2005, 03.06.2005, 08.06.2005, 15.06.2005, 28.06.2005, 30.06.2005, 15.07.2005, 22.07.2005, 27.07.2005, 09.08.2005, 17.08.2005, 13.09.2005 e 03.10.2005, a solicitação da ré, a autora vendeu-lhe, respectivamente, os produtos constantes das facturas n.ºs 501144, 501187, 501278, 501285, 501302, 501344, 501357, 501493, 501494, 501521, 501614, 501663, 501693, 501765, 501817, 502082, 502536 e 502537, pelo preço global de € 21.117,82, conforme documentos 1 a 18, juntos a folhas 5 a 118.

            Por conta destas facturas, a ré pagou a quantia de € 687,46 à autora.

            Autora e ré convencionaram que o valor das facturas se venceria 90 dias após a respectiva emissão.

            Foram emitidas à ré as facturas a que alude a conta corrente de folhas 475 a 479, as notas de crédito e devolução aí mencionadas, pagamentos de cliente e devolução de cheques.

            O direito:

           

            a) A alteração da matéria de facto

            Nos termos do n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil,[1] diploma a que pertencerão os restantes preceitos a citar sem indicação de origem, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação nos seguintes casos:

            a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690.º-A, a decisão com base neles proferida;

            b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;

            c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

            O artigo 690.ºA, por sua vez, dispõe, no que para aqui interessa, deste modo:

            1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

            a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

            b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

           

            Defendendo a apelada a rejeição do recurso referente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por não terem sido indicados os concretos elementos de prova (documental e testemunhal) que impunham decisão diversa da proferida, por aqui deverá começar a apreciação, na medida em que, a ser rejeitada a impugnação, fica prejudicada a alteração propriamente dita.

            E a rejeição é, na realidade, inevitável, pelas razões apontadas pela recorrida, que adiante melhor se explanarão.

Num exercício de puro rigor técnico-processual, sê-lo-ia, ainda, por outra circunstância, qual seja, a de não ter sido concretizada a incorrecção do julgamento de facto, como parece resultar do teor conjugado das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 690.º-A do CPC.

            Se bem se reparar no teor da alegação da apelante, conclusões incluídas, facilmente se verá que não é feita qualquer referência aos pontos de factos entendidos como erradamente julgados; a única alusão surge no pedido final, que é do seguinte teor:

            “Termos em que deve ser conferido provimento ao recurso, reformulando-se as respostas dadas aos pontos 4.º, 5.º e 6.º da base instrutória e declarando-se, em função disso, como compensada a recorrente no valor de € 17.600,47, com a respectiva imputação no valor dos juros calculados”.

            É verdade que os pontos da discórdia não deixaram de ser indicados; fora do lugar próprio, que seria o da demonstração do erro na apreciação da prova, mas indicados, em todo o caso.

            O problema é que a apelante omitiu o que, em sua opinião, e de acordo com a prova produzida, deveria ter sido o sentido da decisão.

Ora, não parece que respeite o comando da falada alínea a) a enunciação, sem mais, dos pontos que se consideram incorrectamente julgados; a par disso, e porque o tribunal de recurso não tem poderes adivinhatórios, deve o recorrente concretizar as respostas que, em seu entender, caberiam a cada qual dos quesitos em litígio.

A apelante requereu, unicamente, se reformulassem as respostas dadas aos pontos 4.º, 5.º e 6.º da base instrutória; mas qual o alcance da reformulação? O que é que ela pretende exactamente? A resposta afirmativa? A resposta negativa? Uma resposta explicativa, ao jeito do que foi a da decisão de facto, mas (necessariamente) diferente?

            Convirá notar que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto visa, apenas, como se diz no preâmbulo do Decreto-lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, “a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente”; não basta a manifestação genérica de discordância com o decidido, decorrendo, antes, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais a necessidade de “delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar”.

            E é claro que não pode haver delimitação precisa da matéria a questionar se, a par do erro, não for indicada a solução.

            A omissão do sentido da resposta pode reconduzir-se, afinal, à inobservância do disposto nas supra citadas disposições, cuja consequência é a da rejeição da impugnação da decisão de facto.

           

            Como quer que seja, sempre terá de ser essa a solução, como acima, de resto, se adiantou, devido ao incumprimento do plasmado na alínea b) do falado preceito.

            A impugnação da decisão de facto exige não, apenas, a delimitação precisa do objecto do recurso, mas, também, a respectiva fundamentação, através da indicação das razões da discordância, sustentadas nos concretos meios de prova que, relativamente a cada ponto de facto, implicavam decisão diferente da recorrida.

            O que acontece é que a apelante se limita a chamar a terreiro dois documentos que juntou com as alegações de recurso e vários outros que, segundo ela, estarão nos autos, mas que não identifica minimamente.

            Os documentos ora apresentados não podem ser tomados em consideração, devendo, aliás, ser desentranhados e entregues à recorrente, por ser inadmissível a sua junção nesta fase processual.

            Como decorre das disposições combinadas dos artigos 524.º e 706.º, com as alegações de recurso só é possível juntar documentos em três situações: a) quando a apresentação não tenha sido possível até ao momento; b) quando se destinem a provar factos posteriores aos articulados ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior; c) no caso de a junção se apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

            Importará deixar bem claro que na hipótese da alínea c) não cabe a mera surpresa da parte com o desfecho da acção cujo resultado pensava ser outro; “o legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida” (Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, páginas 533/534).

            Ou, como escreveu o mesmo mestre em comentário aos acórdãos do STJ de 09.12.1980 e de 04.12.1979, “o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou a de condução da defesa), quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado (RLJ 115.º, página 95).

            Rigorosamente, com as alegações de recurso não é admissível a junção de documento relativo a factos articulados e de que a parte já podia dispor antes do encerramento da causa na 1.ª instância (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, página 446; acórdão do STJ de 03.03.1989, BMJ 385, página 545).

            Nenhum dos dois documentos se ajusta a qualquer das enunciadas hipóteses; trata-se de meros extractos bancários, referentes a uma conta de que a apelante é titular no Banco E... , mas reportados ao ano de 2005, o que quer dizer que aquela só os não juntou até ao encerramento da discussão, que ocorreu em Junho de 2008, porque não quis.

            A junção é, pois, legalmente impossível.

            Os demais documentos que, segundo a apelante, imporiam a reformulação das respostas não estão concretamente identificados. Para uma melhor compreensão do tema transcreve-se parte da alegação (a parte restante é absolutamente idêntica, pelo que não vale a pena reproduzi-la):

            “Na verdade, a douta sentença assenta em facturas que a recorrida juntou aos autos, mas que não teve em conta as notas de débito e as devoluções que a recorrente juntou aos autos.

Com efeito, a factura n.º 501144, de € 747,26, tem a anulá-la a nota de crédito n.º 2636, do mesmo valor.

O mesmo acontece com a factura n.º 501278, de € 1.961,48, para a qual existe a nota de crédito n.º 2637, do mesmo valor.

Por outro lado, as facturas n.ºs 501302, de € 84,49, 5601817, de € 38,72, 501663, de € 42,35 e 501493, de € 104,13, foram cobertas pelo valor superior das devoluções operadas por via das notas de devolução n.ºs 60,61 e 62, todas de 31.10.2005, representando estas um valor superior ao da soma das facturas.

A factura n.º 501187, de € 2.485,78, corresponde às consignações n.ºs 500015 e 500016, de 5 e 7 de Abril de 2005, respectivamente, que, por sua vez, se relacionam com as devoluções n.ºs 41,42,43 e 61, as três primeiras de 18 de Maio de 2005 e a última de 20 de Julho seguinte, as quais totalizam € 1.266,75, que devem ser abatidos ao valor da factura”.

Como facilmente se vê, a apelante chama em seu auxílio notas de crédito e de devolução, que conduziriam ao abate do correspondente valor no preço dos produtos fornecidos.

A questão é que os autos incorporam 94 documentos (18 juntos com a petição inicial, 73 com a contestação e 3 durante a audiência de discussão e julgamento) e a apelante não especifica qual ou quais deles dariam origem à alteração das respostas.

O ónus específico de motivação imposto pela alínea b) do n.º 1 do artigo 690.º-A não foi, efectivamente, observado, pelo que o recurso da decisão de facto só tem um caminho possível: o da rejeição.

Diga-se, de qualquer maneira, que, ainda que o ónus de delimitação e de fundamentação tivesse sido cumprido, nem assim a impugnação da decisão de facto poderia obter ganho de causa.

Os artigos 4.º, 5.º e 6.º da base instrutória foram elaborados com base em factualidade alegada pela ré, segundo a qual os fornecimentos titulados pela factura n.º 501144, cujo preço era de € 747,26, teriam sido inteiramente devolvidos e o respectivo valor creditado (quesito 4.º) e os titulados pela factura n.º 501187, com o preço de € 3761,12, devolvidos em parte (€ 1.954,35), o que, associado a um pagamento de € 2.500,00, originaria um crédito a seu favor de € 693,23 (quesitos 5.º e 6.º).

Na decisão de facto, seguindo-se uma técnica menos boa, deu-se por provado o que consta de uma conta corrente contabilística junta pela autora, onde constam os fornecimentos efectuados, as notas de crédito e devolução, os pagamentos e as devoluções de cheques.

Na fundamentação fez-se apelo a tal conta corrente e a 18 outros documentos juntos com a petição inicial, conjugados com os esclarecimentos que sobre os mesmos foram prestados pela responsável da área comercial e pelo técnico oficial de contas da autora (testemunhas C... e D... , respectivamente).

A apelante não impugnou a prova testemunhal produzida, pelo que a alteração das respostas só poderia estribar-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 712.º, ou seja, na circunstância de os elementos fornecidos pelo processo imporem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.

Só que nenhum elemento, nomeadamente os documentos invocados pela recorrente, por si emitidos, faz prova plena relativamente à questão suscitada, uma vez que se trata de documentos particulares e o seu conteúdo (que, de resto, só faria prova contra os interesses da própria apelante, de acordo com o preceituado no artigo 376.º, n.º 2, do CC), foi impugnado pela apelada na réplica.

Despidos os documentos de força probatória absoluta e sendo insindicável, por falta da sua impugnação, a prova testemunhal produzida, não se configura nenhum dos fundamentos a que alude o artigo 712.º, n.º 1, razão pela qual a matéria de facto fixada em 1.ª instância é inalterável.

b) O mérito da causa

A sentença condenou a ré a pagar à autora a quantia pedida (€ 20.430,36, acrescida de juros vencidos até à data da instauração da acção – 29.05.2006 –, no montante de € 1121,88, e de juros vincendos após essa data), invocando, para tanto, a celebração de diversos contratos de compra e venda, em que a autora figurou como vendedora e a ré como compradora, e a falta de pagamento do preço nos prazos contratualmente estabelecidos.

A apelante não impugnou o acerto da sentença recorrida enquanto baseada na matéria de facto dada por assente; a sua discordância centrou-se unicamente na matéria de facto, cuja alteração conduziria à conclusão de que não devia a totalidade da quantia peticionada, seja por ter devolvido parte da mercadoria, seja por ter liquidado o preço daquela com que ficou.

Na sua óptica, teria devolvido produtos no valor de € 7.600,47 e entregue, por meio de cheque, a importância de € 10.000,00, pelo que haveria que deduzir € 17.600,47 ao montante global dos fornecimentos.

Improcedente, que foi, o recurso da decisão de facto, intocada fica a questão de direito, à qual, como se disse, a recorrente nada opôs.

Sempre se dirá, porém, que nada se vê que possa contrariar o decidido, na medida em que a ré, violando a regra geral da pontualidade do cumprimento dos contratos (artigo 406.º, n.º 1, do CC) e a obrigação específica imposta pela alínea c) do artigo 879.º do mesmo diploma, deixou de pagar o preço referente às mercadorias que, de livre vontade, adquiriu à autora.

Incumprindo culposamente (não arredou, pelo menos, a presunção de culpa estabelecida no artigo 799.º daquele código) a obrigação, tornou-se responsável pelo prejuízo causado, que, nas obrigações pecuniárias, corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora, que ocorreu a 90 dias da emissão das facturas, conforme o convencionado (artigos 798.º, 804.º, 805.º, n.º 2, alínea a), e 559.º, todos, ainda, do CC).

Uma nota final para dizer que, mesmo que o recurso da decisão de facto viesse a obter procedência, nunca a apelante poderia ver abatida a importância de € 17.600,47, como pretende, uma vez que, incompreensivelmente, atacou, tão-somente, os quesitos 4.º a 6.º, onde está em causa um valor muito inferior àquele, concretamente o de € 1.440,49.

IV. Síntese final:

1) A impugnação da decisão de facto exige a indicação concreta dos pontos de facto incorrectamente julgados, o sentido que deveria ter a decisão e a identificação precisa dos meios de prova que impunham julgamento diverso em relação a cada facto.

2) Não preenche os requisitos legais a alegação que, por um lado, se limita a requerer a reformulação de determinadas respostas, sem indicar o respectivo sentido, e que, por outro lado, apela aos documentos juntos aos autos, sem os especificar e sem os correlacionar com cada qual dos pontos de facto a alterar.

V. Decisão:

Ponderando tudo quanto ficou exposto, decide-se:

A. Ordenar o desentranhamento e entrega à apelante dos documentos juntos com as alegações de recurso (folhas 515 a 517), logo que transitado o acórdão.

B. Julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.

C. Condenar a apelante nas custas do recurso e nas do incidente do desentranhamento e entrega dos documentos, fixando-se as do incidente em 1 UC.


[1] A redacção a considerar é a anterior à introduzida pelo Decreto-lei n.º 303/07, de 24 de Agosto.