Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
110-A/2000.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: COELHO DE MATOS
Descritores: EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
TÍTULO EXECUTIVO
Data do Acordão: 05/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA FIGUEIRA DA FOZ – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 45º E 46º DO CPC E 1353º DO CC
Sumário: A sentença proferida em acção comum sobre a demarcação de dois prédios pertencentes a donos diferentes pode ser executada em acção executiva para prestação de facto.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1. A... e mulher B.... demandaram em acção comum de processo sumário, na comarca da Figueira da Foz, C.... e mulher D.... , para que, além do mais, se definisse a linha divisória entre dois prédios confinantes e se colocassem marcos.

No final foi proferida sentença que, nesta matéria, definiu a linha divisória, declarando que era “constituída por três segmentos de recta, iniciando-se o primeiro a cerca de 50 cm para poente do marco actualmente existente, prolongando-se para norte durante oito metros até encontrar o segundo marco, e deste para norte por onze metros até encontrar o terceiro marco, onde se inicia um terceiro segmento de recta que se prolonga para poente.”

2. Transitada a sentença vieram os réus requerer execução da mesma para cravamento de marcos e o sr. juiz indeferiu liminarmente o pedido com o fundamento de que, tendo a execução por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva – artigo 45º, nº 1, do Código de Processo Civil – e sendo certo que à execução pode servir de base uma sentença condenatória – artigo 46º, al. a) do Código de Processo Civil - não foi, todavia, “o executado condenado a qualquer cravamento de marcos, ao contrário do alegado pelos exequentes, pelo que inexiste, in casu, título executivo que secunde o pretendido pelos exequentes.” (sic).

3. Os exequentes não se conformam e agravam do assim decidido, concluindo:

1. A sentença proferida na acção de demarcação é título executivo. Contém uma ordem dirigida às partes.
2. A acção de demarcação fixou os pontos onde devem ser cravados os marcos identificativos da linha divisória entre prédios de Autores e Réus.
3. A materialização de tal estrema só pode ser efectuada pelo cravamento de marcos.
4. Na ausência do processo especial de demarcação, concretamente da sua fase executiva, revogado pela Reforma de 95, o seu novo enquadramento legal só conduzirá à obtenção do efeito útil da sentença se se lançar mão, na acção executiva, da perícia.

4. Os executados responderam à alegação dos agravantes, concordando inteiramente com os respectivos argumentos e conclusões. Antes de subir o processo a esta Relação, foi proferido um despacho em que o sr. Juiz manteve tabelarmente a sua decisão.

Estão colhidos os vistos legais. Cumpre conhecer e decidir, sendo que os factos a ter em conta são os que acima se deixam descritos.

Está, então, em causa uma única questão: a de saber se a sentença proferida em acção declarativa de demarcação pode constituir título executivo para materialização de estremas com colocação de marcos.

O despacho recorrido entende que, não contendo a sentença demarcatória uma condenação do réu a colocar marcos, esta não cumpre os requisitos legais do título executivo, nos termos dos artigos 45.º e 46.º do Código de Processo Civil. E a ser assim, extinta que foi a acção especial de demarcação, com a reforma do Código de Processo Civil operada pelo Decreto-Lei 329-A/95, que previa uma fase pericial para a colocação no terreno do que se define no papel da própria sentença, as partes ter-se-iam de limitar a trazer consigo a sentença, continuando a digladiar-se entre a leitura da mesma e a certeza da linha divisória. Ou seja, a sentença, no fim de contas, não servia para nada.

O bom senso diz-nos logo que as coisas não podem ser assim. Se o legislador extinguiu algumas acções especiais foi porque entendeu que as questões nelas tratadas, também podiam ser tratadas na acção comum, bastando contar com a coerência do sistema. E se pensarmos que decorre do artigo 1.353.º do Código Civil a obrigação dos proprietários confinantes concorrerem para a demarcação das estremas, então a sentença que define a linha de demarcação contém implícita a condenação das partes no cumprimento da obrigação imposta por tal normativo, sob pena de ter de se considerar uma decisão meramente platónica.

Como se escreveu num acórdão da Relação do Porto (2) “trata-se de uma acção de acertamento ou de declaração da extensão da propriedade, sem que estejam em causa os títulos de aquisição. O que se pretende com este tipo de acções não é solucionar a indefinição quanto à propriedade de certa faixa de terreno, mas sim de conseguir que os proprietários de prédios confinantes colaborem no sentido de demarcarem as respectivas extremas.

A demarcação é a operação material de colocar marcos ou sinais exteriores permanente e visíveis, que assinalem diversos pontos da linha divisória entre dois prédios contíguos.

Ou seja, a demarcação não consiste apenas na determinação da linha divisória, mas também na sua assinalação por meio de sinais externos visíveis e permanentes.

Sabida qual é a linha divisória, só há que fixar no solo marcos de pedra ou outro material, quando não sejam adoptados para esse fim quaisquer sinais naturais existentes nessa linha – Carvalho Martins “in” A Acção de Demarcação, 1988, página 19.

Com a sentença que se pretende executar – proferida em acção que anteriormente à reforma introduzida pelo DL329-A/95 já mencionado se denominava de acção especial de arbitramento e actualmente, acção comum – definiu-se a linha divisória entre os prédios dos aí autores e réus.

O que está em causa no caso em apreço é apenas a questão de se saber como, fixada a linha divisória dos dois prédios estabelecida na sentença, se há-de proceder à demarcação propriamente dita através da colocação de marcos.

No âmbito do estabelecido no Código de Processo Civil antes da reforma que lhe foi introduzida pelo já citado Decreto-Lei 329-/95, a questão estava resolvia com o disposto no n.º5 do artigo.1058º, o qual determinava que fixada a linha divisória, se for necessário cravar marcos, os peritos farão proceder a essa diligência.

Esse artigo – assim como toda a matéria relacionada com as acções de arbitramento – foi revogado por aquele Decreto-Lei porque se entendeu que a prova pericial “(…) se revelará perfeitamente idónea para dar resposta, no quadro do processo comum de declaração, às necessidades e interesses tutelados com a instituição da figura de “arbitramento (…)” – do preâmbulo do citado Decreto-Lei.

Ou seja, das razões da revogação daquele artigo 1058º e seu n.º 5 não se pode concluir que não se possa proceder agora à operação material de demarcação através da uma acção executiva com base em sentença proferida em processo comum de declaração que determinou a linha divisória no caso de uma das partes não colaborar na realização dessa operação.

Respeitando, assim, a garantia de acesso ao tribunais estabelecida no artigo 2º do Código de Processo Civil – com assento constitucional no n.º1 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa – que abrange o direito a um processo de execução, ou seja, o direito a que, através de um órgão jurisdicional se desenvolva e efective toda a actividade dirigida à execução de da sentença proferida pelo tribunal (cfr. Artigo 208º, nº3 da mesma Constituição), evitando-se que as decisões judiciais e garantia de direitos e interesses se reduzam a meras declarações de intenção a favor de uma das partes – Gomes Canotilho e Vital Moreira “in” Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, páginas 163 e seguintes.

Diz-se na decisão recorrida que a sentença dada como titulo executivo não contém qualquer condenação e, portanto, não pode ser executada face ao disposto no artigo.46º, al. a) do Código de Processo Civil.

Salvo o devido respeito, entendemos não ser assim. Conforme acima ficou dito, a acção onde se pede a definição de uma linha divisória entre dois prédios pertencentes a donos diferentes destina-se a marcar essa linha divisória.

Ao declarar essa linha divisória, o tribunal está implicitamente a condenar as partes que não acordaram na definição estabelecida pelo tribunal a cumprirem a obrigação derivada dessa declaração, ou seja, a obrigação de as partes acordarem, colaborarem ou permitirem a colocação de marcos ou outros sinais divisórios que assinalem a divisão declarada judicialmente.

No caso de essa prestação não ser voluntariamente efectuada, não vemos outra alternativa senão a realização coactiva dela, “bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção”, conforme se dispõe na última parte do n.º 2 do artigo 2º do Código de Processo Civil já referido.

Sendo que o meio processual mais adequado para o efeito é o processo de execução para prestação de facto, com as adaptações necessárias às especificidades da causa, permitidas face ao princípio da adequação formal estabelecido no artigo 265-A do mesmo diploma – neste sentido, ver o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.11.26 relatado pelo Conselheiro Fernandes Magalhães e publicado na base de dados do Ministério da Justiça. Concluímos, pois, que a sentença proferida em acção comum sobre a demarcação de dois prédios pertencentes a donos diferentes pode ser executada em acção executiva para prestação de facto.”

É exactamente assim que entendemos e concluímos, pelo que damos por procedentes as conclusões da alegação dos recorrentes (e recorridos !!!).

5. Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que dê prosseguimento à acção executiva. Custas a final.