Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1810/05.8TBTNV-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VÍTOR
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
Data do Acordão: 04/28/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TORRES NOVAS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1 905º DO CÓDIGO CIVIL E 1º DA LEI 75/98 DE 19 DE NOVEMBRO
Sumário: 1) Para fixar a medida de alimentos a prestar pelos progenitores em relação aos filhos menores ou incapazes não existe um modelo fixo mau grado se possa lançar mão de fórmulas matemáticas em uso noutros países, nomeadamente a fórmula de Melson aplicada nos Es­tados Unidos. Não dispensa todavia tal aplicação ao caso concreto o necessário ajustamento por via da equidade.
2) Debatem-se na Jurisprudência duas correntes quando não se consiga apurar o rendimento do devedor de alimentos: a primeira entende que não é possível fixar uma pensão alimentar; a segunda propende sempre para tal fixação.

3) Optamos pela segunda orientação, já que em caso de verdadeira incapacidade, sempre o obrigado a alimentos poderá prová-la com facilidade; e por outro lado, a fixação de uma prestação alimentar é condição sine qua non para que, em caso de incumprimento, o FGADM possa intervir já que nos termos do artigo 1º da Lei 75/98 de 19 de Novembro, tal depende de o devedor ser judicialmente obrigado a prestar alimentos e ter incumprido tal obrigação.

4) Todavia o Tribunal deverá procurar sempre co­lher outros elementos coadjuvantes em ordem a proferir uma decisão acertada; constitui (à partida) um desses elementos o conhecimento do montante de alimentos que o requerido noutras ocasiões aceitou como razoável para os filhos

Decisão Texto Integral: 1. RELATÓRIO.

     Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

    A.... instaurou a presente acção de alteração da regulação do exercício do poder paternal contra B... e relativo à menor C.... e ao maior interdito D....., nascidos, respectivamente, em 06/11/1993 e em 28/08/1986, requerendo que poder paternal lhe seja atribuído e seja fixada uma pensão de alimentos no montante de € 1.000,00. Paralelamente invoca ainda situações de incumprimento por parte do progenitor, alegando existir, além do mais, uma dívida, a título de pensão de alimentos, no montante de € 4.110,62.

     Foi citado o requerido para alegar o que tivesse por conveniente, nos termos do artº 182º, nº 3 da OTM (fls. 23).

     Pelos progenitores foram apresentadas alegações e arrolada prova testemunhal.

     Foi realizada conferência de pais, não tendo os progenitores chegado a acordo (fls. 96).

     Neste seguimento, foram notificados para apresentar alegações, o que fizeram, bem como solicitados inquéritos sociais.

     Pelo Instituto de Reinserção Social foi elaborado relatório social sobre os progenitores.

     Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, com respeito pelas formalidades legais, conforme consta da respectiva acta.

     Os progenitores chegaram a acordo quanto ao invocado incumprimento (fls. 258 e 259), bem como em relação a determinados aspectos do exercício do poder paternal, com excepção do montante da pensão de alimentos (fls. 263 a 267).

     No termos do julgamento o Sr. Juiz proferiu sentença em que:

     - Manteve o exercício do poder paternal da menor C... e de D.... nos termos já definidos e acordados pelas partes.

     - Determinou que progenitor pague, a título de alimentos, para os dois filhos, a quantia mensal e global de € 600,00 (seiscentos euros), a entregar à progenitora até ao dia 8 do mês a que respeitar, actualizada em Janeiro de cada ano em percentagem idêntica ao índice de aumento de preços no consumidor publicado anualmente no INE.

     Daí o presente recurso de apelação interposto pelo Requerido, o qual no termo da sua alegação pediu que se estabeleça a obrigação de pensão de alimentos devidos à filha menor e ao filho maior interdito que respeite e obedeça ao princípio critério aferido pelas possibilidades daquele que os vai prestar e pelas necessidades dos beneficiários da prestação.

     Foram para tanto apresentadas as seguintes,

    

     Conclusões.

     1) Vem o presente recurso de apelação interposto da decisão proferida no presente incidente de incumprimento do poder paternal determinando que “... o progenitor pague, a título de alimentos, para os dois filhos, a quantia mensal e global de 600,00 €, a entregar à progenitora até ao dia 8 do mês a que respeitar, actualizada em Janeiro de cada ano em percentagem idêntica ao índice de aumento de preços do consumidor publicado anualmente no INE.

     2) Decisão com que o requerente não se pode conformar pois que existe uma clara contradição, uma incorrecta apreciação da prova produzida e da factualidade dada como provada e a fundamentação e dispositivo que dela resultou.

     3) O requerente pai aceita a matéria de facto dada como provada, porquanto a mesma traduz de facto a realidade do que se passou em audiência de discussão e julgamento. Porém, as normas insertas nos artigos 2003º e 2004", ambos do Código Civil, deveriam ter sido interpretadas e aplicadas, em atenção à necessidade de assegurar aos menores um nível de vida correspondente à condição económica e social da família e não apenas em função da necessidade dos alimentandos e da possibilidade do alimentante pai.

     4) Que de resto não se encontra minimamente fundamentada. Não são reconhecidos ao pai quaisquer rendimentos que não a renda de 350,00 € (que é comum ao casal) proveniente do arrendamento da fracção de Sacavém.

     5) O sustento dos filhos menores deverá ser assim suportado por ambos os progenitores, tomando em linha de consideração os rendimentos do trabalho ou de outra proveniência, bem como as despesas decorrentes das necessidades de vivência quotidiana, assente porém em critérios de proporção e de equilíbrio.

     6) Acontece que a decisão proferida não toma em linha de conta qualquer um destes factos/critérios. Em bom rigor, constata-se que, a soma dos valores que a mãe recebe e administra (350,00 € + 353,00 € + 42,00 €), num total de 745,00 €, com a pensão de alimentos a que o pai foi condenado no valor de 600,00 €, traduz uma “receita global" no valor de 1.345,00 €, da qual a mãe não contribui nem com um cêntimo.

     7) É que nem tão pouco é estabelecida a pensão de alimentos tendo em consideração as necessidades dos filhos em função da idade e das capacidades físicas e intelectuais de cada um, com as despesas, sustento e educação consideradas atentas as suas diferentes necessidades.

     8) O que é certo é que o pai não aufere rendimentos suficientes que lhe permitam o pagamento da pensão de alimentos a que foi condenado, vendo-se todos os meses em situação de incumprimento.

     9) O nível de vida da menor e do filho maior interdito tem de ser aferido pelos dois seus progenitores, assim como também pela sua posição na vida. Daí, poder dizer-se, que as necessidades dos menores são tanto maiores ou menores quanto maiores ou menores forem as possibilidades dos progenitores. A pensão de alimentos deve assim ser ajustada a esta realidade.

     10) Tudo se deve avaliar pois, na correlação possibilidade de quem dá – necessidade de quem recebe, o que na decisão apelação não foi observado.

     Contra-alegaram a mãe do menor e o Exmo. Magistrado do Ministério Público pugnando pela confirmação do julgado.

     Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

                           *

     2. FUNDAMENTOS.

     Com interesse para a decisão da causa mostram-se provados os seguintes,

     2.1. Factos.

     2.1.1. C... nasceu no dia 6 de Novembro de 1993, tendo actualmente 15 anos de idade (fls. 9).

     2.1.2. D.... nasceu no dia 28 de Agosto de 1986, tendo actualmente 22 anos de idade (fls. 8).

     2.1.3. São filhos de A....e de B.....

     2.1.4. Os progenitores contraíram casamento católico em 15 de Abril de 1984 (fls. 7 dos autos RPP), tendo-se separado de facto em 21 de Maio de 2005.

     2.1.5. O filho maior foi interditado por sentença proferida em 29 de Junho de 2005, tendo sido nomeado tutor o seu pai, B.... (fls. 8 e fls. 10 a 18 autos de RPP).

     2.1.6. Nos autos de RPP apensos os progenitores acordaram, entre o mais, que:

     - Quanto ao poder paternal e guarda: “1. O poder paternal da menor e do filho interdito equiparado a menor será exercido por ambos os progenitores de acordo com o disposto no artº 1 906º, nº 1, do CC. 2. Para tanto, os filhos ficarão confiados à guarda conjunta de ambos os outorgantes, em casa de cada um dos quais residirão um com o outro, alternadamente, de segunda a segunda-feira e aos quais incumbirá, durante a semana respectiva, assegurar o seu acompanhamento, educação, saúde e bem-estar. (...)” (cfr. fls. 195 e 196).

     - Quanto aos alimentos: “1. O requerido pagará a título de alimentos para o filho maior interdito e para a filha menor a quantia mensal de € 500,00 (quinhentos euros), até ao dia 8 de cada mês, a transferir para a conta bancária a indicar pela requerente, vencendo-se a primeira no próximo dia 8 de Maio do corrente ano (leia-se 2007). 2. Todas as despesas de carácter extraordinário (cirurgias, próteses, cadeiras de rodas, reparação ou alteração da cadeira de rodas) serão suportadas na proporção de metade para cada um dos progenitores. 3. O requerido assume, até ao final do presente ano lectivo, a mensalidade total do colégio da menor C..... (...)” (fls. 246 dos autos de RPP).

     2.1.7. Os filhos residiam, de forma alternada, com cada um dos progenitores, detendo ambos o poder paternal.

     2.1.8. O progenitor nasceu no dia 13 de Maio de 1952, tendo actualmente 57 anos de idade.

     2.1.9. O progenitor encontra-se actualmente divorciado da mãe da C.... e do D....e reside na .....

     2.1.10. Ao progenitor não é conhecida qualquer actividade profissional, vivendo de rendimentos e de ajuda familiar, designadamente da sua mãe.

     2.1.11. O progenitor reside numa casa cedida pela sua mãe.

     2.1.12. A progenitora nasceu no dia 19 de Junho de 1961, tendo actualmente 48 anos de idade.

     2.1.13. A progenitora encontra-se actualmente divorciada do pai da C.... e do D....e reside na Rua .....

     2.1.14. O apartamento onde reside foi cedido pelo seu irmão.

     2.1.15. À progenitora não é conhecida qualquer actividade profissional, vivendo de rendimentos e de ajuda familiar, designadamente do seu irmão.

     2.1.16. Na semana em que está com os filhos é apoiada por uma senhora que a auxilia no tratamento do D....a quem paga cerca de € 130,00 por mês, sendo este montante superior se existirem deslocações a consultas.

     2.1.17. Os progenitores eram proprietários de uma sociedade de panificação que encerrou em 30/07/2008.

     2.1.18. Os progenitores detêm património em comum, não tendo sido feita ainda a partilha dos bens comuns do casal.

     2.1.19. A família de origem de ambos os progenitores dispõe de algum património e rendimentos.

     2.1.20. Os progenitores têm uma casa arrendada, sendo que o montante da renda - € 350,00 – tem sido encaminhado para a progenitora para sustento dos filhos do casal.

     2.1.21. O D....frequenta o CERE no Entroncamento pagando € 79,00 por mês.

     2.1.22. O D....beneficia de uma pensão de invalidez no montante de € 353,00.

     2.1.23. Frequenta ainda sessões de fisioterapia, pagando € 200,00 por mês.

     2.1.24. O D....desloca-se, conduzido por terceiro, numa carrinha de marca "Citroen", modelo "Berlingo", com a matrícula 00-00-VT, segurada na Companhia de Seguros .... pela Apólice n.º ...., pagando € 348,35.

     2.1.25. A C.... frequenta o Colégio ..... pagando uma mensalidade no montante de € 281,03.

     2.1.26. Frequenta ainda o Inglês pagando € 194,00 por trimestre.

     2.1.27. A C.... tem um abono mensal no montante de € 42,00.

     2.1.28. A progenitora suporta ainda mensalmente a quantia de € 100,00 relativa a despesas médicas e medicamentosas.

     2.1.29. Bem como cerca de € 200,00 com as despesas correntes da vida familiar, designadamente alimentação, água, luz, gás e condomínio.

     2.1.30. A progenitora suporta ainda as despesas escolares no montante de cerca de € 30,00 por mês.

     2.1.31. Em 23 de Junho de 2009, a fls. 260, foi acordado além do mais, que o exercício do poder paternal relativamente à menor C.... , será exercido pela progenitora à guarda da qual ficará.

     De igual forma foi alterada a tutela do filho interdito D....que passou a ser exercida pela mãe e a residir na casa desta.

                           +

     2.2. O Direito.

     Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

    

     - Os alimentos devidos a menores e critérios para a respectiva fixação.

                           +

     2.2.1. Os alimentos devidos a menores e critérios para a respectiva fixação.

    

     O processo de regulação do poder paternal tem por objecto decidir do destino dos filhos, fixar os alimentos a estes devidos e forma da respectiva prestação e ainda fixar o regime de visitas no tocante ao progenitor que não tem a seu cargo as crianças – artigo 1 905º do Código Civil. Na prossecução das aludidas finalidades deverá sempre que possível privilegiar-se uma solução de consenso com respeito pelo interesse do menor, devendo o Tribunal recusar uma solução que não defenda adequadamente tal interesse; e na falta de consenso decidirá o Tribunal sempre orientado por aquele escopo, devendo atentar especialmente no interesse em que o menor mantenha o contacto com progenitor que não tem a guarda dos menores.

     No caso vertente, ultrapassadas as outras questões que a problemática da regulação do poder paternal suscita, resta apenas encarar com mais pormenor a obrigação alimentar. 

     O dever de alimentos está englobado no conjun­to dos deveres inerentes ao poder paternal, nomea­damente o artigo 1 878º ao referir que “compete a ambos os pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros e admi­nistrar os seus bens". Vigorando o poder paternal ou quando fun­ciona a tutela, a lei pressupõe que o menor não irá cair numa situação a que os artigos 2 003º ss do Código Civil pretendem acudir. A questão só surge primordial­mente com a falta de acordo entre os proge­nitores; passa então o poder paternal a ser exercido unicamente por um deles – artigo 1 903º a 1 909º do Código Civil - colocando-se então a temática do dever de ali­mentos da parte do outro progenitor, que tendo capa­cidade para tanto, está obrigado a prestá-los. Ora os alimentos, estatui o artigo 2 004º nº 1 do Código Civil – devem ser proporcionados aos meios daquele que houver que prestá-los e à necessidade daquele que houver que recebê-los. Por seu turno o nº 2 do citado normativo legal estatui que “na fixação de alimentos atender-se-á outrossim à pos­sibilidade de o alimentando prover à sua subsistên­cia”.

     A sentença em crise decidiu condenar o requerido B..., pai da menor e interdito, no pagamento, além do mais, da quantia de € 600,00 mensais a título de alimentos para estes.

     Com tal decisão não se conformou o requerido que pede a fixação de uma pensão dentro das suas possibilidades para a satisfazer

     Estatui o artigo 1 878º do Código Civil - Diploma ao qual pertencerão os restantes normativos a citar sem menção de origem - que “Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens”. Por seu turno o artigo 2 003º refere que “1. Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário.

     2. Os alimentos compreendem também a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor”.

     Ambos os progenitores estão obrigados a alimentos e na falta de acordo quanto a esta matéria, considerar-se-á o disposto nos artigos 1 905º e 174º ss da OTM.

     Quanto à medida de alimentos – reza o artigo 2004º- “1. (…) serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.

     2. Na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência”.

     Reporta-se o presente recurso à fixação de uma prestação alimentar. Não existe entre nós um modelo para fixação de alimentos nomeadamente a menores, ao

contrário do que vai sucedendo em diversos países nomeadamente nos USA[1]. Não quer isto dizer que as fórmulas não possam ser utilizadas para garantir a uniformidade de critérios e apenas como princípio de orientação. Na verdade porém as mesmas não dispensam um momento de equidade, aqui muito relevante, já que nos movemos num sector em que o bom senso, acompanhado da experiência acumulada constituem os instrumentos mais adequados à realização da justiça do caso concreto.

     Uma das aludidas fórmulas mais usadas é a de Melson que, para o cálculo da pensão, parte primeiro do rendimento líquido dos pais estabelecendo uma reserva mínima de auto-sobrevivência dos mesmos. Estabelece-se de seguida um cálculo quanto às necessidades básicas da criança. Encontrado o rendimento mínimo dos pais este só poderá registar aumento se as aludidas necessidades da criança não se encontrarem satisfeitas.

     Entrando na resolução deste caso haveremos de convir que o mesmo se afasta do comum na medida em que não sabemos em concreto qual o rendimento mensal do requerido. De palpável sabemos apenas que aufere a renda de um prédio que possui no valor de € 350,00 por mês.

     Perante estes dados só há duas vias de solução: uma delas, a que se prende como o teor literal da lei e que fazendo depender a atribuição da pensão da prova concreta da capacidade contributiva do progenitor não fixa uma pensão que não esteja estritamente justificada pelos rendimentos efectivamente provados existir da parte daquele. Outra orientação, mais pragmática, fixa o contributo da parte do devedor tendo em linha de conta ser comum que este muito frequentemente coloca sucessivos entraves ao apuramento das suas possibilidades financeiras, inclusive trabalhando em áreas onde se torna difícil apurar os respectivos rendimentos, não raro para evitar cumprir as suas obrigações para com os credores. Porém e acima de tudo há a considerar que a fixação de uma prestação alimentar da parte do progenitor é essencial para que em caso de incumprimento o FGADM possa intervir já que nos termos do artigo 1º da Lei 75/98 de 19 de Novembro, tal depende de o devedor ser judicialmente obrigado a prestar alimentos e ter incumprido tal obrigação.

     A solução adoptada procura equilibrar o direito do credor a receber os alimentos a que tem ius; por outro lado o direito do obrigado a não ser privado de uma vida digna através do cumprimento coercivo; só que da parte deste último há um dever indeclinável de prestar os alimentos aos necessitados em virtude da paternidade assumida; e por outro lado, muito embora o Tribunal entre ao decidir numa zona de penumbra, não deixa de ser certo que eventualmente forçado a defender-se por agressão no seu património, sempre poderá o obrigado provar a sua efectiva incapacidade de cumprir a sua indeclinável obrigação. Entre uma solução garantística cómoda que favorece o devedor relapso e outra que indo mais longe e ao âmago promove a justiça material, esgotando tanto quanto possível a investigação da capacidade do obrigado propendemos claramente para esta última.

     Isto não quer dizer que o Tribunal não possa e deva socorrer-se de todos os elementos ao seu alcance em ordem a conseguir à partida uma solução tão acertada quanto possível nos casos que analisa. Ora situação concreta há um elemento coadjuvante; o próprio requerido acordou já como se pode ver através do relatório da presente acção no pagamento de uma pensão de € 500,00; e esta parece-nos razoável tudo ponderando nomeadamente os encargos que já suporta com os filhos[2] quando confrontados com os da mãe e a sua situação de carência.   

     Pelo exposto a apelação terá parcialmente que proceder

     Termos em que entendemos concluir o seguinte:

    

     1) Para fixar a medida de alimentos a prestar pelos progenitores em relação aos filhos menores ou incapazes não existe um modelo fixo mau grado se possa lançar mão de fórmulas matemáticas em uso noutros países, nomeadamente a fórmula de Melson aplicada nos Es­tados Unidos. Não dispensa todavia tal aplicação ao caso concreto o necessário ajustamento por via da equidade.

     2) Debatem-se na Jurisprudência duas correntes quando não se consiga apurar o rendimento do devedor de alimentos: a primeira entende que não é possível fixar

uma pensão alimentar; a segunda propende sempre para tal fixação.

     3) Optamos pela segunda orientação, já que em caso de verdadeira incapacidade, sempre o obrigado a alimentos poderá prová-la com facilidade; e por outro lado, a fixação de uma prestação alimentar é condição sine qua non para que, em caso de incumprimento, o FGADM possa intervir já que nos termos do artigo 1º da Lei 75/98 de 19 de Novembro, tal depende de o devedor ser judicialmente obrigado a prestar alimentos e ter incumprido tal obrigação.

     4) Todavia o Tribunal deverá procurar sempre co­lher outros elementos coadjuvantes em ordem a proferir uma decisão acertada; constitui (à partida) um desses elementos o conhecimento do montante de alimentos que o requerido noutras ocasiões aceitou como razoável para os filhos

                           *

     3. DECISÃO.

     Pelo exposto acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e assim revogando nessa medida a sentença apelada condena-se o requerido B.... a pagar, a título de alimentos, para os dois filhos, a quantia mensal e global de € 500,00 (quinhentos euros), a entregar à progenitora até ao dia 8 do mês a que respeitar, actualizada em Janeiro de cada ano em percentagem idêntica ao índice de aumento de preços no consumidor publicado anualmente no INE.

     Custas do recurso na proporção de 5/6 para o Apelante e 1/6 para a apelada.

      [1] Cfr. os informes que nos dá Maria Clara Sottomayor quanto a várias fórmulas matemáticas utilizadas in “Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio” Almedina, Coimbra, 2002 4ª Edição, pags 206 ss. Muito recentemente cfr. Manuel Lopes Madeira Pinto "Fixação da Pensão de Alimentos a Menores" in Lex Familiae Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 6, nº 11 2009, pags. 71 ss.

      [2] Anote-se que o requerido aceitou suportar metade das despeas escolares médicas e medicamentosas com os filhos no acordo de fls. 261.