Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
271-C/1998.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: COELHO DE MATOS
Descritores: NOTIFICAÇÃO POR VIA POSTAL
PRESUNÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 06/19/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TONDELA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 254.º, N.ºS 2 E 3 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. Só se presume efectuada a notificação por carta registada no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, nos termos do artigo 254.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. Não se presume efectuada nos dias indicados no aviso de levantamento e por isso não tem o notificado que ilidir qualquer presunção em relação a esses dias;

2. O notificado não tem que provar por que razão não foi levantar a carta para notificação no dia em que o fez, desde que o tenha feito dentro do prazo constante do aviso. Só tem é que a levantar dentro desse prazo, sob pena de ser devolvida e se presumir feita a notificação na data prevista no n.º 2, e por força do disposto no n.º 3 do artigo 254.º do Código de Processo Civil.

3. Tendo o notificado demonstrado que teve conhecimento do conteúdo da carta expedida para a sua notificação quando a levantou nos serviços postais, contra a apresentação do aviso deixado na sua ausência, por motivos profissionais, deve concluir-se que provou que a notificação ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não são imputáveis, e ilidiu a presunção referida no n.º 2 do artigo 254.º do Código de Processo Civil.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1. A... interveio na acção executiva que corre na comarca de Tondela com o n.º 271/98, em que é exequente a B... e executados C... e outros, pedindo para ser declarada sem efeito a venda do imóvel feita nos autos e "anulados todos os demais actos processuais incompatíveis com a realidade predial existente".
O incidente assim suscitado foi julgado improcedente por despacho de 06/10/2005, notificado ao interveniente através de carta registada expedida nesse mesmo dia 06/10/2005, para a sua morada em Coimbra.
Através de requerimento remetido pelo correio, sob registo, em 26/10/2005, o interveniente interterpôs recurso que, por despacho de 31/10/2005 não foi admitido, por extemporâneo.
Notificado o interveniente apresentou, em 04/11/2005, novo requerimento em que, em síntese, alegou que, por ter estado ausente da sua morada por razões profissionais lhe foi depositado aviso na caixa de correio para proceder ao levantamento da carta nos CTT, pelo que só em 17/10/2005, e dentro do prazo assinado no aviso, a recebeu.
Por tal motivo considerava-se notificado nessa data e, consequentemente, o recurso interposto em tempo.
Acontece ainda que, a solicitação sua, o tribunal indagou junto dos CTT, a confirmação da data da recepção da carta, conforme o alegado.
Em face deste incidente o sr. juiz limitou-se a proferir um despacho dizendo que nada havia a decidir, na medida em que o requerente nem recorrera, nem reclamara do despacho que lhe não admitira o recurso.
Tendo agravado, então, deste despacho, o requerente obteve provimento nesta Relação no sentido de que a 1.ª instância devia apreciar a questão de que se recusara a apreciar, que era a da ilisão da presunção referida no artigo 254.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.

2. Fê-lo agora, em despacho do qual se transcreve a seguinte passagem essencial e decisória: “tendo a carta registada sido expedida em 06/10/2005, a notificação considera-se feita, de acordo com a presunção legal, em 10/10/2005 (9/10/2005, foi domingo).
Contudo, a presunção legal é elidível (cfr. artigo 350° n° 1 do Código Civil), o que está expressamente previsto no n.º 3 do mencionado artigo 254° que prevê que tal presunção só pode ser ilidida pelo notificado, provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior, por razões que não lhe sejam imputáveis.
Apreciando os motivos invocados pelo interveniente – encontra-se ausente da sua residência por motivos profissionais, já que diariamente se desloca para o Tribunal da Relação do Porto, onde exerce funções (no dia em que lhe foi deixado o aviso) – verifica­-se que não existe prova nos autos de que efectivamente o interveniente estivesse ausente da sua residência.
Acresce que nada impossibilitaria o interveniente no dia 10 de Outubro de 2005, ir levantar a sua carta (ou pelo menos tal não se mostra alegado ou comprovado).
Assim, por não ter logrado ilidir a presunção prevista no nº 3 do artigo 254° do Código de Processo Civil, julgo improcedente o incidente, mantendo o despacho que indeferiu o recurso a fls. 225.”

3. É desta decisão que vem agora o presente agravo cuja alegação termina com as seguintes conclusões:
1) Já se encontram resumidos e relatados no douto Acórdão da Relação de Coimbra proferido nos autos de agravo n.º 271-B/1998.C1 os antecedentes processuais relacionados com o presente recurso, para o qual se remete para melhor compreensão deste;
2) O objecto do presente recurso é o de saber se o ara agravante conseguiu elidir a presunção estabelecida no artigo 254.º, n.º 3, do Código de Processo Civil ou seja, que a carta expedida sob registo no dia 6/10/2005 pela secretaria judicial de Tondela não foi por si recebida no 1.º dia útil seguinte ao terceiro dia posterior ao do registo, concretamente no dia 10/10/2005 (9/10/2005 foi domingo), mas numa outra data posterior, por razões não imputáveis ao agravante.
3) Os elementos de prova carreados para os autos demonstram que a carta foi recepcionada no dia 17/10/2005 pelo agravante após lhe haver sido depositado aviso na sua caixa do correio pelo distribuidor deste:
4) O agravante não podia ter recebido a carta no dia 7/10/2005 (Sexta-Feira) por se comprovar nos autos, nomeadamente pelo bilhete de comboio, que o mesmo esteve no Porto.
5) Os autos contém também elementos de prova de que o agravante, no 1.º dia útil seguinte ao terceiro posterior ao do registo, ou seja, 10/10/:2005, se deslocou, como diariamente fazia para o Tribunal da Relação do Porto, onde dispunha de gabinete próprio e ali trabalhou todo o dia.
6) Dessa forma, a carta não foi recepcionada pelo agravante no dia 10/10/2005 por razões que não lhe são imputáveis, tendo-a depois recepcionado em 17/10/2005, ou seja, dentro do prazo que lhe foi indicado pelos CTT: ou seja, o agravante elidiu a presunção do artigo 254.º, n.º 3, do Código de Processo Civil
7) Assim, o recurso interposto subsequentemente pelo agravante sob registo do dia 26/10/2005 estava em tempo.
8) Foram violados os artigos 254.º, n.º 3, e 685.º, n.º.1, do Código de Processo Civil .
9) Assim, julgando procedente o recurso, ou seja, considerando que o agravante elidiu a presunção do artigo 254.º, n.º 3, do Código de Processo Civil e interpôs em tempo o recurso sobre o despacho proferido a fls. 225 e ordenando o prosseguimento dos autos com a admissão desse recurso.

4. Não foram apresentadas contra-alegações. Foi proferido despacho tabelar a confirmar o decidido. Estão colhidos os vistos. Cumpre conhecer e decidir.
Os factos a ter em conta são os já acima referidos no ponto 1. e ainda mais os seguintes que se colhem dos autos.
1) O requerimento através do qual o agravante interveio na execução ordinária nº 271/98, pedindo para ser declarada sem efeito nos autos e “anulados todos os demais actos processuais incompatíveis com a realidade predial existente”, mostra-se subscrito pelo próprio agravante;
2) Nessa peça processua1 o agravante identificou-se e indicou como sua residência a Rua João Pinto Ribeiro, n.º 16,3° Esq., 3000-228 Coimbra;
3) A carta registada enviada pelo tribunal ao agravante em 06/10/2005 foi-o para essa morada;
4) Com o requerimento de interposição de recurso remetido pelo correio, sob registo, em 26/10/2005, o agravante juntou procuração a favor de advogado.
5) O agravante exerce funções de Juiz Desembargador no tribunal da Relação do Porto, desde 15/09/1998, onde possui gabinete próprio que constitui o seu local de trabalho diário, para o qual se desloca da cidade de Coimbra, sendo titular do passe n.º 522 do Distrito Judicial do Porto, válido para a área de ligação a Coimbra (cfr. informação de fls. 48)
6) O agravante comprova que no dia 10/10/2005 proferiu despacho de expediente em, pelo menos, um processo que lhe foi concluso nessa data (cfr. documentos de fls. 13 a 15).
7) Alega que se desloca diariamente para o Porto, indo de carro próprio à Segunda Feira, deixando-o aí até à Sexta Feira seguinte, deslocando-se de comboio durante os restantes dias da semana, tendo por hábito levantar os bilhetes (com a apresentação do passe) a partir do Porto Campanhã, ao fim do dia, e com regresso ao Porto no dia seguinte, por volta das oito da manhã, rotina que demonstra com cópias de alguns bilhetes que diz ter conseguido encontrar.

5. Considerando que são as conclusões da alegação do recorrente que delimitam o âmbito do recurso (artigos 684.º, 2 e 3 e 690.º, 1,2 e 4 do Código de Processo Civil), a única questão que se nos coloca é a de saber se o agravante ilidiu a presunção de notificação referida no artigo 254.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
Diz o n.º 2 desse artigo 254.º que “a notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja”.
Essa presunção pode ser ilidida pelo notificado, provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não são imputáveis, decorre do n.º 4 do citado artigo.
Convêm também anotar que da parte final do n.º 3 decorre ainda que no caso de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-ão ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere o número anterior, ou seja no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
Tenha-se ainda em conta que, no caso dos autos, a notificação é feita à própria parte que ainda não tinha constituído mandatário, pelo que obedece ao disposto nos artigos 255.º, n.º 1 e 254.º, n.º 1 do Código de Processo Civil; ou seja, notificação por carta registada para a residência indicada pelo destinatário.
Sendo assim, expedida carta registada para notificação, esta presume-se efectuada, quer seja ou não devolvida a carta, a menos que o destinatário ilida a presunção, provando uma de duas coisas: i) que a notificação não foi efectuada (porque a carta não chegou ao destinatário); ii) ou que a notificação ocorreu em data posterior à presumida (o que acontece se o carteiro lha entrega efectivamente em data posterior, ou quando a vai levantar no local e prazo referenciados no aviso que lhe é deixado no respectivo receptáculo, no caso de ninguém se encontrar na morada do destinatário para a receber).
Daqui decorrem duas realidades: i) só se presume efectuada a notificação no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja – não se presume efectuada nos dias indicados no aviso de levantamento e por isso não tem o notificado que ilidir qualquer presunção em relação a esses dias; ii) o notificado não tem que provar por que razão não foi levantar a carta no dia em que o fez, desde que o tenha feito dentro do prazo constante do aviso. Só tem é que a levantar dentro do prazo, sob pena de ser devolvida e se presumir feita a notificação na data prevista no n.º 2 do artigo 254.º.
É também sabido que o carteiro só deixa no receptáculo do destinatário o aviso de levantamento da correspondência quando não encontra ninguém em casa do destinatário.

6. Volvendo ao caso dos autos, sabemos que a carta foi expedida a 6/10/2005 e que o destinatário só tomou conhecimento do seu conteúdo quando a levantou dentro do prazo que lhe foi assinado no aviso. Isso significa, desde logo, que não estava ninguém em sua casa na Segunda-feira, dia 10/10/2005, que foi o primeiro dia útil seguinte ao terceiro a contar da expedição da carta. Ou seja, o próprio facto de o carteiro ter deixado o aviso demonstra que o destinatário não estava em casa e por isso não pôde receber a notificação no dia em que era presumido ter sido efectuada.
E o facto de estar demonstrado que o seu local de trabalho é no Porto, para onde se desloca diariamente e onde particularmente esteve nesse dia 10/10/2005, aliado ao facto de estar também provado que recebeu a carta quando esta lhe foi entregue pelos serviços postais contra a apresentação do aviso, em 17/10/2005, é bastante para concluir que o agravante logrou provar que a notificação ocorreu nessa data e, por conseguinte, em data posterior à presumida, pelas razões expostas, que afastam a sua próprio imputação ao notificado.
Ou seja, o notificado provou que a notificação ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não são imputáveis, observando assim o disposto no artigo 254.º, n.º 4 do Código de Processo Civil.
O indeferimento da pretensão do agravante assentou em dois pressupostos: i) não existe prova nos autos de que efectivamente o agravante estivesse ausente da sua residência; ii) nada o impossibilitaria de no dia 10 de Outubro de 2005, ir levantar a sua carta (ou pelo menos tal não se mostra alegado ou comprovado) - sic.
No que respeita ao primeiro ponto já ficou demonstrado que assim não acontece. Há prova bastante de que o agravante não estava em casa quando o carteiro aí o procurou. Só o aviso que ele deixou, para o destinatário levantar a carta no local e no prazo aí consignados chegaria para demonstrar essa realidade.
No tocante ao segundo ponto já vimos também que a lei não exige ao notificado que demonstre não lhe ter sido possível levantar a carta antes do dia em que o fez. Só lhe exige que ilida a presunção de que a notificação não foi feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, sob pena de se considerar feita nesse dia. Quanto ao prazo assinado no aviso de levantamento da correspondência postal, em função das atribuições dos respectivos serviços, também já vimos que a não observância é a devolução da carta ao processo e o funcionamento da presunção de notificação, nos termos do artigo 254.º, n.º 3 (parte final).
Podemos então concluir que:
1. Só se presume efectuada a notificação por carta registada no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, nos termos do artigo 254.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. Não se presume efectuada nos dias indicados no aviso de levantamento e por isso não tem o notificado que ilidir qualquer presunção em relação a esses dias;
2. O notificado não tem que provar por que razão não foi levantar a carta para notificação no dia em que o fez, desde que o tenha feito dentro do prazo constante do aviso. Só tem é que a levantar dentro desse prazo, sob pena de ser devolvida e se presumir feita a notificação na data prevista no n.º 2, e por força do disposto no n.º 3 do artigo 254.º do Código de Processo Civil.
3. Tendo o notificado demonstrado que teve conhecimento do conteúdo da carta expedida para a sua notificação quando a levantou nos serviços postais, contra a apresentação do aviso deixado na sua ausência, por motivos profissionais, deve concluir-se que provou que a notificação ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não são imputáveis, e ilidiu a presunção referida no n.º 2 do artigo 254.º do Código de Processo Civil.

Por conseguinte, tendo sido o agravante notificado a 17/10/2005 considera-se tempestiva a interposição do recurso efectuada por requerimento apresentado no dia 26/10/2005, face ao disposto no artigo 685.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

7. Decisão
Por todo o exposto acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao agravo, em consequência do que deve o despacho recorrido ser substituído por outro que considere ter sido ilidida a presunção do artigo 254.º, n.º 3 do Código de Processo Civil e admita o recurso interposto pelo ora agravante.
Sem custas, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, al. o) do CCJ.