Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3647/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: CACILDA SENA
Descritores: ESCOLHA DA PENA
PRISÃO POR DIAS LIVRES
Data do Acordão: 02/09/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 40º, N.ºS 1 E 2, 45º E 70º, DO CÓDIGO PENAL
Sumário: I - A escolha da pena segundo o artigo 700 do Código Penal apenas depende das finalidades da punição;
II - A pena não privativa da liberdade não deve ser aplicada quando desaconselhada por fortes necessidades de prevenção especial;

III - A pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 meses deve ser cumprida em dias livres se o arguido se encontra profissionalmente integrado, ainda não sentiu o carácter repressivo da prisão e a clausura é susceptível de pôr irremedia-velmente em causa o seu emprego, o que tomaria mais difícil a ressocialização.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Audiência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:


No Proc. Sumário nº 311/04.6 SAGBD, o arguido A..., completamente identificado nos autos, foi condenado pela prática de um crime de violação de proibições p.p. pelo artº 353º do Cód. Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão.
Inconformado com o decidido, veio o arguido interpor recurso extraindo da respectiva motivação as seguintes
Conclusões
1 – A pena de prisão efectiva aplicada ao arguido, não se conforma com a lei, não se revelando justa, nem adequada às circunstâncias do caso.
2 – O arguido confessou os factos, de forma livre, integral e sem reservas, tendo adoptado uma atitude de total colaboração com a justiça.
3 – Atento os factos, nenhuma fundamentação encontramos na douta sentença para aplicar ao arguido aquela pena em concreto.
4 – No caso de crimes puníveis, em alternativa, com prisão ou multa, escolhida a primeira destas penas, pode ainda ser substituída por outra não detentiva que seja legalmente admissível, como por exem0plo o trabalho a favor da comunidade, desde que a prisão não seja in casu, imposta por razões de prevenção – Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 363 e Dra Anabela Rodrigues, RPCC, Ano 9º, 4º, 663. Medida essa que, atendendo ao caso concreto, alcançaria, com maior sucesso, os fins pretendidos.
5 – Ao contrário do que acontece com a pena de prisão, atribui-se elevada potencialidade ressocializadora a essas medidas, que podem ser variadas, pelo que haverá que escolher a mais adequada ao caso concreto com que o julgador se depara.
6 – O grau da sua culpa é diminuto; Por outro lado, o arguido colaborou com a justiça confessando os factos constantes da acusação, tendo mostrado arrependimento. Tem bom comportamento social, encontrando-se profissional e socialmente integrado.
7 – Aplicar-lhe uma pena de prisão efectiva de 5 meses, será colocar em sério risco, para além da sua estabilidade emocional, a sua própria profissão.
8 – Aplicar ao arguido uma pena privativa de liberdade viola o chamado princípio da proporcionalidade e, portanto, o artigo 18º CRP. Sempre que se mostre desnecessária a aplicação ao arguido da pena privativa da liberdade e quando a mesma possa ser substituída por medidas mais favoráveis (não privativas da liberdade), as mesmas poderão ser aplicadas.
9 – A sentença recorrida não se conforma ainda com as disposições dos artº 760º a 75º máxime artigo 71º nº3 do C. Penal.
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O Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso defendendo a improcedência total do mesmo.
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Nesta instância, o Ex. mo Procurador Geral Adjunto emitiu parecer em idêntico sentido.
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Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Para tanto, temos de ter em conta que a sentença recorrida julgou os seguintes
Factos provados:
1 – Nos autos de Processo Comum Singular nº 99/03.8 SAGRD, que correram termos no 1º juízo deste tribunal, por sentença transitada em julgado no dia 12 de Novembro de 2003, foi o arguido condenado, como autor material de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário e dois crimes de ameaça, previstos e punidos pelos artigos 291º e 153º nº1 do Código Penal, a pena única de 13 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, e na pena acessória de proibição de conduzir veículo motorizados pelo período de 9 meses;
2 – No dia 19 de Julho de 2004, pelas 00h15m, na Rua Duque de Bragança, na Guarda, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 19-55-MN;
3 – O arguido sabia que tinha sido condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 9 meses e que ainda não tinha decorrido tal período;
4 – Sabia também que durante tal período não podia conduzir veículos motorizados, sob pena de estar a desobedecer a uma decisão transitada em julgado proferida por uma autoridade judiciária;
5 – Agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida criminalmente;
6 – O arguido confessou de forma espontânea, livre e integral e sem reservas os factos pelos quais vinha acusado;
7 – Exerce a profissão de assistente administrativo, da qual aufere o vencimento mensal de € 600,00;
8 – Vive sozinho, num quarto arrendado, pagando a renda mensal de € 75,00;
9 – Suporta dois encargos bancários (crédito ao consumo), pagando mensalmente as importâncias de € 198,00;
10 – Além da condenação referida em 1), o arguido já foi julgado e condenado, neste tribunal, em dois outros processos pela prática de crimes de dano.
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Como é sabido o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação – artº 412º do CPP.
E estas, não põem em causa a matéria de facto provada, sendo certo que também não existem vícios de conhecimento oficioso que a inquinem, mas apenas a problemática da medida da pena, questão que delimita o recurso.
A matéria de facto tem assim de se ter como fixada nos exactos termos que constam da sentença recorrida.
Resulta daqui, que são de todo irrelevantes as circunstâncias de facto que o arguido alega na sua motivação para tentar explicar o seu comportamento nos presentes autos quer aquele pelo qual foi anteriormente condenado em anteriores processos (motivação que o levou a conduzir e ultrapassar “um conturbado período de separação”).
Defende o recorrente que a pena de prisão de 5 meses que lhe foi aplicada deve ser substituída por pena não detentiva.
O crime pelo qual o arguido foi condenado é sancionado em alternativa com prisão (até 2 anos) ou multa (até 240 dias).
Em sede de escolha da pena preceitua o artº 70º do Cód. Penal nos seguintes termos ”Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
As finalidades da punição a atingir em sede de escolha da medida da pena são essencialmente preventivas; prevenção especial sob a forma de atingir a ressocialização, e de prevenção geral sob a forma de satisfação do sentimento jurídico da sociedade.
Como escreve o Sr. Prof. Figueiredo DiasDireito Penal Português, Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Notícias, pág.333.:“ Desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”.
No caso dos autos, as exigências de prevenção especial são prementes atendendo a que o arguido já tem condenações anteriores pela prática de crimes relativamente a alguns dos quais foi condenado em penas de prisão, embora suspensa na sua execução, o que ocorreu menos de 9 meses antes dos factos aqui apreciados, o que revela que as condenações anteriores não surtiram suficiente prevenção contra o crime.
Por outro lado, são também relevantes as necessidades a nível da prevenção geral atenta a frequência com que vêm sendo praticados crimes do jaez daquele praticado pelo arguido, resultantes de inobservância de sanções aplicadas por crimes praticados no exercício da condução, potenciadores da elevada sinistralidade rodoviária verificada no nosso país.
Estas fortes necessidades de prevenção, principalmente as de carácter especial, são de tal modo relevantes que desaconselham a aplicação da pena de multa que, face ao caso concreto, se revela insuficiente para assegurar as finalidades de punição.
Optando-se pela pena de prisão, cuja moldura abstracta se cifra entre 1 mês e 2 anos, há agora que fixa-la com recurso aos critérios fornecidos no artº 71º nºs 1 e 2 do Cód. Penal.
Prescreve o nº1 do falado artº 71º que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”; logo acrescentando o nº2 do mesmo preceito, a título exemplificativo, uma série de circunstâncias que depõem a favor ou contra o agente, circunstâncias que se reflectem na culpa.
Resulta daqui, que a culpa e a prevenção são os dois termos do binómio com o auxilio dos quais se há-de construir o modelo de medida da pena, sendo estes dois vectores temperados com as demais circunstâncias que rodearam o crime e que estão exemplificativamente enunciadas no nº2 do referido artº 71º que nos hão-de dar a medida da pena, sendo certo que em caso algum a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa.
A par das relevantíssimas necessidades de prevenção especial, temos de considerar, a favor do arguido, a circunstância de os ter confessado, embora seja de pouco valor pouco dado que foi apanhado em flagrante, não deixa de revelar um traço positivo da sua personalidade e que se reflecte na culpa.
Em face de todo este circunstancialismo, entendemos que a pena de prisão efectiva aplicada na sentença, excede a medida da culpa subjacente ao crime devendo ser fixada em medida inferior, tendo-se por ajustada a pena de três meses de prisão.
Apesar de esta pena ser inferior a 6 meses, a opção pela pena de prisão supra referida afasta a aplicação do disposto no artº 44º nº1 do C. Penal, pois que, como já se disse, a pena de multa não acautela suficientemente as finalidades da punição, como afasta a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena pois que o arguido apesar de já ter beneficiado desta medida mostrou que a ameaça da pena lhe é indiferente, revelando deste modo que as condenações anteriores não exerceram sobre ele qualquer intimidação.
No entanto, atendendo a que o arguido está profissionalmente integrado, que ainda não sentiu o carácter repressivo da prisão, e que esta pena, a ser cumprida continuamente, pode pôr irremediavelmente em causa o seu emprego e nessa medida tornar mais difícil a sua ressocialização, e ainda que o cumprimento da prisão por dias livres realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, deve beneficiar do instituto previsto no artº 45º do Cód. Penal.
Assim, nos termos do nº 2 e 3 deste preceito, a prisão será cumprida durante 18 períodos de 40 horas cada um, durante os dias livres da ocupação profissional do arguido.
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Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se conceder parcial provimento ao recurso, substituir a pena de prisão aplicada pela pena de três meses de prisão que será cumprida em dias livre durante 18 períodos de 40 horas cada um.
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Por ter decaído parcialmente, o recorrente pagará custas fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
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Coimbra,