Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
63/96.1TBVLF.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
AUTONOMIA DA PENA DE SUBSTITUIÇÃO
SUSPENSÃO SOB CONDIÇÃO
REVOGAÇÃO DA PENA SUSPENSA

SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO DA PENA PRINCIPAL
PRESCRIÇÃO DA SUSPENSÃO DA PENA.
Data do Acordão: 06/04/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VILA NOVA DE FOZ CÔA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 50.º, Nº 5; 51.º, Nº 3; 52.º, N.º 3; 54.º, Nº 2; 55.º; 56.º, Nº 1; 57.º, N.º 1; 122.º, Nº 1, ALÍNEAS C) E D); 122.º, N.º 2 TODOS DO CÓDIGO PENAL.
Sumário: I. – O novo ordenamento jurídico-penal estatuído com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 400/82, de 3 de Setembro consagrou, de forma dogmaticamente iniludível, a suspensão da execução da pena de prisão como pena de substituição;
II. - Do ponto de vista dogmático, penas principais são as que constam das normas incriminadoras e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras; penas acessórias são as que só podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal; penas de substituição são as penas aplicadas na sentença condenatória em substituição da execução de penas principais concretamente determinadas
III. – A pena de suspensão assume a categoria de pena autónoma, apartando-se da ideia de que se possa constituir como “[…] um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e, portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição” – (Cfr. Figueiredo Dias “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas – Editorial Noticias, 1993,90);
IV. - A suspensão da execução da pena de prisão pode assumir três modalidades: suspensão simples; suspensão sujeita a condições (cumprimento de deveres ou de certas regras de conduta); suspensão acompanhada de regime de prova.
V. – Sendo a suspensão da execução da pena sujeita ao cumprimento de deveres ou regras de conduta estas podem ser modificados até ao termo do período de suspensão, sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tenha tido conhecimento, o que significa que o conteúdo da pena de suspensão da execução da prisão está sujeito, dentro dos limites legais, mesmo independentemente de incumprimento do condenado, a uma cláusula rebus sic stantibus (artigos 51.º, n.º 3, 52.º, n.º 3 e 54.º, n.º2, do C. P, na redacção em vigor na data da decisão condenatória).
VI. - Ocorrendo uma situação de incumprimento das condições da suspensão, haverá que distinguir duas situações, em função das respectivas consequências: uma primeira quando no decurso do período de suspensão, o condenado, com culpa, deixa de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta, ou não corresponde ao plano de readaptação (que com a revisão de 2007 passou a ser designado de “plano de reinserção”), pode o tribunal optar pela aplicação de uma das medidas previstas no artigo 55.º do C. P., a saber: fazer uma solene advertência; exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação; prorrogar o período de suspensão; e outra segunda quando no decurso da suspensão, o condenado, de forma grosseira ou repetida, viola os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de readaptação, ou comete crime pelo qual venha a ser condenado e assim revele que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por intermédio desta, ser alcançadas, a suspensão é revogada (artigo 56.º, n.º 1, do C. Penal).
VII. – Tendo sido aplicada uma pena suspensa em substituição de uma pena de prisão (pena principal) o decurso do prazo não começa a correr enquanto se mantiver a suspensão (pena de substituição);
VIII. – A suspensão da execução da pena constitui-se, assim, como causa de suspensão da pena principal, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 125.º do Código Penal o que equivale a dizer que só com a decisão que revogue a pena de substitutiva de suspensão e determine a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição desta pena principal;
IX. – As penas de substituição, como verdadeiras penas, encontram-se sujeitas a um prazo de prescrição autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, o que nos termos do artigo 122.º, n.º1, alínea d), do C. Penal ocorre com o decurso de quatro (4) anos a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção estabelecidas nos artigos 125.º e 126.º Código Penal.
Decisão Texto Integral: I – Relatório
1. Por sentença de 24 de Fevereiro de 1997, transitada em julgado, AA …, melhor identificado nos autos, foi condenado, como autor material de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo artigo 11.º, n.º1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, com referência aos artigos 313.º e 314.º, alínea c), do Código Penal, na pena de dois anos de prisão.
Mais foi condenado, na procedência parcial do pedido de indemnização civil, a pagar ao demandante a quantia de 11.750.000$00, acrescida de 1.060.719$00, devidos a título de juros moratórios vencidos, desde 16.06.95 até 20.03.96, bem como os juros vincendos, até efectivo e integral pagamento à taxa de 10%.
Aquela pena de prisão foi suspensa na sua execução pelo período de dois anos, subordinando-se a suspensão à condição de o condenado pagar ao ofendido, no prazo de seis meses, a referida indemnização.
2. Por despacho de 16 de Novembro de 2007, foi revogada a suspensão da execução da pena, determinando-se o cumprimento da pena de dois anos de prisão.
3. Inconformado, recorreu AA …desse despacho, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
1. O Arguido/recorrente foi condenando pelo Douto Tribunal a quo em processo comum, no dia 24 de Fevereiro de 1997, pela prática de um crime de emissão de um cheque sem provisão p. e p. pelas disposições conjugadas dos art° (s) 11, n.º 1, al. a) do D.L. 454/91, de 28/12, e 313° e 314, al. c) ambos do C.P. revisto, à pena suspensa de dois anos de prisão. (Cf. Sentença do Tribunal a quo).
2. Tal pena ficou dependente da sua execução mediante o pagamento ao lesado da quantia equivalente subscrita no cheque.
3. Em 16 de Novembro de 2007, ao aqui arguido foi revogada a suspensão da pena e o consequente cumprimento pelo arguido da pena de dois anos de prisão.
4. Como resulta da alínea c) do artigo 122 do C.P. o prazo de prescrição das penas é de dez anos se forem iguais ou superiores a dois anos. Pelo que a pena se encontra prescrita, devendo extinguir-se a responsabilidade criminal do arguido. Facto que não foi considerado pela Meritíssima Juíza a quo, que não teve em consideração o artigo citado ao revogar o período de suspensão e condenar o arguido na pena detentiva, como de facto fez.
Sem prescindir;
5. Durante este espaço temporal, o arguido não teve qualquer condenação ou sequer foi indiciado de qualquer crime ou contra-ordenação.
6. Apresentou documentos (IRS) seus e da sua família, em como não tinha qualquer rendimento que lhe possibilitasse o pagamento ao lesado das quantias em divida.
7. Sustentando ainda assim dois filhos e esposa no desemprego.
8. No entanto, não teve oportunidade de justificar a tentativa de acordo para pagar uma modesta quantia.
9. Que revela a boa fé do arguido/ recorrente (elemento subjectivo exigível nos termos legais - culpa) para cumprir o acordado e livrar-se da pesada pena que se lhe impõe pelo incumprimento.
10. Contudo, assim não entendeu o Meritíssimo juiz do Tribunal a quo, que apesar de ter nas mãos a prova documental relativamente aos seus rendimentos e agregado.
11. Assim não entendeu o Tribunal a quo, que por si, em busca de verdade material e se dúvidas tivesse, deveria ter mando efectuar um relatório (IRS), a fim de averiguar as reais circunstâncias do aqui recorrente para pagamento ao lesado.
12. Para mais e ao arrepio desse documento, considerou que o arguido tem vindo consecutivamente a protelar no tempo o pagamento da quantia que lhe foi imposta, revelando uma deficiente apreciação da prova (que consta dos autos).
13. Assim como considerou subjectivamente que tal era intenção do aqui recorrente, bem sabendo que mesmo que isso fosse verdade, o seu rendimento não lhe permitia.
14. Revelando assim, e com o respeito que lhe é devido, uma deficiente apreciação da prova e como consequência também uma deficiente aplicação da lei.
15. Sem prescindir, e no caso da aplicação de uma eventual pena efectiva após a revogação efectuada, ao aqui arguido/recorrente deveria ter sido imediatamente aplicada a Lei 29/99 – amnistia de 1999.
16. O que redundaria no perdão parcial da pena, imediata nos termos do diploma citado, perdão esse não inferior a um ano, facto que o tribunal não considerou. (Vide Artigo 1 e 6 do diploma citado).
17. Por outro lado, a aplicação da revogação da medida da pena não é automática, exigências de ponderação na sua determinação, nomeadamente as exigidas pelo artigo 71.º do C.P., implicaria considerar de novo a ilicitude do facto à luz da nova legislação (lei do cheque), a pratica de novos ilícitos pelo arguido, o novo período de suspensão da pena de prisão até cinco anos previsto pela lei 59/2007, de 4 de Setembro, as condições sócio-economicas do arguido e o relatório do IRS, entre outros.
18. Assim não entendeu a Meritíssima do Tribunal a quo, preferindo uma solução imediata e automática, sem ponderação subjectiva da aplicação de uma medida de carácter detentivo. Violando assim a necessária ponderação do artigo 71.º do C.P. evidente à luz dos novos elementos, assim como e consequentemente o principio da aplicação de uma pena ou medida mais favorável artigo 29 da CRP, atento os sinais evidentes da ressocialização e integração do arguido na sociedade.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Ex.ªs, deve a decisão de 1.ª Instância que procedeu à revogação da suspensão da execução da pena de prisão ser revogada pelos motivos aduzidos, sem prescindir quer da prescrição (extinção da responsabilidade criminal) quer das eventuais amnistias aplicáveis na eventualidade (que só por mera hipótese se admite) de alguma pena ser aplicada ao arguido/recorrente (…)
4. Respondeu o Ministério Público junto da 1.ª instância, concluindo do seguinte modo (transcrição):
I - Só com a decisão que revoga a pena substitutiva e determina a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição da pena, motivo pelo qual, a pena de prisão de dois anos aplica ao arguida não se encontra, presentemente, prescrita.
II - O despacho que determinou a revogação da suspensão da execução da pena encontra-se devidamente fundamentado.
Isto é o tribunal, mediante todos os elementos (demasiadamente evidentes) já constantes dos autos, sopesando, designadamente, o decurso do prazo de 10 anos, sem que o arguido tenha cumprido o dever que lhe foi imposto, a sua atitude perante o Tribunal (mentira e de eximir-se ao cumprimento do que lhe foi determinado) formou livremente a sua convicção e, determinou a revogação da suspensão e o consequente cumprimento pelo arguido da pena de dois anos de prisão, encontrando-se o respectivo despacho devidamente fundamentado.
III - O arguido violou grosseira e reiteradamente o dever de pagar a indemnização ao ofendido/lesado, revelando, deste modo, que as finalidades que estavam na base da suspensão da execução da pena não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
IV - Bem andou a Meritíssima Juiz a quo ao revogar a suspensão da execução da pena em que o erguido foi condenado, pois só o cumprimento da prisão lhe criará uma contramotivação suficientemente forte para o dissuadir de continuar na mesma senda, reafirmando-se, do mesmo passo, a confiança da comunidade na norma violada.
V - Não se mostrando satisfeita a reparação ao lesado que condiciona o perdão da pena jamais teria aplicação, in casu, a Lei n.º 29/99, de 12 de Maio - Perdão Genérico e Amnistia de Pequenas Infracções.
VI - Assim, atendendo às considerações expendidas e às normas legais citadas o despacho recorrido deve ser mantido nos seus precisos termos, julgando-se assim o recurso improcedente, como é de JUSTIÇA!
5. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de que o recurso merece parcial provimento no que concerne à aplicação do perdão previsto na Lei n.º 29/99, de 12 de Maio, devendo manter-se no mais a decisão recorrida.
6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do Código de Processo Penal (diploma doravante designado de C.P.P.), foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
II – Fundamentação
1. Conforme jurisprudência constante e pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Assim, as questões a decidir consistem em saber: se a pena aplicada ao arguido terá prescrito; se com o fundamento do artigo 56.º, n.o1, alínea a) do Código Penal, estará ou não correcta a revogação da suspensão da execução da pena de prisão imposta ao recorrente, face ao circunstancialismo apurado; se o recorrente deve beneficiar do perdão concedido pela Lei n.º 29/99, de 12 de Maio.
2. Compulsados os autos, recolhemos os seguintes elementos:
1) Por sentença de 24 de Fevereiro de 1997, transitada em julgado (em 11 de Março de 1997), o recorrente foi condenado, no âmbito do presente processo, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão p. e p. pelo artigo 11.º, n.º1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, com referência aos artigos 313.º e 314.º, alínea c), do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos sob a condição de, no prazo de seis meses, pagar ao ofendido a indemnização em que também foi condenado.
2) Em 6 de Outubro de 1997, sob promoção do M.P., foi proferido despacho no sentido de saber junto do ofendido se estava paga a quantia indemnizatória (fls. 129), tendo este respondido negativamente, em 22 de Outubro de 1997 (fls. 135).
3) Em 31 de Outubro de 1997, foi proferido despacho a determinar a audição do condenado, para o dia 3 de Dezembro, a fim de esclarecer o motivo do não pagamento da indemnização que condicionava a suspensão.
4) Não tendo sido possível notificar o condenado para a referida data, foi designado o dia 2 de Fevereiro de 1998 para a sua audição (cfr. fls. 140, 141 e 142), determinando-se que a notificação fosse efectuada nas duas moradas conhecidas nos autos.
5) No referido dia 2 de Fevereiro foi dada sem efeito a diligência designada, por se ignorar se o condenado estava notificado (cfr. fls. 150), vindo a verificar-se que não estava, sendo infrutíferas as diligências para o localizar/notificar.
6) A fls. 166, por requerimento que deu entrada no dia 9 de Junho de 1998, o condenado, através de advogado, requereu a passagem de certidão da acusação e da sentença, bem como cópia do cheque que esteve na origem dos autos, juntando, na ocasião, procuração forense, datada de 27 de Maio de 1998.
7) Por despacho de 19 de Junho de 1998, ordenou-se a notificação do condenado, na pessoa do seu mandatário, para, em 10 dias, esclarecer as razões do não cumprimento da condição da suspensão.
8) A fls. 171 e seguintes, com data de entrada de 3 de Julho de 1998, o condenado veio aos autos, através do seu advogado, invocar a impossibilidade de pagamento, atenta a sua situação económica e, simultaneamente, suscitou a questão da descriminalização dos factos, por via da entrada em vigor, entretanto, do Decreto-Lei n.º 316/97, de 19 de Novembro.
9) Por despacho de 15 de Julho de 1998, foi indeferido o requerido quanto à cessação dos efeitos penais por via da invocada descriminalização (cfr. fls. 176).
Simultaneamente, foi prorrogado por um ano o prazo de suspensão da execução da pena, na condição de o condenado pagar ao ofendido a quantia em questão, prorrogando-se até 30 de Setembro de 1999 o prazo para tal pagamento.
10) Interposto recurso para a Relação de Coimbra do despacho respeitante à não declaração da cessação dos efeitos penais da sentença, o mesmo foi não provido, por acórdão de 13 de Janeiro de 1999.
11) O condenado interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional (fls. 211), não admitido (fls. 215 e segs.), seguindo-se reclamação (fls. 221), que foi indeferida (fls. 232 e segs.).
12) Em 27 de Outubro e 9 de Novembro de 1999, a G.N.R. informou sobre os bens e residência do condenado (estava a residir em Lagar de Azeite de Escalhão – F. C. Rodrigo, a trabalhar para o pai - fls. 246).
13) Em 18 de Junho de 2002, em conclusão por ordem verbal, foi proferido despacho a ordenar a notificação do ofendido para dizer se já recebera a indemnização arbitrada (fls. 248), tendo o ofendido respondido negativamente (fls. 250).
14) Em 25 de Setembro de 2002, sob promoção do M.P., ordena-se novamente a notificação do condenado para esclarecer porque razão não pagou a indemnização (notificação do advogado e do arguido, via postal).
15) Em 11 de Outubro de 2002, o condenado, através de novo advogado, informou que tinha combinado com o ofendido o pagamento fraccionado, que estava a efectuar (fls. 254 e 255).
16) Mas a fls. 265 – 26 de Novembro de 2002 – veio o ofendido, através do seu mandatário, informar que o condenado nada tinha pago, nem nunca contactara o advogado do ofendido com essa finalidade.
17) Em 3 de Dezembro de 2002, ordenou-se a notificação do condenado para comprovar o pagamento, sem se obter resposta.
18) Entretanto, veio o condenado interpor recurso de revisão, em 20 de Janeiro de 2003, sendo a revisão denegada por Acórdão do S.T.J., de 8 de Junho de 2005.
19) Por despacho de fls. 280 – 25 de Março de 2003 – determinou-se a requisição de c.r.c. actualizado e que fosse solicitado ao Banco de Portugal informação sobre o estado do saldo bancário actual do condenado e em 30.09.99.
20) Frustraram-se as diligências efectuadas junto das diversas instituições bancárias, renovando-se os esforços a partir do despacho de fls. 303 (7.05.2003), não se logrando apurar a existência de contas bancárias.
21) Por despacho de 29 de Setembro de 2005, designou-se o dia 11 de Novembro para tomar declarações ao condenado, que foi notificado via postal simples com prova de depósito.
22) Porém, a data da audição, por impedimento do tribunal, foi alterada para 13 de Janeiro de 2006 (fls. 343).
23) Tentada a notificação pessoal e após diversos esforços, logrou-se notificar o condenado, através da G.N.R., como se infere de fls. 363 e verso, que procedeu à constituição de novo advogado (fls. 364).
24) Em 13 de Janeiro de 2006, o condenado foi ouvido pessoalmente nos autos, comprometendo-se a fazer prova nos autos, até 1 de Março de 2006, de que iniciou o pagamento fraccionado da indemnização ao ofendido. Na ocasião, invocou dificuldades económicas e juntou elementos relativos às suas declarações de I.R.S. de 2003 e 2004.
25) Em 23 de Fevereiro de 2006, o ofendido veio aos autos dizer que o condenado nunca lhe pagou nada e que, decorridos já vários anos, nunca o contactou ou ao seu mandatário para solver as suas obrigações (fls. 371).
26) Em 8 de Março de 2006, o condenado veio informar que como se encontrou impossibilitado de comunicar com o ofendido, se dispunha a pagar-lhe € 1.500 de imediato e, a partir de Julho, o valor trimestral de € 500,00 (fls. 377).
27) Em 21 de Março de 2006, o ofendido, notificado do requerimento do condenado, veio informar que este continuava a mentir, não o tinha contactado, nem ao seu mandatário, e que não aceitava a proposta apresentada, pois o acordo de pagamento devia ser realizado com o seu mandatário e só então carreado para os autos (fls. 381).
28) Designada data para nova audição do condenado (fls. 383), seguiram-se diversas diligências no sentido da sua localização/notificação, por via postal ou pessoal, que se frustraram.
29) Em 23 de Maio de 2006, o M.P. pronunciou-se no sentido da revogação da suspensão da execução da pena (fls. 416 a 418).
30) Determinada a notificação do condenado para se pronunciar, querendo, em 10 dias, seguiram-se novas tentativas de notificação, postal e pessoal, sem resultado, sendo certo que também o seu advogado, notificado, nada disse.
31) Realizadas diversas diligências para localização do condenado (fls. 434 e 435), veio o condenado, por lapso, juntar requerimento de interposição de recurso do despacho “que revoga a suspensão da execução da pena”, sendo certo que tal despacho não havia sido proferido.
32) Designadas, sucessivamente, as datas de 20 de Março, 24 de Abril, 4 de Junho e 3 de Julho de 2007 para a audição do condenado, nunca foi possível obter a comparência deste, muito embora tenha sido considerado devidamente notificado para os dias 4 de Junho e para a última data, razão pela qual foi condenado em sanções pecuniárias por motivo das suas faltas injustificadas (fls. 500 e 501).
33) Designada nova data – 18 de Setembro de 2007 – e ordenada a emissão de mandados de detenção, frustrou-se, uma vez mais, a possibilidade de ouvir o condenado, que não foi localizado.
34) Em 16 de Novembro de 2007, foi proferido, finalmente, o despacho recorrido, com o seguinte teor:
«Por sentença proferida nos presentes autos em 24 de Fevereiro de 1997, foi o arguido condenado, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelos artigos 11.º, n.º 1, do DL n.º 454/91, de 28 de Dezembro, na pena de 2 anos de prisão, cuja execução foi suspensa por dois anos com a condição de o arguido, em 6 meses, efectuar ao ofendido o pagamento da quantia de 11.750.000$00, acrescidos da quantia de 1.060.719$00, devida a título de juros moratórios vencidos (fls. 89-95).
Por despacho de 15 de Julho de 1998, foi prorrogado por um ano o período de suspensão da execução da referida pena de prisão, mantendo-se a condição dessa suspensão já determinada por sentença.
O arguido veio aos autos informar que tem vindo a proceder ao pagamento ao ofendido, mas, após audição deste e efectuadas diligências necessárias ao apuramento da verdade, conclui-se que, não só o arguido não pagou ao ofendido a quantia devida, como também não é titular de qualquer conta bancária.
O Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da execução da pena de prisão (fls. 416-418 e 527).
Foi designada data para audição do arguido, a qual se gorou, uma vez que o arguido não compareceu, não obstante se encontrar devidamente notificado para o efeito (fls. 500 e 501).
A emissão de mandados de detenção e condução do arguido a este Tribunal a fim de ser ouvido também se revelou infrutífera, em virtude de se desconhecer o seu paradeiro.
O Ilustre Mandatário do arguido, notificado da promoção do Ministério Público, nada requereu.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do artigo 55.º, do Código Penal (redacção conferida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro) “Se, durante o período de suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:
a) Fazer uma solene advertência;
b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;
d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de 1 ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º.”
Por sua vez, dispõe o artigo 56.º, do referido diploma legal que “a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.”
Conforme refere Maia Gonçalves (Código Penal Anotado e Comentado, 17.ª edição, 2005, p. 216), “Só mediante a ponderação das particularidades de cada caso concreto o juiz poderá decidir se uma sanção deve ser aplicada e, caso positivo, qual a que melhor se molda à situação. Assim, se o condenado deixou de cumprir uma condição devido a caso fortuito ou de força maior que definitivamente o inibe de lhe dar cumprimento, não deve ser aplicada qualquer sanção. Se o caso fortuito ou de força maior o inibiu tão-somente de cumprir dentro do prazo inicialmente estabelecido, parece quadrar-se bem uma prorrogação do prazo, como é permitido pela alínea d). Se a falta de cumprimento é devida a culpa leve, parecem mais adequadas as medidas das alíneas a) e b), isoladas ou em conjunto. Para os casos da falta de cumprimento dolosa ou com culpa grave afigura-se mais ajustada a medida da alínea c) in fine, ou mesmo a revogação (artigo 56°).”
Certo é que, conforme se alude no Parecer da Câmara Corporativa sobre a Proposta de Lei n.º 9/X (apud Código Penal Anotado e Comentado, 17.ª edição, 2005, p. 217), não pode o Tribunal deixar de ordenar a execução da pena sempre que a falta de cumprimento dos deveres impostos revele a inadequação, no caso concreto, da suspensão que havia sido ordenada.
Por outras palavras, a apreciação sobre a falta de cumprimento dos deveres impostos na sentença como condicionantes da suspensão da pena deve ser cuidada e criteriosa, de modo que apenas uma falta grosseira do seu cumprimento ou a condenação por crime doloso em pena de prisão determine a revogação da suspensão (cfr. disposições conjugadas dos artigos 55° e 56°, n.º1, do Código Penal).
Ora, nos presentes autos, decorridos que se encontram 10 anos sobre a data do trânsito em julgado da sentença, é forçoso concluir que o arguido infringiu grosseiramente os seus deveres, uma vez que não pagou a indemnização devida ao ofendido (mesmo depois de lhe ser concedida a prorrogação por um ano do prazo de suspensão da execução da pena de prisão) e faltou à verdade a este Tribunal ao referir que se encontrava a efectuar o pagamento.
Nessa medida, determino a revogação da suspensão e o consequente cumprimento pelo arguido AA . da pena de 2 anos de prisão que lhe foi aplicada nos presentes autos - cfr. artigo 56°, do Código Penal.
Notifique, sendo o arguido na pessoa do Mandatário.
Passe e entregue os competentes mandos de detenção
3. Decidindo
3.1. Enquadramento geral
3.1.1. Estando em causa, no presente recurso, a revogação de uma suspensão da execução de pena de prisão, mostra-se conveniente começar por tecer algumas considerações, ainda que breves, sobre o regime e natureza desta pena (no que se retomam as considerações desenvolvidas a este respeito no Acórdão desta Relação, do mesmo relator, no Proc. N.º 21/03.1 GTGRD-A.C1).
O artigo 50.º, n.º1, do Código Penal (doravante designado de C.P.), na redacção vigente à data da condenação do recorrente, dispunha: «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
As finalidades da punição são, nos termos do disposto no artigo 40.º, do C.P., a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Traduzindo-se na não execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos (não superior a 5 anos, actualmente, com a revisão do Código Penal operada pela Lei n.º59/2007, de 4 de Setembro), entendemos, com o apoio da melhor doutrina, que a suspensão constitui uma verdadeira pena autónoma (com elementos relevantes sobre a natureza de pena autónoma, de substituição, da pena suspensa, veja-se o Acórdão da Relação de Évora, de 10.07.2007, Proc. n.º 912/07-1, www.dgsi.pt).
Já assim se devia entender face à versão originária do Código Penal de 1982, como se infere das discussões no seio da Comissão Revisora do Código Penal, em que a suspensão da execução da pena, sob a designação de sentença condicional ou condenação condicional (que no projecto podia assumir a modalidade de suspensão da determinação concreta da duração da prisão ou de suspensão da execução total da pena concretamente fixada) figurava como uma verdadeira pena, ao lado da prisão, da multa e do regime de prova, no art. 47.º do projecto de 1963, que continha o elenco das penas principais.
No seio da Comissão, o Prof. Eduardo Correia, autor do projecto do Código Penal, teve a oportunidade de sustentar o carácter autónomo, de verdadeiras penas, da sentença condicional e do regime de prova, contrariando o entendimento de que seriam institutos especiais de execução da pena de prisão (Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Separata do B.M.J. Tem particular interesse a discussão travada na 17:ª sessão, de 22 de Fevereiro de 1964, e bem assim na 22.ª sessão, de 10 de Março).
O Prof. Figueiredo Dias, a propósito do projecto de 1963 e do Código Penal de 1982, recorrendo a algumas expressões que haviam sido utilizadas na discussão travada na Comissão Revisora, assinalou:
«(…) as “novas” penas, diferentes da de prisão e da de multa, são “verdadeiras penas” – dotadas, como tal, de um conteúdo autónomo de censura, medido à luz dos critérios gerais de determinação da pena (art.º 72.º) -, que não meros “institutos especiais de execução da pena de prisão” ou, ainda menos, “medidas de pura terapêutica social”. E, deste ponto de vista, não pode deixar de dar-se razão à concepção vazada no CP, aliás continuadora da tradição doutrinal portuguesa segundo a qual substituir a execução de uma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena» (Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, p. 90).
O mesmo autor, definindo a suspensão da execução da pena de prisão como “a mais importante das penas de substituição” (e estas são, genericamente, as que podem substituir qualquer das penas principais concretamente determinadas), chama a atenção para o facto de, segundo o entendimento dominante na doutrina portuguesa, as penas de substituição constituírem verdadeiras penas autónomas (cfr. ob. cit., p. 91 e p. 329). Nas suas palavras, «a suspensão da execução da prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e, portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição» (cfr. ob. cit., p. 339).
A revisão do Código Penal, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, reforçou o princípio da ultima ratio da pena de prisão, valorizou o papel da multa como pena principal e alargou o âmbito de aplicação das penas de substituição, muito embora não contemple, como classificações legais, as designações de «pena principal» e de «pena de substituição».
A classificação das penas como principais, acessórias e de substituição continua a ser válida e operativa, ainda que a lei não utilize expressamente estas designações, a não ser no tocante às penas acessórias. Assim, do ponto de vista dogmático, penas principais são as que constam das normas incriminadoras e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras; penas acessórias são as que só podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal; penas de substituição são as penas aplicadas na sentença condenatória em substituição da execução de penas principais concretamente determinadas.
3.1.2. Partindo do pressuposto de que a pena de suspensão de execução da prisão é uma pena de substituição em sentido próprio (em contraste com as penas de substituição detentivas ou em sentido impróprio), temos como pressuposto material da sua aplicação que o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime a às circunstâncias deste, conclua pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente que se traduza na seguinte proposição: a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Por sua vez, constituía pressuposto formal de aplicação da suspensão da prisão, ao tempo da condenação do recorrente, que a medida desta não fosse superior a 3 anos (actualmente 5 anos).
3.1.3. O regime jurídico da pena de suspensão da execução da pena de prisão encontra-se previsto nos artigos 50.º a 57.º do C.P, e nos artigos 492.º a 495.º do C. P.Penal.
Da análise do regime legal resulta que a suspensão da execução da pena de prisão pode assumir três modalidades: suspensão simples; suspensão sujeita a condições (cumprimento de deveres ou de certas regras de conduta); suspensão acompanhada de regime de prova. O n.º 3 do artigo 50.º, do C.P., previa a imposição cumulativa do regime de prova e dos deveres e regras de conduta. A revisão de 2007 alterou o mencionado preceito, que passou a prever, apenas, a cumulação entre si dos deveres e regras de conduta. Porém, o artigo 54.º, relativo ao chamado «plano de reinserção social» em que assenta o regime de prova, admite a possibilidade de o tribunal impor deveres e regras de conduta.
Os deveres, visando a reparação do mal do crime, encontram-se previstos, de forma exemplificativa, no artigo 51.º, n.º 1, do C. P., enquanto as regras de conduta, tendo em vista a reintegração ou socialização do condenado, se encontram previstas, também a título exemplificativo, no artigo 52.º, do mesmo diploma.
Os deveres e as regras de conduta podem ser modificados até ao termo do período de suspensão, sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tenha tido conhecimento, o que significa que o conteúdo da pena de suspensão da execução da prisão está sujeito, dentro dos limites legais, mesmo independentemente de incumprimento do condenado, a uma cláusula rebus sic stantibus (artigos 51.º, n.º 3, 52.º, n.º 3 e 54.º, n.º2, do C. P, na redacção em vigor na data da decisão condenatória).
3.1.4. No que concerne ao incumprimento das condições da suspensão, há que distinguir duas situações, em função das respectivas consequências.
Quando no decurso do período de suspensão, o condenado, com culpa, deixa de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta, ou não corresponde ao plano de readaptação (que com a revisão de 2007 passou a ser designado de “plano de reinserção”), pode o tribunal optar pela aplicação de uma das medidas previstas no artigo 55.º do C. P., a saber: fazer uma solene advertência; exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação; prorrogar o período de suspensão.
Quando no decurso da suspensão, o condenado, de forma grosseira ou repetida, viola os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de readaptação, ou comete crime pelo qual venha a ser condenado e assim revele que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por intermédio desta, ser alcançadas, a suspensão é revogada (artigo 56.º, n.º 1, do C. Penal). A revogação determina o cumprimento da pena de prisão (pena principal) fixada na sentença.
Saliente-se que, conforme assinala o Prof. Figueiredo Dias, entre as condições da suspensão de execução da prisão, subjacente mesmo à chamada suspensão simples, avulta a de o condenado não cometer qualquer crime durante o período de suspensão. O cometimento de um crime no decurso do período de suspensão é a circunstância que mais claramente pode pôr em causa o juízo de prognose favorável suposto pela aplicação da pena de suspensão (ob. cit., p. 355).
No que concerne ao crime cometido no decurso da suspensão, porque a lei não distingue, ele pode ser doloso, como pode ser negligente.
Porém, nem mesmo o cometimento de crime desencadeia, de forma automática a revogação da suspensão, pois nos termos da alínea b), do n.º1, do aludido artigo 56.º, mesmo a condenação por um crime cometido no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão só implica a revogação da suspensão se tal facto infirmar, de modo definitivo, o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão, quer dizer, se revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (neste sentido já se pronunciava Figueiredo Dias, na altura de jure condendo, ob. cit., p. 357).
3.1.5 Quando, decorrido o período da suspensão da execução da pena, não existam motivos que possam determinar a sua revogação, a pena é declarada extinta (artigo 57.º, n.º 1, do C. Penal).
Se estiver pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação, ou estiver pendente incidente pelo incumprimento de deveres, regras de conduta ou do plano de readaptação, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e quando não haja lugar à revogação ou à prorrogação do período de suspensão (artigo 57.º, n.º 2, do C. Penal, na redacção em vigor na data da sentença condenatória).
3.2. Feito este excurso pela natureza e regime jurídico da pena de suspensão da execução da pena de prisão, há que analisar as questões a decidir no recurso.
3.2.1. No quadro das conclusões apresentadas, coloca-se, em primeiro lugar, a questão da prescrição da pena principal.
Pretende o recorrente que a pena de prisão em que foi condenado se encontra prescrita pelo decurso do prazo de dez anos previsto no artigo 122.º, n.º1, alínea c), do C. Penal.
Vejamos:
Como se disse supra, a suspensão da execução da pena, como pena de substituição que é, pressupõe que a sentença que a aplique determine, previamente, a pena principal (de prisão) concretamente aplicável ao caso e que vai ser substituída.
Só a revogação da suspensão da execução da pena determinará o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença (pena principal).
Por conseguinte, é facilmente compreensível que o decurso do prazo de prescrição da pena de prisão (pena principal) não possa ocorrer enquanto se mantiver a suspensão (pena de substituição).
Na versão originária do Código Penal, a propósito da suspensão da prescrição da pena, determinava o artigo 123.º, n.º1, alíneas a) e b):
«1 – A prescrição da pena suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) Por força da lei, a execução não possa começar ou continuar a ter lugar;
b) O condenado esteja a cumprir outra pena, ou se encontre em liberdade condicional, em regime de prova, ou com suspensão de execução da pena; (…).»
Com a revisão do Código levada a efeito pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, a matéria da suspensão da prescrição da pena passou a constar do artigo 125.º, com a seguinte redacção:
«1. A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar;
b) Vigorar a declaração de contumácia;
c) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade; ou
d) Perdurar a dilação do pagamento da multa.
2. A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão».
Em relação à versão originária do Código Penal de 1982, nota-se na alínea c) do nº 1 a eliminação da referência à liberdade condicional, ao regime de prova e à suspensão da execução da pena.
Significa essa alteração que o legislador pretendeu eliminar a suspensão da execução da pena como causa de suspensão da prescrição da pena principal?
Diz-nos Maia Gonçalves (Código Penal Português Anotado e Comentado, 18.ª ed., p. 466): «Em relação à versão originária, notam-se agora as referências às medidas de segurança (…) Nota-se ainda, na al. c), do n.º1, a eliminação de referências à liberdade condicional, ao regime de prova e à suspensão da execução da pena. Quanto à primeira, a CRCP não viu razão plausível para que constitua fundamento de suspensão; quanto à segunda e à terceira por se tratar de casos de cumprimento de pena, que portanto cabem na primeira parte do preceito.»
Anteriormente, Figueiredo Dias, reportando-se à alínea b) do artigo 123.º, n.º1, na versão originária do Código Penal de 1982, observava: «(…) a actual al. b) do art. 123.º não tem razão de ser bastante na parte respeitante à liberdade condicional, ao regime de prova ou à suspensão da execução da pena: quanto à primeira porque se não vê razão para que ela constitua fundamento de suspensão; quanto às outras porque elas são “outras penas” e cabem por isso na primeira parte do preceito» (ob. cit., p. 715).
Quer isto dizer que a suspensão da execução da pena, para os citados autores, constitui uma causa de suspensão da prescrição da pena principal, prevista na alínea c), do n.º 1 do artigo 125.º, sendo abrangida pela expressão: «o condenado estiver a cumprir outra pena». Nesta interpretação, a redacção originária do Código Penal pecava por redundância (neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto, de 1 de Março de 2006, proc. 0545190, www.dgsi.pt).
Porém, a circunstância da actual redacção da alínea c) do n.º1 do artigo 125.º referir, no plural, a «pena ou medida de segurança privativas da liberdade» poderá dificultar a apontada interpretação, já que a suspensão da execução, como pena de substituição, não tem a natureza de pena privativa da liberdade.
Em sentido diverso, mas que ainda assim considera o decurso do período de suspensão da execução da pena como suspensivo da prescrição da pena principal, pronunciou-se o S.T.J., por Acórdão de 19 de Abril de 2007 (processo 07P1431, www.dgsi.pt), entendendo que entre o momento da prolação da sentença condenatória e o da revogação da suspensão da pena, a execução da pena (principal) de prisão não pode ser legalmente iniciada, pelo que, durante tal período de tempo, o prazo prescricional se mantém suspenso, nos termos do artigo 125.º, n.º1, alínea a), do C.Penal.
Como refere, com clareza, a Relação de Évora, em Acórdão de 10 de Julho de 2007 (proc. 912/07-1, www.dgsi.pt, tendo como relator o Dr. João Latas), partindo da compreensão da suspensão da execução como verdadeira pena de substituição, só com a decisão que revogue a pena substitutiva e determine a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição desta pena principal.
Realmente, lê-se neste aresto: «não obstante a pena principal ser fixada definitivamente na sentença condenatória e, nessa medida, poder afirmar-se que, do ponto de vista da escolha e determinação concreta da pena (cfr arts 369.º a 371.º do CPP), a mesma é aí aplicada, não pode dizer-se que a sentença condenatória aplicou a pena de prisão para efeitos da sua execução, uma vez que a sua substituição por outra pena privou-a desse efeito-regra, o qual só virá a ser-lhe eventualmente reconhecido por nova decisão judicial, pois a eventual revogação de pena de substituição não ocorre ope legis em caso algum.»
E acrescenta: «Assim, nos casos de substituição não pode falar-se, para todos os efeitos, de aplicação da pena principal na sentença condenatória, pois só o trânsito em julgado de nova decisão judicial que revogue a pena de substituição pode determinar a execução da pena principal. Consequentemente, o dies a quo do prazo prescricional da pena principal, nos termos do art. 122.º n.º2 do C. Penal, ocorre com esta última decisão e não com a decisão condenatória, nos casos em que é substituída por pena de substituição.»
Estas observações, que temos como inteiramente correctas, permitem-nos concluir que só com a decisão que revogue a pena substitutiva de suspensão e determine a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição desta pena principal.
Regressando ao caso em apreço, temos que o prazo de prescrição da pena (principal) de prisão aplicada ao recorrente – prazo de 10 anos, nos termos do disposto no artigo 122.º, n.º1, alínea c), do C.P.) – só começaria a correr com o trânsito em julgado do despacho de revogação da suspensão (pena de substituição).
O despacho que revogou a suspensão da execução da pena foi proferido em 16 de Novembro de 2007 e é precisamente o despacho recorrido, pelo que se conclui, sem esforço, que improcede o recurso quanto à invocada prescrição da pena principal.
3.2.2. Não acaba aqui, porém, a matéria da prescrição.
É que, se a pena principal não prescreveu, importará indagar se a pena de substituição, quando revogada, já não teria prescrito, questão que é de conhecimento oficioso.
Trata-se de matéria pouco tratada, mas de inegável importância, a merecer algumas reflexões.
Como já se disse, repetidamente, a suspensão da execução da pena é, ela própria, uma pena autónoma, de substituição, distinta da pena principal de prisão.
Para além dos casos previstos na Lei n.º 31/2004, de 22 de Julho (crimes de genocídio, contra a humanidade e de guerra), não existem penas imprescritíveis.
Assim, também as penas de substituição, como verdadeiras penas que são, encontram-se sujeitas ao decurso da prescrição.
É sabido que a extinção da pena a que se refere o artigo 57.º, n.º1, do C. P., não é automática. Por um lado, tal extinção tem que ser declarada; por outro, essa declaração só é possível depois de decorrido o prazo da suspensão e desde que se verifique que não há «motivos que possam conduzir à sua revogação», o que significa que, decorrido o período de suspensão, o tribunal deve averiguar da existência de qualquer condenação que obste àquela decisão, ou processo ou incidente pendentes que possam determinar a revogação, porque neste caso a pena só é declarada extinta «quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou prorrogação do prazo de suspensão» (artigo 57.º n.º 2 do C.P.).
Como salientou a Relação de Évora, em Acórdão de 25 de Novembro de 2003 (proc. 2281/03-1, www.dgsi.pt), em lado nenhum se estabelece qualquer limite temporal até ao qual pode ser revogada a suspensão da execução da pena, designadamente nos artigos 56.º e 57.º do C.P., a não ser o eventual decurso do prazo de prescrição da pena, pois estas (as penas) estão sujeitas a prazos de prescrição.
O que significa, afinal, que o condenado não pode ficar, indefinidamente, à espera que se declare a extinção da sua pena ou que a pena de substituição seja revogada, aguardando ad aeternum que o tribunal se decida, finalmente, num ou noutro sentido.
Entendemos, pois, que da natureza da suspensão da execução da pena de prisão como verdadeira pena autónoma, de substituição, decorre a sua necessária sujeição a prazo prescricional, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, sendo aquele prazo o de 4 anos a que se refere o artigo 122.º, n.º1, alínea d), do C. Penal.
No caso em apreço, a sentença condenatória foi proferida no dia 24 de Fevereiro de 1997, não tendo sido objecto de recurso, pelo que transitou em 11 de Março do mesmo ano.
A execução da pena suspensa e o respectivo período de suspensão iniciaram-se com o trânsito em julgado da sentença condenatória, conforme resulta do artigo 50.º, n.º5, do C. Penal.
Verificando-se o não cumprimento da obrigação condicionante da suspensão, o tribunal decidiu, por despacho de 15 de Julho de 1998, prorrogar por um ano o prazo de suspensão, alargando até 30 de Setembro de 1999 o prazo para o cumprimento daquela obrigação.
Só por despacho de 16 de Novembro de 2007, mais de sete anos e oito meses depois de terminado o prazo de suspensão da execução da pena (já considerada a sua prorrogação) decidiu o tribunal a quo revogar a suspensão.
Ora, a nosso ver, salvo melhor opinião, nos casos de suspensão da execução da pena de prisão, concluído o período da suspensão (com a prorrogação entretanto decretada), só a pendência de incidente por incumprimento dos deveres, regras de conduta ou do plano de readaptação (hoje, plano de reinserção), ou a pendência de processo por crime que possa determinar a sua revogação, poderão evitar a extinção da pena pelo decurso do período de suspensão (artigo 57.º, n.º1, do C.P.), mas apenas enquanto não decorrer o prazo prescricional de 4 anos.
No seguimento do Acórdão da Relação de Évora, de 10 de Julho de 2007 (citado supra), também nós entendemos que as penas de substituição constituem penas autónomas, a executar de imediato, em vez da pena principal, sendo elas mesmas susceptíveis de prescrição, se não forem cumpridas ou revogadas, o que vale tanto para multa de substituição e a PTFC como para a pena suspensa, sendo o respectivo prazo prescricional de 4 anos – artigo 122.º, n.º1, alínea d), do C. Penal.
Prescrição que, quanto à pena suspensa, conta-se da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, nos termos do art. 122.º, n.º2, do C.P., mas sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção do prazo de prescrição, estabelecidas nos artigos 125.º e 126.º, do C.P., nomeadamente com a sua execução, que pode consistir no mero decurso do tempo até ao termo do período da suspensão.
Quer isto dizer que a pena suspensa prescreve se o processo estiver pendente 4 anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo fosse prorrogado e sem que a suspensão tivesse sido revogada ou extinta nos termos do artigo 57.º nºs 1 e 2 do C. Penal.
Ora, no caso vertente, alongou-se de forma desmesurada e injustificada o incidente relativo ao incumprimento da obrigação condicionante, chegando mesmo o processo a estar parado, sem andamento relevante, entre Outubro de 1999 e a conclusão por ordem verbal datada de 18 de Junho de 2002, para não falar na insistência em remeter as cartas para notificação do condenado para uma morada em que, repetida e invariavelmente, eram devolvidas com nota de “falta de receptáculo”, obrigando, também invariavelmente, a uma segunda tentativa, por contacto pessoal.
Não é aceitável que, pela morosidade excessiva na resolução do incidente, a decisão sobre a suspensão da execução da pena – revogação ou extinção da pena – tenha sido tomada mais de 11 anos depois da condenação e mais de 7 anos depois de terminado o decurso do período da suspensão (contada a respectiva prorrogação).
Atente-se que em Janeiro de 2006 ainda estava o condenado a ser ouvido no processo, no sentido de até Março desse ano provar o início do pagamento fraccionado da indemnização ao ofendido, quando o prazo alargado para pagamento dessa indemnização (como obrigação condicionante da suspensão) terminara em 30 de Setembro de 1999 e o prazo prorrogado da suspensão da execução da pena findara em Março de 2000.
Termos em que, largamente excedido o referido prazo prescricional, sem que se identifiquem quaisquer causas que o pudessem suspender, há que considerar extinta a pena de substituição, por prescrição, procedendo, assim, ainda que com diferentes fundamentos, o recurso, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões.
III – Dispositivo
Por todo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar procedente o recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido e declarar extinta, pelo decurso do prazo prescricional, a pena de substituição imposta ao recorrente.