Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
55/06.4TBCDN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GONÇALVES FERREIRA
Descritores: CASO JULGADO
TRÂNSITO EM JULGADO
EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
SUSPENSÃO
EXECUÇÃO
Data do Acordão: 09/29/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CONDEIXA-A-NOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 666.º , 668.º, 669.º E 677.º DO CPC, ARTIGOS 870.º DO CPC E 88.º DO CIRE
Sumário: a) O trânsito em julgado de uma decisão pressupõe que a mesma já não é susceptível de impugnação.

b) Não transita em julgado uma decisão, se foi pedida a sua rectificação e, decidida esta, interposto recurso em prazo contado da sua notificação ao interessado.

c) O esgotamento do poder jurisdicional e o trânsito em julgado não têm valor absoluto, já que há casos em que é possível alterar a decisão.

d) A circunstância de terem sido ordenados os pagamentos em processo de execução não obsta à suspensão desta, quando requerida por credor que demonstre ter sido pedida a insolvência do executado.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            I. Relatório:

            A...., com sede na zona industrial, ...., intentou execução comum contra B..., com sede em apartado 2, zona industrial de Miranda do Corvo, atinente a obter pagamento da quantia de € 12.150,00, acrescida de juros vencidos e vincendos, titulada por quatro letras de câmbio nos valores de € 3.000,00, € 3.600,00, € 2.700,00 e € 2.850, sacadas por si e aceites pela executada.

            Penhorado um p ré dio urbano e efectuadas as citações a que aludem os artigos 864.º do CPC e 80.º do CPPT, vieram a D....e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social reclamar créditos nos valores de € 89.359,77 e de € 82.348,92, acrescidos de juros vincendos, garantidos por hipoteca e por privilégio imobiliário, respectivamente, os quais foram reconhecidos e graduados por essa ordem, ficando o crédito exequendo em terceiro e último lugar.

            Ap ó s a venda do bem penhorado e subsequente depósito do preço, foi ordenado o pagamento aos credores reclamantes e à exequente, de acordo com o cálculo efectuado pela secretaria, nos termos do qual caberia à exequente a importância de € 15.209,39 (despacho de 09.05.2008, a folhas 212). 

            Notificada da decisão, veio a credora D... requerer a rectificação do cálculo, no sentido de passar a constar do mesmo que o seu crédito era no valor de € 111.658,22, por via dos juros, entretanto, vencidos, e não de € 89.359,77, como lá se referia (requerimento de 15.05.2008).

            Tamb é m a senhora solicitadora de execução requereu a reformulação do cálculo, no sentido de serem incluídos os seus honorários e as despesas havidas, tudo no valor de € 2.074,09 (requerimento de 03.06.2008).

            O requerido pela credora D... foi indeferido, com o argumento de na sentença de reconhecimento e graduação de créditos se não fazer qualquer referência aos juros vincendos (despacho de 05.06.2008, a folhas 235).

            No mesmo despacho, determinou -s e , ainda, se desconsiderassem os juros vincendos, relativamente ao credor Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, por não terem sido levados em conta na sentença, e se atendessem os honorários e despesas apresentados pela senhora solicitadora de execução.

            Insistiu a D....pela rectificação do cálculo dos pagamentos, sustentando que os juros vincendos estavam abrangidos pela sentença; para o caso de não ser atendida a rectificação, interpôs, desde logo, recurso da decisão (requerimento de 19.06.2008).

            A senhora solicitadora de execução veio, por sua vez, requerer, igualmente, a rectificação do cálculo dos pagamentos, por forma a que a quantia a entregar à exequente fosse de, apenas, € 7.604,70, que, mais tarde, no entanto, viria a corrigir para € 14.344,39 (requerimentos de 08.08.2008 e de 02.09.2008, respectivamente).

            Entretanto, veio C...., residente em ...., requerer a suspensão da execução, a fim de impedir os pagamentos, nos termos do artigo 870.º do CPC, alegando ter requerido, no Tribunal Judicial da Lousã, na qualidade de credor, a insolvência da executada (requerimento de 08.09.2008). 

            A exequente, em dois requerimentos apresentados a 09.09.2008, pronunciou-se pelo indeferimento da rectificação requerida, tanto pela D..., como pela senhora solicitadora de execução, e solicitou que, sem mais demoras, lhe fosse entregue a importância de € 15.209,39, conforme cálculo efectuado e despacho que sobre o mesmo recaiu, proferido a 09.05.2008.

            Inteirada do pedido de declara ç ão d e insolvência contra a executada, requereu a senhora solicitadora de execução fosse lavrado despacho sobre o pedido de suspensão da execução, a fim de saber se podia, ou não, dar pagamento ao exequente e credores (requerimento de 17.09.2008).

            Junta aos autos certid ã o da sentença proferida nos autos de insolvência n.º 578/08, que corre seus termos no Tribunal Judicial da Lousã, que declarou a insolvência da ora executada, foi exarado despacho a ordenar a suspensão da execução, com vista a impedir os pagamentos, nos termos do artigo 870.º do CPC (despacho de 07.10.2008, a folhas 295/296). Simultaneamente, e sob o entendimento de que a reclamação da credora D....configurava uma reclamação da conta, ordenou-se que os autos fossem ao contador e, após, ao MP, de acordo com o preceituado no artigo 61.º, n.º 2, do CCJ.

            O contador informou que o c á l c ulo fora efectuado em conformidade com o teor da sentença de reconhecimento e graduação de créditos e o MP concordou, após o que foi proferido despacho que decidiu não haver lugar a rectificação do cálculo provável dos pagamentos.

            Teve lugar outro processado sem interesse para a decisão do recurso, mormente o pedido de destituição da senhora solicitadora de execução, formulado pela exequente, que foi indeferido.

            Inconformada com a deci sã o que declarou a suspensão da execução, dela interpôs recurso a exequente, que apresentou, em prazo, a sua alegação, finalizada com um inusitado número de repetitivas conclusões (27), facilmente redutíveis a, apenas, seis, a saber:

            1) O despacho de folhas 212, que ordenou os pagamentos segundo o cálculo provável constante de folhas 211, transitou em julgado em 27 de Maio de 2008, enquanto que o de folhas 235, que ordenou a sua rectificação, transitou em julgado a 24 de Junho de 2008;

            2) As suas expectativas de receber a importância calculada não podem ser prejudicadas por demoras e incidentes anómalos, provocados, aliás, pela senhora solicitadora de execução, que reteve o produto da venda em seu poder durante vários meses, deixando de efectuar os pagamentos e de cumprir a decisão que os ordenou;

            3) Quando foi proferido o despacho agravado, já havia terminado o poder jurisdicional sobre o produto da venda, pelo que o mesmo é ilegal, por ferir caso julgado anterior;

            4) As normas dos artigos 870.º do CPC e 88.º, n.º 1, do CIRE não têm aqui aplicação, por visarem a suspensão da execução em relação a diligências ou providências que tenham por objecto bens integrantes da massa falida, o que não é o caso da quantia monetária resultante do produto da venda do imóvel penhorado nestes autos;

            5) De resto, a sentença de declaração da insolvência, relativamente à qual não está documentado o trânsito em julgado, não dá indicação de quaisquer bens apreendidos ou pertencentes à ordem da massa;

            6) A suspensão é extemporânea, já que só pode ser requerida até à transmissão dos bens penhorados, conforme o que dispõe o n.º 3 do artigo 865.º do CPC, limite este que se aplica aos próprios trabalhadores.

            Concluiu pela revoga ç ão d o despacho agravado e pela sua substituição por outro que ordene a entrega da quantia de € 15.209,39.

            A massa insolvente de PlB...respondeu à alegação da exequente, tendo afirmado, em síntese, que, nenhum pagamento poderia ser efectuado, devido à declaração de insolvência, e que, por conseguinte, a decisão recorrida não merecia censura.

            O despacho agravado foi sustentado de forma meramente tabelar.

            Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

            São as seguintes as questões a requerer resolução:

            a) O caso julgado;

            b) A extinção do poder jurisdicional;

            c) A inaplicabilidade dos artigos 870.º do Código de Processo Civil e 88.º do CIRE;

            d) A ext em poraneidade da declaração de suspensão da execução.

            II. Os f actos a considerar são os que constam do anterior relatório.

           

            III. O direito:

           

            a) O caso julgado

           

            Em conformidade com o disposto no artigo 677.º do Código de Processo Civil[1] (diploma de que serão os preceitos que vierem a ser citados, sem menção de origem), a decisão considera-se passada ou transitada em julgado, logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação, nos termos dos artigos 668.º e 669.º.           

            A decis ão faz caso julgado, dizem Antunes Varela, José Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, quando os tribunais já a não podem modificar, acrescentando que a imodificabilidade pode resultar da verificação de uma de três circunstâncias: a) de a sentença, pelo valor da acção ou por qualquer outra razão, não admitir recurso (caso em que o trânsito ocorre logo que se esgota o prazo da reclamação previstas nos artigos 668.º e 669.º); b) de ter caducado o direito de interposição do recurso contra a decisão proferida; c) de se terem esgotado os recursos admissíveis[2].

            Como advertem os mesmos autores, o tr â ns ito em julgado reporta-se tanto às sentenças como aos despachos e abrange, quer as questões de carácter processual, quer as que respeitam à relação material em litígio, sendo que, na primeira hipótese, se forma o caso julgado formal e, na segunda, o caso julgado material (obra e local citados).

            Da mera leitura da materialidade factual dada por assente, é bom de ver que nenhuma das apontadas circunstâncias se verifica.

            São duas as decisões que a recorrente defende terem transitado em julgado: a primeira, constante de folhas 212, proferida a 09.05.2008, que ordenou a distribuição do produto da venda (€ 150.558,78), depois de retiradas as custas prováveis, pelos credores graduados ( D....e ISSS) e pela exequente, nos termos do cálculo efectuado pela secretaria a folhas 211 (muito sinteticamente, as custas prováveis ascendiam a € 3.000,00, a D....recebia € 89.359,77, a exequente € 15.209,39 e o ISSS o restante); a segunda, inserta a folhas 235, proferida a 05.06.2008, elaborada na sequência de um requerimento de rectificação apresentado pela CGD, que pretendia fossem considerados juros em valor superior a € 20.000,00, e da indicação de despesas e honorários pela senhora solicitadora de execução, que indeferiu a rectificação requerida pela D....e atendeu o peticionado pela senhora solicitadora de execução, em razão do que manteve os pagamentos, excepção feita às custas, que passaram a incluir os ditos honorários e despesas, e à quantia a receber pelo ISSS, da qual ficaram excluídos os juros, no montante de € 8.722,13.

            A primeira teria transitado a 27 de Maio de 2008 e a segunda a 24 de Junho do mesmo ano. Para assim concluir, é mais do que óbvio que a recorrente se limitou a fazer uma simples operação de contagem, baseada na data da notificação das decisões e no prazo de interposição de recurso legalmente previsto.

            Esqueceu o mais elementar, que era o de verificar se as decisões haviam sido impugnadas. E, na realidade, foram-no, como emerge do comezinho facto de o credor D....ter requerido a rectificação do primeiro despacho (requerimento de 15.05.2008) e, notificado do indeferimento, ter interposto recurso (requerimento de 19.06.2008); recurso perfeitamente atempado, aliás, uma vez que, como prescreve o artigo 686.º, no caso de ser requerida a rectificação, aclaração ou reforma, o prazo para recorrer só se inicia com a notificação da decisão que recair sobre o requerimento.  

            Como assim, n ã o poderia ter transitado em julgado a decisão que ordenou os pagamentos, nomeadamente, a entrega de € 15.209,39 à ora recorrente. 

            É verdade que o recurso não chegou a ser admitido; mas tal sucedeu, apenas, por, no entretanto, ter sido ordenada a suspensão da execução, nos termos do artigo 870.º, a requerimento de um credor da executada que intentara contra esta processo especial de insolvência.

            O que importa é que o recurso ordinário era admissível, seja pelo valor da causa e pelo do decaimento (artigos 678.º, n.º 1 do CPC e 24.º, n.º 1, da LOFTJ), seja porque se não está perante despacho de mero expediente ou proferido no uso legal de poder discricionário (artigo 679.º).

            Sendo o recurso admiss í vel, tendo sido interposto em prazo e mostrando-se evidente, por outro lado, que se não esgotaram os recursos possíveis, é inelutável a conclusão de que se não materializa qualquer das circunstâncias acima alinhadas para que pudesse ter ocorrido o trânsito em julgado das decisões em questão.

            Por este caminho não pode o recurso proceder.

            Mas o mesmo sucederia se a decisão tivesse, de facto, transitado em julgado, como, de seguida, melhor se esclarecerá.

            b) A extinção do poder jurisdicional

            Proferida a senten ç a ou o despacho, determina o artigo 666.º, nos seus números 1 e 3, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.

            Na tese da recorrente, se bem se consegue perceber a sua alegação, algo complexa nos termos e profundamente repetitiva, o tribunal não podia ordenar a suspensão da execução, por estar esgotado o poder de decidir de forma diversa acerca da entrega, ou não, do dinheiro apurado na venda do bem penhorado.

            Dito de outro modo, tendo sido determinada uma certa forma de pagamento aos credores da executada, não podia a execução ser suspensa, porque isso obstaria à entrega do produto da venda, o que conduziria à alteração da decisão proferida.

            Mas continua a não ter razão.

            O esgotamento do poder jurisdicional n ã o é absoluto, já que a própria lei lhe introduz limitações, como claramente decorre do n.º 2 do normativo citado e dos artigos 668.º e 669.º do mesmo diploma.

            “O esgotamento do poder jurisdicional (…) significa que, lavrada e incorporada nos autos a sentença, o juiz já não pode alterar a decisão da causa, nem modificar os fundamentos dela” (Antunes Varela e outros, ob. cit., página 684).

            “Para ele a decisão fica sendo intangível”, mas, somente, “quanto à matéria da causa”, ou seja, “quanto à questão ou questões sobre que incidiu a sentença ou despacho…mas isso não obsta a que o juiz continue a exercer no processo o seu poder jurisdicional para tudo o que não tenda a alterar ou modificar a decisão proferida (…) o juiz pode e deve resolver as questões e incidentes que surjam posteriormente …” (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, páginas 126/127).

            Ora, o despacho sob recurso não decidiu de modo diverso a questão dos pagamentos na execução; não alterou a forma determinada nem modificou os fundamentos que presidiram à anterior decisão; resolveu, de acordo com a lei, uma questão que surgiu posteriormente: a da suspensão da execução.

            Certo que pode ter inutilizado, em parte, pelo menos, os seus efeitos; suspensa a execução, nos termos do artigo 870.º, com a consequente sujeição de exequente e credores já graduados a uma nova graduação de créditos em processo de execução universal, como o é o processo de insolvência (artigo 1.º do CIRE), a recorrente receberá, ou não, o montante que já lhe havia sido atribuído.

            Só que isso ultrapassa por completo a questão do esgotamento do poder jurisdicional do juiz; essa foi a opção do legislador, que tem, como é óbvio, toda a legitimidade para implementar as regras que entenda mais adequadas à realização do estado de direito e que o aplicador do direito se limitou a cumprir, como era seu dever.

            É claro que estas razões valem, também, “mutatis mutandis”, para a hipótese de a decisão que ordenou os pagamentos ter transitado em julgado (o que, como se disse, não foi o caso).

            No essencial, a força do caso julgado assenta em duas ordens de razões: o prestígio dos tribunais, que seria comprometido se sobre a mesma situação concreta recaíssem decisões diferentes (fora do âmbito dos meios legais de impugnação, claro), mas, mais importante, a garantia de certeza e segurança, que nenhum sistema jurídico pode dispensar (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, páginas 282/284; Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, volume III, página 384; Antunes Varela e outros, ob. cit., páginas 704/705).

            Ao fenómeno do caso julgado, tal como sucede com o do esgotamento do poder jurisdicional, anda associada a ideia de imutabilidade; a decisão transitada é, por imperativo legal, insusceptível de modificação.

            O caso julgado garante a impossibilidade de o tribunal decidir a mesma questão por mais do que uma vez, seja de forma diversa, seja da mesma forma (Miguel Teixeira de Sousa, BMJ 325, páginas 49 e seguintes).

            Imutabilidade não significa, porém, impossibilidade absoluta de modificação[3].

            Mesmo depois de transitada em julgado, a decis ã o p ode ser modificada no âmbito dos recursos extraordinários de revisão e de oposição de terceiro, previstos nos artigos 771.º a 777.º e 778.º a 782.º, respectivamente.

            E pode, com toda a certeza, ver os seus efeitos pr á t i cos paralisados, por via de disposição legal que tal imponha. E é isso, exactamente, o que ocorre no caso dos autos. Verificado o condicionalismo previsto no artigo 870.º, não podia o tribunal deixar de ordenar a suspensão da execução, tal como foi peticionado por um credor da executada.

            É a própria lei a sobrepor-se às consequências normais do trânsito em julgado. Não é situação isolada, de resto, pois, como muito bem se sabe, a graduação de créditos está sujeita a alterações, mesmo que a sentença que o fez não tenha sido impugnada (artigo 868.º, n.º 6).

            Não é por aqui, também, que o recurso merece procedência.

            Diga-se, ainda assim, que é completamente irrelevante, para além de falho de verdade, o argumento, avançado pela recorrente, de que não pode ver as suas legítimas expectativas ao recebimento da quantia calculada defraudadas pelas demoras e incidentes anómalos da senhora solicitadora de execução, que reteve o dinheiro em vez de efectuar os pagamentos como lhe competia.

            Irrelevante, porque expectativas n ã o p a ss am disso mesmo: esperanças e não direitos protegidos; de resto, nem os próprios direitos logram sempre realização prática.

            Falho de verdade, porque, se atrasos houve, nesta matér ia, não foram da responsabilidade da senhora solicitadora de execução, como facilmente se extrai da sequência processual assinalada no relatório, mas, sim, do credor D....que, no exercício, aliás, de um direito inteiramente legítimo, o de impugnação, procurou fazer valer o seu ponto de vista quanto à medida dos pagamentos.

            Ao contr á r i o d o q ue assevera a recorrente, a senhora solicitadora de execução não andou durante mais de seis meses – desde 4 de Março a 17 de Setembro de 2008 – para proceder à entrega do dinheiro, pela liminar razão de que o despacho que ordenou os pagamentos foi proferido, apenas, a 9 de Maio de 2008, ou seja, mais de dois meses depois da data que aquela refere; e nem a tardia indicação dos honorários e despesas por parte da senhora solicitadora de execução atrasou o que quer que seja, pois que, nessa altura, decorria o prazo para a resposta ao pedido de rectificação da decisão formulado pela D....

            As incid ê nc ia s pr ocessuais subsequentes (decisão sobre o aludido requerimento, impugnação da nova decisão e requerimento de suspensão da execução) não lhe são, igualmente, imputáveis, por razões óbvias.

            Sem uma decisão definitiva, vedada lhe estava a possibilidade de proceder aos pagamentos à exequente e aos credores graduados; e o certo é que a mesma nunca chegou.

            c) A inaplicabilidade dos artigos 870.º do CPC e 88.º do CIRE

           

            A questão foi colocada pela recorrente nos seguintes termos: a não entrega à exequente da quantia ordenada não se confunde com a realização do pagamento a que alude o artigo 870.º do CPC, pois a entrega manual só se não fez por atraso injustificado da senhora solicitadora de execução; o fim daquela norma, assim como da do artigo 88.º do CIRE é bem outro, qual seja a suspensão da execução em relação a diligências ou providências que tenham por objecto bens integrantes da massa falida, o que não é o caso do produto da venda do imóvel penhorado, que não faz, nem nunca fez, parte da massa insolvente; de resto, nem a sentença de declaração de insolvência da executada, cujo trânsito em julgado não está documentado, dá qualquer indicação de bens apreendidos ou pertencentes à massa, nem o n.º 1 do artigo 88.º do CIRE é um efeito automático da declaração de insolvência.

            É evidente, tendo em atenção o teor da redacção do artigo 870.º do CPC (“qualquer credor pode obter a suspensão da execução, mostrando que foi requerido processo especial de recuperação da empresa ou de falência do executado”[4]), cuja clareza dispensa, aliás, comentários, que lavra em grande confusão.

            Basta que se comprove o pedido de declaraç ão de insolvência para que o credor que o requeira obtenha a suspensão da execução; não é exigível que tenha sido proferida sentença de declaração da insolvência, que esta tenha transitado ou que nela se faça referência a bens apreendidos ou pertencentes à massa.

            Trata-se de uma emanação do princípio da igualdade ou da “par conditio creditorium”, segundo o qual o património do devedor é garantia comum de todos os credores, não devendo, como tal, ser distribuído unicamente por aqueles que intervêm na execução (Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 11.ª edição, 2009, páginas 319/320 e 352).

            É claro que se a insolvência não vier a ser decretada, a execução não poderá deixar de prosseguir (Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, Página 532).

            Vindo a ser decretada, determinam ao artigos 85.º, n.º 2, e 88.º, n.º 1, do CIRE, que se suspendem todas as diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e não pode ser instaurada ou prosseguir acção executiva contra o insolvente, devendo o juiz da insolvência requisitar, para efeitos de apensação, todos os processos em que se tenha verificado a apreensão ou detenção de bens da massa insolvente (Fernando Amâncio Ferreira, ob. cit., páginas 352/353).

            Contrariamente ao que defende a recorrente, o regime instituído no n.º 1 do artigo 88.º do CIRE é mesmo um efeito automático da declaração de insolvência, não dependendo de requerimento de qualquer interessado (Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, edição de 2008, página 362).

            O que, diga-se, é indiferente para a hipótese em apreço, porque a suspensão foi decretada com fundamento no artigo 870.º do CPC, que só exige, repete-se, a prova do pedido de declaração da insolvência.

            Como assim, s ã o d es p icie nd as e erradas as demais considerações tecidas pela recorrente, mormente a de que a quantia cuja entrega foi ordenada não se confunde com o pagamento referido no artigo 870.º, por não passar de uma entrega manual, e a de que o produto da venda do imóvel penhorado não faz parte da massa insolvente.

            É que, e por um lado, uma das formas de pagamento é mesmo a entrega de dinheiro, como, com toda a nitidez, ressalta do n.º 1 do artigo 872.º; e a finalidade da suspensão é a de evitar os pagamentos, de modo a que não haja benefício de uns credores e prejuízo de outros. Por outro lado, a massa insolvente abrange, nos termos do artigo 46.º do CIRE, todo o património do devedor à data da declaração de insolvência (os bens penhoráveis, como escrevem Carvalho Fernandes e João Labareda, a folhas 222 da sua citada obra), o que inclui, evidentemente, o produto da venda dos imóveis penhorados.

            H á , ce rtamente, algum contra-senso na afirmação de que um bem penhorado (ou o produto da sua venda, o que vem a dar no mesmo) pertence ao executado para efeitos de pagamento ao exequente e aos credores graduados, mas deixa de lhe pertencer quando declarada a insolvência.

            O recurso improcede, também, por esta via.   

           

             d) A extemporaneidade da declaração de suspensão da execução

            Na ó p tica da recorrente, a disposição do artigo 870.º tem um limite temporal, balizado pelo n.º 3 do artigo 865.º; a suspensão da execução só seria possível até à transmissão dos bens penhorados.

            Não se vê aonde foi buscar a ideia, porque nada na lei o inculca. O artigo 870.º prevê a suspensão da execução em caso de pedido de insolvência do executado e não tem prazo estabelecido; só depende de o credor a requerer e de provar que foi requerida a insolvência do executado. O artigo 865.º, n.º 3 rege para a reclamação de créditos por parte dos credores que não foram citados.

            Onde esteja o elo de dependência ou de conexão entre as duas normas é coisa que se não descortina, mas que a recorrente, também, não esclarece; faz a afirmação e por aí se queda.

            Se quer dizer que a suspensão não faz sentido, porque o credor já não pode obter o seu crédito, por o não ter reclamado na execução no prazo do artigo 865.º, n.º 3, está totalmente equivocado, porque uma das consequências da declaração da insolvência é a fixação de prazo para a reclamação de créditos [alínea j) do artigo 35.º do CIRE].

            Se, como poder á , eventualmente, resultar de duas outras das suas inúmeras conclusões (no caso, a 26.ª e a 27.ª), quer dizer que a suspensão é extemporânea, porque o despacho que ordenou os pagamentos transitou em julgado, a resposta já foi dada acima.

            A questão está, como as demais, votada ao insucesso.

            IV. Resumindo:

           

            a) O trânsito em julgado de uma decisão pressupõe que a mesma já não é susceptível de impugnação.

            b) Não transita em julgado uma decisão, se foi pedida a sua rectificação e, decidida esta, interposto recurso em prazo contado da sua notificação ao interessado.

            c) O esgotamento do poder jurisdicional e o trânsito em julgado não têm valor absoluto, já que há casos em que é possível alterar a decisão.

            d) A circunstância de terem sido ordenados os pagamentos em processo de execução não obsta à suspensão desta, quando requerida por credor que demonstre ter sido pedida a insolvência do executado.

            V. Decisão:

            Por tudo quanto se deixou exposto, acorda -s e e m negar provimento ao agravo e em confirmar a decisão recorrida.

            Custas pela recorrente.


[1] Dado que a presente execução foi instaurada em 2006, os normativos processuais aplicáveis são os anteriores à redacção imprimida pelo DL 303/07, de 24 de Agosto.
[2] Manual de Processo Civil, edição de 1985, página 703.
[3] Por isso mesmo, Alberto dos Reis prefere falar em estabilidade, na consideração de que a imutabilidade do caso julgado é meramente relativa (ob. cit., página 157).
[4] O Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), aprovado pelo DL 132/93, de 23 de Abril, e que teve sucessivas alterações, que vigorava à data em que a actual redacção do artigo 870.º do CPC foi introduzida, foi revogado pelo DL 53/04, de 18 de Março (artigo 10.º, n.º 1), diploma que aprovou o CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas); prescreve aquele diploma no seu artigo 11.º que qualquer remissão para o Código revogado se deverá entender como valendo para o novo ordenamento.