Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1647/18.4T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: CASO JULGADO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
TERCEIRO
TESTAMENTO
ASSOCIAÇÃO
HERANÇA VAGA
ESTADO
ENCARGO
Data do Acordão: 10/15/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - C.BRANCO - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 580, 581, 619, 621, 628, 938 CPC, 158, 158, 185, 2033, 2042, 2046, 2133, 2147, 2152, 2068, 2069, 2071 CC
Sumário: 1. A figura da autoridade do caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda (no todo ou em parte), visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença.~

2. Afirma-se, assim, a eficácia preclusiva do caso julgado (a indiscutibilidade da aplicação do direito ao caso concreto realizada pela sentença transitada), com a consequente garantia da coerência e dignidade das decisões judiciais, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no art.º 581º do CPC.

3. Ficam abrangidos pelo caso julgado todos aqueles que não sejam titulares, de acordo com o direito positivo, de nenhum direito incompatível com a decisão transitada - qualquer que seja a repercussão da decisão transitada na sua esfera jurídica, o terceiro (alguém que não foi parte num processo) fica vinculado ao caso julgado.

4. As Associações (art.º 168º do CC), ao contrário das Fundações (art.º 185º do CC), não podem constituir-se por testamento, pelo que a deixa testamentária que tenha por objecto a criação de uma Associação ou cuja Associação beneficiária não reúna os requisitos da existência e da capacidade sucessória (por ocasião da morte do de cujus), há-de ser considerada como um encargo imposto aos sucessores, e como tal deve ser havida para todos os efeitos legais.

5. Sendo o Estado o herdeiro legítimo, assim deverá ser instituído em processo especial de declaração da herança vaga em benefício do Estado (art.ºs 938º e seguinte do CPC), cabendo-lhe depois cumprir o encargo da herança resultante da execução do testamento, ainda que, de facto, não beneficie do remanescente dos bens da herança.

Decisão Texto Integral:








            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:       

I. O Ministério Público intentou acção especial de liquidação da herança vaga em benefício do Estado, pedindo que seja declarada vaga para o Estado a herança de J (…), falecido em 17.8.2010, procedendo-se de seguida à sua liquidação.

Alegou, em síntese: o referido J (…) faleceu no estado de viúvo e outorgou testamento público, em 15.12.2009, no qual instituiu vários legados, tendo instituído herdeira do remanescente de todos os seus bens, a Associação, a constituir, que iria adoptar a denominação “Lar (…)”, com a condição de lhe prestar toda a assistência de que necessitasse enquanto fosse vivo; em 23.9.2010, foi lavrada escritura pública de habilitação de herdeiros, na qual foi habilitada como sua única herdeira A (…) que, por sua vez, procedeu ao registo de propriedade, em seu nome, dos prédios que integravam o património hereditário remanescente dos bens de J (…); a “Associação Lar (…)” foi constituída no dia 18.10.2010, adoptando essa denominação por não ter sido autorizada pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas a denominação pretendida “L (…)”, sendo que a 18.10.2010 foi lavrada escritura pública de habilitação de herdeiros, na qual foi habilitada como única herdeira do falecido a referida Associação; as habilitandas “Centro de Dia (...)” e “Associação Lar (…)” intentaram contra A (…) a acção declarativa ordinária n.º 1837/10.8TBCTB; por acórdão da Relação de Coimbra (RC) a dita acção foi julgada «Improcedente por não provada relativamente à 1ª A., absolvendo a Ré dos pedidos por ela formulados” e “Procedente por provada relativamente à 2ª A. Associação Lar (…)pelo que condenam a Ré a ver declarada a validade e eficácia do testamento (…), e nomeadamente, a reconhecer a referida 2ª A. como única herdeira instituída do remanescente dos bens do falecido J (…), ordenando-se o cancelamento de todos os registos de aquisição de imóveis lavrados a favor da Ré com base na escritura de habilitação de herdeiro (…)», e, em última instância, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), por acórdão transitado em julgado, decidiu “negar a revista, no seu pedido essencial, e, por falta de existência do chamado e concomitante não verificação de capacidade sucessória da autora “Associação Lar (…)”, que, por não ser destinatária da vocação, não beneficia, imediatamente, da deixa testamentária realizada pelo «de cujus» (sendo o Estado o herdeiro sucessível chamado, supletivamente, que se condena a cumprir, subsequentemente, o encargo da herança resultante da execução do testamento, em benefício daquela autora), revogando, nessa parte, o acórdão recorrido, que foi confirmado, em tudo o mais.

Citados por éditos eventuais interessados, vieram habilitar-se, como sucessores do falecido, Associação Lar (…) e Centro de Dia (...) alegando, em síntese: em vida do falecido, e ainda que de forma esporádica, foi a 2ª habilitanda quem lhe prestou todos os cuidados e assistência de que dispunha, sendo que após a abertura do testamento e conhecimento do seu teor, foram realizadas todas as diligências necessárias à constituição de uma nova Associação que veio a ser constituída a 18.10.2010 - a 1ª habilitanda - pese embora com um nome distinto atento o indeferimento do nome escolhido pelo testador pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas; a 18.10.2010 foi celebrada escritura pública de habilitação de herdeiros e a 1ª habilitanda instituída como herdeira do remanescente de todos os bens do falecido, além dos legados; na acção ordinária 1837/10.8TBCTB, por decisão da RC foi a 1ª habilitanda reconhecida como única herdeira do falecido, decisão de algum modo confirmada pelo STJ; à data da elaboração do testamento a 2ª habilitanda já tinha iniciado a construção de um Lar de idosos, entretanto concluído, sendo o local indicado pelo testador precisamente o local onde o referido Lar se encontra a funcionar. Terminam pedindo a habilitação da 1ª requerente como única e universal herdeira de todos os bens do falecido J (...) , como sujeito activo nos presentes autos ou a habilitação da 2ª requerente, nos mesmos termos.

O M.º Público contestou a habilitação invocando a violação da autoridade de caso julgado, mormente, da decisão proferida no âmbito do processo n.º 1837/10.8TBCT, já transitada. Concluiu pela improcedência da pretendida habilitação.

As habilitandas responderam concluindo pela improcedência da referida matéria de excepção.

Seguidamente, por sentença de 02.5.2019, a Mm.ª Juíza a quo julgou improcedente o incidente de habilitação de Associação Lar (…)  e Centro de Dia (....)  como sucessoras de J (…), porque verificada a autoridade de caso julgado [a)] e julgou procedente a acção, declarando vaga a favor do Estado a herança de J (…) falecido no dia 17.8.2010, composta dos bens elencados nos pontos 22) a 24) dos factos provados.
Inconformadas, as requerentes/habilitandas apelaram formulando as seguintes conclusões:

(…)

O M.º Público respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir, sobretudo, se ocorre a figura da autoridade do caso julgado e se, na sua presença e face ao quadro jurídico vigente, se impõe dar integral cumprimento ao citado acórdão do STJ, inclusive, declarando-se vaga a favor do Estado a herança de J (…), ou se, acolhendo a perspectiva das recorrentes, procede a habilitação deduzida nos autos.


*

II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

1. J (…), nascido em 21.12.1928, faleceu no dia 17.8.2010, no estado de viúvo, tendo como última residência o Lar (…), em (...) .

2. J (…)  outorgou testamento público, em 15.12.2009, no Cartório Notarial de (...) , sito na Rua (...) , n.º 8, 1º andar, lavrado pela notária (…)

3. Nesse testamento, J (…) institui vários legatários, a quem fez legados dos seus bens.

4. Assim, J (…) legou a M (…): a. Um prédio urbano, da freguesia de (...) , inscrito na matriz predial sob o artigo 84; b. Um prédio urbano, da freguesia de (...) , inscrito na matriz predial sob o artigo 907; c. Um prédio rústico, da freguesia de (...) , inscrito na matriz predial sob o artigo 230, secção D; d. A quantia de cinco mil euros, em dinheiro.

5. J (…) legou também a M (…): a. Um veículo automóvel da marca PEUGEOT 504, com a matrícula M (...) ; b. Um veículo Automóvel da marca VOLKSWAGEN GOLF, com a matrícula (...) ; c. A quantia de cinco mil euros, em dinheiro; d. Um prédio rústico, na freguesia da (...) , inscrito na matriz predial sob o artigo 26, secção D.

6. J (…)  legou a M (…) a quantia de 20 000 euros, em dinheiro.

7. E legou ainda à Associação de Apoio à Criança de (...) a quantia de 10 000 euros.

8. J (…) instituiu herdeira do remanescente, de todos os seus bens, a Associação, a constituir, que iria adoptar a denominação “Lar (…)”, com sede na (...) , freguesia de (...) , concelho de (...) condição de essa instituição lhe prestar toda a assistência de que necessitasse enquanto fosse vivo, nomeadamente alojamento, alimentação, vestuário e cuidados médicos.

9. No testamento de 15.12.2009, J (…) revogou qualquer outro testamento feito anteriormente.

10. Em 23.9.2010, foi lavrada escritura pública de habilitação de herdeiros, no Cartório Notarial de Lisboa, tendo-se consignado que: “o falecido [J (…)o] deixou testamento público (…) no qual efectuou vários legados e dispôs: «Que institui herdeira do remanescente de todos os seus bens, a associação a constituir, que vai adoptar a denominação “Lar (…)” (…) com a condição de essa instituição lhe prestar toda a assistência de que necessitar enquanto for vivo, nomeadamente alojamento, alimentação, vestuário e cuidados médicos» (…) a referida Associação não foi constituída (…) Que assim ao falecido sucedeu como sua única herdeira: A Prima: A (…) (…) não existem outras pessoas que segundo a lei e o invocado testamento possam preferir à indicada herdeira, ou que com ela possam concorrer nesta sucessão”.

11. A (…) procedeu ao registo de propriedade, em seu nome, dos prédios que integravam o património hereditário remanescente dos bens pertença de J (…)

12. Aquando da outorga do testamento, o Centro de Dia (…) já se encontrava constituído.

13. A “Associação (…)” foi constituída no dia 18.10.2010, no Cartório Notarial, sito na Rua (...) , perante o notário (…) adoptando essa denominação por não ter sido autorizada pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas a denominação pretendida “Lar (…)”.

14. Em 18.10.2010, foi lavrada escritura pública de habilitação de herdeiros, no Cartório Notarial de Lisboa, tendo-se consignado que “o falecido J (…) deixou como única herdeira, por vocação testamentária, a referida Associação, hoje constituída, “Associação (…)” (…) não existem outras pessoas que segundo a lei ou o testamento, possam preferir ou concorrer com a herdeira instituída na sucessão à herança”.

15. “Centro de Dia (…)” e “Associação (…)” intentaram contra A (…) acção declarativa de condenação, com processo ordinário n.º 1837/10.8TBCTB (impugnação judicial de habilitação de herdeiros) no Tribunal Judicial de Castelo Branco, pedindo que fosse «reconhecida a validade e eficácia do testamento outorgado por J (…) em 15.12.2009, e que fossem declarados nulos e de nenhum efeito os registos efectuados a favor da Ré/ A (…) em ordem ao respectivo cancelamento».

16. No âmbito do referido processo ordinário, por decisão de 03.8.2012, foi julgada a acção parcialmente procedente por parcialmente provada, julgando-se «válido o testamento efectuado por J (…) em 15.12.2009, e absolvendo-se a Ré do demais peticionado».

17. Nesta sequência, “Centro de Dia (…)” e “Associação (…)” interpuseram recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, que julgou a acção: “A – Improcedente por não provada relativamente à 1ª A., absolvendo a Ré dos pedidos por ela formulados; B – Procedente por provada relativamente à 2ª A. Associação (…), pelo que condenam a Ré a ver declarada a validade e eficácia do testamento aludido em 2, 3 e 4 dos factos provados (…), e nomeadamente, a reconhecer a referida 2ª A. como única herdeira instituída do remanescente dos bens do falecido J (…), ordenando-se o cancelamento de todos os registos de aquisição de imóveis lavrados a favor da Ré com base na escritura de habilitação de herdeiro a que se reporta o n.º 11 dos factos provados”.

18. A (…) interpôs recurso do referido Acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por Acórdão transitado em julgado, decidiu: “em negar a revista, no seu pedido essencial, e, por falta de existência do chamado e concomitante não verificação de capacidade sucessória da autora “Associação (…)”, que, por não ser destinatária da vocação, não beneficia, imediatamente, da deixa testamentária realizada pelo «de cujus» (sendo o Estado o herdeiro sucessível chamado, supletivamente, que se condena a cumprir, subsequentemente, o encargo da herança resultante da execução do testamento, em benefício daquela autora). Revoga-se, assim, nesta parte, o douto acórdão recorrido, que se confirma, em tudo o mais, ou seja, na parte em que “julgou a acção improcedente por não provada relativamente à 1ª A. Centro de Dia (…), absolvendo-se a Ré dos pedidos por ela formulados”, “condenou a Ré a ver declarada a validade e eficácia do testamento aludido em 2, 3 e 4 dos factos provados” e “ordenou o cancelamento de todos os registos de aquisição de imóveis lavrados a favor da Ré com base na escritura de habilitação de herdeiro a que se reporta o n.º 11 dos factos provados”.

19. As Rés habilitadas (…), na qualidade de herdeiras de A (…) requereram a reforma do Acórdão do STJ, tendo a reclamação sido indeferida nos seguintes termos[1]: “Deste modo, nem a ré originária, A (…), é sucessora legal de J (…), por entretanto, ter falecido, atento o disposto pelos artigos 2131º e 2133º, n.º1, alínea d), nem as Rés habilitadas, as suas filhas, (…), o poderão ser, por inexistir, na sucessão legítima, o direito de representação dos colaterais no quarto grau, com base no preceituado pelo artigo 2042º, todos do Código Civil, onde a referida A (…) na melhor das hipóteses, como já se afirmava no acórdão, se situava. É que não tem substrato legal a sustentação das rés de que, considerando que, à data do óbito de J (…), a, entretanto, falecida, sua mãe, A (…), ainda estava viva, ter-se-á fixado, em princípio, “com a abertura da sucessão, o quadro dos sucessíveis (…), e, assim, por linhas travessas, tentar justificar a sucessão num defunto ou nos filhos deste, sem e contra o direito de representação. Aliás, as rés habilitadas são meros substitutos processuais na respectiva relação jurídico-processual, a fim de que contra elas a instância pudesse prosseguir, mas sem que a habilitação as torne titulares da relação jurídico-material controvertida

20. Na sequência do trânsito em julgado da decisão do STJ, foram cancelados os registos relativamente aos prédios registados em nome de A (…)

21. Aquando da morte de J (…) não lhe eram conhecidos filhos, netos, irmãos, sobrinhos, primos ou qualquer outro parente sucessível.

22. À data do óbito, o autor da sucessão possuía os seguintes bens imóveis: a. Prédio urbano, sito em Largo de (...) , n.º 74, (...) , da freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na Conservatória de Registo Predial (CRP) de (...) , sob o número 410, da freguesia de (...) , com o artigo matricial 34; b. Prédio urbano, sito no Largo de (...) , 25, (...) , freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na CRP de (...) , sob o número 411, da freguesia de (...) , com o artigo matricial 85; c. Prédio urbano, sito no Largo de (...) , 24, (...) , freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na CRP de (...) , sob o número 412, da freguesia de (...) , com o artigo 86; d. Prédio urbano, sito no largo de (...) , 23, (...) , da freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na CRP de (...) , sob o número 415, da freguesia de (...) , com o artigo 87; e. Prédio urbano, sito no largo de (...) , (...) , da freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na CRP de (...) , sob o número 406, da freguesia de (...) , com o artigo matricial 475; f. Prédio urbano, sito no Largo de (...) , (...) , concelho de (...) , descrito na CRP de (...) , sob o número 578, da freguesia de (...) , com o artigo matricial n.º 476; g. Prédio urbano, sito na Rua (...) , 5, (...) , da freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na CRP de (...) , sob o número 414, da freguesia de (...) , com o artigo matricial n.º 758; h. Prédio urbano, sito na Rua do (...) freguesia de (...) , concelho de (...) , com o artigo matricial n.º 908; i. Prédio urbano, sito na Rua do (...) , (...) , da freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na CRP de (...) , sob o número 405, da freguesia de (...) , com o artigo matricial número 921; j. Prédio urbano, sito em Quelha do (...) , (...) , freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) , descrito na CRP de (...) , sob o número 407, da freguesia de (...) , inscrito na respectiva matriz sob o artigo 908; k. Prédio urbano, sito no lugar denominado “ (...) ”, sito em M (...) , da freguesia de M (...) , concelho de (...) , descrito na CRP de (...) , sob o número 264, da freguesia de M (...) , com o artigo matricial n.º 771; l. Prédio urbano, fracção autónoma, destinada a habitação, designada pela letra “O”, correspondente ao terceiro andar, esquerdo sul-poente, letra “A”, do prédio urbano, sito em (...) , da freguesia de (...) ( (...) ), concelho de (...) , descrito na CRP de (...) , sob o número 1657, da freguesia de (...) , com o artigo matricial n.º 5523, fracção “O”; m. Prédio rústico, sito em tanque Velho, freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na CRP de (...) , sob o número 569, da freguesia de (...) , com o artigo matricial n.º 35, secção A, Fracção O; n. Prédio rústico, sito em (...) , freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na CRP de (...) , sob o número 566, da freguesia de (...) , com o artigo matricial n.º 10, secção D; o. Prédio rústico, sito em (...) , freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na CRP de (...) , sob o número 573, da freguesia de (...) , com o artigo matricial n.º 183, secção D; p. Prédio rústico, sito em (...) , freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na CRP de (...) , sob o artigo 542, da freguesia de (...) , com o artigo matricial n.º 187, secção D; q. Prédio rústico, sito em (...) , freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na CRP de (...) , sob o número 541, da freguesia de (...) , inscrito na respectiva matriz sob o artigo 246, secção D, parte transmitida 59/63; r. Prédio rústico, sito em (...) , da freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na CRP de (...) , sob o número 570, da freguesia de (...) , com o artigo matricial n.º 15, secção E; s. Prédio rústico, sito em (...) , da freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na CRP de (...) , sob o número 574, da freguesia de (...) , com o artigo matricial n.º 5, secção F; t. Prédio rústico, sito em (...) freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na CRP de (...) , sob o número 567, da freguesia de (...) , com o artigo matricial n.º 18, secção F; u. Prédio rústico, denominado “ (...) ”, freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na CRP de (...) , sob o número 568, da freguesia de (...) com o artigo matricial n.º 2 secção G; v. Prédio rústico, sito em (...) , freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na CRP de (...) , sob o número 575, da freguesia de (...) da freguesia de (...) , com o artigo matricial n.º 13, secção G; w. Prédio rústico, sito em (...) , da freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na CRP de (...) , sob o número 559, da freguesia de (...) , com o artigo matricial n.º 78, secção D; x. Prédio rústico, sito em (...) , freguesia de M (...) , da freguesia de M (...) , concelho de (...) , descrito na CRP de (...) , sob o número 266, da freguesia de M (...) , com o artigo matricial n.º 260, secção D; y. Prédio urbano, da freguesia de (...) , com o artigo matricial n.º 84 – que constitui o legado a M (…); z. Prédio urbano, da freguesia de (...) , com o artigo matricial n.º 907 – que constitui o legado a M (…); aa. Prédio rústico, sito na Horta das (...) , da freguesia de (...) , com o artigo matricial n.º 230, secção D – que constitui o legado a M (…); bb. Prédio rústico, sito em (...) , da freguesia de M (...) , com o artigo matricial n.º 26, secção D – que constitui o legado a M (…)

23. À data do óbito, o autor da sucessão possuía os seguintes bens móveis: a. Veículo automóvel, marca PEUGEOT, modelo 504, matrícula (...) , de 1984, no valor de 250 euros – que constitui o legado a M (…); b. Veículo automóvel, marca VOLKSWAGEN, modelo GOLF, matrícula (...) , de 2004 – que constitui o legado a M (…); c. Uma espingarda de caça de marca Fª Nationale D’armes de Guerre Hers – Belgique, com o livrete n.º (...) série B, no valor de 10 euros; d. Uma espingarda de caça marca Saint Etienne, n.º 762866, com o livrete n.º (...) , série E, no valor de 10 euros.

24. À data do óbito, o autor da sucessão possuía os seguintes valores: a. Conta à ordem com o n.º 0(…), do Banco C (...) , no valor de 25 519,30 euros à data do óbito e com o valor actual de 25 285,02 euros; b. Conta à ordem, com o n.º (…)0 do Banco M (...) , com o saldo de 4,68 euros, à data de 17/8/2010, no valor actual de 1 066,90 euros; c. Conta à ordem, com o n.º (…) do Banco M (...) , com o saldo de 11 427,06 euros, à data de 17/8/2010, no valor actual de 187 513,23 euros, d. Conta a prazo, com o número (…) do Banco M (...) , no valor actual, e à data de 17/8/2010, de 65 000 euros; e. Conta a prazo, com o número (…), do Banco M (...) , no valor de 50 000 euros, à data de 17/8/2010; f. Conta a prazo, com o número (…) do Banco M (...) , no valor de 90 000 euros, à data de 17/8/2010; g. Seguro de Capitalização, com o n.º (…) do banco M (...) , no valor de 14 000 euros, à data de 17/8/2010; h. Seguro de Capitalização, com o n.º (…), do banco M (...) , no valor de 26 500 euros, à data de 17/8/2010; i. Contas de depósito de arrecadação de títulos/ Fundos de Investimento/ Planos de Poupança – PP: i. Conta títulos, com o n.º (…), do Banco M (...) , Aforro (...) 5 anos 4ª série, no valor, à data de 17/8/2010, de 5 000 euros; ii. Conta títulos, com o n.º (…) 2, (...) Rendimento, do Banco M (...) , no valor actual e à data de 17/8/2010 de 20 000 euros; iii. Conta Fundos, com o n.º (…), (...) Tesouraria – Unidade Participação – 428,2698 UP, do Banco M (...) , no valor, à data de 17/8/2010, de 37.462,77 euros e com o valor actual de 41.149,88 euros; iv. Conta Fundos, com o (…) (...) Multi Gestão Imobiliário – Unidade Participação – 528,11862UP’s, do Banco M (...) , no valor, à data de 17/8/2010, de 27.032,47 euros; v. Conta Planos – PPR – Unidade Participação - 1 918,2566 UP’s, com o n.º (…) do banco M (...) , no valor, à data de 17/8/2010, de 38.804,41 euros; vi. Conta títulos 036.61.001459-3, com: 1. 591 Ações – (…) – N, com o saldo à data de 17/8/2010 de 5.395,83 euros, 2. 260 Ações (…) com o saldo à data de 17/8/2010, de 1.300 euros, 3. 83 Ações (…), com o saldo à data de 17/8/2010 de 273,07 euros, sendo que, actualmente existe a conta número (…), com 591 acções (…), no valor total actual de 609,74 euros.

25. Os legados efectuados por J (…) encontram-se totalmente cumpridos.

2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

Sem quebra do devido respeito por entendimento em contrário, dir-se-á, desde já, que é a figura da autoridade do caso julgado que marca o desfecho da presente lide, que importa extrair todas as consequências do dito testamento de 17.8.2010 (como resulta do aresto do STJ em referência) e que tudo seria porventura bem diferente, e talvez menos complexo, se o legislador de 1966 tivesse previsto para as Associações regime idêntico ao que regula a constituição das Fundações, que podem ser instituídas por testamento (cf. os art.ºs 158º, 168º e 185º do CC).

3. Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos art.ºs 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos art.ºs 696º a 702º (art.º 619º, n.º 1 do Código de Processo Civil/CPC).

A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (art.º 621º, parte inicial, do CPC).

A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação (art.º 628º do CPC).

4. A nossa lei adjectiva define o caso julgado a partir da preclusão dos meios de impugnação da decisão: o caso julgado é a insusceptibilidade de impugnação de uma decisão (despacho, sentença ou acórdão) decorrente do seu trânsito em julgado (art.º 628 do CPC).

       O caso julgado é, evidentemente, uma exigência de boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, dado que dá expressão aos valores da segurança e certeza imanentes a qualquer ordem jurídica: a res judicata obsta a que uma mesma acção seja instaurada várias vezes, impede que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante uma composição, tendencialmente definitiva, dos litígios que os tribunais são chamados a resolver.[2]

       A partir do âmbito da sua eficácia, importa considerar o caso julgado formal e o caso julgado material: o primeiro tem um valor estritamente intraprocessual, dado que só vincula no próprio processo em que a decisão que o adquiriu foi proferida; o segundo é sempre vinculativo no processo em que foi proferida a decisão, mas também pode sê-lo em processo distinto (art.ºs 619 e 620 do CPC).

       O caso julgado resolve-se na inadmissibilidade da substituição ou da modificação da decisão por qualquer tribunal (inclusive por aquele que a proferiu).

       Todavia, o caso julgado não se limita a produzir um efeito processual negativo, traduzido na insusceptibilidade de qualquer tribunal, mesmo também daquele que é o autor da decisão, se voltar a pronunciar sobre essa mesma decisão. Ao caso julgado deve também associar-se um efeito processual positivo: a vinculação do tribunal que proferiu a decisão e, eventualmente, de outros tribunais, ao resultado da aplicação do direito ao caso concreto que foi realizada por aquele tribunal, ou seja, ao conteúdo da decisão desse mesmo tribunal.

       5. A eficácia do caso julgado material - relevante para a situação em análise - varia, porém, em função da relação entre o âmbito subjectivo e o objecto da decisão transitada e o âmbito subjectivo e o objecto do processo posterior.

       Se o âmbito subjectivo e o objecto da decisão transitada for idêntico ao processo posterior, i. é, se ambas as acções possuem o mesmo âmbito subjectivo e a mesma causa de pedir e nelas for formulado o mesmo pedido, o caso julgado vale, no processo subsequente, como excepção do caso julgado - trata-se da respectiva vertente negativa, que tem por finalidade evitar que o tribunal da acção posterior seja colocado na alternativa de reproduzir ou de contradizer a decisão transitada (art.ºs 580 n.º 1, in fine, e 581º do CPC). O caso julgado acarreta para o tribunal do processo subsequente a dupla proibição de contradição ou de repetição da decisão transitada, o que explica que se resolva num pressuposto processual negativo e, portanto, numa excepção dilatória (art.º 577º, alínea i) do CPC).

       Mas se a relação entre o objecto da decisão transitada e o da acção subsequente, não for de identidade, mas de prejudicialidade, nem por isso, o caso julgado deixa de ser relevante: a decisão proferida sobre o objecto prejudicial (i. é, que constitui pressuposto ou condição de julgamento de outro objecto) vale como autoridade de caso julgado (material) na acção em que se discuta o objecto dependente. Quando isso suceda, o tribunal da acção posterior – acção dependente – está vinculado à decisão proferida na causa anterior – acção prejudicial. Está aqui em causa a natureza positiva do instituto, ao fazer valer a sua força e autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões.

       Assim, a figura da autoridade do caso julgado - que é distinta da excepção do caso julgado e que não supõe a tríplice identidade por esta exigida (de sujeitos, pedido e causa de pedir) - visa garantia a coerência e a dignidade das decisões judiciais, a certeza e a segurança nas relações jurídicas.[3]

            6. O caso julgado está, porém, sujeito a limites, designadamente objectivos, subjectivos e temporais.

       No tocante aos limites objectivos - i. é, ao quantum da matéria que foi apreciada pelo tribunal que recebe o valor da indiscutibilidade do caso julgado - este abrange, decerto, a parte decisória do despacho, da sentença ou do acórdão, ou seja, a conclusão extraída dos seus fundamentos (art.º 607º, n.º 3 do CPC).

E não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo.

O caso julgado incide, pois, sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos dessa decisão - abrange todas as questões apreciadas que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da sentença. Os pressupostos da decisão são cobertos pelo caso julgado, ficando fora do caso julgado o que não seja essencial ao iter iudicandi, concepção (intermédia) para o qual se orienta, maioritariamente, a jurisprudência.[4]

7. O caso julgado é temporalmente limitado, embora o referencial temporal relevante não seja o momento em foi proferida a decisão transitada - mas o do encerramento da discussão, ou momento equivalente, no processo em que foi proferida essa mesma decisão (cf. os art.ºs 604º e 607º do CPC).

       E merece especial relevo o valor enunciativo do instituto, por força do qual fica excluída toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na sentença passada em julgado.[5]

8. Também se defende que ficam abrangidos pelo caso julgado todos aqueles que não sejam titulares, de acordo com o direito positivo, de nenhum direito incompatível com a decisão transitada - qualquer que seja a repercussão da decisão transitada na sua esfera jurídica, o terceiro (alguém que não foi parte num processo) fica vinculado ao caso julgado (fica abrangido pelo caso julgado da decisão nele proferida).[6]

9. Considerando que o caso julgado pode originar a vinculação de um tribunal de uma acção posterior ao decidido numa acção anterior (autoridade de caso julgado formado por decisão proferida em processo anterior), respeitando-se os efeitos da sentença transitada em julgado (obstando que a relação ou situação jurídica material definida pela primeira decisão possa ser contrariada pela segunda, com definição diversa da mesma relação ou situação), no caso em análise, é irrecusável que as recorrentes/habilitandas, demandantes na acção anterior (processo 1837/10.8TBCTB), vieram suscitar questões já definitivamente decididas/arrumadas atinentes aos respectivos direitos e situação jurídica claramente afirmados pelo STJ nesse processo anterior, pelo que se impõe atender à eficácia preclusiva do caso julgado.

Assim, no acórdão de 21.10.2014-processo 1837/10.8TBCTB.C1.S1[7], transitado em julgado, o STJ decidiu, por forma definitiva, nomeadamente:

- A prevalência da designação sucessória constante do aludido testamento;

- Partindo do regime prescrito nos art.ºs 158º, n.ºs 1 e 2, 168º, n.ºs 1, 2 e 3, 185, n.º 1 e 2033º do CC, e porque a habilitanda/recorrente Associação Lar Homenagem a (...) não se encontrava ainda constituída, à data da abertura da sucessão (sendo que não o podia ser mediante testamento…), e considerando, igualmente, que essa constituição é um requisito de eficácia ou «conditio iuris», por não dispor de capacidade sucessória, não pode ser beneficiária do testamento[8];

- Deste modo, a deixa testamentária que tenha por objecto a criação de uma associação que ainda não exista, no momento da abertura da sucessão, não podendo reverter para o seu beneficiário, deve considerar-se como um encargo imposto aos sucessores;

- Inexistindo colaterias até ao 4º grau de parentesco, o sucessor do falecido J (…) é o Estado, chamado em 5º e último lugar, dentro do perímetro da sucessão legítima, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 2042º, 2133º, n.º 1, a) a e), 2147º e 2152º do CC;

- A Associação (…) não é a destinatária da vocação, porquanto, embora sendo a titular da designação sucessória prevalente, por ocasião da morte do «de cujus», não reunia, essa data, os dois restantes pressupostos da vocação sucessória, isto é, a existência do chamado e a sua capacidade sucessória;

- Tendo presente o preceituado, entre outros, nos art.ºs 2068º, 2069º e 2071º, n.º 1 do CC, a deixa testamentária não beneficia, imediatamente, a Associação (…), devido à não verificação dos requisitos da existência do chamado e da capacidade sucessória, na sua pessoa, tendo o Estado, o herdeiro sucessível chamado, supletivamente, de cumprir, subsequentemente, o encargo da herança resultante da execução do testamento, em benefício daquela autora.[9]

Daí a decisão mencionada em II. 1. 18., supra, ao declarar a não verificação de capacidade sucessória da Associação (…), que, por não ser destinatária da vocação, não beneficia, imediatamente, da deixa testamentária realizada pelo «de cujus» (sendo o Estado o herdeiro sucessível chamado, supletivamente, que se condena a cumprir, subsequentemente, o encargo da herança resultante da execução do testamento, em benefício daquela autora).

Daí, também, a revogação do precedente acórdão da RC de 05.02.2013-processo 1837/10.8TBCTB.C1[10], na parte em que, depois de suscitar a questão de saber se a associação em causa podia adquirir a qualidade da herdeira do testador, não obstante só se ter constituído cerca de 10 meses após o falecimento do seu benemérito, deu uma resposta positiva, concluindo que, não sendo o problema da capacidade sucessória passiva cristalinamente solucionado pelo n.º 2 do art.º 2033º do CC, «nenhuma reserva subsiste sobre a possibilidade de a associação 2ª A. L (…), apesar de constituída depois da morte de J (…) (mas que “adquiriria a qualidade de herdeira se e logo que se viesse a constituir”), ser chamada a suceder-lhe como herdeira testamentária (“única herdeira instituída do remanescente dos bens do falecido”)».

10. Retomando, sinteticamente, alguns dos princípios, normativos e orientações doutrinais subjacentes ao mencionado acórdão do STJ, importa sublinhar:

- Fins de beneficência, de assistência social, culturais, científicos e outros análogos sãos fins que presidem muito frequentemente às liberalidades, designadamente às disposições testamentárias.[11]

- A herança só é declarada vaga para o Estado depois que em meio processual próprio seja proferida sentença que, reconhecendo a inexistência de outros sucessíveis legítimos, assim o venha a decidir[12] (cf. os art.ºs 2133º e 2152º a 2155º do CC e 938º e 939º do CPC).

- Para que o Estado seja investido na posição de sucessor legítimo, não basta que a herança se encontre jacente (art.º 2046º do CC), por falta de herdeiros conhecidos; é indispensável que se profira sentença que declare vaga a herança para o Estado, em resultado do processo especial regulado nos art.ºs 938º e seguinte do CPC - hão-de citar-se quaisquer interessados incertos para que venham deduzir a sua habilitação; e só quando ninguém aparecer a habilitar-se ou quando decaírem todos os habilitandos, é que surge a sentença a proclamar a vacância da herança e a atribuir, consequentemente, ao Estado a qualidade de herdeiro.[13]

- É no art.º 2033º do CC que vemos regulado o pressuposto fundamental do chamamento (ou vocação) do sucessor, que é a denominada capacidade sucessória, ou seja, a capacidade de gozo (activa) de adquirir o direito de suceder mortis causa a outrem.

- As Associações (art.º 168º do CC), ao contrário do que sucede com as Fundações (art.º 185º do CC), não podem constituir-se por testamento, pelo que a deixa testamentária que tenha por objecto a criação de uma Associação ou cuja Associação beneficiária não reúna os requisitos da existência e da capacidade sucessória (por ocasião da morte do de cujus), há-de ser considerada como um encargo imposto aos sucessores, e como tal deve ser havida para todos os efeitos legais.[14]

11. Antolha-se, assim, correcto o expendido pela Mm.ª Juíza a quo, mormente quando se afirma:

«(…) naqueloutra acção [1837/10.8TBCTB] peticionaram as aqui habilitadas não só que fosse declarado válido e eficaz o testamento outorgado pelo falecido, como que fossem estas reconhecidas como suas herdeiras.

Nesta acção, designadamente no incidente de habilitação, peticionam as requerentes que lhes seja reconhecida (a ambas ou apenas a uma) a qualidade de herdeiras do falecido, sendo como tal habilitadas nestes autos, o que, atendendo à causa de pedir a que a seguir aludiremos, pressupõe precisamente a apreciação da validade e eficácia do testamento outorgado.

(…) Ou seja, afigura-se-nos manifesto que existe identidade de causa de pedir e do pedido entre ambas as acções, ainda que o pedido aqui formulado se restrinja ao reconhecimento das habilitandas como herdeiras do falecido, pedido comtemplado no âmbito da primeira acção.

 (…) o Ministério Público enquanto terceiro é titular (…) concorrente com a relação entre as partes na acção original./ (…) a pretensão do Estado de ver a herança do falecido declarada vaga a seu favor nasce precisamente da consideração na primeira acção de que inexistem parentes sucessíveis por um lado, e de que as aí autoras, aqui habilitadas não são herdeiras, mormente a primeira habilitanda [Associação (…)], por ausência de vocação sucessória.

(…) a decisão proferida no âmbito do processo 1837/18.8TBCTB que, para além de declarar a validade do testamento outorgado e improceder o pedido de reconhecimento das aí autoras como herdeiras de J (…), declarou que o Estado passa a ser chamado, supletivamente, em 5º e último lugar, como herdeiro legal do falecido, (…)/ transitada em julgado, (…) é-lhe favorável, devendo nos termos supra exposto, poder o Estado aderir aos efeitos produzidos por tal decisão e invocar procedentemente da autoridade de caso julgado daquela decisão.

(…) a propositura da presente acção constitui um pressuposto necessário do eventual reconhecimento e posterior execução do referido encargo pois que, apenas após ter sido instituído como herdeiro de J (…) poderá o Estado dar cabal cumprimento ao decidido no referido aresto, sendo que o mecanismo processual próprio para tal instituição é precisamente o processo de declaração da herança vaga a favor do Estado.

Isto é, apenas após constatar-se que inexistem herdeiros testamentários ou legítimos, assume o Estado a condição de herdeiro, em 5º e último lugar. E só após o seu reconhecimento como herdeiro - precisamente o que se pretende nestes autos - poderá dar-se execução ao ali decidido.

(…) que se verifica no caso em apreço autoridade de caso julgado em relação à decisão, já transitada, proferida no âmbito do processo 1837/10.8TBCTB e nos termos do qual foi improcedente o pedido de reconhecimento das habilitandas como herdeiras testamentárias do falecido, razão pela qual tal qualidade não lhes poderá igualmente ser reconhecida no âmbito destes autos, improcedendo, em consequência, o pedido de habilitação daquelas.»

12. Igualmente se acolhe o demais expendido na decisão sob censura, designadamente, quando, partindo do disposto nos art.ºs 2024º, 2032º, 2131º, 2133º, n.º 1 do CC e 939º, n.º 1 do CPC, aí se refere que, «quando não haja outros herdeiros legítimos será o Estado chamado a suceder na titularidade das relações jurídicas patrimoniais do falecido e a ele caberá a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam»; «(…) J (...) faleceu no dia 17.8.2010 no estado de viúvo, não se conhecendo filhos, netos, irmãos, sobrinhos, primos ou qualquer outro parente sucessível. Deixou testamento, cuja validade não foi posta em causa, mas em relação ao qual (…) foi já proferida decisão que não reconheceu as habilitandas como suas herdeiras, não tendo surgido outros pretensos herdeiros a habilitar-se»; «(…) J (...) faleceu sem que tivesse disposto eficazmente, dos bens de que podia dispor, nem surgiram herdeiros legítimos à sucessão que não o Estado, atento o supra determinado, pelo que haverá que declarar a herança vaga para o Estado».

            13. Por conseguinte, independentemente das eventuais incongruências ou discrepâncias que possamos entrever na conformação e dilucidação do caso vertente (a partir dos eventos que antecederam a acção declarativa comum 1837/10.8TBCTB, em toda a tramitação desses autos e no projectado para os presentes), afigura-se, na verdade, que a propositura da presente acção era pressuposto necessário da execução do referido encargo [cf., nomeadamente, II. 1. 8., 13. e 18., supra], porquanto apenas após instituído como herdeiro de J (…) poderá o Estado dar cabal cumprimento ao assim decidido no referido acórdão do STJ, sendo que o mecanismo processual próprio para tal instituição é precisamente o processo especial de declaração da herança vaga em benefício do Estado.

Assim, cumprida a tramitação prevista nos art.ºs 938º e seguintes do CPC, relativa, designadamente, à citação dos interessados incertos e à liquidação, o Estado providenciará, oportunamente, pelo cumprimento do aludido encargo que beneficia, apenas, a Associação (…) - foram já observados, na fase declarativa, os actos e diligências processuais atinentes à declaração da herança vaga para o Estado, com vista à sucessão deste, na sua qualidade de herdeiro legítimo (art.ºs 2132º, 2133º, n.º 1, al. e) e 2152º a 2155º, do CC); porém, na fase executiva das operações da liquidação da herança declarada vaga a favor do Estado - ao que tudo indica - o remanescente dos bens deverá ser adjudicado àquela Associação, e não ao Estado (herdeiro), sobre o qual recai, agora, o dito encargo.[15]

            14. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.       


*

III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelas recorrentes.


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15.10.2019

Fonte Ramos ( Relator )

Alberto Ruço

Vítor Amaral



[1] Por acórdão de 14.4.2015, reproduzido a fls. 28/88.
[2] Vide M. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, pág. 568.

[3] Vide, nomeadamente, Lebre de Freitas, e Outros, CPC Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, págs. 260 e 318 e seguintes; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4ª edição (reimpressão), Coimbra Editora, 1985, págs. 91 e seguintes; A. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, págs. 383 e seguintes e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, Lisboa, 1973, págs. 60 e seguinte e, de entre vários, os acórdãos do STJ de 26.01.1994, 19.5.2016-processo 4091/07.5TVPRT.P1.S1, 05.9.2017-processo 6509/16.7T8PRT.P1.S1, 20.12.2017-processo 2377/12.6TBABF.E1.S2, 27.02.2018-processo 2472/05.8 TBSTR.E1, 18.9.2018-processo 3316/11.7TBSTB-A.E1.S1, 18.9.2018-processo 21852/15.4T8PRT.S1 e 18.10.2018-processo 3468/16.0T9CBR.C1.S1 e da RC de 28.9.2010-processo 392/09.6TBCVL.C1, 24.02.2015-processo 1265/05.7TBPBL.C1 e 30.6.2015-processo 89/14.5TBLRA.C, publicados, o primeiro, no BMJ 433º, 515 e, os restantes, no “site” da dgsi.

[4] Vide Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 318; J. Rodrigues Bastos, ob. e vol. citados, pág. 253 e M. Teixeira de Sousa, ob. cit., págs. 578 e seguinte, e, entre outros, os acórdão do STJ de 10.7.1997, in CJ-STJ, V, 2, 165 e da RC de 24.02.2015-processo 1265/05.7TBPBL.C1 (já cit.).

[5] Cf., entre outros, os acórdãos da RG de 16.3.2017-processo 1486/11.3TBBCL.G1 e da RC de 28.9.2010-processo 392/09.6TBCVL.C1, 17.9.2013-processo 507/12.7TBSEI.C1 e 24.02.2015-processo 1265/05.7TBPBL.C1, publicados no “site” da dgsi.

[6] Vide M. Teixeira de Sousa, em comentário ao acórdão da RC de 04.4.2017-processo n.º 210/08.2TBLMG-B.C1, https://blogippc.blogspot.pt/search?q=caso+julgado.

   Em idêntico sentido vai a posição expressa por J. Lebre de Freitas, num trabalho publicado na Revista da Ordem dos Advogados - “Sobre a prevalência, no apenso de reclamação de créditos, do direito de retenção reconhecido por sentença” [ROA, Ano 66 - II, 2006, http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=1&idsc=50879&ida=50920.

[7] Publicado no “site” da dgsi e na CJ-STJ, XXII, 3, 75 e, no quer aqui releva, assim sumariado: «VIII - São pressupostos da vocação sucessória a titularidade da designação sucessória prevalente, a existência do chamado e a sua capacidade sucessória, por ocasião da morte do de cujus. IX - A constituição de uma associação que ainda não existia, à data da abertura da sucessão do de cujus, que efectuou a favor da mesma uma deixa testamentária, por não dispor de capacidade sucessória, não é destinatária da vocação, não podendo, em consequência, ser beneficiária do testamento realizado. X - Na falta de herdeiros das três primeiras classes da sucessão legal, são chamados à sucessão os restantes colaterais, até ao quarto grau, sem que haja direito de representação nesta classe de sucessíveis, ao contrário do que sucede na classe anterior, pelo que, inexistindo colaterais, até ao 4° grau de parentesco, o Estado passou a ser chamado, supletivamente, em 5° e último lugar, devendo cumprir, subsequentemente, o encargo da herança resultante da execução do testamento, em benefício do respectivo destinatário
[8] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.
[9] Atente-se que no acórdão dito em II. 1. 19. e na “nota 1”, supra, também se referiu: «(…) nos termos previstos no artigo 2155º do CC, antes da aquisição sucessória legítima pelo Estado, é necessário e imperativo que ocorra um processo judicial com vista à declaração da herança vaga para o Estado, procedimento esse previsto nos artigos 938º e 939º do CPC (…).»
[10] Publicado no “site” da dgsi e cuja parte injuntiva ficou referida em II. 1. 17., supra
[11] Vide I. Galvão Telles, Direito das Sucessões – Noções Fundamentais, 6º edição (reimpressão), Coimbra Editora, pág. 275.
[12] Vide J. A. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. III, Almedina, Coimbra, 1991, pág. 477.
[13] Vide Alberto dos Reis, Processo Especiais, Vol. II (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 1982, pág. 299 e Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. VI, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, pág. 251.
[14] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, ob. e vol. cit., págs. 33 e 36.

[15] A respeito da tramitação e fases do mencionado processo especial, vide, designadamente, Alberto dos Reis, Processo Especiais, Vol. cit., págs. 293 e seguintes e, de entre vários, o acórdão da RC de 23.4.2013-processo 1060/09.4TBFIG-A.C1, publicado no “site” da dgsi.