Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
306/11.3TBTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
REQUISITOS
Data do Acordão: 10/04/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TOMAR – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 235º E 238º, Nº 1 DO CIRE
Sumário: I – Envolvendo a concessão do benefício da exoneração do passivo restante ao insolvente (nos termos do artigo 235º do CIRE) a possibilidade da indução do chamado “risco moral”, enquanto efeito externalizador da propensão a uma conduta não diligente no assumir de riscos económicos (de dívidas), deve a concessão desse benefício assentar num juízo não desvalioso relativamente ao devedor, quanto às circunstâncias em que ocorreu a colocação deste na situação de insolvência.

II – Ao artigo 238º, nº 1 do CIRE, designadamente à sua alínea e), subjaz o que poderemos qualificar como “cláusula implícita de merecimento” da exoneração, cuja actuação no caso concreto permite a formulação de um juízo não desvalioso relativamente ao comportamento do devedor, enquanto elemento condicionador do deferimento da exoneração.

III – Um devedor que assume, à partida no requerimento de apresentação à insolvência, ter contraído dívidas, em seu nome, como “testa de ferro” de familiares, para obtenção de condições de crédito mais favoráveis para estes, sem que reconhecidamente dispusesse de meios para as pagar, indicia fortemente uma situação de culpa na ulterior criação da situação de insolvência.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa


            1. Em 09/03/2011[1], J… (doravante referida como Devedora ou Insolvente, trata-se da Apelante neste recurso) apresentou-se no Tribunal de Tomar à insolvência, indicando estar impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas[2] e pretender, no contexto processual assim induzido, que lhe fosse concedida a “exoneração do passivo restante”, nos termos dos artigos 235º e ss. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE)[3] [4].

            1.1. Foi tal insolvência efectivamente decretada em 23/03/2011 (através da Sentença de fls. 111/116), sendo que, no ulterior desenvolvimento do processo concursal, apresentou o Senhor Administrador da Insolvência o relatório previsto no artigo 155º do CIRE no qual tomou posição favorável à pretensão de exoneração do passivo adrede formulada pela Devedora[5].

Na Assembleia de Credores, foram ouvidos quanto à referida pretensão os credores presentes, tendo-se estes pronunciado nos termos que aqui se transcrevem:
“[…]
Dada a palavra ao Representante do credor M…, pelo mesmo foi dito que vota favoravelmente a proposta para liquidação do activo e que se abstêm no que respeita ao deferimento liminar de exoneração do passivo restante.
[…]
Dada novamente a palavra à ilustre mandatária do credor Banco ..., pela mesma foi dito que se pronuncia favoravelmente quanto à proposta para liquidação do activo e que vota desfavoravelmente o deferimento liminar de exoneração do passivo restante.
[…]”
            [transcrição de fls. 182]

            1.2. Surge então o despacho certificado a fls. 184/188 – constitui este a decisão objecto do presente recurso – no qual foi a aludida pretensão da Insolvente objecto de indeferimento liminar, nos termos do disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 238º do CIRE.

            1.3. Inconformada interpôs a Insolvente o presente recurso, motivando-o nos termos certificados a fls. 197/208, formulando aí as conclusões que aqui se transcrevem:
“[…]


II – Fundamentação

2. Neste recurso, como em qualquer outro, as conclusões formuladas pela Apelante, a cuja transcrição procedemos no item anterior, operaram a delimitação temática do respectivo objecto, nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC).

Corresponde ao tema do recurso a ratio decidendi do despacho de indeferimento da requerida exoneração do passivo: a verificação, face aos elementos logo alegados pela Apelante no seu requerimento de apresentação à insolvência, do fundamento liminar de indeferimento dessa pretensão previsto na alínea e) do nº 1 do artigo 238º do CIRE[6], entendido este como elemento consubstanciador de uma designada “cláusula de merecimento” da exoneração.

2.1. A decisão apelada justificou-se no seguinte elenco de factos e incidências processuais:
“[…]
2.1. A 8 de Março de 2011, J… apresentou-se à insolvência e formulou, entre outros pedidos, o de exoneração do passivo restante.
2.2. Fundamentou o seu pedido, em suma, da seguinte forma: a) que nunca actuou em prejuízo dos seus credores e que sempre acreditou ter capacidade para fazer face a todas as suas obrigações; b) que no ano de 1999, por decisão dos seus pais, e com o seu consentimento, enquanto ainda estudante, adquiriu um imóvel na cidade de Faro com recurso ao crédito á habitação, para poder beneficiar do juro bonificado (jovem); c) as prestações eram asseguradas pela sua mãe; d) que vendeu o imóvel em questão e liquidou o empréstimo em 2002; e) Em 2004 o seu pai entendeu adquirir outro imóvel, desta feita em Vila Nogueira de Azeitão, tendo ficado o crédito e a aquisição de novo em seu nome, embora aquele figure como seu avalista. f) Que no ano de 2007, tudo se complicou, porque a sua mãe esgotou a sua capacidade de endividamento e necessitou de contrair créditos em nome da filha, com o seu consentimento, que correspondem a quase todos os créditos no valor global de €52.730,34 reclamados pelo Banco…; g) que em Outubro de 2010 a mãe lhe anunciou que não iria conseguir mais liquidar as prestações; h) a devedora vive com a sua mãe em Tomar.
2.3. O crédito em divida ao Banco…, garantido por hipoteca, é no valor de €73.749,30, e o valor patrimonial actual do imóvel (CIMI) no ano de 2010 era de €62.172,81.
2.4. No ano de 2009 declarou um rendimento bruto no valor de €19.900,40.
[…]”
            [transcrição de fls. 185/186]

            Valorando este elenco, conjugando-o com outros elementos complementares efectivamente reconhecidos pela Insolvente no seu requerimento de apresentação[7], diremos que o assumir por ela (Insolvente) dos créditos em causa neste processo visou beneficiar com um juro bonificado os reais destinatários dos valores mutuados (que foram os pais da Insolvente), sendo que estes não preencheriam os pressupostos de facto que lhes permitiriam – a eles, os verdadeiros destinatários dos empréstimos – usufruir dessas condições especiais mais vantajosas, não dispondo a Devedora – como ela própria reconhece – de meios próprios que lhe permitissem suportar o serviço de dívida assim criado (vejam-se os artigos 51 a 55 e 61 do requerimento inicial, transcritos na nota 3 supra). Vale a admissão pela Insolvente desta incidência, atinente às condições que determinaram o seu endividamento, como um reconhecimento, implícito mas cujo sentido é inequívoco, de ter actuado, como se refere na decisão recorrida, como “testa de ferro” dos seus pais, assumindo substancialmente (pois era ela a devedora, não os pais) perante os credores responsabilidades para satisfação das quais sabia, à partida, não dispor de património ou de ingressos suficientes[8].

Confiar – como diz a Apelante que confiou – que outros assegurassem por ela essas dívidas, expressa, no mínimo, uma postura fortemente descuidada e negligente (o que equivale, pelo menos, a uma culpa grave) no assumir de responsabilidades patrimoniais e, se quisermos ser analiticamente precisos na qualificação desse comportamento, até o poderemos situar numa espécie de “zona cinzenta” onde funcionaria, na distinção entre dolo eventual e negligência consciente – num sugestivo paralelo argumentativo com o Direito Penal[9] –, uma grande proximidade ao dolo eventual, através da chamada “fórmula positiva de Franck”, na afirmação desse comportamento como tributário de uma atitude de aceitação implícita, à partida, da impossibilidade de cumprir as suas obrigações, quando a isso fosse realmente chamada[10].  

            Interessa sublinhar aqui esta circunstância, sendo certo que o Tribunal a quo a teve presente – e parece-nos que bem – ao considerar integrada a previsão da alínea e) do nº 1 do artigo 238º do CIRE e ao remeter para o artigo 186º do mesmo Diploma (interessaria aqui, mais que os casos elencados no nº 2, a regra geral do nº 1 do mesmo artigo 186º).

            2.1.1. Note-se que a possibilidade de exoneração do passivo restante, que o CIRE prevê relativamente a devedores pessoas singulares no artigo 235º, visa propiciar ao devedor, decorrido determinado prazo (cinco anos) de cedência de rendimentos aos credores, um recomeço de actividade económica sem o lastro das dívidas em causa na insolvência anterior[11], dívidas das quais o insolvente é libertado mediante determinadas condições[12].

Neste sentido, a possibilidade de concessão ao devedor insolvente da exoneração do passivo restante assenta, logo à partida (é por isso existem motivos de indeferimento liminar), num juízo não subjectivamente desvalioso quanto à valoração das circunstâncias que conduziram esse devedor à situação de insolvência, e também quanto à atitude deste contemporaneamente à impossibilidade de satisfazer as suas dívidas, o que se configura, no quadro da actuação da situação prevista no artigo 235º do CIRE, como uma verdadeira cláusula implícita de merecimento da exoneração, emergindo esta do artigo 238º, nº 1 do CIRE[13]. É neste sentido que a nossa “exoneração do passivo restante” é doutrinariamente caracterizada, numa análise de Direito comparado, nos seguintes termos:
“[…]
Siguiendo la estela del legislador alemán, también otros países como Italia y Portugal han incorporado esta figura. Es el caso de la «esdibitazione» italiana o de la «exoneração do passivo restante» portuguesa. También en estos ordenamientos, la liberación de deudas se condiciona al cum­plimiento de determinados requisitos de merecimiento en la persona del deudor y se limita temporalmente.
[…]”[14]

Configuram-se no artigo 238º, nº 1 do CIRE, com efeito, fundamentos de indeferimento liminar (cfr. as respectivas alíneas b) a e)) que pressupõem uma apreciação (desde logo liminar) do comportamento do devedor em termos de justificação ou não da concessão daquilo que, em última análise, funcionará para esse devedor como um importante benefício económico – rectius, como um perdão de dívidas[15]. Trata-se, pois, como correctamente a qualificou o Senhor Juiz a quo de uma “cláusula de merecimento” que o Tribunal deve fazer actuar, logo numa fase preliminar de consideração do mérito intrínseco da pretensão do devedor.

            Assim sucede, pois estamos, como facilmente se constata aprofundando a análise do possível efeito externalizador induzido pela exoneração do passivo[16], perante um elemento que apresenta alguma (considerável) potencialidade de determinar o aparecimento do desvalor comportamental que na teoria económica se designa como “risco moral” (em inglês moral hazard[17]), enquanto incentivo a um devedor – aliás, a todos os devedores – a actuar descuidadamente na condução e gestão da sua performance contratual face aos seus credores, sabendo esse devedor que, passado algum tempo sujeito a determinadas condições que lhe são suportáveis, vê extinguirem-se as suas dívidas subsistentes, podendo como que “recomeçar do zero”, libertando-se do peso desse fardo (aliás, vendo serem-lhe “perdoadas” parte substancial das suas dívidas[18]). É que, afigura-se-nos intuitivo, aquele que sabe não estar integralmente exposto a todas as consequências desvaliosas de um risco decorrente do incumprimento contratual não interioriza os valores virtuosos – porque expressam valores eticamente relevantes – associados ao cumprimento das suas obrigações e, mais do que isso, não adopta, em muitos casos, uma atitude cautelosa e diligente na gestão da sua vida patrimonial, podendo interiorizar, ao contrário do que se pretende, a perspectiva do incumprimento e de uma insolvência, a partir de determinado momento, como “custos”, ainda assim, perfeitamente suportáveis[19].

            Vale este enquadramento da possibilidade de exoneração do passivo numa insolvência não só para explicar as condicionantes de percurso a que está sujeita a concessão do benefício dessa exoneração, como as condicionantes de partida, expressas nos fundamentos de indeferimento liminar dessa pretensão elencados no nº 1 do artigo 238º do CIRE[20].

            2.1.2. Foi uma destas condicionantes de partida – a prevista na alínea e) do nº 1 do artigo 238º do CIRE – que aqui foi feita actuar, entendendo este Tribunal que, com efeito, ponderando todos os elementos que a situação nos depara – desde logo em função da própria alegação da Apelante – não está configurada uma situação de merecimento objectivo do benefício da exoneração do passivo restante a conceder a esta Devedora.

É certo que o Administrador da Insolvência opinou a fls. 154/155 favoravelmente à concessão dessa exoneração. Todavia, além desse parecer não ser minimamente vinculativo para o Tribunal[21], não deixaremos de observar, encarando-o como factor fortemente contextualizador desse parecer, a invulgar exuberância – para utilizarmos um eufemismo – com a qual a Insolvente defendeu, logo no requerimento de apresentação à insolvência, que a escolha recaísse sobre este Administrador em concreto[22].

2.2. Vale tudo isto, enfim, pela confirmação da decisão recorrida de indeferir o pedido de exoneração do passivo restante relativamente à Insolvente ora Apelante, formulando-se de seguida o sumário deste Acórdão nos termos impostos pelo nº 7 do artigo 713º do CPC:
I – Envolvendo a concessão do benefício da exoneração do passivo restante ao insolvente (nos termos do artigo 235º do CIRE) a possibilidade da indução do chamado “risco moral”, enquanto efeito externalizador da propensão a uma conduta não diligente no assumir de riscos económicos (de dívidas), deve a concessão desse benefício assentar num juízo não desvalioso relativamente ao devedor, quanto às circunstâncias em que ocorreu a colocação deste na situação de insolvência;
II – Ao artigo 238º, nº 1 do CIRE, designadamente à sua alínea e), subjaz o que poderemos qualificar como “cláusula implícita de merecimento” da exoneração, cuja actuação no caso concreto permite a formulação de um juízo não desvalioso relativamente ao comportamento do devedor, enquanto elemento condicionador do deferimento da exoneração;
III – Um devedor que assume, à partida no requerimento de apresentação à insolvência, ter contraído dívidas, em seu nome, como “testa de ferro” de familiares, para obtenção de condições de crédito mais favoráveis para estes, sem que reconhecidamente dispusesse de meios para as pagar, indicia fortemente uma situação de culpa na ulterior criação da situação de insolvência.


III – Decisão

            3. Assim, na total improcedência da apelação, confirma-se a decisão recorrida.

            As custas do recurso ficam a cargo da massa insolvente (artigos 303º e 304º do CIRE).


Tribunal da Relação de Coimbra, recurso julgado em audiência na sessão desta 3ª Secção Cível realizada no dia 04-10-2011 

(J. A. Teles Pereira)
(Manuel Capelo)
(Jacinto Meca)


[1] Data que marca a aplicação ao presente recurso do regime processual geral (reforma dos recursos) introduzido pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. os respectivos artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1). Assim, sempre que seja necessário convocar na subsequente exposição alguma norma do Código de Processo Civil cujo texto tenha sido alterado pelo referido DL 303/2007, sê-lo-á na redacção introduzida por este último Diploma.
[2] Invocou no requerimento de apresentação à insolvência o seguinte:
“[…]

48. A Requerente nunca actuou com prejuízo para os credores e sempre acreditou e manteve perspectivas sérias de melhoria da sua situação económica.

49. Todavia, devido a causas de natureza técnica, conjunturais, financeiras e familiares actuais, a Requerente foi confrontada com vicissitudes que, pela sua especificidade, não permitem a sua estabilidade económico-financeira.

50. A Requerente entrou na Faculdade em 1998 na cidade de Faro.

51. Em 1999, por decisão dos seus pais, e com o seu consentimento, foi adquirido um imóvel na cidade de Faro tendo ficado o crédito habitação em nome da Requerente, por forma a beneficiar da bonificação jovem.

52. Apesar da Requerente figurar como contraente, na verdade a prestação era liquidada pela sua mãe pois a Requerente naquela data apenas estudava.

53. Quando terminou o curso, em 2002, esse imóvel foi vendido tendo ficado o crédito habitação integralmente liquidado.

54. Contudo a bonificação jovem, pelo facto de ter sido sempre liquidado o montante acordado a título de prestação, manteve-se.

55. Em função disso, em 2004, o pai da Requerente entendeu adquirir outro imóvel em Vila Nogueira de Azeitão tendo ficado o respectivo imóvel e crédito em nome da Requerente.

56. Crédito esse que hoje se mantém e que tem sido liquidado até hoje, figurando o pai da Requerente como avalista.

57. É pago integralmente por aquele.

58. No ano de 2007, porém, tudo se complicou.

59. A mãe da Requerente viu o seu volume de vendas descer abruptamente, e em virtude disso, encetou um processo de recurso ao crédito para colmatar esse abaixamento.

60. Esgotada a sua capacidade de endividamento, pediu créditos para si em nome da sua filha.

61. Praticamente todos os créditos feitos no Banco…, que constam na relação de credores junta aos Autos, foram contraídos pela mãe da Requerente em nome desta.

62. A Requerente autorizou a utilização do seu nome nos créditos porque sempre acreditou na capacidade de gerar rendimentos da sua mãe.

63. Aliás, nada a fazia duvidar desse facto, pois a sua mãe sempre foi o sustento do agregado familiar.

64. Em Outubro de 2010, foi-lhe comunicada pela sua mãe que a mesma não iria conseguir liquidar as suas prestações.

65. Pelo que, em função dos montantes em causa, dirigiu-se ao Banco… na tentativa de negociar as prestações.

66. E que foi veemente negado por aquela Instituição Bancária.

67. Deixando assim a Requerente na iminência de ficar em incumprimento.

68. Essa data coincidiu exactamente com o nascimento da sua filha, pelo que se já era difícil conseguir contribuir com o seu rendimento, mais difícil se tornou.

69. Com o intuito de ajudar na diminuição das suas despesas, e da sua mãe, a Requerente foi viver com a sua mãe em Tomar, pedindo transferência para uma Agencia da sua entidade patronal, em Tomar.

70. Não conseguindo, mesmo assim, liquidar as prestações todas a que está obrigada.

71. Não lhe restando outra solução que não a sua apresentação à insolvência.
[…]”
                [transcrição de fls. 11/13].
[3] Referimo-nos ao Código aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março.
[4] Consta a este respeito do requerimento de apresentação à insolvência:
“[…]

91. Caso do incidente de plano de pagamentos cuja apensação se requer a final, não seja aprovado pela maioria dos credores, e estando em tempo, a Requerente pretende beneficiar da exoneração do passivo restante nos termos do artigo 254.º e da al. a) do n.º 2 do art. 23.º do CIRE,

92. Pois não beneficiou da exoneração do passivo restante nos 10 anos anteriores à data do início do processo de insolvência nem foi condenada por algum dos crimes previstos e punidos nos artigos 227.º a 229.º do Código – Cfr. Certidão de registo criminal como doc. n.º 8.

93. Sempre teve um comportamento pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa-fé para com os seus credores.

94. Sempre teve perspectiva séria de melhorias da sua situação económica tal como descreve nos artigos precedentes.

95. Até à data (Outubro de 2010), sempre cumpriu, com rigor, a generalidade das suas obrigações.

96. Data em que deixou de cumprir com alguns dos credores pois, quanto às demais obrigações, encontram-se cumpridas.

97. E só não o consegue continuar a cumprir na generalidade pelos motivos supra referidos.

98. Não se absteve de se apresentar à insolvência nos seis meses seguintes à verificação de estar impossibilitada de cumprir a generalidade das suas obrigações.

99. Não praticou actos que tenham contribuído ou agravado a sua situação de insolvência ou prejuízo para os credores.

100. No entanto é crucial que a requerente manter a sua estabilidade emocional e psicológica precisando de manter a continuidade da satisfação das necessidades básicas da sua vida e desempenhar um papel activo na sociedade, pelo que requer que lhes seja concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência.

101. Para o efeito, e no âmbito do mesmo, vai precisar de se sustentar minimamente, requerendo que sejam considerados e deduzidos ao rendimento disponível os seguintes montantes mensais que considera mínimos para uma vida condigna:

DESPESAS

Despesas com electricidade – 25.00€

Despesas com água – 25,00€;

Despesas com gás – 20.00€;

Despesas com telf., telev. e telem – 50,00€;

Despesas com alimentação da Requerente e sua filha – 300,00€;

Despesas com farmácia e consultas da Requerente e filha - 80,00€;

Despesas com vestuário e calçado da Requerente – 70,00€;

Despesas de transportes - 95,00€

TOTAL: 665,00 Euros

– Cfr. docs. 9 a 13 que se juntam para os devidos e legais efeitos.

102. Encontram-se preenchidos todos os requisitos de que depende a exoneração do passivo restante, não se verificando nenhuma das condições previstas no Artigo 238.º do CIRE, para que o pedido de exoneração seja indeferido liminarmente.

103. Nos termos do art. 236º, nº 3, a Requerente declara expressamente que preenche todos os requisitos e obriga-se a observar todas as condições de que a exoneração do passivo restante depende, nomeadamente, as previstas nos Artigos 237º a 239.º do CIRE.
[…]”
                [transcrição de fls. 16/17].
[5] Disse aí o Senhor Administrador:
“[…]
A insolvente juntou aos autos Plano de Pagamentos (artigo 251º do CIRE) e subsidiariamente requereu a exoneração do passivo restante, nos termos do disposto nos artigos 235º e ss. do CIRE.
Atendendo à situação em que se encontra, o Administrador de Insolvência nomeado, pronuncia-se favoravelmente relativamente à aprovação do Plano de Pagamentos ou, caso este não seja homologado, à concessão de exoneração do passivo restante, por via das informações constantes da petição inicial, devendo atender-se necessariamente ao sustento considerado minimamente digno da devedora e da sua filha menor.
[…]”
                [transcrição de fls. 154]
[6] Estabelece este (destacando-se o trecho aqui em causa):

Artigo 238º
Indeferimento liminar
1 – O pedido de exoneração é liminarmente indeferido se:
a
) For apresentado fora de prazo;
b
) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver fornecido por escrito, nos três anos anteriores à data do início do processo de insolvência, informações falsas ou incompletas sobre as suas circunstâncias económicas com vista à obtenção de crédito ou de subsídios de instituições públicas ou a fim de evitar pagamentos a instituições dessa natureza;
c
) O devedor tiver já beneficiado da exoneração do passivo restante nos 10 anos anteriores à data do início do processo de insolvência;
d
) O devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica;
e
) Constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º;
f
) O devedor tiver sido condenado por sentença transitada em julgado por algum dos crimes previstos e punidos nos artigos 227.º a 229.º do Código Penal nos 10 anos anteriores à data da entrada em juízo do pedido de declaração da insolvência ou posteriormente a esta data;
g
) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver violado os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do presente Código, no decurso do processo de insolvência.
2 – O despacho de indeferimento liminar é proferido após a audição dos credores e do administrador da insolvência na assembleia de apreciação do relatório, excepto se este for apresentado fora do prazo ou constar já dos autos documento autêntico comprovativo de algum dos factos referidos no número anterior.
[7] Fez a ora Apelante actuar nesse requerimento, através dos factos que alegou, o princípio do dispositivo, no sentido em que este envolve um acto volitivo dela quanto à conformação do objecto fáctico do processo, sendo aí relevantes os factos por ela introduzidos (alegados), no sentido em que estes passaram a abrir-se, por reconhecimento, directamente à valoração do tribunal em sede de integração da facti species das normas que viessem a ser convocadas pelas múltiplas operações subsuntivas desencadeadas pela instauração do processo (v. José Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, Coimbra, 1991, pp. 452/454).  
[8] Tudo isto – repete-se – é afirmado e reconhecido pela Insolvente no seu requerimento inicial, sendo em função disto que a Insolvente justifica encontrar-se impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas (artigo 2º, nº 1 do CIRE). O cumprimento destas pressupunha – é o que ela diz – a satisfação desses valores pelos pais; tendo desaparecido essa incidência, emergiu (evidenciou-se finalmente) a impossibilidade da Devedora, impossibilidade que já existia à partida, de pagar pontualmente as dívidas que contraíra.
O problema desta Devedora é, assim, fácil de explicar: assumiu dívidas consideráveis que sabia não poder pagar, confiando que outros as pagassem por ela. Ora, referindo-se a lei, enquanto elemento de exclusão do benefício da exoneração do passivo (alínea e) do nº 1 do artigo 238º do CIRE), a uma forte indiciação de culpa do devedor na criação da situação de insolvência, quer-nos parecer que isso sucede com quem contrai pessoalmente dívidas que, consabidamente, não está em condições de satisfazer (note-se que o artigo 186º, nº 1 do CIRE fala em criação da situação de insolvência como consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave do devedor).
[9] Que a lei (o artigo 186º, nº 1 do CIRE) nos parece autorizar ao recorrer aos conceitos de dolo ou de culpa grave.
[10] “O agente que revela uma absoluta indiferença pela violação do bem jurídico, apesar de ter representado a consequência como possível e a ter tomado a sério, sobrepõe de forma clara a satisfação do seu interesse ao desvalor do ilícito e por isso decide-se (se bem que não sob a forma de uma «resolução» ponderada, ainda que só implicitamente, mas nem por isso de forma menos segura) pelo sério risco contido na conduta e, nesta acepção, conforma-se com a realização do tipo objectivo. Tanto basta para que o tipo subjectivo de ilícito deva ser qualificado como doloso” (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª ed., Coimbra, 2007, pp. 375/376).
[11] “[A]pós a liquidação ou o decurso do prazo de cinco anos sobre o encerramento do processo, o devedor tem a possibilidade de obter um fresh start e recomeçar uma actividade económica, sem o peso da insolvência anterior. Efectivamente, a concessão de uma nova oportunidade às pessoas singulares justifica-se, até porque a insolvência pode ter causas que escapam ao seu controle” (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, Coimbra, 2009, p. 306).
Isto mesmo resulta do Preâmbulo do CIRE (respectivo ponto 45), em sede de justificação da inovação consistente na exoneração do passivo restante:
“[…]
O Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, é agora também acolhido entre nós, através do regime da ‘exoneração do passivo restante’.
O princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste.
A efectiva obtenção de tal benefício supõe, portanto, que, após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos - designado período da cessão - ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos. Durante esse período, ele assume, entre várias outras obrigações, a de ceder o seu rendimento disponível (tal como definido no Código) a um fiduciário (entidade designada pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência), que afectará os montantes recebidos ao pagamento dos credores. No termo desse período, tendo o devedor cumprido, para com os credores, todos os deveres que sobre ele impendiam, é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento.
A ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da
conduta recta que ele teve necessariamente de adoptar justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua reintegração plena na vida económica.
[…]”.    
[12] “A exoneração […] traduz-se na libertação definitiva do devedor quanto ao passivo que não seja integralmente pago no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento nas condições fixadas no incidente” (Luís A. Carvalho Fernandes, João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Lisboa, 2009, p. 778).
[13] É com este sentido que esta possível decorrência do procedimento de insolvência das pessoas físicas sempre foi assumida no Direito norte-americano, onde teve origem (v., Marta Zabaleta Díaz, “El Concurso del Consumidor”, in Anuario Facultad de Derecho Universidad Alcalá III, 2010, pp. 311/316, disponível em http://dspace.uah.es/jspui/bitstream/10017/7977/1/concurso_zabaleta_AFDUA_2010.pdf; cfr. a entrada “Bankruptcy discharge” na Wikipedia, disponível, em Setembro de 2011, no endereço: http://en.wikipedia.org/wiki/Bankruptcy_discharge: “[a] discharge in United States bankruptcy law, when referring to a debtor's discharge, is a statutory injunction against the commencement or continuation of an action (or the employment of process, or an act) to collect, recover or offset a debt as a personal liability of the debtor. The discharge is one of the primary benefits afforded by relief under the Bankruptcy Code and is essential to the "fresh start" of debtors following bankruptcy that is a central principle under federal bankruptcy law. A discharge of debts is granted to debtors but can be denied or revoked by the court based on certain misconduct of debtors, including fraudulent actions or failure of a debtor to disclose all assets during a bankruptcy case”).  
[14] Marta Zabaleta Díaz, “El Concurso del Consumidor”, in Anuario Facultad de Derecho Universidad Alcalá III, 2010, pp. 311/316.
[15] “Este artigo [238º do CIRE] estabelece, no seu nº 1, em sucessivas alíneas, os fundamentos que determinam o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.
Com excepção da alínea a), respeitante a um aspecto que tem também incidências processuais – o prazo em que deve ser formulado o pedido –, as restantes têm natureza substantiva e referem-se a comportamentos do devedor que justificam a não concessão da exoneração” (Luís A. Carvalho Fernandes, João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, cit. p. 784).
[16] “Em economia o termo técnico externalidade [externality] refere-se às situações em que um intercâmbio no mercado [market exchange] impõe custos ou benefícios a terceiros estranhos a essa relação de intercâmbio” (Joseph E. Stiglitz, Freefall. Free Markets and the Sinking of the Global Economy, Londres, 2010, p. 15).
[17]In economic theory, moral hazard is a situation in which a party insulated from risk behaves differently from how it would behave if it were fully exposed to the risk.
Moral hazard arises because an individual or institution does not take the full consequences and responsibilities of its actions, and therefore has a tendency to act less carefully than it otherwise would, leaving another party to hold some responsibility for the consequences of those actions. For example, a person with insurance against automobile theft may be less cautious about locking his or her car, because the negative consequences of vehicle theft are (partially) the responsibility of the insurance company.
Economists explain moral hazard as a special case of information asymmetry, a situation in which one party in a transaction has more information than another. In particular, moral hazard may occur if a party that is insulated from risk has more information about its actions and intentions than the party paying for the negative consequences of the risk. More broadly, moral hazard occurs when the party with more information about its actions or intentions has a tendency or incentive to behave inappropriately from the perspective of the party with less information.” (entrada “moral hazard” na Wikipedia, disponível, em Setembro de 2011, no endereço: http://en.wikipedia.org/wiki/Moral_hazard).
[18] A Insolvente pretende aqui, praticamente (basta atender ao relatório do Senhor Administrador), um perdão total das suas dívidas, tendo presente a circunstância de não dispor de qualquer património liquidável em favor dos credores. Estaríamos aqui, pois, perante uma espécie de “custo zero” da insolvência para a Devedora, ilustrando a maior disfunção normalmente apontada a este mecanismo:
“[…]

A estos dos factores se ha sumado una cierta desnaturalización de la figura de la exoneración del pasivo restante. En la mayor parte de los procedimientos tramitados, el deudor se libera de sus obligaciones con un «coste cero». Esto es, la propuesta de pagos que el deudor presenta a sus acreedores en el marco de este procedimiento suele consistir mas bien en una «propuesta de no pago». La frecuencia de los conocidos como «Null–Plane», en los que el deudor no ofrece cantidad alguna o cantidades insignificantes a los acreedores y su admisión por parte de los tribunales, excluyen toda posibilidad de satisfacción de los acreedores.

La corrección de estas disfunciones ha sido el objetivo de los tres An­teproyectos de ley de reforma del procedimiento del consumidor que se han sucedido en Alemania desde el año 2004 y que en términos generales comparten la tendencia de reducir los costes del procedimiento y de forta­lecer la posición de los acreedores44. En esta línea destacan las propuestas que exigen satisfacer un porcentaje mínimo de los créditos para poder beneficiarse de la exoneración del pasivo restante y las que amplían los supuestos en que procede denegar este beneficio.
[…]” (Marta Zabaleta Díaz, “El Concurso del Consumidor”, cit., p. 314).
[19] “É comum sublinhar-se que a expressão «risco moral» («moral hazard») não tem, ao contrário das aparências, qualquer conotação moral, e designa apenas o facto de as soluções de distribuição de risco entre as partes num contrato poderem afectar os incentivos de uma ou ambas – circunstância determinante quando o cumprimento do contrato dependa desse facto «endógeno» que é a conduta das partes. Sendo certo que a expressão não denota necessariamente qualquer perversão moral (embora abarque também abusos fraudulentos), contudo ela tem uma clara conotação negativa, ao menos porque ela sugere que há alguma «miopia» na gestão do recurso comum que é a confiança recíproca das partes no cumprimento pontual das suas obrigações e no acatamento estrito das estipulações contratuais.
Pense-se na relação de seguro: o risco moral pode parecer a atitude racional para o segurado, mas de cada vez que ele age com risco moral […] ele degrada as condições de cobertura universal do seguro para todos os segurados (e também para ele), obrigando as seguradoras a agravarem os prémios, ou em alternativa a recorrerem a soluções de salvaguarda […].
Dito por outras palavras, o «risco moral», a «indefinível propensão para a produção de perdas por parte do indivíduo seguro», gera uma tensão dilemática para um agente racional: […] a cobertura excessiva do risco faz com que ele intensifique a actividade arriscada ou externalizadora como se ela tivesse um preço que tende para o zero […]” (Fernando Araújo, Teoria Económica do Contrato, Coimbra, 2007, pp. 287/288).
A ideia de “risco moral” é explicada por Richard Posner, no contexto da crise norte-americana da chamada subprime de 2007/2008, nos seguintes termos:
“[…]
[E]m meados de 2009 o clima de depressão atenuava-se, e, com este enfraquecimento, as pessoas começaram a olhar para além da recuperação, relativamente aos efeitos da depressão a longo prazo. Um desses efeitos responde pelo nome de «risco moral» e é bem ilustrado pela tendência de quem, usufruindo de uma cobertura ampla de seguro contra as consequências da sua falta de cuidado, tende a ser pouco cuidadoso e a potenciar os riscos que assume. Ora, se se espera que o Governo faça grandes esforços para diminuir as consequências de uma falência, os investidores e consumidores serão muito menos cautelosos numa situação de boom económico (de rápido crescimento económico), expondo-se excessivamente às consequências associadas a uma subsequente crise. Com efeito, se os credores das grandes instituições financeiras se sentirem imunes às consequências da entrada em incumprimento dos seus devedores, não só continuarão a emprestar-lhes mais, como farão menos esforços (que sempre implicam custos acrescidos) parta vigiarem a conduta dos seus devedores.
[…]” (Richard A. Posner, The Crisis of Capitalist Democracy, Cambridge Massachusetts e Londres, 2010, p. 222).
[20] Veja-se, embora aqui não esteja em causa esse elemento, a condição prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 238º do CIRE: não ter o devedor beneficiado da exoneração do passivo nos 10 anos anteriores ao novo processo de insolvência. Note-se que a maioria das condições previstas no nº 1 deste artigo 238º, constituem condições, pura e simplesmente, de não atendimento da pretensão de exoneração, mesmo que apreciadas não liminarmente, constituem, pois, obstáculos a que, em qualquer caso, seja concedida a exoneração do passivo restante (v. os artigos 243º, nº 1, alínea b) e 244º, nº 2 ambos do CIRE).
[21] V. Luís A. Carvalho Fernandes, João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, cit. p. 785.
[22] Aí disse a Devedora, ao longo de 35 artigos:
“[…]


I – DA INDICAÇÃO DE NOMEAÇÃO DO ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA

1. O processo de insolvência que ora se requer, encerra relevantes efeitos para a sociedade e para a vida pessoal, profissional e familiar da Requerente.

2. Contrariamente aos processos de empresas, mais impessoais, trata-se de seres humanos, cujas vidas se coloca nas mãos dos credores e, sobretudo, na elevada ponderação, sensibilidade e justiça de V/Ex.ª.

3. Sendo vital neste processo a figura do administrador de insolvência e do fiduciário, pois é quem vai “entrar” no seio do agregado familiar da Requerente, apreendendo bens, pedindo informação, fiscalizando e orientando os seus actos entre outras vicissitudes.

4. Acompanhando a insolvente neste novo passo da sua vida, talvez o mais importante de sempre. Pois acredita que a insolvência não é o fim, mas o princípio.

5. A ele terá que recorrer para tirar dúvidas, procurar conforto nas suas escolhas e decisões ou ajuda na mediação com os credores.

6. Os arts. 52.°, n. ° 1, e art. 32.° n.° 1 do CIRE, dispõem que o juiz pode ter em conta as indicações que sejam feitas pelo próprio devedor.

7. Sendo este um dos casos em que se afasta a nomeação por processo informático, que assegura a aleatoriedade e imparcialidade da escolha e a igualdade da distribuição nos processos (art. 2.º n.º 2 da Lei 33/2004).

8. Sistema informático que ainda não está implementado nos tribunais.

9. Para dar cumprimento à prorrogativa legal de poderem nomear um administrador para o presente processo, e antes de iniciar, os Requerentes consultaram advogados, secretarias judiciais e Administradores de Insolvência, no sentido de obter o nome de um profissional para acompanhar o presente processo.

10. Tendo apurado, das consultas e diligências efectuadas, que o Sr. Administrador de

Insolvência Dr. J […].

11. Administrador inscrito na Lista Oficial dos Administradores da Insolvência, especialmente habilitado a praticar actos de gestão, nos distritos judiciais de Porto, Coimbra, Lisboa e Évora, conforme constante das listagens publicadas pela Comissão de Apreciação e Controlo da Actividade dos Administradores da

Insolvência – artigo 52º, n.º 2 do CIRE, e disponíveis em:

http://www.mj.gov.pt/sections/o-ministerio/organismos2182/direccao-geralda/files/administradores-insolvencia/.

12. A qual que não teve nem tem, qualquer relação profissional ou pessoal com a Requerente.

13. Sendo indicado pelas referências e estatuto profissional que lhe assistem, pois trata-se de um administrador de insolvência (Já do Tempo do CPEREF), especialmente habilitado a praticar actos de gestão nos termos do n.º 3 do art.º 2 do DL n.º 32/2004, de 22 de Julho.

14. Bem como Economista e Técnico Oficial de Contas.

15. Sendo administrador de processos de grande responsabilidade e impacto no tecido económico nacional destacando-se, entre outros:

16. Reunindo este, ademais, idoneidade técnica para a função e conhecimentos satisfatórios sobre o juízo universal e aptidão para o desempenho das actividades que compõe a sua competência de exercício da profissão, merecendo a confiança dos credores e de V/Ex.ª.

17. Requisitos e fundamentos mais que suficientes para aconselhar a sua admissão como administrador de insolvência para o presente processo.

18. Pois tem competência e idoneidade para o cargo e inexistem circunstância susceptíveis de gerar situação de incompatibilidade, impedimento ou suspeição.

19. Tendo este manifestado, previamente à sua indicação, disponibilidade para aceitação do cargo no presente processo.

20. Uma vez que, a nomeação do administrador da insolvência por V/Ex.ª, efectuada mediante processo aleatório, poderá originar a nomeação de um administrador que não possa, esteja impedido ou que não queira aceitar tal nomeação nos termos da lei.

21. Nem a sua nomeação representa um custo adicional para a massa, pois de acordo com o n.º 2 do art. 60.º, o administrador apenas tem direito ao reembolso das despesas que tenha considerado úteis ou indispensáveis (quanto às despesas de deslocação apenas são reembolsáveis aquelas que seriam devidas a um administrador que tenha domicílio profissional no distrito judicial em que foi instaurado o processo de insolvência – art. 26.º, n.º 9 da lei n.º 32/2004, de 22 de Julho (estatuto dos administradores de insolvência – EAI).

22. Solução que será a melhor para o equilíbrio e estabilidade do seu agregado familiar, pois o fiduciário fará um acompanhamento próximo e permanente ao longo dos cinco anos.

23. Sendo benéfico para a Requerente partilhar a sua vida pessoal e profissional com o administrador já indicado no processo.

24. Pois, mais que o processo de insolvência, existe toda uma estrutura familiar, pessoal e profissional que deve ser preservada pela importância social que assume.

25. A qual, se for estável e assim se mantiver, permitirá uma melhor satisfação dos direitos dos credores ao longo do decurso do processo.

26. Pois, mais que o vertido no processo, nos documentos e na lei, existe uma família destroçada que terá que partilhar a sua dor, medos e receios, como o Administrador/fiduciário, envolvendo o que de mais sagrado possuem. A sua privacidade.

27. Havendo indicação atempada por parte do devedor nos termos do artigo 52. °, n.° 2 do, esclarece o mesmo normativo, que o Juiz “pode” tê-la em conta. Na sua redacção primitiva, dada pelo DL 53/2004, de 18/03 (que aprovou o CIRE), o nº 2 daquele art. 52º dispunha que “aplica-se à nomeação do administrador da insolvência o disposto no nº 1 do art. 32.º, devendo o juiz atender (...) às indicações que sejam feitas pelo próprio devedor(...) ”.

28. A propósito da alteração operada neste preceito, Carvalho Fernandes e João Labareda [in “Código de insolvência e da recuperação de Empresas anotado”, 2008 pgs. 243 a 245, notas 7, 8 e 12] entendem que “a nova redacção dada, em 2007, ao nº 2, veio alargar o poder decisório do juiz”, na medida em que “na sua versão primitiva determinada (...) que o juiz devia atender as indicações do devedor (...)”, ao passo que agora diz apenas que “o juiz pode ter em conta essas indicações”. Acrescentam depois “as indicações para a nomeação do administrador (...) podem ser feitas na petição inicial pelo requerente da declaração de insolvência ou pelo devedor, se o processo começar por apresentação”.

29. Autores que defendem, na edição de 2009, posição diferente da que consta na edição do CIRE anotado de 2005.

30. Quanto à articulação do referido normativo com o nº 2 do art. 2º da Lei nº 32/2004 – que dispõe que “sem prejuízo do disposto no nº 2 do art. 52 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a nomeação a efectuar pelo juiz processa-se por meio de sistema informático que assegure a aleatoriedade da escolha e a distribuição em idêntico número dos administradores da insolvência nos processos” – os citados autores referem que o recurso a tal sistema informático só se verifica “no caso de não haver indicação do devedor ou da comissão de credores, quando esta seja viável, e o juiz a ela atender, ou quando não se verifique a preferência pelo administrador judicial provisório”. E concluem mais adiante que “confortado com indicações contrárias do devedor e da comissão de credores, o tribunal não está obrigado a preferir nenhuma delas nem sequer é obrigado a optar por qualquer”, “mas deverá, como é próprio das decisões, fundamentar a escolha, designadamente quando se afaste das indicações recebidas ou quando privilegie algum delas”, sendo que quando a divergência for entre a indicação do credor e a do devedor, “só deve seguir esta última quando haja razões objectivas que, a um tempo, aconselhem a rejeição do que o credor requerente propõe e o seguimento do que é pretendido pelo devedor”.

31. Se além do devedor, também o credor/requerente (quando não seja aquele a apresentar-se à insolvência) c/ou a comissão de credores (quando não se trata de nomeação feita na sentença de declaração da insolvência, pois é aí que é convocada a primeira reunião da assembleia de credores) indicarem pessoa/entidade para o cargo, diversa da sugerida pelo primeiro, o Juiz do processo pode nomear algum deles ou um outro à sua escolha, embora não deva dar preferência à indicação do devedor quando a divergência ocorrer relativamente à indicação do credor

32. Assim, se só o devedor indicar a pessoa/entidade a nomear para tal cargo e esta constar das ditas listas oficiais, o Juiz do processo deve, em princípio, acolher essa indicação, a não ser que tenha motivos que a desaconselhem o que deve fundamentar nos termos da lei.

33. O entendimento e critérios que fundamentam o presente pedido de nomeação do administrador de insolvência foram confirmados pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, tendo como relator o Juiz Desembargador Dr. Pinto dos Santos, Ac. TRP, 2010/05/11, Proc. 175/10.TBESP-A P1, 3ª secção, cujo sumário se transcreve:

“Sumário do que fica enunciado (art. 713º nº 7 do CPC): Na nomeação do administrador da insolvência (na sentença de declaração desta), devem adoptar-se os seguintes procedimentos:

.Se só o devedor indicar a pessoa/entidade a nomear para esse cargo e esta constar das listas oficiais, o Tribunal deve, em princípio, escolher essa indicação, a não ser que haja motivos que a desaconselhem – por ex., por a pessoa/entidade em causa ser já administrador noutros processos pendentes no Tribunal e porque o art. 2º nº 2 da Lei 32/2004 aconselha a “distribuição em idêntico número” pelos administradores constantes daquelas listas.

Se além de devedor, também o credor indicar pessoa/entidade para o cargo, diversa da sugerida por aquele, o Tribunal pode nomear algum deles ou um outro à sua escolha, embora deva dar preferência à indicação do credor.

Em qualquer dos casos, quando não acolher as indicações – do devedor, do credor, ou de ambos -, o Tribunal deve fundamentar esse não acolhimento e as razões que o levam a nomear uma terceira pessoa/entidade.” – Disponível em www.dgsi.pt.

34. Neste sentido, e partilhando a mesma tese e fundamentos do citado Acórdão de 11.05.2010, também o Acórdão da Relação do Porto de 12.10.2010, tendo como relatora a Juíza Desembargadora Dr.ª Maria de Jesus Pereira, proferido no âmbito do proc. 5105/10.7TBVNG-AP1, disponível em www.dgsi.pt:

35. Requerendo-se, nestes termos, que se conheça e nomeie o administrador indicado para o presente processo e, se V/Ex.ª assim o entender, a sua recondução posterior como fiduciário.
[…]”
                [transcrição de fls. 4/10].