Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
472/10.5TBTND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
SERVIDÃO POR DESTINAÇÃO DO PAI DE FAMÍLIA
EXTINÇÃO
COLISÃO DE DIREITOS
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 11/13/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TONDELA 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.334, 335, 1569 CC
Sumário: 1. A extinção, por desnecessidade, prevista no artº 1569º nº2 e 3 do CC, para as servidões legais ou constituídas por usucapião, pode ser invocada para as servidões contratuais ou constituídas por destinação do pai de família.

2. A desnecessidade relevante deve ser objectiva, isto é, reportada ao prédio e não ao seu dono, actual, e não deve equiparar-se a indispensabilidade, ou seja, não basta que o dono do prédio serviente prove que a servidão deixou de ser indispensável para o prédio dominante, antes tendo de provar que para ele deixou de ter qualquer utilidade.

3. Na colisão de direitos, a sua compressão recíproca ou a cedência de um deles apenas é de decretar se se provar não ser possível o respectivo exercício simultâneo e integral.

4. O abuso de direito apenas emerge quando o direito é exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça atento o sentimento jurídico socialmente dominante.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

  

1.

AD (…) e mulher AM (…) e AF (…) e mulher MG (…) intentaram contra MA (…), CM (…) e mulher MF (…), JC (…) e HF (…) e mulher ME (…), acção declarativa, de condenação, na forma de processo sumário.

Pedindo.

 Que os réus sejam condenados:

 a) a reconhecerem que os autores são proprietários exclusivos, respectivamente, dos prédios descritos nos artigos 1º e 3º da petição;

 b) que sobre os prédios dos réus identificados no artigo 7º da petição se encontra constituída, por usucapião e destinação de pai de família, servidão de passagem de pé e de carro nos moldes delineados no artigo 10º da petição, em beneficio de cada um dos prédios dos autores identificados nos artigos 1º e 3º da petição inicial;

c) absterem-se de impedir o exercício do direito de servidão;

 d) reconhecerem que a parcela de terreno identificada no artigo 30º faz parte do prédio urbano destinado a arrumos dos primeiros autores identificado no artigo 1 b) da petição; e) removerem o muro a que se alude no artigo 28º.

Para tanto alegaram que:

 Os autores são donos e legítimos possuidores dos prédios identificados nos artigos 1º e 3º da petição inicial, sendo que os réus são donos e legítimos possuidores dos prédios identificados no artigo 7º da petição.

O acesso aos prédios dos autores identificados nos artigos 1º e 3º da petição, quer de pé, quer de carro sempre se fez através dos prédios dos réus.

Desde há mais de 30/40 anos que os autores e seus antepossuidores vêm transitado sobre o caminho descrito no artigo 10º da petição.

Estão verificados os demais pressupostos da constituição da servidão por usucapião e ainda por destinação de pai de família.

Em 27 de Fevereiro de 2008 a primeira ré colocou um portão de ferro no leito do caminho, na estrema da sua propriedade com a dos últimos réus e posteriormente colocou outro portão de ferro chumbado junto da parede poente do barracão invadindo o logradouro do prédio doe primeiros autores aludido no artigo 1º, b) da petição.

No dia 8 de Junho de 2010 a primeira ré levantou um muro de tijolo com cerca de 2 metros de altura e 4/5 de extensão no local onde estava implantado esse portão com a finalidade de impedir a passagem. O muro visa também a apropriação de uma parcela de terreno descrita no artigo 30º da petição, que faz parte integrante do prédio aludido no artigo 1º, b) da petição.

Contestou a ré MA (…) alegando que:

 Não se encontra constituída qualquer servidão de passagem a favor dos autores, pois a passagem existente serve tão só os prédios dos réus e se os autores ali passaram uma ou outra vez foi por mera tolerância.

O acesso ao prédio dos autores faz-se e sempre se fez pela rua pública, sita no lado oposto à casa de habitação da ré e à estrema dos seus prédios, onde tem portões, entradas e caminhos, que ligam à parte urbana e à parte rústica dos mesmos.

A colocação quer do portão, quer posteriormente do muro, foi feita com observância das estremas do prédio da ré.

 Pediu:

Que a acção seja julgada improcedente por não provada, e em consequência que seja a ré absolvida dos pedidos.

2.

Prosseguiu o processo os seus legais termos rendo, a final, sido proferida sentença na qual se:

Julgou a ação totalmente procedente por provada e em consequência condenaram-se os réus a:

a) Reconhecerem que os autores AD (…) e AM (…) são proprietários exclusivos dos prédios identificados no ponto 1) e 3) da factualidade provada.

b) Reconhecerem que os autores AF (…) e MG (…), são proprietários exclusivos do prédio identificado no ponto 6) da factualidade provada.

c) Reconhecerem que sobre os prédios aludidos nos pontos 8) a 12) dos factos provados se encontra constituída por usucapião uma servidão de pé e carro a favor dos prédios dos autores aludidos nos pontos 1), 3) e 6) da factualidade apurada, que tem a configuração aludida nos pontos 21) e 22).

d) Absterem-se da prática de, por qualquer modo ou meio, perturbar ou impedir o gozo e fruição pelos autores da servidão de passagem aludida em c).

e) Reconhecerem que a parcela de terreno identificada no ponto 32) da factualidade provada faz parte integrante do prédio aludido no ponto 3) da factualidade provada.

f) Removerem o muro aludido no ponto 17) da factualidade provada.

3.

Inconformada recorreu a ré MA (…).

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1) Os factos invocados conducentes à aquisição por usucapião e da presunção de registo, apenas relevam para a titularidade do direito do prédio. Já o mesmo não se aplica quanto à extensão e limites do mesmo.

2) Não resultando dos títulos, bem como, não resultando do registo os limites da propriedade do prédio, tão pouco resultou dos meios de prova arrolados pelos autores, que aqueles fossem proprietários da parcela aludida no artigo 30º da petição - (e) da douta sentença).

3) Da Inspecção ao local, resulta da acta, a fls. 120 dos autos precisamente o contrário, isto é, constata-se que não é ali referido ter sido praticado qualquer acto (facto do homem) de posse pelos AA, ao invés, ali se refere “Quanto à parcela em discussão, as partes declararam no local aceitar a forma como está descrita nos artigos 33 e 34 com excepção à referência do leito do caminho. No barracão acima aludido verifica-se a existência de uma banca a qual tem canos de condução de água e de esgoto e no exterior do aludido barracão, no pátio ali existente há uma caixa (de esgoto), junto à parede da casa de habitação da ré (…).”. Logo,

4) Resulta claro e evidente que, quem tem praticado (e pratica) nessa dita parcela actos de posse é afinal, a Ré.

5) Está provado em 36 da douta decisão de fls. 205, quando refere que “Na parcela de terreno aludia em 32), a cornija do barracão de arrumos da Ré MA (…) estende-se até ao local, onde o muro construído toca o ângulo desse barracão.”

6) Tal facto é revelador dos caracteres possessórios inerentes ao direito de propriedade da Ré, por sobre tal parcela.

7) Sopesando a prova testemunhal produzida, é óbvio que os factos considerados provados pecam por manifesto defeito, sendo evidente o erro na apreciação de prova por manifesta desconformidade entre a prova produzida e a matéria considerada provada.

8) Os actos (factos) alegados e bem assim quesitados nos artigos 35 a 39 da BI e dados como provados pela Meritíssima Juiz “a quo”, são objectivamente incompatíveis com os actos de posse que são susceptíveis de serem praticados naquela parcela.

9) Dizer-se que, tal-qual consta de fls. 221 da douta sentença que “a parcela aludida em 32 faz parte integrante do prédio aludido em 3 e há mais de 30 e 35 anos, por si e pelos seus antepossuidores vêm os autores possuindo a referida parcela, agricultando-a, semeando e colhendo, vinho, centeio, batatas, e demais frutos” só pode ficar a dever-se, a manifesto lapso e erro na apreciação de prova.

10) Tais factos são objectivamente impossíveis de ali serem praticados, e, a existirem naquele local, corresponderiam certamente a actos turbadores e incompatíveis com o exercício do direito de passagem na dita parcela.

11) A ausência de fundamentação é óbvia, desde logo porque são completamente imperceptíveis os motivos que levaram o tribunal a decidir neste sentido.

12) O tribunal “a quo” não fundamentou conveniente e legalmente a referida decisão, pois pura e simplesmente não analisou criticamente as declarações das testemunhas arroladas, e por isso desconhecem-se quais as declarações valoradas, em que medida, e quais as declarações não valoradas, em que medida e quais os motivos para tamanha opção.

13) Aliás, sempre se dirá que nenhuma das testemunhas prestou depoimento que justificasse tal apreciação.

14) Das declarações das testemunhas, resulta evidente a falta de prova testemunhal que levasse a Meritíssima Juiz “a quo” a decidir no sentido de declarar o direito de propriedade daqueles AA, sobre a dita parcela.

15) Face ao que resulta dos autos e da prova coligida dos mesmos, tal servidão, mostra-se hoje, desnecessária e inútil para o prédio dos AA.

16) A este propósito, não deveria descurar o tribunal, que o prédio da Ré é hoje, a sua casa de habitação, o mesmo sucede aliás com os prédios dos AA.

17) Todos estes prédios, têm actualmente, entradas de óptimas qualidade, e de melhor acesso, que deitam directamente para a via pública.

18) Deve por conseguinte tal servidão, julgar-se extinta por desnecessidade e bem assim por abuso de direito.

19) Da existência da dita servidão, nenhum benefício resulta para os prédios dos AA, bem pelo contrário, resulta um enorme prejuízo para o prédio da Ré, uma vez que, conforme se alcança dos meios de prova junto aos autos, o leito da servidão passará (esbarra) na porta de acesso da casa de habitação da Ré.

20) Quando do exercício do direito de servidão de passagem de pé e carro não resultar na mesma nenhum benefício para o prédio dominante, uma vez que este tem melhores acessos para a via pública, deve esta ser extinta, por desnecessidade, mas principalmente por conflito de direitos, e isto, independentemente do título de constituição, quando do seu exercício resultar um excessivo prejuízo e uma violação constante dos direito de personalidade das pessoas que habitam na moradia/casa do prédio serviente.

21) Neste sentido vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 03A3510 de 11/11/2003, cit in, www.dgsi.pt que dispõe “a colisão de direito entre o direito de propriedade e o direito real de gozo de servidão (de qualquer servidão independentemente do modo de constituição e do seu conteúdo) e a conflitualidade de interesses entre o titular daquele e o titular deste, existe por natureza, decorre como consequência da admissibilidade e do reconhecimento legal deste direito real de gozo e do que ele compreende e autoriza. Não é maior pelo facto de ser constituída por destinação de pai de família.”Sublinhado nosso. Assim,

22) O direito ao descanso, ao sossego/bom ambiente (sonoro) e qualidade de vida, como direitos de personalidade que são, merecem a tutela do direito. E,

23) Em caso de colisão com o direito (de servidão) dos AA, dá a Lei (constitucional e ordinária) prevalência aos direitos de personalidade da Ré. - Cfr. Artigo 335º do CC.

24) Atenta a sua importância e primazia, têm estes direitos consagração na Constituição da República Portuguesa, que confere predomínio aos direitos de personalidade, designadamente o direito ao repouso, em detrimento de todos os outros.

25) Por outro lado, não resultou em momento algum da douta sentença, mormente durante o período que os AA dizem ter ficado privados do exercício daquela servidão, que os seus prédios, culturas e sementeiras tivessem ficado ao abandono e inacessíveis.

26) Nem poderia ser de outra maneira, todas as testemunhas e também todos os meios de prova, são contundentes no que se refere à actual acessibilidade pela via pública aos prédios dos AA.

27) Deverá a Justiça acompanhar a evolução civilista e fazer uma interpretação extensiva, actualista, e porque não até inovadora, do preceituado no Artigo 1569º, nºs 2 e 3 do Código Civil.

28) Isto é, no caso em apreço, embora resulte provada a constituição da servidão por destinação de pai de família, pelas razões supra invocadas, deve também ser aplicado o regime da extinção por desnecessidade, à semelhança do que sucede com as servidões constituídas por usucapião e às servidões legais.

29) Não se poderá anuir com a fundamentação plasmada na douta sentença a fls.219 e 220, quando a Meritíssima Juiz “a quo” considera improcedente a invocada excepção de abuso de direito e também a situação de colisão de direito.

30) Quanto ao pedido de reconhecimento de que do prédio aludido em 3) faz parte integrante uma faixa de terreno aludida no artigo 30º da petição - (e) da douta sentença)- esta parte da douta decisão merece, em nosso modesto entendimento, censura, pois, houve erro na apreciação e valoração da prova, que aliás nem existiu, relativamente à prova do direito de propriedade daquela parcela.

31) Da prova produzida, mormente dos depoimentos das testemunhas, apenas relevam para a titularidade do direito do prédio. Já o mesmo não sucede quanto à extensão e limites do terreno.

32) Não foi provado qualquer acto de posse praticado pelos AA por sobre a dita parcela. Antes pelo contrário.

33) A existirem, os actos de posse apenas foram provados pela Ré.

34) A ser assim, não deveria a Meritíssima Juiz “a quo” dar como provado a aquisição da dita parcela, quer por usucapião, quer por outro qualquer meio, a favor daqueles AA

Contra-alegaram os autores pugnado pela manutenção do decidido aduzindo as seguintes conclusões:

1. Os Autores lograram provar a configuração das propriedades e a forma como, nas sucessivas transmissões os prédios, hoje de Autores e Réus, foram divididos.

2. Apesar da existência de uma banca e canos de condução de água no interior do barracão, a Recorrente não logrou provar a materialidade que invocara, concretamente a existência de canos exteriores e marcos.

3. Tendo os Autores reivindicado uma parcela de terreno que configuraram pela estrema do seu prédio (aludido em C)), a referência à cornija do barracão da Recorrente, só tem interesse relativamente à localização do muro (que dista alguns centímetros da parede desse barracão), uma vez que foi levantado na perpendicular dessa cornija.

4. A Recorrente não provou actos ou caracteres possessórios na parcela reivindicada antes de 07/10/2010, data em que cimentou o espaço triangular reivindicado.

5. A prova testemunhal produzida em audiência de julgamento foi resumida na fundamentação da matéria de facto, como acima se transcreveu.

6. Três testemunhas esclareceram o Tribunal sobre a utilização do espaço reivindicado ao longo dos últimos 30 anos: usado para colocar lenhas, vides e palhas, até uma vaca amarrada, e ainda referiram a existência de castanheiros cujas copas propendiam sobre o leito da servidão (caminho).

7. Acresce que a Recorrente ao transcrever algumas linhas do depoimento de duas testemunhas esquece a maior parte desses depoimentos e, sobretudo, o da primeira testemunha (…) que respondeu à matéria dos pontos 29), 31), 35), 36), 37) 38) e 39) da base instrutória.

8. O resumo do depoimento dessas testemunhas consta da fundamentação da matéria de facto, - cujo despacho não mereceu reclamações e que também não vem posta em causa neste recurso.

9. A servidão de passagem de carro para os prédios rústicos dos Autores é absolutamente necessária porque esses prédios não têm outro acesso – de carro, tractores e máquinas agrícolas.

10. Inexiste prejuízo para os prédios servientes, uma vez que os agora – e pela primeira vez – invocados “barulhos” decorrentes de trânsito não são distintos daqueles que ocorrem na maioria dos lares portugueses.

11.A decisão proferida em nada altera os hábitos locais que vigoraram por mais de 30/40 anos e que no mais só obtiveram reconhecimento judicial.

12.Reconhecida que foi a servidão de passagem de pé e carro com os pressupostos de destinação de pai de família, como a Recorrente reconhece expressamente nas suas doutas alegações de recurso, é inaplicável a extinção por desnecessidade (artigo 1569º do CC).

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 685º-A do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª – Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª – Extinção da servidão por desnecessidade, por  colisão  de direitos ou  por abuso de direito.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

(…).

5.1.5.

Decorrentemente os factos a considerar são os seguintes:

1 – Na Conservatória do Registo Predial de Tondela, encontra-se descrito sob o n º x.../070599 o prédio misto, sito em xx..., freguesia de Canas de Santa Maria, composto de terreno destinado a construção urbana com 1000 m2, vinha com oliveiras e castanheiro, cultura com laranjeiras, oliveiras e videiras com 2050 m2, a confrontar do norte com AF... (antes AP...), do sul com herdeiros de JC..., do nascente MAR...e do poente com caminho inscrito na respectiva matriz sob os artigos xxx...º urbano e xxxx...º rústico – conforme documentos de fls. 17 a 24 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

2 - Pela apresentação 04/090702 encontra-se inscrita a aquisição do prédio aludido em 1) a favor de AD... casado com AM...– conforme documento de fls. 24 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

3- Na Conservatória do Registo Predial de Tondela, encontra-se descrito sob o n º y.../20100526 o prédio urbano, sito em yy..., freguesia de Canas de Santa Maria, com a área de 325 m2, composto de barracão para arrumos e logradouro, a confrontar do norte com AF... e mulher, do nascente com Rua do xx..., do sul com herdeiros de BV...e do poente com o prédio aludido em A), inscrito na matriz sob o artigo P ... – conforme documentos de fls. 20 a 22 e 25 a 26 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido

4- Pela apresentação m... de 2010/05/26 encontra-se inscrita a aquisição do prédio aludido em 3) a favor de AD (…) casado com AM (…), por partilha de herança – conforme documento de fls. 26 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

5 - Até ao ano de 2002 o prédio aludido em 1) tinha exclusivamente aptidão para cultura, tendo a natureza de prédio rústico.

6 - Encontra-se inscrito na matriz da freguesia de Canas de Santa Maria, concelho de Tondela, sob o artigo k...º, o prédio rústico sito em xx..., composto de terreno de vinha com 14 oliveiras, centeio com 10 oliveiras, 70 videiras em cordão e 17 fruteiras, a confrontar do norte com MC... e outros, do sul com MC... (prédio aludido em 1), do nascente com MM... e outro, do poente com caminho, inscrito a favor de AF (…) – conforme documento de fls. 27 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

7 - Os autores AF (…) e mulher são donos e legítimos possuidores do prédio aludido em 6).

8 - Encontra-se inscrito na matriz da freguesia de Canas de Santa Maria, concelho de Tondela, sob o artigo p...º, correspondente a 2/3 do prédio urbano sito em xx..., composto de casa com 2 pisos com a área de 273 m2 e pateo com 176 m2, a confrontar do norte com AH..., do sul com caminho, do nascente com rua e do poente com o próprio, inscrito a favor de MC (…) e MA (…) – conforme documento de fls. 28 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

9 - Encontra-se inscrito na matriz da freguesia de Canas de Santa Maria, concelho de Tondela, sob o artigo j...º, o prédio rústico sito em xx..., composto de terreno de centeio com 14 oliveiras, 160 videiras em cordão, 12 laranjeiras e 13 fruteiras, a confrontar do norte com BR..., do sul com AF..., do nascente com casa do proprietário e do poente com caminho, inscrito a favor de HF (…) na proporção de 1/3 e de cabeça-de-casal da herança (…), na proporção de 2/3 – conforme documento de fls. 29 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

10 - Encontra-se inscrito na matriz da freguesia de Canas de Santa Maria, concelho de Tondela, sob o artigo r...º, o prédio rústico sito em xx..., composto de terreno de centeio com 10 oliveiras, 1 laranjeira e 40 videiras em cordão, a confrontar do norte com MC..., do sul com MF..., do nascente com casas do próprio proprietário do poente com JC..., inscrito a favor de MA...– conforme documento de fls. 30 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

11- Encontra-se inscrito na matriz da freguesia de Canas de Santa Maria, concelho de Tondela, sob o artigo 749º, correspondente a 1/3 do prédio urbano sito em xx..., composto de casa com 2 pisos com a área de 273 m2 e pateo com 176 m2, a confrontar do norte com AH..., do sul com caminho, do nascente com rua e do poente com o próprio, inscrito a favor de HF (…) conforme documento de fls. 31 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

12- Encontra-se inscrito na matriz da freguesia de Canas de Santa Maria, concelho de Tondela, sob o artigo 1158º, o prédio urbano sito em xx..., composto de casa com 2 pisos com a área de 100 m2 e barracão com 80 m2, a confrontar do norte com BR... do sul com caminho do nascente com caminho e AF... do poente com o próprio, inscrito a favor de HF (…)– conforme documento de fls. 31 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

13- Os réus MA (…), CM (…) e JC (…) , , são donos dos prédios aludidos em 8), 9) e 10), nas proporções indicadas nas respectivas matrizes.

14 - Os réus HF (…) e mulher são donos dos prédios aludidos em 9), 11) e 12), nas respectivas proporções, indicadas nas matrizes.

15 – MA (…) em 27 de Fevereiro de 2008 colocou um portão de ferro.

16 - Posteriormente ao aludido em 15), a ré MA (…) procedeu à colocação de outro portão de ferro, chumbado junto da parede poente do barracão existente na sua propriedade e atravessado ou enviesado.

17 - No dia 8 de Junho de 2010, a ré MA (…) levantou um muro de tijolo, com cerca de 2 metros de altura, por 4/5 metros de extensão, no preciso local onde estava o portão aludido em 16).

18 - A ré MA (…) procedeu nos termos aludidos de 15) a 17), com o propósito de impedir a passagem e trânsito pelos autores para os prédios aludidos em 1), 3) e 6).

19 - Os autores AF (…) e mulher adquiriram, a título oneroso, o prédio aludido em 6) a (…)e mulher, no ano de 1982.

20 - Há mais de 30 e 35 anos, por si e pelos seus antepossuidores, vêm os autores possuindo os respectivos prédios aludidos em 1), 3) e 6), agricultando-os, semeando e colhendo, vinho, centeio, batas e demais frutos, melhorado-os, fruindo-os e dispondo deles, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, ininterruptamente, ignorando lesar direitos de outrem, na convicção de exercer um direito próprio e exclusivo de uso e fruição.

21 - Partindo do caminho público que une as Ruas do xx... e da Circunvalação e que ladeia os prédios dos réus HF (…)e mulher, existe um caminho bem trilhado, de terra batida e em parte cimentado, distinto do terreno circundante, ocupando uma faixa com a largura média de 3,50 metros atravessando sucessivamente e no sentido sul/norte os prédios dos réus, ladeado por construções a nascente e terrenos de cultura a poente, numa extensão de cerca de 40/50 metros até atingir o logradouro da casa de arrumações do prédio aludido em 3) e continuando até atingir o prédio rústico aludido em 6).

22 - Todos os arbustos, árvores, plantas e mimos existentes nos prédios aludidos em 8) a 11) distam cerca de 3,50 metros das paredes das construções, respeitando o leito do caminho aludido em 21).

23- Os autores e seus antepossuidores nos últimos 30 e 40 anos vêm transitando por sobre o leito do caminho aludido em 21), sempre avivando os sinais de passagem, transitando ora de pé, ora de carro, inicialmente de carros de bois e actualmente de tractor, para o amanho e agricultura dos seus prédios e os autores AD (…) e mulher ainda para acederem à casa de arrumações onde guardam alfaias e os veículos que utilizam no granjeio das suas terras, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, ininterruptamente, ignorando lesar direitos de outrem, na convicção de exercerem em exclusivo um direito próprio de passagem.

24 - Os prédios aludidos de 1) a 11) foram em tempos um único prédio, pertencente a (…)o qual foi dividido em três parcelas, uma mais a norte passou a ser possuída por (…) e mulher, outra a meio por (…) e mulher e uma outra mais a sul por (…) e mulher.

25 - A parcela possuída por (…), foi transmitida, de forma dividida e demarcada, para (…) e (…).

26 - Por sua vez, (…) transmitiu de forma onerosa a parcela que lhe coube a (…), acabando tal parcela por ser transmitida ao autor AD (…) e, (…) transmitiu a parte que lhe coube aos autores AF (…)e mulher.

27 - A parcela de (…) foi transmitida a MA (…) e, a (…) foi transmitida a HF (…) e a (…).

28 - O aludido de 21) a 23) já se verificava aquando do aludido em 24), e não obstante as transmissões aludidas de 25) a 27) tal situação manteve-se.

29 - O portão aludido em 15) foi colocado no leito do caminho aludido em 21), na estrema do prédio da ré MA (…) com a dos réus HF (…) e esposa.

30 - Com a colocação do portão aludido em 16) a ré MA (…) invadiu o logradouro do prédio aludido em 3), bem como o leito do caminho aludido em 21).

31 - Os prédios aludidos em 13) terminam numa linha coincidente com aquele T que foi o revestimento do piso, até data não concretamente apurada, mas situada pelo menos até pelo menos 07/10/2010, no leito do caminho aludido em 21) de tal forma que dentro dos referidos prédios o piso foi cimentado e manteve-se em terra batida no prédio aludido em 3) até à data acima referida.

32- O muro aludido em 17) visa a apropriação de uma parcela de terreno que faz parte do prédio aludido em 3), com forma triangular, em piso que se manteve em terra batida até data não concretamente apurada, mas situada até pelo menos 07/10/2010, cujos vértices se situam, um junto da esquina sul/poente do logradouro da casa de arrumações do prédio aludido em 3), que ladeia o leito do caminho e onde está levantada a parede nascente do barracão do prédio aludido em 13), outro junto da esquina dessa parede mais a norte, e o último no prolongamento em perpendicular do primeiro vértice até atingir a margem fronteira do leito desse caminho.

33- A parcela aludida em 32) faz parte integrante do prédio aludido em 3) e há mais de 30 e 35 anos, por si e pelos seus antepossuidores, vêm os autores possuindo a referida parcela, agricultando-a, semeando e colhendo, vinho, centeio, batas e demais frutos, melhorando-a, fruindo-a e dispondo deles, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, ininterruptamente, ignorando lesar direitos de outrem, na convicção de exercer um direito próprio e exclusivo de uso e fruição.

34 - Além do aludido em 23) a faixa de terreno aludida em 21), também foi utilizada pelos réus HF (…) e pela ré MA (…) e seu falecido marido.

35- Á frente da marquise da casa da ré MA (…) existe um espaço de mais de uma dezena de metros que foi cimentado em data não concretamente apurada, mas situada há mais de 10 anos, pelo marido daquela.

36- Na parcela de terreno aludida em 32), a cornija do barracão de arrumos da ré MA (…) estende-se até ao local, onde o muro construído toca o ângulo desse barracão.

Ainda com interesse para a decisão e porque provados por documentos, juntos após a elaboração do despacho que seleccionou a matéria de facto, atento o teor dos documentos de fls. 126 a 128, 129 a 138, 139 a 147, 148/149, consideram-se ainda provados os seguintes factos:

37- Na escritura pública intitulada de “Compra e Venda”, outorgada no dia 14 de Janeiro de 1982, no Cartório Notarial de Tondela, exarada de fls. 50 a 51 do Livro n º 198-C, intervieram como primeiros outorgantes (…) e mulher (…), e como segundo outorgante (…), sendo que os primeiros declararam vender o prédio aludido no ponto 6) ao segundo outorgante o que este declarou aceitar, conforme consta do documento de fls. 126 a 128 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

38 - Na escritura pública intitulada de “Doações”, outorgada no dia 21 de Outubro de 1982, no Cartório Notarial de Tondela, exarada de fls. 39 verso a 42 do Livro n º 200-B, intervieram como primeiros outorgantes (…) e mulher, como segundo outorgante (…), como terceira outorgante MA (…) e como quarta (…), tendo os primeiros declarado doar aos demais outorgantes os bens aí discriminados, nos termos constantes da referida escritura, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, conforme consta do documento de fls. 129 a 138 dos autos.

39 - Na escritura pública intitulada de “Partilha”, outorgada no dia 29 de Julho de 1994, no Cartório Notarial de Tondela, exarada de fls. 8 verso a 11 do Livro n º 266-C, intervieram como primeira outorgante, (…), como segundos outorgantes HF (…) e mulher, como terceiros (…)e mulher e (…), tendo por eles sido dito que “(…) vão proceder à partilha dos bens deixados por óbito de (…)” , nos termos constantes da referida escritura, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, conforme consta do documento de fls. 139 a 147 dos autos.

40 – Da certidão de fls. 148/149 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, consta o auto de denúncia apresentado pela aqui ré MA (…), em cuja redacção contém, além do mais que “(…) nas traseiras do seu quintal existe um caminho de serventia, por onde tinham direito de passagem HF (…), AD (…) e AF (…).

  

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

O artº 1569º do CC  atinente à extinção das servidões, apenas prevê a extinção por desnecessidade relativamente às constituídas por usucapião e às legais – nºs 2 e 3 –  não prevendo que tal fundamento possa ser invocado para a extinção das servidões constituídas por acordo ou por destinação do pai de família.

Assim há quem defenda que este tipo de fundamento não pode ser invocado para a extinção destas servidões -  cfr.Acs. do STJ de 14.05.2009, dgsi.pt.  p. 09A0661 e de 25.10.2011,  p. 277/07.0TCGMR.G1.S1.

Isto porque o legislador terá relevado o cariz consensual daquelas e a origem uninominal destas.

Entendemos, todavia, que apesar da lei não prever expressamente a extinção destas servidões por desnecessidade, também o não proíbe.

Assim não nos repugna e julgamos até perfeitamente admissível, maxime se necessário para se consecutir a justiça material do caso concreto, que este fundamento extintivo também se aplique a tais servidões.

Posto é que se provem factos, quiçá com maior acuidade, força e relevância, dada aquela não consagração legal expressa, que apontem no sentido da extinção por desnecessidade.

5.2.2.

Assim sendo, e em primeiro lugar, importa ter presente que a extinção por desnecessidade de passagem não deve ser subjectiva, ie. relativa  ao proprietário do prédio dominante, mas antes  objetiva, ou seja, atinente  ao próprio prédio dominante.

 Em segundo lugar a desnecessidade deve ser, em princípio, atual, ie., superveniente em relação à constituição da servidão, decorrendo de alterações ocorridas no prédio dominante.

Em terceiro lugar não deve equiparar-se desnecessidade com indispensabilidade, ou seja, não basta provar que a servidão deixou de ser indispensável para o prédio dominante, antes tendo de provar-se que para ele  deixou de ter qualquer utilidade.

Assim, não basta demonstrar que o prédio dominante pode utilizar o caminho público que entretanto foi aberto, sendo necessário, para se aferir da desnecessidade da servidão, demonstrar que esse caminho proporciona igual ou semelhantes condições de utilidade e comodidade de acesso ao prédio dominante.

Finalmente impende sobre o dono do prédio serviente o ónus da prova da desnecessidade – Cfr. Acs. Do STJ de 01.03.2007, p. 07A091; de 16.03.2011, p. 263/1999.P1.S1; de 25.10.2011, p. 277/07.0TCGMR.G1.S1 e de 01.03.2012, p. 263/1999.P1.S2.

5.2.3.

No caso vertente e cotejando os factos apurados não se vislumbra neles conteúdo bastante para consubstanciar este fundamento legal extintivo.

Na verdade não se provou que os autores tenham outro acesso aos seus prédios, ou, tendo-o, que ele lhe proporciona  acessibilidade de igual ou muito idêntico jaez  e comodidade por reporte ao que lhe é proporcionado pela servidão, seja, em termos de distancia percorrida, seja, em termos de maior ou menor dificuldade de acesso oriunda do estado do leito acessante, da sua largura, configuração, etc.

De notar que não se apurou o teor do artº 40º, alegado pelos réus, no qual se perguntava: o acesso a pé e carro aos prédios dos autores sempre se fez pela rua publica, sita no lado oposto à casa de habitação da ré e à estrema dos seus prédios?

 E contra cuja resposta a ré não se insurgiu.

5.2.4.

A ré esgrime ainda, nesta instancia recursiva, com as figuras do conflito de direitos e do abuso de direito.

Importa atentar que a Srª Juíza abordou estes temas ou argumentos com base nas «alegações» da ré.

Menos bem andou no que concerne à figura do conflito de direitos, pois que não foram produzidas alegações escritas e na contestação não se enxerga a invocação deste instituto.

Mas tendo havido pronuncia e recurso sobre tal tema cumpre a este tribunal ad quem apreciá-lo.

5.2.4.1.

Estatui o artº335º do CC que «havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes» (n.º 1) e «se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior» (n.º 2).

Por um lado as limitações ao exercício do direito de entre as quais avulta a colisão de direitos, pressupõem a existência, validade e eficácia de um direito em concreto, não se aplicando a uma colisão de direitos em abstracto, isto é, não referida a situações jurídicas activas de que dois diferentes sujeitos jurídicos sejam titulares em dado momento.

Por outro lado os seus efeitos apenas emergem quando um direito subjectivo, na sua configuração ou no seu exercício, deva ser harmonizado com outro ou com outros direitos por não ser possível o respectivo exercício simultâneo e integral. – cfr. Ac. do STJ de 03.05.2012, p. 10054/07.3TBVNG.P1.S1.

Ora no caso vertente não se apurou que concreto direito da ré está em colisão com o dos autores.

Mas mesmo que se admita que tal direito se refere ao sossego e à privacidade, ficou por apurar se o direito de passagem dos autores é intoleravelmente constrangedor de tais direitos da ré, de tal sorte que  estes não podem ser, normal e adequadamente, exercidos e fruídos, sem que se limite ou elimine o direito dos autores.

Ora tal prova impendia sobre a ré já que, em tese, os direitos das partes podem ser exercidos e desfrutados conjuntamente, ao menos através de uma sensata, prudente, razoável, e, assim, admissível, compressão de cada um deles.

Não tendo a ré cumprido tal ónus probatório, o que passaria, vg., pelo uso excessivo, quantitativa e/ou qualitativamente –barulhos intensos, horas tardias, permanência no local para além do necessário, etc - do direito de passagem por banda dos autores, a sua pretensão, respaldada neste argumento, teria de soçobrar.

5.2.4.2.

Nos termos do disposto no artigo 334º do CC é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda, manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Como se diz na sentença, a ré aduziu o abuso de direito por reporte à desnecessidade da servidão.

Já se viu que ela não logrou provar esta desnecessidade pelo que, decorrentemente, e por maioria de razão, não podia relevar este instituto.

Por outro lado é duvidoso que o abuso de direito possa fundamentar a extinção das servidões, havendo quem defenda que considerando a taxatividade das causas tipificadas no citado artº 1569º do CC, tal não é possível – Cfr. Ac. do STJ de   05.07.2005, p. 05A2008.

Finalmente e como outrossim se refere na sentença, citando P. Lima e A. Varela, in "Código Civil anotado", vol. I, pág. 299 o exercício de um direito só poderá ser ilegítimo quando houver manifesto abuso, ou seja, quando o direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça, traduzindo uma clamorosa ofensa ao sentimento jurídico socialmente dominante.

Ora dos  factos assentes não dimana, minimamente, o preenchimento deste instituto, o qual, como válvula de escape do sistema jurídico para obviar a iniquidades e gritantes injustiças, apenas pode ser chamado e aplicado em casos  e sob circunstancias excecionais.

Não integra tal cariz o caso sub Júdice, no qual, e perante o acervo factual provado, somente se pode concluir que, afinal, os autores apenas estão a querer exercer um direito necessário a uma cabal e adequada fruição das utilidades dos seus prédios na sua função sócio-económica sem que tal represente um excessivo e intolerável  atropelo aos direitos que a ré  titula sobre  o seu ou dele dimanantes.

Improcede o recurso

6.

Sumariando.

I- Considerando os princípios da imediação e da oralidade, algum grau de subjetividade admissível ao julgador de 1ª instancia na apreciação e valoração da prova e a margem de álea em direito permitida, a decisão sobre a matéria de facto, máxime quando dimana de uma plêiade complexa e antinómica de meios probatórios na qual a prova testemunhal assumiu relevância, só pode ser censurada se se evidenciar meridianamente   desacobertada e contrária a tal prova.

II – A extinção, por desnecessidade, prevista no artº 1569º nº2 e 3 do CC para as servidões legais ou constituídas por usucapião, pode ser invocada para as servidões contratuais ou constituídas por destinação do pai de família.

III- A desnecessidade relevante deve ser objetiva, ie. reportada ao prédio e não ao seu dono, atual, e não deve equiparar-se a indispensabilidade, ou seja, não basta  que o dono do prédio serviente prove que a servidão deixou de ser indispensável para o prédio dominante, antes tendo de provar que para ele  deixou de ter qualquer utilidade.

IV-  Na colisão de direitos, a sua compressão recíproca ou a cedência de um deles apenas é de decretar se se provar  não ser possível o respectivo exercício simultâneo e integral.

V- O abuso de direito apenas emerge quando o direito é exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça atento o sentimento jurídico socialmente dominante.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pela recorrente.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Alberto Ruço