Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3222/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: COELHO DE MATOS
Descritores: EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO
PENHORA
CRÉDITO
SALÁRIO
Data do Acordão: 12/06/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 856.º, N.º 2; 860.º, N.º 3; 813.º E 963.º-A DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. A omissão da declaração do terceiro devedor do crédito indicado à penhora, nos termos do artigo 856.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, tem como efeito a inoponibilidade à execução da extinção do crédito por sua iniciativa. O terceiro devedor que omitiu a declaração não pode questionar a existência do crédito na execução pendente.
2. Se apesar disso não cumpre e passa a ser executado de acordo com o título previsto no artigo 860.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, passa a poder dispor da faculdade de deduzir oposição à execução e à penhora, nos termos dos artigos 813.º e seguintes e 963.º-A do mesmo diploma.

3. O terceiro devedor que confirma, expressa ou tacitamente, o crédito indicado à penhora incorre em responsabilidade civil pelos danos que causar pelo incumprimento.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1. A... veio deduzir oposição à execução e penhora que lhe é movida por B..., na comarca de Aveiro, com fundamento nos artigos 813.º, 816.º e 863.º-A do Código de Processo Civil.
A execução teve origem na falta de cumprimento da obrigação, nos termos dos artigos 856.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, tendo servido de título executivo a notificação de que ficaria à ordem do agente de execução um crédito de um seu trabalhador, de nome Luís Batista e na omissão da declaração referida no artigo 856.º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, conforme dispõe o n.º 3 do artigo 860.º.
Alega a ora oponente que à data da notificação já havia cessado a relação laboral e que omissão de declaração sobre a inexistência do crédito deveu-se a lapso da funcionária da empresa a quem estaria afecta essa tarefa.

2. De seguida o sr. Juiz indeferiu liminarmente o pedido proferindo despacho nos seguintes termos: “conforme resulta das folhas 285, 287, 289 e 293 da execução principal, nesses autos procedeu-se à penhora do vencimento do aí executado Luís Batista na aqui oponente/executada A....
Feita a necessária notificação à entidade patronal, agora oponente/executada, por esta nada foi dito, como aliás afirma no artigo 6° da presente petição inicial.
Então, produziu-se o efeito estabelecido no artigo 856° n.º 3 do Código de Processo Civil, ou seja a entidade patronal A... (oponente/executada) reconheceu a existência do crédito que então se penhorou.
Logo, o exequente podia socorrer-se, como se socorreu, da faculdade estabelecida no artigo 860° n.º 3 do Código de Processo Civil, dado que o devedor não procedeu ao depósito dos créditos que estavam penhorados e que tinha reconhecido que existiam.
Agora, mais de um ano e meio depois, pretende a oponente/executada discutir a existência de um crédito que, á luz do citado artigo 856° n.º 3, já se assentou que existe. Ora, não se pode permitir que pela via da oposição à execução se vá questionar algo que, pelo mecanismo do artigo 856° n.º 3 do Código de Processo Civil, já se encontra definido, sob pena de o estabelecido nesta norma ser de todo inútil.
Na verdade, se a oponente/executada nada disse quando se efectuou a penhora, agora só tem que se queixar de si própria. À luz do exposto, conclui-se que a presente oposição é manifestamente improcedente. Assim, nos termos do artigo 817° n.º 1 c) do Código de Processo Civil, indefiro liminarmente esta oposição”.


3. A oponente não se conforma com o assim decidido e apela a esta Relação, concluindo:
1) O presente recurso vem interposto do, aliás, douto despacho que indeferiu liminarmente a Oposição à execução e à penhora por improcedente;
2) Foi por erro ou lapso da funcionária administrativa da Recorrente que não foi dada notícia ao tribunal da inexistência do crédito, rectius, da inexistência de qualquer vencimento do executado, porquanto o mesmo já havia cessado a relação laboral, muito antes da notificação em causa (cfr. docs juntos à p.i.) e, nessa medida, entendeu ser inócuo e nada ter de dizer ao tribunal;
3) O artigo 6.° do CC não afasta a relevância do erro de direito como constitutivo do estado de boa fé, como estado psicológico, ao qual podem ser atribuídos variados efeitos;
4) Por via de tal erro ou omissão apenas caberia responsabilidade civil da Oponente que, a existir comprovadamente, teria de ser determinada nos autos de execução a fim de apurar os eventuais prejuízos advindos à Exequente, tudo nos termos dos artigos 854.º ex vi artigo 863.º do CPC e artigo 483.° do C. Civil. - neste sentido, veja-se, o douto Acórdão R.L. de 28-09-1995, in CJ IV, pág. 98.
5) Entendimento que já era reconhecido (vide Acórdão citado), e que o legislador de 2003, veio expressamente consagrar no artigo 860.° n.º 4 do CPC.
6) Tendo sido indeferida liminarmente a oposição foram denegados o exercício do direito de acção e do contraditório quer à Oponente quer à Exequente – artigo 2.°, n.º 2 e artigo 3.° n.os 1 e 3 do CPC.
7) Não é lícito, legal e justo a Exequente receber um crédito da Oponente que não existia à data da penhora ;
8) Por outro lado, não tendo sido feita a declaração prevista no artigo 856.°, como doutamente refere o Praf. Alberto dos Reis «Segue-se que não há prazo certo para as declarações posteriores autorizadas pelo art. o 856.º. o devedor deve prestá-Ias logo que possa; se demorar o cumprimento deste dever, ao exequente fica aberto o caminho para requerer que o devedor seja notificado para, dentro de prazo fixado pelo juiz, satisfazer ao que o artigo 856.º preceitua. »
9) A Exequente nada requereu, quedando-se mais de ano e meio sem nada fazer, vindo ora executar a Oponente, quando devia, também ela, ter requerido previamente a esta a citada notificação.
10) Carece, pois de razão o Mm.o juiz a quo, no douto despacho recorrido, o qual fez errada interpretação e aplicação da lei, nomeadamente, dos artigos 856.° e 860.°, n.o 4, artigos 854 ex vi artigo 863 todos do CPC e artigos 6..° e 483.° do C. Civil e ainda os artigo 2.°, n.º 2 e artigo 3.° n.os 1 e 3, artigos 813.°, 817.°, n.º 1 c), todos do CPC., pelo que deve ser revogado e substituído por outro que admita a oposição à penhora/execução.


4. Não foram apresentadas contra-alegações. Foi proferido despacho a confirmar o decidido. Estão colhidos os vistos legais. Cumpre conhecer e decidir, tendo em conta o supra descrito em 1. e 2.
Entendeu o sr. Juiz que não faz sentido ter sido reconhecida a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora, por efeito de cominação legal e mais de um ano depois venha o terceiro devedor do crédito penhorado questionar a sua existência, já que tal significaria esvaziar de conteúdo a norma do citado n.º 3 do artigo 856.º do Código de Processo Civil. O inconformismo da ora executada “A...” veio questionar-nos sobre a bondade deste entendimento e, com o devido respeito, permita-se-nos, desde já, opinar em sentido discordante, como ao adiante se verá.
Na redacção do n.º 2 do artigo 856.º do Código de Processo Civil anterior à que hoje vigora e resultou do Dec. Lei n.º 38/2003, de 8/03, a lei cometia ao devedor do crédito penhorado (devedor do devedor/executado) o ónus de declarar se o crédito existia, sob pena de o mesmo se haver por reconhecido, nos termos em que era indicado à penhora, ficando assim imediatamente assente no processo executivo, podendo ser como tal adjudicado ou vendido, nos termos do artigo 860.º, n.º 2 do mesmo Código. ( Cfr. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, à luz do código revisto, 7.ª edição, pág. 203) E acrescentava-se que essa declaração devia ser feita logo no acto da notificação e, não o podendo ser, deveria ser prestada posteriormente, não se estabelecendo um limite, embora se entendesse que deveria ser tão depressa quanto possível, devendo o juiz fixar esse prazo a requerimento do exequente, face à demora do devedor.( Cfr. Alberto Reis, Processo de Execução, II,193.)
A actual redacção é já mais precisa. Se não puder ser logo feita no acto da notificação, a declaração deve ser feita no prazo de 10 dias, prorrogável com fundamento justificado. Ou seja, o tempo nunca foi nem é motivo impeditivo para se questionar a existência do crédito. Não é o facto de se ter passado um ano que deixa de fazer sentido discutir a existência do crédito. Um ano ou um dia é irrelevante para responder à questão. A resposta terá de buscar-se na própria disciplina da acção executiva em geral e da penhora de créditos em particular.
Há dois momentos a ter em conta: i) quando ainda estamos na execução contra o executado devedor do exequente e o devedor do crédito omitiu a declaração; ii) quando o terceiro devedor passa a ser executado, por não ter cumprido a obrigação.
No primeiro momento o efeito da omissão da declaração é a inoponibilidade à execução da extinção do crédito por iniciativa do terceiro devedor. O terceiro devedor que omitiu a declaração não pode questionar a existência do crédito na execução pendente, porque, depois de assim fixada a penhora, é inoponível à execução a extinção do crédito por causa dependente da vontade do executado ou do seu devedor, por força do disposto no artigo 820.º do Código Civil. ( Cfr. M. Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular (1998), págs. 269)
É esta a cominação do artigo 856.º, n.º 3 do Código de Processo Civil e o seu efeito útil. Os termos da penhora de crédito são fixados em consequência da omissão da declaração do devedor, que equivale seu reconhecimento do crédito ( cfr. J. Lebre de Freitas, ob. e pag. cit.).
Nesta fase existe apenas a execução comandada pelo exequente com base no título que dispõe contra o executado, titular do crédito dado à penhora. O terceiro devedor do crédito penhorado não é parte na acção; apenas tem o ónus de confirmar ou negar a existência do crédito, fazendo a lei corresponder um efeito cominatório ao incumprimento desse ónus. Compreende-se assim que depois da confirmação, expressa ou tácita, do crédito o devedor não possa questionar a sua existência, devendo colocar o respectivo montante à ordem do agente de execução (artigo 956.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
Mas se apesar disso não cumpre, não colocando o montante do crédito penhorado à ordem do agente de execução, então há que forçá-lo ao cumprimento, dirigindo a execução contra ele, com base num título que é agora a notificação efectuada e a falta de declaração, como refere o n.º 3 do artigo 860.º do Código de Processo Civil.
E aqui estamos no segundo momento a que acima fizemos referência. Agora o devedor do crédito já é parte da acção executiva. Não é apenas um colaborador compulsivo da execução; é executado, numa execução com cumulação de títulos. E nessa medida não se vê como não possa dispor dos meios de defesa ao alcance de qualquer executado. Os títulos executivos valem o que valem e nenhum está excluído, à partida, de ser confrontado com a oposição à execução e à penhora, nos termos dos artigos 813.º e seguintes e 963.º-A do Código de Processo Civil. Não o diz a lei, não faz sentido, nem se vê que interesses podem impor, neste particular, uma solução diferente.
Como escreve M. Teixeira de Sousa ( Obra e local citados) “a omissão de qualquer declaração do terceiro devedor implica que o crédito se considera penhorado nos termos estabelecidos na sua nomeação à penhora (artigo 856.º, n.º 3). Isto não impede que esse terceiro possa questionar, em momento posterior, a existência do crédito ou alegar contra ele qualquer excepção”, como acabamos de defender.
Ora, no caso dos autos, o terceiro devedor e ora agravante, nada declarou quando foi notificado nos termos e para os efeitos do artigo 856.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil. E como não cumpriu foi executado com base no título a que se refere o n.º 3 do artigo 860.º. Daí que, embora o acto omissivo o tivesse impedido de negar a existência do crédito na pendência da execução contra o executado com base no título inicial, passou a poder fazê-lo a partir do momento em que ele próprio passou a executado, com base noutro título.
É esta a solução que se nos figura resultar da disciplina normativa da penhora de créditos. E nem se diga que isso é um convite ao incumprimento, na medida em que tanto faz fazer a declaração como não fazer. Mas não é verdade. Diz o n.º 4 do artigo 860.º do Código de Processo Civil que “verificando-se, em oposição à execução, no caso do n.º 3 do artigo 856.º ( Afinal a oposição à execução está prevista no sistema.), que o crédito não existia, o devedor responde pelos danos causados, nos termos gerais, liquidando-se a sua responsabilidade na própria oposição, quando o exequente faça valer na contestação o direito à indemnização”.
Isto quer dizer, justamente, que o terceiro devedor que confirma, expressa ou tacitamente, o crédito indicado à penhora incorre em responsabilidade civil pelos danos que causar pelo incumprimento. O que significa que lhe não é indiferente pagar ou não o crédito, se ele existe.
Concluindo:
­ A omissão da declaração do terceiro devedor do crédito indicado à penhora, nos termos do artigo 856.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, tem como efeito a inoponibilidade à execução da extinção do crédito por sua iniciativa. O terceiro devedor que omitiu a declaração não pode questionar a existência do crédito na execução pendente.
­ Se apesar disso não cumpre e passa a ser executado de acordo com o título previsto no artigo 860.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, passa a poder dispor da faculdade de deduzir oposição à execução e à penhora, nos termos dos artigos 813.º e seguintes e 963.º-A do mesmo diploma.
­ O terceiro devedor que confirma, expressa ou tacitamente, o crédito indicado à penhora incorre em responsabilidade civil pelos danos que causar pelo incumprimento.
Faz, pois, todo o sentido que a agravante venha discutir a existência do crédito passado mais de um ano, como vem referido na decisão em reparo, sem prejuízo do conteúdo útil da norma do artigo 856.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.

5. Decisão
Por todo o exposto acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao agravo, revogando-se a decisão recorrida, para que se admita e siga os seus trâmites a oposição à execução e à penhora.
Sem custas.
Coimbra,
Relator: Coelho de Matos; Adjuntos: Ferreira de Barros e Helder Roque