Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2100/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: COELHO DE MATOS
Descritores: INJUNÇÃO
OPOSIÇÃO
VALOR DA DÍVIDA
TRANSACÇÃO COMERCIAL
PROCESSO COMUM
CONVITE PARA O APERFEIÇOAMENTO DA PETIÇÃO INICIAL
Data do Acordão: 09/19/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA MARINHA GRANDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1º, 4º, 16º E 17º DO DL 269/98, DE 1 DE SETEMBRO, E SEU ANEXO, ARTIGOS 3º E 7º DO DL 32/2003, DE 17 DE FEVEREIRO, ARTIGO 24.º N.º 1 DA LEI 3/99 DE 13 DE JANEIRO, E ARTIGO 508.º, N.º1, B) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIV
Sumário: 1. Existem actualmente dois regimes diferenciados a observar, no caso de frustração do procedimento de injunção, cujo critério determinativo assenta, basicamente, no valor da dívida:
2. a) se esta for igual ou inferior à alçada do tribunal de primeira instância (3.740,98 euros), a dedução de oposição determina a cessação do procedimento de injunção, com passagem dos autos, após distribuição, como acção declarativa especial (artigos 1º, 4º, 16º e 17º do DL 269/98, de 1 de Setembro, e seu anexo);

3. b) se for superior à alçada do tribunal de primeira instância, só é possível no caso de transacções comerciais, a dedução de oposição determina a remessa dos autos ao tribunal competente e a aplicação da forma de processo comum (artigos 3º e 7º do DL 32/2003, de 17 de Fevereiro);

4. Convolado o procedimento injuntivo em acção ordinária, por ter sido apresentada contestação, deve ser convidado o autor a aperfeiçoar a petição inicial, se for caso disso, nos termos previstos no artigo 508.º, n.º 1, b) do Código de Processo Civil.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1. A..., Lda. requereu, na comarca de Marinha Grande, procedimento de injunção contra B..., Lda., para cobrança da quantia de 15.568,37 euros, por incumprimento de obrigação emergente de transacção comercial, alegando o fornecimento de bens e serviços.

2. A requerida contestou, opondo, em síntese, que nada deve à autora, porque, tendo os respectivos representantes legais da requerente e da requerida (que são irmãos) acordado numa actividade conjunta de construção e venda de vivendas, em que depositariam numa única conta os proventos a dividir entre eles, ficou acordado que o representante legal da requerida nada pagaria por conta do montante da factura que por esta injunção se pretende cobrar, até que fossem acertadas as contas, nas quais prevê ter ainda dinheiro a receber.

3. Após a junção deste articulado foi proferido despacho saneador que conheceu do mérito e absolveu a ré do pedido.
Inconformada a autora recorre a esta Relação, concluindo:
1) O recorrente tinha o direito de recorrer à injunção para cobrar uma dívida comercial de 12.639,23E a que acrescem os juros vencidos;
2) Numa injunção que vai à distribuição e onde se diz que a dívida provém de prestações de serviços de uma empresa a outra empresa que consistiram na pintura de várias vivendas, que a requerida não quer pagar, existe uma causa de pedir evidente;
3) Uma petição inepta não pode conduzir à absolvição do pedido formulado;
4) A decisão recorrida violou, nomeadamente, os artigos do D.L. 32/2003, os 264°, 193° e 494°, n° 1 alínea b) do CPC;
5) Só revogando a decisão recorrida e ordenando o prosseguimento dos autos se fará justiça.

3. Não foram apresentadas contra-alegações. Cumpre decidir, tendo em conta que o saneador sentença considerou a seguinte factualidade:
1) A requerente pretende um título executivo contra a ré, para cobrança da quantia de 15.568,37 euros, com base em incumprimento de transacção comercial.
2) Alega que a quantia em dívida diz respeito a serviços que prestou à requerida, na pintura de várias moradias sitas na Quinta das Nespereiras, a que se refere a factura n.º 200216, de 30/12/02 - que junta – e que devia ser paga aos 30 dias;
3) Por conta dessa factura a requerida apenas entregou, em 18/02/2003, a quantia de 2.200 €, ficando em dívida 12.639,23 €, a que acrescem juros de mora a 12% entre 30/01/2003 a 23/11/2004, no montante de 2.751,14 € e ainda 178 € de taxa de justiça, o que tudo perfaz a quantia pedida (15.568,37€).

4. Como nota prévia cumpre-nos observar o seguinte: a sentença recorrida começa por dar a entender que há erro na forma de processo, face ao disposto no artigo 1.º do Dec. Lei n.º 269/98, de 01/09, porque o valor da causa é superior à alçada do tribunal de 1.ª instância e que mesmo admitindo ter por base o incumprimento de obrigação emergente de transacção comercial, nos termos do Dec. Lei n.º 32/2003, de 17/02, o requerimento inicial não indica factos integradores da causa de pedir, verificando-se a excepção dilatória da ineptidão da petição inicial (artigo 193.º, 2, a) do Código de Processo Civil).
Após estas observações, parece que acaba por se situar na acção comum – porque o valor ultrapassa a alçada da Relação – com uma petição sem factos bastantes para fundamentar o pedido, que por isso mesmo a ré vai dele ser absolvida. E quando a recorrente observa, na respectiva alegação de recurso, que a falta de causa de pedir constitui ineptidão da petição inicial, que conduz à absolvição da instância (artigos 193.º, n.º 1; 493.º, 1 e 2; e 494.º b) do Código de Processo Civil), a sra. Juiz faz subir o recurso – que recebeu como sendo de apelação – esclarecendo que, “sendo o requerimento inicial omisso quanto a factos integradores da causa de pedir (…) sempre conduziria à absolvição do pedido”.
É por tudo isto que se admite que o recurso é de apelação, porque no saneador se decidiu de mérito (artigo 691.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil); não fora isso e seria de agravo (artigo 733.º do Código de Processo Civil).

5. Expostas estas considerações, vejamos. Entendeu o Sra. Juiz que o processo de injunção não é aplicável no caso sub iudice, já que, por um lado, o pedido ultrapassa o valor máximo permitido no artigo 1º do Diploma Preambular ao DL 269/98 de 1 de Setembro e por outro ultrapassa a alçada da Relação.
O Dec. Lei n.º 32/2003, aplicando a Directiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, veio estabelecer no seu artigo 7.º, sob a epígrafe “aplicação do regime da injunção” que:1 - O atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida. 2 - Para valores superiores à alçada do tribunal de 1.ª instância, a dedução de oposição no processo de injunção determina a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum.
Em consequência ficou determinado, logo no artigo 8.º, que o artigo 7.º do anexo ao Dec. Lei n.º 269/98 – Regime dos Procedimentos – passasse a ter a redacção que hoje tem e que é a seguinte: “Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abran-gidas pelo DL 32/2003, de 17 de Fevereiro”.
E assim, infere-se daqui que o processo de injunção se aplica em duas situações:
a) As referidas no artigo 1º do Diploma Preambular; e
b) As emergentes de transacções comerciais abrangi-das pelo DL 32/2003.
As acções a que se refere o primeiro grupo são as que se destinam “a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não supe-rior à alçada do tribunal de 1ª instância”.
Ao 2º grupo pertencem as acções destinadas ao cumprimento de obrigações emergentes de transacções comerciais, definidas no artigo 3.º do Dec. Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro,
independentemente do valor.

6. Em sintonia com o acabado de expor, escreveu-se num acórdão desta Relação [ Acórdão de 18/05/2004, processo n.º 971/04, em www.dgsi.pt ] que “este procedimento, introduzido no ordenamento jurídico português pelo DL 404/93, de 10 de Dezembro, teve uma regulamentação mais completa com o DL 269/98, de 1 de Setembro, e seu anexo. Consagrou os mesmos dois tipos de procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos não superiores à alçada do tribunal de primeira instância (a alçada do tribunal de primeira instância é actualmente de 3.740, 98 euros/750.000$00 – at.º 24º, n.º 1 da Lei 3/99, de 13 de Janeiro): - a acção declarativa especial (ats.º 1º a 6º);
- a providência de injunção (ats 7º a 22º) [ Salvador da Costa A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 3.ª edição, pág. 34 ]
De acordo com esse diploma legal, a providência de injunção alcança o seu termo normal, se notificado o requerido, este não deduz oposição, caso em que o secretário aporá a fórmula executória (at 14º). Frustrando-se o seu objectivo, o que sucede se for deduzida oposição ou não for possível concretizar a notificação do requerido, cessa o procedimento de injunção e os autos passam a tramitar-se, após distribuição, como acção declarativa especial (artigos 16º e 17º) [ Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, 1998, págs. 91/92, e ac. da Relação de Lisboa de 9/3/2000, CJ, ano XXV, Tomo II, pág. 85. ]
Entretanto, o DL 32/03, de 17 de Fevereiro, que transpôs para a ordem jurídica interna parte das disposições da Directiva n.º 2000/35/CE, procedeu a alterações ao regime da injunção (artigos 7º e 8º), alargando o âmbito da sua aplicação ao atraso de pagamento em transacções comerciais, independentemente do valor da dívida.
Todavia, para valores superiores à alçada do tribunal de primeira instância, a dedução de oposição no processo de injunção determina a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum (art.º 7º, n.º 2 do DL 32/03, de 17 de Fevereiro). Significa isto que, se bem interpretamos os referidos diplomas, existem actualmente dois regimes diferenciados a observar, no caso de frustração do procedimento de injunção, cujo critério determinativo assenta basicamente no valor da dívida:
a) se esta for igual ou inferior à alçada do tribunal de primeira instância (3.740, 98 euros), a dedução de oposição determina a cessação do procedimento de injunção, com passagem à tramitação dos autos, após distribuição, como acção declarativa especial (art.ºs 1º, 4º, 16º e 17º do DL 269/98, de 1 de Setembro, e seu anexo, cuja redacção permaneceu incólume. (as alterações introduzidas pelo DL 32/03, de 17 de Fevereiro, incidiram apenas sobre os art.ºs 7º, 10º, 11º, 12º, 12º-A e 19º do anexo ao DL 269/98, de 1 de Setembro.);
b) se for superior à alçada do tribunal de primeira instância, só possível no caso de transacções comerciais, a dedução de oposição determina a remessa dos autos ao tribunal competente e a aplicação da forma de processo comum (art.ºs 3ºe 7º do DL 32/03, de 17 de Fevereiro) [ Cfr., a este propósito, Salvador da Costa, obra citada, págs. 152/153, onde são colocadas as várias hipóteses de transmutação da injunção, com referência à forma de processo a observar e determinação do tribunal competente..]”
7. O caso dos autos, atento o valor da causa – superior à alçada da primeira instância – e o facto de se pretender o cumprimento de obrigação emergente de transacção comercial, por se tratar de transacção entre empresas, que deu origem à prestação de serviços contra uma remuneração, conforme o disposto no artigo 3.º a) do Dec. Lei n.º 32/2003, a apresentação da contestação, implica a distribuição do processo como acção declarativa comum, na espécie 1ª – acção ordinária – uma vez que o valor excede a alçada da Relação (artigo 222.º do Código de Processo Civil).
E sendo assim, então faz sentido que a requerente de injunção – que agora é autora na acção declarativa que resultou da convolação daquela forma de processo – não seja agora afastada da possibilidade de adaptar os termos da petição inicial à nova forma de processo, uma vez que o seu propósito foi inicialmente o de seguir o procedimento injuntivo, a que correspondia uma descrição simplificada dos pressupostos processuais, designadamente da causa de pedir.
E então uma de duas: ou se convida o autor a aperfeiçoar a petição inicial, nos termos previstos no artigo 508.º, n.º 1, b) do Código de Processo Civil, ou (para o caso que ora nos interessa da insuficiência da causa de pedir) se absolve o réu da instância por ineptidão da petição inicial (artigos 193.º, n.º 1 e 2, a) e 494.º, b) do Código de Processo Civil).
E se pensarmos na unidade do sistema faz sentido que o legislador que instituiu o processo simplificado, na suas fases declarativa e executiva, não podia ter querido sancionar o autor – que iniciou o procedimento injuntivo – com a absolvição do réu da instância, para depois propor nova acção, em vez de lhe facilitar a vida, não o defraudando, de todo, nas suas legítimas expectativas de resolver a questão de uma forma mais célere, convidando-o então a aperfeiçoar o seu articulado.
No mesmo sentido, como se escreveu num acórdão da Relação do Porto [ Acórdão de 17/03/2005, em www.dgsi.p processo 0531143.] “a celeridade e simplificação implementada quanto às injunções justifica muito mais que se mande completar um requerimento do que se indefira. Além, [na hipótese de absolvição da instância, por ineptidão da petição inicial] estará um despacho que levará o seu tempo a proferir, ser notificado e ser acatado e que, de certo modo, atinge o fluir que se pretende rápido do processo. Aí está todo um desmoronar de eficiência. Desaproveita-se todo um caminho percorrido e fica sem utilidade todo um tempo de tramitação.
Contraria-se aí bem mais a intenção do legislador e a sua adequação aos tempos que correm.”
Por isso, em nome da economia processual, propomos a via do convite ao aperfeiçoamento do articulado. Não se trata de suprir uma excepção; trata-se de adequar um articulado à nova forma de processo, surgida por imperativo legal.
Concluindo:
1. Existem actualmente dois regimes diferenciados a observar, no caso de frustração do procedimento de injunção, cujo critério determinativo assenta basicamente no valor da dívida:
2. a) se esta for igual ou inferior à alçada do tribunal de primeira instância (3.740, 98 euros), a dedução de oposição determina a cessação do procedimento de injunção, com passagem à tramitação dos autos, após distribuição, como acção declarativa especial (artigos 1º, 4º, 16º e 17º do DL 269/98, de 1 de Setembro, e seu anexo);
3. b) se for superior à alçada do tribunal de primeira instância, só possível no caso de transacções comerciais, a dedução de oposição determina a remessa dos autos ao tribunal competente e a aplicação da forma de processo comum (artigos 3ºe 7º do DL 32/03, de 17 de Fevereiro);
4. Convolado o procedimento injuntivo em acção ordinária, por ter sido apresentada contestação, deve ser convidado o autor a aperfeiçoar a petição inicial, se for caso disso, nos termos previstos no artigo 508.º, n.º 1, b) do Código de Processo Civil.

8. Decisão
Nos termos ditos, acordam os juízes desta secção em julgar parcialmente procedente a apelação, em consequência do que revogam a sentença recorrida, que deve ser substituída por despacho a convidar a autora a aperfeiçoar a sua petição inicial, designadamente no que se refere à descrição dos factos integradores da causa de pedir.
Custas a final.
Coimbra,