Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2644/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. JORGE DIAS
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA - PRINCIPAL OU ACESSÓRIA
Data do Acordão: 11/12/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RESCURSO PENAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Legislação Nacional: ART.º 50º DO C. P.
Sumário:
I - A suspensão da execução da pena (principal ou acessória) é uma medida de conteúdo reeducativo que deve ser decretada sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.
II - Esses pressupostos hão-de ficar demonstrados em factos concretos provados na audiência de julgamento, não bastando alegar na motivação do recurso que o "perfil social do arguido"justifica a suspensão.
Decisão Texto Integral:
Recurso nº 2644/02
Recurso de Contra-Ordenação nº 348/03.2TBCBR, do 4º Juízo Criminal, da Comarca de Coimbra
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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferida sentença que, julgou improcedente o recurso de contra-ordenação deduzido pelo arguido:
Luís Pedro T..., residente na Rua de Lenhite, n° ...., em Marrazes, Leiria.
O qual havia sido condenado:
- Pela Direcção Geral de Viação do Centro, pela prática da contra-ordenação p. e p. pelos artigos 81 ° e 147°, al. i) do C.E., a coima de 500 euros e a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 90 dias.
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Desta sentença interpôs recurso o arguido, formulando as seguintes conclusões na motivação do mesmo:
1°) O arguido no dia 13/07/02, pelas 3 hs. 4 min., na rotunda da Adémia, IC -2, situada nesta comarca, o arguido conduzia o veiculo ligeiro de passageiros: 46-02-FX com uma taxa de álcool no sangue de 0,92 g/l.
2°) Que a sentença "a quo" vem considerar a reincidência do arguido, assinalando a contra-ordenação em apreciação como muito grave -tendo em vista os Arts. 144 e 147, Al. i) do CE.
3°) Que face a esta infracção anterior e a reincidência do arguido, que a sua reabilitação não estaria condicionada a obrigações de carácter pedagógico tal como foi requerido no recurso contra-ordenacional apresentado na 1ª instância.
4°) A manutenção da decisão da Direcção-Geral de Viação resultou do facto de o Tribunal de 1ª instância entender que a pena deveria ser enformada por critérios de prevenção geral.
5°) No entender do recorrente, minimizou-se o critério de prevenção especial, postergando-se a participação do arguido em acções de formação e de sua cooperação em campanhas de prevenção rodoviária, para que o arguido reveja e analise os seus hábitos de condução.
6°) Visto que se o objectivo da lei, face as alterações do art. 142°/2 do CE é o de fundamentalmente não entregar a reeducação do reincidente ao sistema de execução de penas e sim através do esclarecimento e da participação do arguido em campanhas de prevenção rodoviária.
7°) Já que é do conhecimento público o grande esforço que o Estado tem feito em campanhas de prevenção rodoviária para diminuir a sinistralidade nas estradas e que tal esforço é também patente no art. 142°, n° 2, alineas b), c) do CE.
8°) O douto acórdão recorrido violou o princípio da culpa do agente e as normas dos arts. 142°/nºs 1 e 2 do CE.
Pelo exposto e melhor que por V. Ex.as, será suprido se pede que se revogue o decidido, substituindo-se a decisão da Direcção Geral de Viação, ora confirmada pelo tribunal “a quo”, pela suspensão da execução da sanção de conduzir, anteriormente requerida pelo arguido no recurso de 1ª instância, face ao perfil social do arguido aqui traçado.
Na resposta apresentada, o Magistrado do Mº Pº conclui que a douta sentença recorrida fez uma correcta subsunção jurídica e aplicação do direito, razão pela qual deverá ser confirmada, negando-se, em consequência, provimento ao recurso.
Nesta Relação, O Ex.mº PGA emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença e consequente declaração de improcedência do recurso, dado que o recorrente sustenta a procedência num conjunto de afirmações mais ou menos genéricas com escassa pertinência com a situação concreta dos autos.
Que a suspensão da execução da sanção de inibição de conduzir depende de no caso se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas.
Colhidos os vistos.
Continuando a entender que o recurso merece solução de rejeição, foi realizada a conferência.
Cumpre decidir:
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São os seguintes os factos que o Tribunal recorrido deu como provados:
1. No dia 13/7/2002, pelas 3h 4m, na rotunda da Adémia, no IC2, nesta comarca, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 46-02-FX com uma taxa de álcool no sangue de 0,92 g/l.
2. Na altura, o arguido vinha da Figueira da Foz, onde tinha estado numa discoteca, e deslocava-se para Leiria.
3. O arguido foi condenado, menos de três anos antes, pela prática do crime de condução em estado de embriaguez, por apresentar uma T.A.S. de 1,88 g/l.
4. O arguido vive em Leiria com os pais, sendo que estes exploram uma loja. O arguido trabalha como vendedor e aufere mensalmente 372,28 euros. Possui um Seat Ibiza.
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Estes os factos provados. Não se provou que os pais do arguido sejam reformados, que o arguido esteja desempregado e que sejam os irmãos do arguido a satisfazer as despesas do agregado familiar.
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A convicção do Tribunal alicerçou-se no auto de 6, que faz fé em juízo (cfr. artigo 151°, n° 3 do C. da Estrada) e não foi posto em causa pelo arguido; no depoimento da testemunha ouvida, que acompanhava o arguido na noite da prática da contra--ordenação e conhece a sua situação pessoal; e no teor do cadastro estradal do arguido, junto a fls. 82.
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O direito:
As conclusões formuladas pelo recorrente, delimitam o objecto do recurso.
Assim, a questão que deve ser apreciada por este Tribunal é, se deve, ou não, determinar-se a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir.
O recorrente nem põe a hipótese de prestação de caução de boa conduta estradal, mas apenas a eventual cooperação em campanhas de prevenção rodoviária.
Refere o art. 142 nº 1 do Cód. da Estrada que "pode ser suspensa a execução da sanção de inibição de conduzir no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas".
Refere o art. 50 nº 1 do Cód. Penal, que "o tribunal suspende a execução da pena...se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça...realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
A suspensão da execução da pena (principal ou acessória) é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que deve ser decretada se, o julgador concluir que a simples censura do facto e ameaça da pena realizam de forma adequada as finalidades da punição, isto é a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, tal como aponta o art. 40 nº 1 do Cód. Penal.
É certo que, como salienta o Ac. desta Relação, de 20-11-1997, "a suspensão da execução da pena não é uma mera faculdade do tribunal, mas antes um poder-dever ou um poder funcional dependente da verificação dos pressupostos formal e material fixados na lei".
No caso presente, que elementos foram levados pelo arguido ao julgador (que pressupostos se verificaram) e que permitissem essa conclusão?
A resposta é, nenhum. Como se constata da análise dos factos provados e não provados em audiência, e supra transcritos.
Não basta alegar o perfil social do arguido na motivação e conclusões do recurso, “face ao perfil social do arguido aqui traçado”.
Há-de ser demonstrado em factos concretos provados na audiência de julgamento.
A aplicação da suspensão da pena acessória, medida de excepção, não é automática, sendo essencial a demonstração de que das circunstâncias que acompanharam a infracção, se não induza perigo da prática de novos crimes, sempre sem olvidar os fins das penas e nomeadamente as necessidades da prevenção.
Acresce que as necessidades de prevenção são prementes, dado o elevado nível de sinistralidade rodoviária registado no nosso País.
E, como já se referiu, da matéria de facto provada nada resulta que permita concluir que das circunstâncias que acompanharam a infracção se induza a não prática de novas infracções, nomeadamente deste género.
Assim eram, extemporâneos, os factos mesmom que aduzidos nas alegações e conclusões do recurso.
E mesmo que tivessem sido alegados em tempo, teriam que ser provadas.
Mas, como refere o Ex.mº PGA, “o recorrente sustenta a procedência do recurso num conjunto de afirmações mais ou menos genéricas com escassa pertinência com a situação concreta dos autos”.
No mesmo parecer refere, “o presente recurso é expressão da grande amplitude com que a lei admite a impugnação das sentenças”.
O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, e todos os factos que alega na motivação do recurso deveriam ter sopesado no sentido de o dissuadir de praticar contravenções estradais, mesmo leves e a praticada é legalmente considerada grave, o que lhe deveria incutir um especial dever de cuidado, que não teve.
Por isso, na sentença recorrida, e bem, se não aplicou, atento o ilícito em questão e as circunstâncias concretas, nomeadamente falta de fundamentos para aplicação, a suspensão da execução da sanção de inibição.
Pelo exposto entendemos ficar demonstrada a sem razão do recorrente, sendo o recurso manifestamente improcedente.
Não merecendo qualquer censura a sentença recorrida.
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Decisão:
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal, em rejeitar o recurso, por manifestamente improcedente, art. 420 do CPP.
Custas pelo recorrente com taxa de justiça que se fixa em 7 Ucs, sendo 3 Ucs ao abrigo do disposto no art. 420 nº 4 do CPP.