Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
213/06.1TBMMV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: COIMA
PAGAMENTO VOLUNTÁRIO
AUTORIA MATERIAL
Data do Acordão: 12/12/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MONTEMOR – O -VELHO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 135º, 171º,175º, 4 CE
Sumário: Na fase de recurso de impugnação não é admissível ao arguido, a quem foi aplicada sanção acessória de inibição de conduzir e cuja coima foi paga voluntariamente, fazer prova de que não era o condutor, sendo que foi notificado expressamente para os termos do art. 171.º, do Código da Estrada, sem que nada tenha dito, no prazo que lhe foi fixado.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.
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No processo supra identificado, a D.G.V. do Centro, Delegação Distrital de Coimbra, decidiu relativamente no auto de contra-ordenação n.º 244749647, aplicar ao arguido A..., a sanção acessória de 60 dias de inibição de conduzir, pela infracção aos artigos 27.º, n.º 1 e 2, al. a) – 2.º 138.º e 145.º, al. c) e 147.º, n.º 1 e 2, do Código da Estrada, por circular à velocidade de 73 Km/hora, na localidade de Tentúgal, Montemor-o-Velho, onde a velocidade máxima permitida era de 50 Km/hora.
A coima foi paga voluntariamente.
Interposto recurso de impugnação de contra-ordenação, o tribunal recorrido, decidindo por despacho, manteve a decisão administrativa.
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O arguido, inconformado interpôs recurso, pugnando pela revogação da sentença e consequente absolvição, nos termos do art. 75.º, n.º 2, al. b), do DL 433/82, de 27/10, com o fundamento de que não era o condutor ou dando-se ao mesmo a possibilidade de produzir a prova indicada.
Formula as seguintes conclusões:
«1. O Recorrente foi condenado, administrativamente, com coima e sanção acessória de inibição de conduzir, por ser o titular inscrito da propriedade do veículo com o qual foi cometida a infracção estradal descrita no auto.
2. Não atentou, reconhece, para todos os detalhes das formalidades a serem seguidas para a identificação do condutor do veículo, no momento da infracção.
3. Contudo, preocupou-se em averiguar quem conduzia o veículo, nas condições de tempo e local do cometimento da infracção, tendo sua Esposa tratado de se identificar como condutora e pagar a coima, embora não no local e com a formalidade legais.
4. Notificado da aplicação da sanção de inibição de conduzir, pela autoridade administrativa, o Recorrente procedeu (desta vez, já na forma legal) à identificação da Condutora.
5. Agora, já em sede de impugnação judicial da decisão administrativa, e nos termos do disposto no n.º 1 do art. 171.º do Código da Estrada.
6. Oferecendo meios de prova.
7. Sendo certo que não se opôs a que a decisão fosse proferida por despacho.
8. Também é certo que tal não poderia ser entendido, como foi, que o Impugnante abria mão de seu direito de defesa, constitucionalmente garantido.
9. Identificação essa tempestiva, nos termos da interpretação dada ao mencionado artigo 171.º do CE, nomeadamente, pelos doutos acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 05.07.2006 e de 20.09.2006, relativos aos processos n.º 1511/06 e 1302/06, respectivamente, publicados no site www.dgsi.pt, que aqui se dão por integralmente reproduzidos e integrados, informando, nomeadamente o primeiro deles que:
"1. Só no prazo previsto no art. 152.º, n.º 2 (actual n.º 3 do art. 171.º) do Código da Estrada será possível ao proprietário do veículo, sem necessidade de fazer ou apresentar qualquer prova de que não era o condutor do veículo no momento da infracção, opor-se à responsabilização por infracção contra-ordenacional que lhe seja assacada com fundamento nessa qualidade.
2. Mas, em sede de impugnação judicial, o proprietário, que não o fez no prazo do art. 152.º, não fica inibido de invocar que não era ele o condutor do veículo no momento da infracção.
3. Todavia, nesta sede, não lhe basta alegar que não era ele que conduzia i veículo: terá, também, que identificar correctamente e provar quem era o condutor. "
10. A douta decisão recorrida negou provimento à requerida absolvição do Impugnante, aqui Recorrente (e, consequente, arquivamento do processo, nos termos do n.º 4 do art. 171.º do CE), nomeadamente:
a) por entender que a presunção da responsabilidade do titular do documento de identificação do veículo é uma presunção que só pode ser ilidida quando for identificado um terceiro (como condutor) no prazo legal, sendo, assim, impossível afastar a presunção, uma vez decorrido o prazo para a defesa;
b) por entender ser irrelevante que a Esposa do Recorrente tenha se apresentado como condutora, na situação em apreço, por tal dever de identificação recair sobre o Recorrente, e não a terceiro, e por não ter sido efectivada na DGV de Coimbra;
c) por entender não repugnar que a sanção acessória não venha a recair sobre quem efectivamente cometeu a infracção, mas sim sobre quem, em determinadas circunstâncias, a possa ou deva evitar;
tanto bastando para concluir pela responsabilidade do Impugnante pela prática da infracção.
11. Com tal entendimento, a douta decisão recorrida não teve em consideração, infringindo-os, os seguintes princípios e normas legais:
a) Princípio da investigação, previsto no art. 340.º do CPP, aplicável ao caso, por força do disposto no art. 41.º do RGCC, uma vez que foram carreados para os autos a identificação concreta e indicação de prova testemunhal de que não foi o Impugnante, mas outrem, a praticar a infracção em causa;
b) Sobreposição de uma mera formalidade de identificação à verdade material;
c) Princípio da legalidade, valorando uma presunção ilidível em detrimento da verdade material e da aplicação da sanção ao responsável imposto por lei, nos termos do disposto no art. 135.º, n.º 1 e n.º 3, alíneas a) e b). Essa norma, no modesto entendimento do recorrente, deve ser aplicada no sentido da procura do responsável real, com primazia sobre a procura do responsável formal, que só subsidiariamente, e em casos de impossibilidade de identificação do responsável real, deve ser aplicada.
12. Para além do que, entendeu que o Recorrente podia e devia ter evitado que sua Esposa, comproprietária do veículo, praticasse o facto ilícito típico, sendo certo que a mesma, para além de comproprietária do veículo, está legalmente habilitada para conduzir.
13. Assim concluindo não repugnar aplicar ao Recorrente, mesmo não tendo cometido o facto ilícito típico, a sanção acessória em que foi condenado.
14. Tal decisão violou, assim, as disposições do art. 171.º e 135.º do Código da Estrada; o art. 340.º do C.P.P., aplicável ao caso por força do art. 41.º do RGCC.
15. Assim, a douta decisão recorrida devia ter interpretado a norma dos nos 2, 3 e 4 do art. 171.º no sentido da interpretação dos acórdãos supra citados, determinando o arquivamento do processo, por comprovado que outra pessoa é que praticou a contra­-ordenação em causa, e não o contrário, como fez».
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Na resposta o Ministério Público sustenta que se deve manter a sentença recorrida.
Nesta instância o Ex.mo Procurador Geral Adjunto, pronuncia-se no sentido de que o recurso deve ser rejeitado por manifesta improcedência.
Notificado o arguido para os efeitos do art. 417, n.º 2, do CPP, respondeu mantendo no essencial o expendido na motivação de recurso.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre-nos decidir.
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O Direito:
São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, (Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98), sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Questão a decidir:
Apreciar se na fase de recurso de impugnação é admissível ao arguido, a quem foi aplicada sanção acessória de inibição de conduzir e cuja coima foi paga voluntariamente, fazer prova de que não era o condutor, sendo que foi notificado expressamente para os termos do art. 171.º, do Código da Estrada, sem que nada tenha dito, no prazo que lhe foi fixado.

Nos termos do art. 75.º, do D. L. 433/82 de 27 de Outubro, este Tribunal conhece apenas da matéria de direito.
O recurso carece de fundamentos legais que o sustentem, face à matéria de facto dada necessariamente como assente, devendo por isso ser rejeitado por ser manifesta a sua improcedência, nos termos do art. 420.º, do CPP
Se não vejamos.
A factualidade dada como assente não deixa dúvidas de que integra os elementos constitutivos de contra-ordenação grave de excesso de velocidade pela qual o arguido foi condenado, como reincidente.
Não tendo sido identificado o condutor, pelo agente de autoridade, no momento da infracção, foi levantado auto de contra-ordenação ao arguido, enquanto titular do documento de identificação do veículo, nos termos do art. 171.º, n.º 2, do Código da Estrada (doravante designado por CE), pela infracção aos artigos 27.º, n.º 1 e 2, al. a) – 2.º 138.º e 145.º, al. c) e 147.º, n.º 1 e 2, do mesmo diploma legal, por circular à velocidade de 73 Km/hora, na localidade de Tentúgal, Montemor-o-Velho, onde a velocidade máxima permitida era de 50 Km/hora.
Da notificação consta expressamente que no caso do arguido desejar impugnar a autuação deveria apresentar, no prazo de 15 dias, defesa escrita dirigida ao Director Geral de Viação e entregue na correspondente Delegação Distrital de Viação, podendo arrolar testemunhas, até ao limite de três, bem como juntar meios de prova.
Informa o disposto no art. 171.º, n.º 3, do CE o seguinte:
«Se, no prazo concedido para a defesa, o titular do documento de identificação do veículo identificar, com todos os elementos constantes do n.º 1, pessoa distinta como autora da contra-ordenação, o processo é suspenso, sendo instaurado novo processo contra a pessoa identificada como infractora».
E comina ainda a lei no art. 171.º, n.º 4, do CE:
«O processo referido no n.º 2 será arquivado quando se comprove que outra pessoa praticou a contra-ordenação ou houve utilização abusiva do veículo».
Das normas atrás referidas concluímos que, encontrando-se o veículo em circulação no momento da contra-ordenação, se presume a responsabilidade do titular do documento de identificação do veículo, isto é, uma presunção juris tantum que apenas pode ser ilidida quando se provar a utilização abusiva do veículo ou for identificado um terceiro no prazo legal.
Ora, sobre o arguido, enquanto titular do documento de identificação do veículo, recai o dever de identificação do condutor e não sobre o terceiro.
Porém, este dever imposto legalmente deve ser cumprido no prazo concedido para a defesa, não sendo possível afastar a presunção uma vez decorrido aquele prazo, sob pena de não ter qualquer utilidade o disposto no art. 171.º, do CE.
E compreende-se que assim seja, pois as sanções contra-ordenacionais não constituem penas, mas medidas sancionatórias de carácter não penal, não repugnando que possam recair sobre quem não cometeu o facto ilícito típico, mas sobre quem, em determinadas circunstâncias, o podia e devia evitar.
No caso dos autos, verifica-se que o arguido/recorrente foi devidamente notificado e advertido de que poderia identificar pessoa distinta como autora da contra­ ordenação, no prazo concedido para a defesa, devendo-o fazer junto da Delegação Distrital de Viação de Coimbra, e que, não obstante, o arguido não se dirigiu àquela entidade a fim de identificar outra pessoa como o autor da infracção.
Foram assim assegurados ao arguido os direitos de audiência e de defesa em contra-ordenação constitucionalmente assegurados no art. 32.º, n.º 10. da Constituição da República Portuguesa.
Foi-lhe dada a oportunidade para o fazer e se o arguido não exerceu tal direito foi porque não quis.
Naquele prazo o arguido limitou-se a pagar a coima voluntariamente, conforme consta de fls. 13.
Reagiu posteriormente à notificação da decisão administrativa que o considerou autor da contra-ordenação e lhe aplicou a sanção inibição de conduzir pelo período de 60 dias, fazendo uso do recurso de impugnação com o único fundamento de que a condutora era sua esposa B....
Questiona-se a boa-fé do recorrente nestes autos, pois se não praticou a contra-ordenação não tinha que pagar a coima como afirma no artigo 3.º, do recurso de impugnação judicial a fls. 19, além de que, atentas as circunstâncias em que os factos ocorreram não lhe seria difícil saber quem conduzia o veículo.
Ora, não tendo identificado o condutor no prazo que lhe foi concedido, não pode agora o recorrente vir discutir a autoria da prática da contra-ordenação, e, assim sendo não havendo outro fundamento do recurso interposto tem de necessariamente de ser rejeitado por manifesta improcedência.

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Decisão:
Pelos fundamentos expostos, decidem os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, rejeitar o recurso interposto, por manifesta improcedência, nos termos do 420.º, n.º 1, do CPP.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 6 UCs a taxa de justiça, nos termos do art. 87.º, n.º 1, al. b) e n.º 3, do CCJ, a que acrescerá a importância de 6 UCs, por força do art. 420.º, n.º 4, do CPP.

Coimbra,…………………….
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Inácio Monteiro
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Alice Santos
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Luís Ramos