Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2621/04.3TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GREGÓRIO SILVA JESUS
Descritores: CONTRATO DE SEGURO DE GRUPO
SEGURO DE VIDA
NATUREZA JURÍDICA
Data do Acordão: 01/13/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU –1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 426º DO CÓDIGO COMERCIAL, E 1º, AL. F), DO D. L.Nº 176/95, DE 26/07.
Sumário: I – O contrato de seguro de grupo é um contrato formal, obrigatoriamente reduzido a escrito, num documento ad substantiam, integrante das condições gerais, particulares e especiais, que constitui a apólice do seguro – artºs 426º do Código Comercial, e 1º, al. f), do D. L. nº 176/95, de 26/07.

II – Também é um contrato de adesão, na medida em que as cláusulas contratuais gerais são elaboradas sem prévia negociação individual e em que os proponentes ou destinatários se limitam a subscrever o contrato.

III – A seguradora celebra um contrato com o tomador de seguro e garante aos aderentes as coberturas resultantes desse contrato.

IV – A doutrina mais recente vem entendendo que o contrato de seguro de vida é um contrato a favor de terceiro, tal como é delineado nos artºs 443º a 451º do C. Civ..

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

           


A..., veio instaurar a presente acção declarativa comum, sob a forma ordinária, contra B..., peticionando a condenação desta a liquidar ao autor:

- a quantia de €56.888,42, a título de restituição das quantias indevidamente pagas pelo autor ao C..., desde a declaração de invalidez total e permanente (1/01/2001) até 2 de Outubro de 2004;

- as prestações que desde essa data e até à decisão da acção o autor venha a liquidar ao C..., por conta dos empréstimos de crédito à habitação contraídos e abrangidos pela apólice de seguro;

- a quantia que até à data da decisão desta causa o autor for devedor ao C..., por conta dos empréstimos e apólice;

- a quantia de  €1.270,50, com referência às prestações de seguro de vida de apólice nº16.000.596, liquidadas pelo autor à ré, desde Janeiro de 2001 até à presente data, acrescidas daquelas que vierem a ser liquidadas até à decisão da presente lide;

- quantias acrescidas de juros de mora que, à taxa legal, se venceram sobre as prestações liquidadas pelo autor, bem como os vincendos sobre as prestações que, a partir da data da propositura da acção até integral e efectivamente pagamento, o autor vier a liquidar à ré.

Para tanto, alegou em síntese:

- que exerceu durante mais de 30 anos funções profissionais no então Banco Predial Português;

- que ele, autor, e o C... celebraram em 18/12/2000, um acordo nos termos do qual foi reconhecida a situação de invalidez do autor;

- à data em que foi declarada a invalidez total e permanente do autor este era titular perante o C... de três empréstimos bancários;

- Em Janeiro de 2001, data em que foi reconhecida a invalidez total e permanente do autor este era portador de três seguros de vida grupo, os quais, tendo como seguradora a ora ré, se destinavam a garantir, além da morte e sobrevivência do autor, a invalidez total e permanente para o trabalho;

- o C... figura na apólice de seguro como tomador e seu beneficiário, com referência ao capital em dívida à data da invalidez do segurado autor;

- o autor, enquanto titular e pessoa segura do ramo vida, beneficia do direito à liquidação dos empréstimos que havia contraído junto do C...;

- o autor já solicitou por diversas vezes à ré que procedesse à liquidação dos empréstimos em causa, o que a mesma recusa;

- o autor tem procedido mensalmente à liquidação ao C... das prestações entretanto vencidas, das quais tem direito a ser restituído pela ré;

- o contrato de seguro firmado entre o autor e a ré deveria ter tido o seu termo à data em que foi declarada a invalidez permanente do autor, o que não ocorreu;

- sendo certo que o autor tem direito a ser restituído da quantia que indevidamente liquidou à ré relativa ao pagamento mensal do seguro de vida.

Regularmente citada, a ré apresentou contestação, por excepção e impugnação.

Excepcionando, alegou:

- o contrato a que o autor se refere é um contrato de seguro que obriga a ré, como seguradora e o C..., como tomador de seguro.

- o referido contrato de seguro teve, nomeadamente, por objecto de risco seguro a invalidez total e permanente do autor.

- tal contrato de seguro teve como beneficiário o C....

- o contrato de seguro em causa está associado à celebração de dois contratos de mútuo celebrados entre a pessoa segura (o autor) e o tomador de seguro (o C...).

- tais seguros de vida são feitos em beneficio do banco que, por via disso, pretende assegurar o recebimento do capital mutuado, em divida à data do eventual sinistro que envolve o mutuário.

- é o banco que celebra o contrato de seguro de vida grupo com a seguradora, fazendo-o em beneficio próprio uma vez que tal contrato é feito no seu interesse próprio e não do seu cliente mutuário.

- de tais factos resulta que o autor carece do direito de exigir da ré o pagamento do valor do capital seguro correspondente ao valor em dívida ao C... relativamente aos empréstimos identificados, uma vez que apenas o banco tem direito o direito de o exigir da ré.

Mais alegou que não celebrou contrato de seguro de vida tendo por objecto a garantia do pagamento do empréstimo nº 563-1001170928, contrariamente ao que é alegado pelo autor.

Impugnou a genuinidade, valor probatório, letra, assinatura, texto e contexto dos documentos nº 1,2,3,4 juntos pelo autor, alegando ser alheio a qualquer acordo celebrado entre o autor e a então sua entidade patronal, para além de que na origem da incapacidade invocada pelo autor está uma doença do foro neuro psiquiátrico, a qual está expressamente excluída das garantias do contrato.

Em sede de réplica, respondeu o autor à excepção deduzida pela ré, invocando que o titular do seguro é a pessoa em nome de quem é feito o seguro de vida, não é nem faria sentido que fosse a instituição de crédito em causa, em prejuízo do respectivo segurado.

O autor enquanto titular e pessoa segura beneficia do direito à liquidação por parte da ré dos empréstimos contraídos junto do C....

No despacho saneador julgou-se do mérito da acção absolvendo-se a ré do pedido, considerando-se não poder o autor, porquanto não beneficiário do contrato de seguro de vida celebrado, exigir o cumprimento do mesmo.

O Acórdão desta Relação de fls. 129 a 135 revogou esta decisão ordenando o prosseguimento dos autos com a necessária selecção da matéria dos autos.

Saneado e condensado o processo veio a acção a ser julgada improcedente absolvendo a ré do pedido.

Inconformado, apelou o autor que conclui da seguinte forma as alegações que apresentou:

[...]

A ré contra-alegou defendendo a manutenção do julgado.

            Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

ªªª

            As conclusões do recorrente – balizas delimitadoras do objecto do recurso (arts. 684º nº 3 e 690º nº 1 do Cod. Proc. Civ.) – consubstanciam uma única questão: a de saber se o recorrente tem ou não direito a exigir da recorrida a liquidação das importâncias que reclama na petição inicial.

            Tendo em conta o conteúdo da sentença apelada e das conclusões da alegação do recorrente e da recorrida, a resposta à referida questão pressupõe a análise das seguintes sub-questões:

            - natureza jurídica do contrato de seguro de grupo e posição do autor/recorrente no mesmo contrato;

            - se o risco previsto no contrato de seguro se encontra, ou não, preenchido;

            - se o recorrente pode impor o acordo de reforma por invalidez celebrado com a sua entidade patronal à recorrida seguradora.

ªªª

                                                               


I I – FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

Mostram-se assentes os seguintes factos:

 

1º A ré B... e o Banco “C...” outorgaram um contrato de seguro com a apólice nº16.000596. (cf. a) matéria assente)

 2º Que se destinava a garantir, além da morte e sobrevivência do autor, a morte por acidente ou por acidente de circulação, bem como a invalidez total e permanente para o trabalho. (cf. b) matéria assente)

 3º O contrato de seguro está associado à celebração de dois empréstimos bancários entre o autor e o Banco “C...” com os nº 541-010098444, no valor inicial de €67.337,72, e nº563-100077769, no valor inicial de €29.927,87. (cf. c) matéria assente)

4º Em 1 de Janeiro de 2001 o autor era titular perante o C... do empréstimo bancário nº 563-1001170928. (cf. d) matéria assente)

5º O autor já solicitou por diversas vezes à ré que procedesse à liquidação de todos os empréstimos bancários por si titulados junto do Banco “C...”. (cf. e) matéria assente)

 6º A ré recusa-se proceder a essa liquidação. (cf. f) matéria assente)

7º O autor tem procedido mensalmente à liquidação ao C... das prestações vencidas desde Janeiro de 2001 até à data da entrada da PI em juízo dos empréstimos com os nº541-010098444 e 563-100077769. (cf. g) matéria assente)

8º Em 6 de Novembro de 2002, a dívida pelos empréstimos referidos em G da matéria assente eram de €30.733,29 e €14.435,25. (cf. h) matéria assente)

9º O autor, durante mais de 30 anos, exerceu funções, mediante contrato de trabalho, no Banco Predial Português, S.A., sociedade aberta, com sede na Rua Augusta, 237, em Lisboa.

10º Em Dezembro de 2000, o autor possuía a categoria profissional de gerente a que correspondia o nível 12 previsto no Acordo Colectivo Trabalho Vertical do Sector Bancário.

11º Nesta data, para efeitos desse ACTV, o autor tinha uma antiguidade de 31 anos de serviço.

12º O autor e o C..., celebraram em 18 de Dezembro[1] de 2000, um acordo.

13º Nos termos do qual, foi reconhecida a situação de invalidez do autor.

14º Mais foi acordado que a situação de invalidez reconhecida produzia efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2001, data a partir da qual cessou o contrato de trabalho que vigorava entre as partes.

15º O contrato de seguro referido em a) da matéria assente está também associado à celebração do empréstimo bancário referido em d) da matéria assente.

16º Em 6 de Novembro de 2002, a dívida pelo empréstimo bancário nº563 – 1001170928 era de €40.800,65.

17º O autor procedeu mensalmente à liquidação ao C... das prestações vencidas desde Janeiro de 2001 até à da entrada da petição inicial em juízo do empréstimo 563 – 1001170928.

18º Desde Janeiro de 2001 a Agosto de 2004 que o autor procedeu ao pagamento mensal do prémio do seguro de vida referido em a) da matéria assente.

19º No montante global de €1.270,50.

20º E continua a pagar desde então.


ªªª

            DE DIREITO

            Da leitura da síntese conclusiva resulta que apenas uma questão é posta à nossa consideração, qual seja a de saber se o recorrente tem ou não direito a exigir da recorrida a liquidação das importâncias que reclama na petição inicial.

A decisão da 1ª Instância, argumentando que o acordo celebrado entre o C... e o autor não vincula a ré seguradora, é eficaz apenas entre as partes subscritoras, além de que não se provou que o autor estivesse de facto numa situação de “invalidez total e permanente” para efeitos do contrato de seguro complementar dos autos, desatendeu o pedido do autor /recorrente.

A discordância do recorrente vai no sentido de que o atestado médico que sustenta a sua reforma por invalidez acordada com o C... é fundamento bastante para preenchimento das condições do contrato de seguro, bem como o segurador é obrigado a acreditar no segurado de uma maneira particular e o segurado é, por sua vez, obrigado a comportar-se com absoluta franqueza e completa lealdade.

Vejamos, então.

A) Natureza do contrato de seguro de grupo e posição do autor/recorrente no mesmo contrato

Tendo em conta a factualidade acima mencionada, estamos perante um contrato de seguro de grupo, ramo “Vida”, outorgado entre o Banco “C...” como tomador de seguro e beneficiário, e a ré/recorrida, B..., na posição jurídica de seguradora, a qual garantiu o pagamento do crédito concedido pelo banco ao autor, para além da morte e sobrevivência do autor, a morte por acidente ou por acidente de circulação, bem como a invalidez total e permanente para o trabalho, com a apólice nº16.000596.

 O autor/recorrente limitou-se a aderir a tal apólice de seguro de grupo, para o que a ré emitiu os respectivos certificados individuais de acordo com os quais o titular se encontra abrangido como Pessoa Segura, conforme documentos de fls. 22 e 23.

Trata-se de um seguro de grupo associado à celebração de dois contratos de mútuo entre a pessoa segura e o tomador de seguro.

Com tal contrato pretendeu aquela instituição bancária assegurar o recebimento do capital mutuado que estivesse em dívida à data de eventual sinistro que afectasse o mutuário.

Acerca de um contrato desta natureza importa referir que o contrato de seguro é “o contrato pelo qual a seguradora, mediante retribuição pelo tomador do seguro, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, à indemnização de prejuízos resultantes, ou ao pagamento de valor pré-definido, no caso de se realizar um determinado evento futuro e incerto[2]

É um contrato formal, já que deve ser reduzido a escrito num instrumento que constitui a apólice de seguro, documento ad substantiam, integrante das condições gerais, particulares e especiais se for o caso (artigos 426º do Código Comercial e 1º, al.f), do Dec.Lei nº 176/95, de 26 de Julho).

É igualmente um contrato de adesão na medida em que as cláusulas contratuais gerais são elaboradas sem prévia negociação individual e que proponentes ou destinatários se limitam a subscrever.

Rege-se tal contrato pelas estipulações gerais, especiais e particulares constantes da respectiva apólice e, nas partes omissas ou insuficientes, pelo disposto no Código Comercial e, na falta de previsão deste, pelo disposto no Código Civil (arts. 3º e 427º Cod.Comercial).

Mas o seguro de grupo é um contrato complexo pois que se forma em dois momentos e se torna trilateral.

Inicialmente constituído por um plano de seguro de um determinado ramo contratado entre o tomador de seguro e a seguradora depois converte-se em tantos contratos de seguro quantas forem as adesões, promovidas pelo tomador.

A seguradora tem de celebrar o contrato com o tomador do seguro, que irá constituir a base e definir o conteúdo dos contratos de seguro dos aderentes, para que o contrato de seguro de grupo tenha eficácia ou produza efeitos quanto a direitos e obrigações entre ela e o segurado. Só com a adesão dos membros do grupo é que passam a surgir os segurados, e cada adesão representa um novo momento na formação do contrato.

Com as adesões, no seguro de grupo estabelece-se uma relação jurídica triangular, em que cada vértice do triângulo (seguradora, tomador de seguro e aderente) tem direitos e obrigações em relação aos outros dois vértices[3].

O seguro de grupo é “contributivo” quando suportado, no todo ou em parte, pelos aderentes que adquirem a qualidade de segurados, atenta a definição que consta do art. 1º, als. c) e h) do Dec. Lei nº 176/95 de 26-6, que regula a actividade seguradora.

Acerca da sua natureza jurídica, a ainda escassa elaboração doutrinal e jurisprudencial nacional é diversiva mas a mais recente prevalecentemente vem entendendo ser o contrato de seguro de vida verdadeiramente um contrato a favor de terceiro tal como é delineado nos artigos 443º a 451º do Código Civil[4].

Efectivamente, contrato a favor de terceiro é o contrato em que um dos contraentes (promitente) assume perante outro (promissário) a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro (beneficiário) estranho à relação contratual.

No caso, temos como promissário o recorrente, como promitente a ré seguradora e como beneficiário o Banco mutuante, independentemente de o promissário vir a ser indirectamente beneficiário do seguro, na medida em que, com a entrega do dinheiro pela seguradora se vê livre da obrigação de pagamento da dívida ao Banco.

B) Se o risco previsto no contrato de seguro se encontra, ou não, preenchido.

Sendo assim, debruçando-nos sobre o contrato em causa, estamos perante um contrato de seguro de grupo do ramo “Vida”, na modalidade contributiva, e do seu clausulado constante de fls.19 a 21, resulta que a apelada seguradora só ficaria obrigada à liquidação do capital seguro caso o apelante se encontrasse na situação de invalidez total e permanente tal como definida nos termos da cláusula 3.3 das Condições Especiais Seguro Complementar da Apólice. Isto é, “quando, em consequência de doença ou acidente a coberto das garantias do Contrato e no decurso de um período máximo de trezentos e sessenta dias que se lhe seguirem, cumulativamente:

- se encontrar total e definitivamente incapaz para o exercício da sua profissão ou qualquer outra actividade lucrativa compatível com os seus conhecimentos e capacidades;

- seja clínica e objectivamente constatada uma incapacidade funcional permanente de grau igual ou superior a 75%, determinada pela Tabela Nacional de Incapacidades em vigor sem aplicação dos factores correctivos nela estabelecidos para o calculo das desvalorizações finais em função da possibilidade de reconversão para o posto de trabalho ou profissão”.

Vem provado, que o autor e o C..., celebraram em 18 de Dezembro de 2000, um acordo, nos termos do qual, foi reconhecida a situação de invalidez do primeiro.

Em tal acordo, cujo conteúdo foi oferecido aos autos pelo autor, como resulta do ponto 1 da Cláusula Terceira (fls. 12), o C..., limitou-se a reconhecer a situação de invalidez do autor, “de harmonia com um pedido por este formulado e o atestado médico que o acompanhava”.

Pretende o recorrente/autor fazer ver que esse atestado médico sustenta a sua reforma por invalidez, é, por si só, fundamento bastante para assegurar que as condições médicas/clínicas acima descritas constantes do contrato de seguro se encontram preenchidas.

Analisando essa declaração médica constata-se que o que nela se atesta é, literalmente, que o autor, em 5/12/2000, “ não tem no momento presente, condições para manter uma actividade Profissional de forma regular”.

Desta declaração, a nosso ver, nada de útil e relevante emana susceptível de integrar os aludidos pressupostos da “invalidez total e permanente” mencionados naquela cláusula 3.3 das condições especiais seguro complementar. Está muito distante da sua comprovação.

Lida a declaração, na confrontação com os aludidos pressupostos, o seu teor motiva as seguintes interrogações: Afinal, qual a doença? No momento não dispõe de condições para uma actividade profissional regular e mais tarde disporá? Onde está a incapacidade total e definitiva para o exercício da profissão ou qualquer outra actividade lucrativa compatível? Qual o grau de incapacidade funcional permanente?

Muito se estranha que o autor, pessoa que a sua qualidade de gerente faz supor particularmente habilitada e desperta para estas questões, conhecendo o núcleo essencial do contrato de seguro celebrado e das condições nele estabelecidas para o reconhecimento da situação de invalidez total e permanente[5], se tenha dado por satisfeito com uma declaração deste tipo tão vaga e vazia de conteúdo para preenchimento dos pressupostos daquela cláusula, bem precisa e exigente, pois que veicula até um juízo de sentido contrário à mesma, aparentando atestar apenas a sua falta de condições para manter uma actividade profissional restrita à data da declaração e ainda assim só para um exercício regular[6].

O mesmo se diga para com a instituição bancária sua entidade patronal, se bem que quanto a esta ainda se compreende porquanto com tal declaração médica terá resolvido a seu contento, tanto quanto permite pressupor um acordo, uma situação laboral, e o valor dos empréstimos sempre estaria assegurado, se não fosse pela seguradora pelo autor como está a acontecer

Daí que se tenha dificuldade em entender a asserção do apelante de que o atestado médico reconhece a sua situação de invalidez e fá-lo no pressuposto de verificação de que se encontram preenchidos aqueles requisitos. O julgador da 1ª instância já deu resposta negativa a esta ideia ao não dar por provados os quesitos 10º e 11º, mas o apelante insiste argumentando no recurso nesse sentido[7].

Em suma, a declaração médica não comprova as condições médicas/clínicas constantes do contrato, mais precisamente os pressupostos daquela cláusula 3.3.

            C) Se o recorrente pode impor o acordo de reforma por invalidez celebrado com a sua entidade patronal à recorrida seguradora

Alega o recorrente que como não há desacordo entre si e o C..., a então sua entidade patronal, quanto ao reconhecimento da sua invalidez, nem sequer há necessidade da realização de uma perícia ou junta médica para verificação da sua situação clínica, como se prevê na cláusula 7 das condições especiais seguro complementar.

De facto, nessa cláusula 7 prevê-se a constituição de uma comissão de peritos para decidir a falta de acordo “entre as partes” quanto ao reconhecimento do estado de invalidez.

Ora, sem dúvida que tal contrato tem como uma das partes a Companhia de Seguros (promitente, ora ré) cuja ausência no acordo, pelos vistos, o apelante considera irrelevante e suprida pela presença do C....

Como igualmente já focámos, a seguradora celebra um contrato com o tomador de seguro e garante aos aderentes as coberturas resultantes desse contrato. É o contrato celebrado entre a seguradora e o tomador de seguro que cria o quadro em que se irão desenrolar as relações de seguro propriamente ditas entre a seguradora e os aderentes[8].

O contrato de seguro assim inicialmente delineado é um contrato bilateral ou sinalagmático, do qual decorrem obrigações para ambas as partes. Sem dúvida que a Seguradora é uma das partes contratuais desse contrato de seguro. A cláusula 7 quando pressupõe o acordo das partes para evitar a comissão de peritos está a considerar a Seguradora como parte interveniente nesse acordo, e isto é óbvio porque é ela a responsável pela entrega do capital que estava seguro, logo é nesse interesse a parte oponente ao segurado e ao beneficiário.

Como tal, não colhe a argumentação do recorrente de que basta o acordo que fez com o C... para se reconhecer a sua situação de invalidez no âmbito do contrato de seguro.

A restringir-se o acordo somente ao tomador do seguro e à pessoa aderente, como pretende o apelante, estar-se-ia a abrir a porta a toda a espécie de fraudes. Irmanados praticamente no mesmo interesse de duas faces, o primeiro em receber o capital seguro e a segunda em se libertar desse encargo, facilmente se poderiam conluiar para exigir e obrigar a seguradora, impotente, a liquidar o montante devido.

Acrescenta o recorrente que o C... renunciou ao exercício da faculdade que lhe era conferida pela cláusula 139º do ACTV, ou seja, de recorrer a uma junta médica para decidir da capacidade do apelante para o serviço.

Mas há que separar as águas. Uma coisa são os mecanismos regulamentadores estabelecidos e que se confinam à relação laboral, à relação empregador- empregado, como é o caso das cláusulas do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical para o Sector Bancário (ACTV) , outra coisa são as relações estabelecidas exteriormente a essa relação, com terceiros, nomeadamente as decorrentes dos contratos de seguros.

O acordo celebrado entre o C... e o autor/recorrente é estranho e alheio à relação jurídica emergente do contrato de seguro, não vincula a ré seguradora, é apenas eficaz entre as partes subscritoras. Convém não esquecer que em relação a terceiros os contratos só produzem efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei (art. 406º, nº 2, do Código Civil), circunstância que aqui não ocorre.


ª

Mas pode pensar-se ter o recorrente com a sua argumentação suscitado dúvidas quanto à interpretação dessa cláusula 7 das condições especiais seguro complementar.

Para a sua interpretação há que recorrer ao disposto nos arts. 236º e segs. do Cód. Civil.

Segundo o mencionado art. 236º, “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não poder razoavelmente contar com ele”. E dispõe o seu nº 2 que “sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.

Por seu lado, tratando-se de negócio formal, o art. 238º do mesmo código estipula que a declaração não pode valer com um sentido “que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”.

Na interpretação daquela declaração há que atender a todas as circunstâncias do caso concreto que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz na posição do declaratário efectivo, teria tomado em conta[9].

Consagra-se a teoria objectivista da interpretação cujo propósito da lei é o de “proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir[10]

Esta teoria é vulgarmente denominada pela teoria da impressão do declaratário.

Como também vimos, e o apelante invoca, estamos perante um contrato de adesão, revestindo as condições gerais e especiais do contrato em causa a natureza de cláusulas contratuais gerais, no sentido de que foram elaboradas antecipadamente pela seguradora proponente, sem prévia negociação individual, limitando-se o apelante aderente a subscrevê-las ou a aceitá-las[11], pelo que haverá que lhe aplicar as normas do Dec.-Lei nº 446/85 de 25/10, alterado pelo Decreto-Lei nº 220/95, de 31 de Agosto, e 249/99, de 7 de Julho, onde se procura defender o contratante habitualmente mais fraco, ou seja o aderente, que não teve oportunidade de intervir na discussão e redacção daquelas cláusulas e, por isso, nem sempre pode facilmente tomar conhecimento exacto e completo do seu conteúdo, regulamentação essa onde primam normas tendentes à observância das regras decorrentes da boa fé.

O art. l.° deste diploma prevê, precisamente, que "As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou a aceitar, regem-se pelo presente diploma."

Depois destaca-se o art. 10º que aponta para a interpretação das referidas cláusulas contratuais gerais, de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam.

Além disso, o art. 7º deste decreto-lei ainda prevê que as cláusulas especificadamente acordadas – condições particulares – prevalecem sobre quaisquer cláusulas contratuais gerais, mesmo que constantes de formulários assinados pelas partes.

Por seu turno, o art. 11º, nº 1, do mesmo decreto-lei estipula que as cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real.

E o seu nº 2 acrescenta que na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente.

Debruçando-nos agora sobre as condições especiais do contrato, verificamos que depois de na cláusula 1ª, relativa ao seu objecto, se estabelecer que “ a Seguradora garante, em caso de Invalidez Total e Permanente por doença ou acidente da Pessoa Segura[12], o pagamento ao Beneficiário do Capital Seguro previsto nas Condições Particulares ou Certificado Individual de montante igual ao do capital garantido…”, a cláusula 7ª referente ao reconhecimento do estado de invalidez acautela que “ Na falta de acordo entre as partes, uma comissão de peritos decidirá o litígio. Esta comissão será constituída por um médico indicado pela Seguradora, por um médico indicado pela Pessoa Segura, e por um terceiro médico escolhido de comum acordo pelos médicos das partes….”

Estamos, no caso vertente, perante um negócio jurídico oneroso e formal, pelo que o critério interpretativo segundo a impressão de um declaratário normal colocado na posição do real declaratário está limitado por um mínimo literal constante do texto das condições gerais e particulares do contrato de seguro consubstanciado na respectiva apólice.

 A interpretação da referida cláusula especial aplicando a referida teoria da impressão do declaratário tem inequivocamente o significado de pressupor o acordo da ré seguradora no reconhecimento do estado de invalidez da pessoa segura e de que a falta de acordo da seguradora B... enquanto parte celebrante do contrato de seguro origina a constituição de uma comissão de peritos para decidir o litígio.

Um declaratário normal, colocado na posição do recorrente, interpretaria a referida cláusula contratual no sentido de que quando considera a “falta de acordo entre as partes”, está a significar a sua assimilação a partes contratantes do seguro. De um lado os beneficiários directo (o banco) e indirecto (o promissário autor), do outro lado a seguradora que assume o risco de proporcionar ao banco beneficiário a satisfação do montante convencionado no caso de se verificar o dano.

Por alguma razão se prevê que seja a seguradora, e não o banco beneficiário, a nomear um dos médicos a integrar a comissão de peritos para decisão do litígio “ entre as partes”.

Portanto, qualquer acordo relativo ao reconhecimento do estado de invalidez, no domínio do contrato de seguro, tem de integrar a promitente pagadora, a seguradora.


ª

Tal como é alegado pelo recorrente, a boa fé é um princípio basilar de todo e qualquer contrato de seguro, incluindo, como é natural, os seguros de grupo.

Devem as partes agir com honestidade, lealdade e probidade, nos contratos em geral e em especial nos de adesão marcado por “modelos negociais a que pessoas indeterminadas se limitam a aderir, sem possibilidade de discussão ou de introdução de modificações. Daí que a liberdade contratual se cinja, de facto, ao dilema da aceitação ou rejeição desses esquemas predispostos unilateralmente por entidades sem autoridade pública, mas que desempenham na vida dos particulares um papel do maior relevo” (2º § do preâmbulo do Dec.-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro).

Daí a imposição nos artigos 5º e 6º de deveres pré-contratuais de comunicação, informação, e esclarecimentos necessários das cláusulas a inserir no negócio.

 Assim, ao tomador do seguro impõe-se a atitude de clareza e de verdade, em termos de evitar o prejuízo anormal da seguradora. A seguradora, por seu turno, deve assumir uma conduta de diligência e de verdade na interpretação das condições gerais, especiais e particulares do contrato de seguro e na informação do tomador do seguro.

No caso, não se divisa que a ré seguradora tenha infringido, em relação ao recorrente, os princípios da boa fé que devem envolver a dinâmica da celebração e da execução dos contratos.

Como já referimos, nunca o autor alegou e imputou à ré ou ao banco intermediário o incumprimento destes deveres pré-contratuais e à parte interessada é que incumbe a iniciativa de afirmar os factos essenciais ao direito que invoca.

O ónus de prova dos factos relativos às condições estipuladas no contrato de seguro para verificação da situação de invalidez, porque condicionavam a existência do seu direito no confronto da recorrida, incumbia ao recorrente (artigo 342º, nº 1, do Código Civil). O recorrente incumpriu esse ónus, pelo que a dúvida sobre esses factos tem de ser resolvida contra ele (artigo 516º do Código de Processo Civil).

Não tem, por isso, o direito de exigir da recorrida a liquidação das importâncias que reclama.


ªªª


III – DECISÃO



                  Termos em que se acorda em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

                  Custas do recurso a cargo do apelante.

                                                           Coimbra,


[1] Na sentença consta Novembro mas por manifesto lapso de escrita.
[2] José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra, 1999, pag. 94.
[3] Sobre o regime jurídico do seguro de grupo consulte-se Paula Ribeiro Alves, Estudos de Direito de Seguros, Intermediação de Seguros e Seguro de Grupo, Almedina, 2007, pag. 243 e segs.
[4] Neste sentido o Ac. do STJ de 16/11/93 no BMJ 431-467; Acórdão desta Relação de 19/12/2006, Proc. 339/2001.C1; Ac. RL de 18/09/07, Proc. 6670/2007-7, ambos no ITIJ; Pedro Romano Martinez, Direito dos Seguros, pág. 68; em sentido divergente Paula Ribeiro Alves, ob. cit., pag. 329/330.
[5] Ao longo da acção nunca o autor alegou não haver sido informado e esclarecido do teor dessa cláusula antes da sua adesão ao contrato de seguro, nunca imputou à ré ou ao banco intermediário o incumprimento dos deveres pré-contratuais de comunicação e de informação das cláusulas a inserir no negócio e de prestação dos esclarecimentos necessários, conforme imposição dos artsº 5º e 6º do Dec.-Lei nº 446/85 de 25.10.
[6] Declaração médica passada por sinal por médico psiquiatra só por si susceptível de criar algum risco à sua pretensão uma vez que a doença de foro neurológico ou psiquiátrico é uma das causas de exclusão do pagamento das importâncias seguras prevista na cláusula 4.1, al. o), mas que a resposta negativa ao quesito 12º (perguntava-se se o autor sofria de doença do foro neurológico ou psiquiátrico) depois se encarregou de afastar.
[7] Será curioso até recordar o que na fundamentação da decisão da matéria de facto o Exmo Juiz faz constar acerca dos depoimentos das testemunhas ouvidas a este respeito “ Limitaram-se…a exprimir as suas opiniões, dizendo que o Autor já não conseguia exercer funções como gerente bancário devido à sua idade e sobretudo às mudanças e exigências sentidas no sector da banca”.
[8] Há mesmo quem considere que os aderentes ao seguro de grupo não são partes no contrato de seguro nem, sequer, beneficiários directos, mas como aderentes ao contrato, tornaram-se beneficiários indirectos na medida já acima explicitada. Neste sentido o Ac. do STJ de 10/05/07, Proc. 07B1277, no ITIJ.
[9] Cf. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 450, 3ª ed..
[10] P. de Lima e A. Varela, em Cód. Civil, anotado, vol. I, pág. 223, da 4ª ed.
[11] Para mais desenvolvimentos acerca destes contratos vejam-se. António Pinto Monteiro, Contratos de Adesão, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I vol., 9ª ed., pag. 265 e segs.,Almeida Costa, Direito das Obrigações, págs.196 e sgs., Mota Pinto, "Contratos de Adesão", Revista de Direito e de Estudos Sociais, págs. 119 e sgs.
[12] No caso, “aderente” e “pessoa segura” são expressões sinónimas, mas nem sempre assim acontece. Por exemplo, nos seguros de grupo de saúde em regra o trabalhador aderente leva consigo o seu agregado familiar. O trabalhador é simultaneamente aderente e pessoa segura ao passo que os familiares só são pessoas seguras.