Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1250/04
Nº Convencional: TRC
Relator: DR. SERRA LEITÃO
Descritores: CELEBRAÇÃO DE CONTRATOS DE TRABALHO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Data do Acordão: 05/13/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIAL
Legislação Nacional: DL 35/80; 140/81; 166/82; 184/89; 427/89.
Sumário:

I – Através de sucessivos diplomas foi sendo proibida a celebração de contratos de trabalho sem termo na Administração Pública – DL 35/80, de 14/3 ; DL 140/81, de 30/05 ; DL 166/82, de 10/5 ; DL 184/89, de 2/6 .
II – O DL 427/89, de 7/12, veio regulamentar os princípios a que obedece a relação jurídica de emprego na Administração Pública, determinando que essa relação se constitua somente por nomeação e contrato pessoal ( em que este podia assumir as formas de contrato administrativo de provimento, conferindo ao outorgante a qualidade de agente administrativo, ou de contrato de trabalho a termo certo, que não atribuindo ao trabalhador aquele estatuto, se regeria pela lei geral sobre os contratos a prazo, com as especialidades constantes desse diploma – seu artº 14º ) .
III – Por Ac. do Tr. Const. com força obrigatória geral, DR Iª série, de 30/11/00, foi declarada a inconstitucionalidade do artº 14º, nº 3, do DL 427/89, de 7/12, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo, por violação do disposto no nº 2 do artº 47º da Constituição da República .
IV – Resulta do regime jurídico decorrente do DL 427/89 que, contrariamente ao que sucede no DL 64-A/89, de 27/2 ( em que a celebração de convénios a termo fora dos casos nele previstos ou sem obediência à forma ali prescrita, têm como efeito a sua conversão em contratos por tempo indeterminado ) , nos casos de inobservância dos preceitos relativos à celebração dos contratos a termo com a Administração Pública, a consequência será a nulidade do contrato, produzindo este efeitos como se válido fosse apenas em relação ao tempo em que esteve em execução .
Decisão Texto Integral:
13

Acordam os Juizes da Secção Social do T. Relação de Coimbra
AA, BB, e, CC, instauraram, acções declarativas, com processo comum, contra o ESTADO PORTUGUÊS,
sustentando no essencial, que em Setembro de 1994, foram admitidas ao serviço da Direcção Geral de Viação (DGV) mediante um denominado “contrato de avença”, nos termos do qual se comprometeram a prestar àquela entidade os seus serviços de consultadoria e dar pareceres nos processos de contra-ordenação relativos às infracções estradais.
Porém, e ao contrário do que era de esperar em face da denominação daquele contrato, as AA. ficaram subordinadas a um verdadeiro contrato de trabalho, sem qualquer autonomia no desempenho das suas funções.
Com efeito, na execução desse contrato, não tinham qualquer poder decisório, uma vez que era a DGV quem lhe indicava as tarefas a realizar, o volume e natureza dos processos a tratar, lhe impunha os modelos das propostas a formular e controlava também o volume da sua produção.
Por outro lado, todo o trabalho tinha que ser realizado nas instalações da DGV, num horário pré-estabelecido e com os instrumentos de trabalho, nomeadamente informático, que lhe eram facultados exclusivamente por aquela entidade.
Foi-lhe ainda imposta, como condição para a sua admissão, uma formação específica prévia ministrada pela DGV ou por indicação desta.
Além dos pareceres, ainda cumpriam outras tarefas acessórias relacionadas com a elaboração de ofícios destinados ao correcto processamento dos autos que lhe eram distribuídos.
Por estas razões fundamentais, defenderam que, independentemente das vicissitudes contratuais que descreveram em relação às AA. AA e CC, mantiveram todas elas com a DGV um contrato de trabalho subordinado, que se converteu em contrato de trabalho por tempo indeterminado, por ter sido ultrapassado o prazo legal permitido para as renovações dos contratos a termo certo.
Em relação às AA. AA e CC, as mesmas consideraram também que foram despedidas através da carta que lhe foi remetida pela DGV em 11/07/2001, sendo, no seu modo de ver, ilícito esse despedimento.
Alegaram que lhes foi sempre negado o direito a férias e ao respectivo subsídio, bem como o subsídio de Natal e que sofreram diversos danos morais que enunciam, pelos quais pretendem ser indemnizadas.
Pretendem, pois:
A)- A A. AA, que, declarando-se que entre ela e a DGV vigorou um contrato de trabalho, o mesmo se converteu em contrato de trabalho por tempo indeterminado, que teve o seu início em 03/11/94 e termo em 05/11/2001 e que se considere que foi despedida ilicitamente pela carta remetida pela DGV em 11/07/2001, razão pela qual pretende que o R seja condenado a:
1º- Reintegrá-la no seu posto de trabalho, sem perda da sua categoria e com a antiguidade reportada a 03/11/94, se, até à sentença, aquela não optar expressamente pela indemnização por despedimento, no montante de €: 7.980,77;
2º Pagar-lhe as quantias que enunciou na petição inicial, a título de férias, subsídio de férias e de Natal, que discriminou;
3º Pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais, a quantia de €:15.000;
4º E, ainda a pagar-lhe juros, à taxa legal, sobre todas as quantias peticionadas, contados desde a citação até integral pagamento.
B) A A. BB, que, declarando-se que entre ela e a DGV vigorou um contrato de trabalho, o mesmo se converteu em contrato de trabalho por tempo indeterminado, com início em 02/11/94, e que o R. seja condenado a:
a) Pagar-lhe as quantias que enunciou na petição inicial, a título de férias, subsídio de férias e de Natal, que discriminou;
b) Pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais, €:15.000;
c) Pagar-lhe juros, à taxa legal, sobre todas as quantias peticionadas, contados desde a citação até integral pagamento.
C) A A., CC que, declarando-se que entre ela e a DGV vigorou um contrato de trabalho, o mesmo se converteu em contrato de trabalho por tempo indeterminado, que teve o seu início em 07/03/94 e termo em 05/11/2001 e que se considere que foi despedida ilicitamente pela carta remetida pela DGV em 11/07/2001, razão pela qual pretende que o R seja condenado a:
1º- Reintegrá-la no seu posto de trabalho sem perda da sua categoria e com a antiguidade reportada a 07/03/94, se, até à sentença, aquela não optar expressamente pela indemnização por despedimento, no montante de €: 6.983,17;
2º Pagar-lhe as quantias que enunciou na petição inicial, a título de férias, subsídio de férias e de Natal, que discrimina;
3º Pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais, a quantia de €:10.000;
4º E, ainda a pagar-lhe juros, à taxa legal, sobre todas as quantias peticionadas, contados desde a citação até integral pagamento.
O R. contestou excepcionando a incompetência material deste tribunal, a prescrição dos créditos invocados pelas AA. CC e AA, anteriores a 04/08/1999, por já ter passado mais de um ano à data da propositura das acções por elas instauradas, e, no mais, pugnando pela total improcedência da pretensão das AA.
Fundamentou esta última posição na qualificação jurídica que faz dos contratos celebrados com as AA., que considera serem de prestação de serviços, uma vez que, no seu entender, não existia qualquer subordinação económica e muito menos jurídica das AA ao R., que não lhes podia dar ordens, nem determinar a execução concreta do trabalho, nomeadamente quanto ao tempo e modo dessa mesma prestação.
Além disso, foram as partes que quiseram celebrar entre si um contrato de avença, sendo essa também de cada uma das AA, que como advogadas, bem conheciam os termos em que contrataram
Ao R apenas interessava o resultado da actividade da cada uma das AA , sendo –lhe indiferente a forma como elas ordenavam essa actividade.
Daí que entenda não serem devidas as quantias reclamadas, que impugna nos seus fundamentos.
Todas as AA. responderam para, no essencial, defender a competência material do T. Trabalho e, quanto à alegada prescrição, defenderam as AA. CC e AA, que a mesma não se verifica por não ter decorrido o prazo que a ela conduz, que deve ser contado desde o dia 06/11/2002, por força do disposto no artº 38, nº1 da LCT
Em despacho intercalar, foi julgado este tribunal materialmente competente para os termos das aludidas acções.
Oportunamente procedeu-se à apensação dos processos.
As AA. AA e CC, em 16/12/2002, vieram optar pela indemnização em vez da reintegração.
A final foi proferida decisão que considerou não se verificar a alegada prescrição dos créditos peticionados e na procedência parcial do pedido, condenou o R a pagar:;
- à A. AA, €: 23.443, 50 (vinte e três mil quatrocentos e quarenta e três euros e cinquenta cêntimos), acrescida dos respectivos juros moratórios contados da data da citação até integral pagamento, à taxa de 7% ao ano até ao dia 30/04/03 e de 4% posteriormente, sem prejuízo de outra que legalmente venha a ser fixada;
- à A. CC, €: 20.450,71 (vinte mil quatrocentos e cinquenta euros e setenta e um cêntimos), acrescida dos respectivos juros moratórios contados da data da citação até integral pagamento, à taxa de 7% ao ano até ao dia 30/04/03 e de 4% posteriormente, sem prejuízo de outra que legalmente venha a ser fixada.
- à À A. BB: €. 26.935,09 (vinte seis mil novecentos e trinta e cinco euros e nove cêntimos), acrescida dos respectivos juros moratórios contados da data da citação até integral pagamento, à taxa de 7% ao ano até ao dia 30/04/03 e de 4% posteriormente, sem prejuízo de outra que legalmente venha a ser fixada,
absolvendo o R do restante pedido.
Discordando apelaram as AA alegando e concluindo:
1ª- A relação contratual que vigorou entre a Direcção Geral de Viação e as apelantes era uma relação jurídica de emprego privado, disciplinada pelo direito comum do trabalho;
2ª- As apelantes eram trabalhadoras efectivas do Estado Português, vinculadas à Administração Pública por aquele tipo de relação jurídica;
3ª- As cartas que a DGV enviou às apelantes AA e CC consubstanciam verdadeiras cartas de despedimento;
4ª- Esses despedimentos não foram precedidos de processo disciplinar e não houve para eles justa causa;
5ª- Foram, como tal, ilícitos;
6ª- O Tribunal deveria ter condenado o Estado no pagamento das indemnizações pedidas por aquelas duas apelantes;
7ª- Provou-se que a DGV nunca reconheceu às apelantes o direito a férias;
8ª- Daí decorre, forçosamente, que nunca lhes reconheceu o direito ao gozo dessas mesmas férias e, nessa medida, conforme é, aliás, entendimento do Supremo tribunal de Justiça, obstou ao seu gozo;
9ª- O Tribunal deveria ter condenado o Estado no pagamento, a cada uma das apelantes, das indemnizações previstas no artº 13º do Dec. Lei n.º 874/76;
10ª- Com a sua conduta, a DGV violou direitos fundamentais das apelantes, nomeadamente os direitos ao gozo de férias, ao repouso, à assistência à família e à estabilidade no emprego;
11ª- Essa violação foi ilícita e culposa;
12ª- A conduta da DGV foi, face às circunstâncias concretas em que actuou ou que deveria ter actuado, altamente censurável;
13ª- Dela resultaram graves danos não patrimoniais para as apelantes, que se traduziram no cansaço, no abalo psicológico e no stress que lhes causou a ausência do gozo de férias e (no caso das apelantes AA e BB) do gozo da licença de maternidade, no medo e na angústia derivados da precariedade dos seus vínculos contratuais com a DGV e, no caso concreto da apelante AA, nas dores e incómodos resultantes de ter que trabalhar, com acréscimo de esforço, pouco tempo após o parto complicado que teve;
14ª- Esses danos são consequência directa e necessária dos factos praticados pela DGV;
15ª- O tribunal deveria ter condenado o Estado no pagamento das quantias peticionadas, a título de indemnização por danos não patrimoniais;
16ª- Estamos, no caso em apreço, perante aquilo que o próprio Estado apelida de uma situação insustentável nos planos da legalidade, da moral e da dignidade do Estado, enquanto empregador, e dos cidadãos, enquanto trabalhadores;
17ª- Essa situação viola claramente a legalidade do Estado de direito democrático;
18ª- Ao decidir como decidiu, o Tribunal premiou a actuação ilícita e culposa do Estado, que foi sempre um prevaricador consciente;
19ª- O Estado Português sai beneficiado da ilegalidade por ele próprio criada;
20ª- As consequências da sua actuação ilícita recaem totalmente sobre as apelantes, que foram, afinal, as maiores vítimas dessa actuação;
21ª- A actuação do Estado é injusta, ilegal e imoral, num Estado que se pretende, porque assim se intitula, de Direito Democrático;
22ª- A Douta Sentença recorrida violou o disposto nos arts. 44º, n.º 2, 47º, 12º, n.º 1, al. a) e 13º, n.º 3, todos do Dec. Lei n.º 64-A/89, de 27/02, os arts. 2º, nºs 3 e 4 e 13º, ambos do Dec. Lei n.º 874/76, de 28/12, e nos arts. 483º, n.º 1 e 487º, n.º 2, do Código Civil;
23ª- Deverá ser substituída por Acórdão que condene o apelado no pagamento, às apelantes, das indemnizações por despedimento, por violação do direito a férias e por danos não patrimoniais que peticionaram.
Contra alegou o R defendendo a correcção da sentença sob censura.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Dos Factos
Foi a seguinte a factualidade dada como assente na 1º instância
1- À data da entrada do Código da Estrada aprovado pelo Dec. Lei n.º 114/94 de 03/05, quer as Delegações Distritais da Direcção Geral de Viação, quer os próprios Governos Civis, não dispunham de suficientes recursos humanos habilitados para o exercício das novas competências que lhe foram atribuídas por aquele diploma legal.
2-Por este motivo, a Direcção Geral de Viação (DGV) viu-se na necessidade de contratar, em finais de 1994/início de 1995, para trabalhar nessas Delegações Distritais, dezenas de licenciados em direito.
3-Entre esses juristas, foram contratadas as AA.
4-A DGV celebrou, em 06 de Setembro de 1994, com os licenciados em direito referidos em 2, incluindo as AA., contratos que designou por “contratos de avença”.
5-O conteúdo de tais contratos, expresso nas suas cláusulas, foi elaborado exclusivamente pela DGV, tendo-se as AA. limitado a assiná-los.
6-De acordo com o clausulado daqueles contratos, eram obrigações das AA.:
a. “Proporcionar à DGV o resultado do seu trabalho de consultoria e de formulação de pareceres nos processos de contra-ordenação do âmbito da aplicação do Código da Estrada”.
b. “Estar disponível nos locais e períodos acordados com a DGV”.
c. “Analisar, diariamente, os vários processos contra-ordenacionais que lhe fossem distribuídos, bem como propor a respectiva decisão”.
d. “Prestar diariamente conta dos processos tratados no dia anterior”.
7-Como contrapartida pela actividade das AA., a DGV pagar-lhes-ia, a cada uma, a quantia mensal de 200.000$00, acrescida de IVA.
8-O contrato iniciar-se-ia após a data do visto do Tribunal de Contas e teria a duração de três meses, renovável por idênticos períodos, até que alguma das partes o denunciasse, com a antecedência mínima de 60 dias.
9-A A., AA iniciou funções na Delegação de Leiria da DGV, pelo menos, em 16/12/1994
10-A A., BB iniciou funções na Delegação de Lisboa da DGV, em 02/11/1994, onde se manteve até 31/03/97, altura em que transitou para a Delegação Distrital de Viação de Leiria.
11-A A., CC iniciou funções na Delegação de Leiria da DGV, em 07/03/1995
12-Em 31/03/95, a DGV elaborou e deu a assinar à A. BB, um documento que intitulou de “adenda ao contrato de avença”, nos termos do qual a contrapartida mensal de Esc.: 200.000$00 seria acrescida de Esc.: 34.000 referentes a IVA à taxa legal.
13-Os contratos celebrados com as AA. foram renovados diversas vezes.
14-A DGV abriu concurso para a contratação de 112 juristas em regime de avença, que publicitou no Diário da República, 3ª série, de 11/05/96.
15-Em Dezembro de 1997, a DGV elaborou e deu a assinar a cada uma das AA., AA e CC, um documento que intitulou, uma vez mais, como “contrato de avença”.
16-De acordo com esse novo “contrato de avença”, eram obrigações das AA AA e CC:
e. “Proporcionar à DGV o resultado do seu trabalho de consultadoria e de formulação de pareceres nos processos de contra-ordenação do âmbito da aplicação do Código da Estrada e demais legislação complementar, designadamente:
i. análise de autos de contra-ordenação;
ii. estudo de processos de contra-ordenações e propostas de decisão administrativa;
iii. análise formal dos processos por remessa a juízo;
iv. parecer sobre recursos das decisões administrativa”.

f. Analisar e dar parecer sobre todos os processos que lhe fossem diariamente distribuídos para esse efeito, até ao limite de 40 processos dia”.
g. Estar diariamente disponível na Delegação Distrital de Viação de Leiria, em períodos compreendidos entre as 08.00 horas e as 18.00 horas.

18-Como contrapartida pela actividade das AA, AA e CC, a DGV pagar-lhe-ia, a cada uma, a quantia mensal de 200.000$00, acrescida de IVA.
19-Tais contratos teriam a duração de três meses, renováveis por idênticos períodos, até que alguma das partes o denunciasse, com a antecedência mínima de 60 dias.
20- Na sua cláusula 8ª, a DGV escreveu que o contrato se iniciaria “a partir da data em que estivessem cumpridas todas as formalidades legais em vigor e em data a acordar pelos outorgantes”.
21-Estes contratos (referidos em 15 a 19) nunca chegaram a vigorar.
22-Em 04/08/99, a DGV elaborou e deu a assinar a cada uma das AA, AA e CC, um documento que intitulou como “acordo”, nos termos do qual, as partes punham termo ao contrato de avença que tivera início em 03/11/94, com efeitos a partir da data do início da vigência do contrato de avença a celebrar no âmbito do “Concurso Público n.º 1. Contratação de 112 Juristas em regime de avença”.
23-Também em 04/08/99, a DGV elaborou e deu a assinar às mesmas AA AA e CC um outro documento, intitulado “contrato de prestação de serviços em regime de avença”.
24-De acordo com o clausulado deste novo contrato, eram obrigações das AA., AA e CC, no exercício de profissão liberal:
h. “Prestar à DGV o resultado do seu trabalho de consultadoria e de formulação de pareceres nos processos de contra-ordenação do âmbito da aplicação do Código da Estrada e demais legislação complementar, designadamente:
i. análise de autos de contra-ordenação;
ii. estudo de processos de contra-ordenações e propostas de decisão administrativa;
iii. análise da regularidade substancial e formal dos processos para remessa a juízo;
iv. parecer sobre recursos das decisões administrativas.

i. Analisar e dar parecer sobre todos os processos que lhe fossem diariamente distribuídos para esse efeito, até ao limite de 40 processos dia.
25-Os processos estariam disponíveis, para consulta, entre as 08.00 e as 18.00 horas, nas instalações da Delegação Distrital de Leiria, de onde não poderiam ser retirados.

26- Os serviços de consultadoria jurídica seriam prestados com “autonomia jurídica e técnica, sem prejuízo da DGV poder estabelecer critérios procedimentais tendentes a garantir a legalidade e a uniformidade de actuação dos seus serviços”.
27-Como contrapartida pela actividade das AA., AA e CC, a DGV pagar-lhe-ia, a cada uma, a quantia mensal de 200.000$00, acrescida de IVA.
28-O contrato teria a duração de três meses, renovável por idênticos períodos, até que alguma das partes o denunciasse, com a antecedência mínima de 60 dias.
29-Nos termos da sua cláusula 10ª, esses contratos teriam início quando estivessem “cumpridas todas as formalidades legais em vigor e no primeiro dia útil posterior à data da sua assinatura” pelas AA., AA e CC.
30-O Tribunal Central Administrativo, por Acórdão de 29/03/2001, anulou o despacho homologatório do resultado do concurso publicado no D.R. III Série, de 11/05/96.
31-Por cartas datadas de 04/06/2001, a DGV informou as AA. AA e CC de que, no acatamento da do Acórdão proferido pelo TCA em 29/03/2001, estava a DGV impedida de renovar os contratos de prestação de serviços que celebrou com base no acto anulado, devendo proceder à denúncia dos mesmos, e que, em virtude disso, ficavam aquelas AA., desde já, notificadas da denúncia dos seus contratos celebrados em 04/08/1999.
32-Na sequência dessa denúncia, as AA. AA e CC, deixaram de trabalhar para a DGV a partir do dia 05/11/2001.
33-Em 21/09/2001, o Secretário de Estado da Administração Interna, Dr. Rui Carlos Pereira, emitiu um Despacho, através do qual, determinou que se retomasse, nos termos gerais de direito aplicáveis, a execução dos contratos de prestação de serviço celebrados em 1994.
34-Ordenou que o mesmo fosse comunicado à DGV e que esta, de seguida, desse dele conhecimento a cada um dos interessados.
35-A DGV teve conhecimento daquele Despacho, mas não informou as AA. AA e CC da sua existência.
36-Um grupo de juristas que tinham ficado na mesma situação das AA AA e CC, solicitaram uma audiência ao Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, Dr. Rui Carlos Pereira.
37-E, foram por ele recebidas em 13/11/2001.
38-Nessa reunião, esteve também representada a DGV.
39-As juristas presentes na reunião informaram o Secretário de Estado da sua situação perante a DGV e manifestaram-lhe a sua discordância em relação à atitude por esta tomada.
40-O Secretário de Estado manifestou-se surpreendido com a denúncia dos contratos, por parte da DGV, e informou os juristas presentes do teor do seu Despacho de 21/09/2001.
41-Indagou junto do representante da DGV qual a razão porque esta não tinha dado aplicação àquele Despacho e porque aquele representante se limitasse a alegar a “falta de clareza do dito Despacho”, o referido Secretário de Estado ordenou-lhe que repusesse a legalidade da situação com a maior brevidade possível.
42-As AA, AA e CC, e todos os restantes juristas presentes ficaram convencidos de que seriam reintegrados pura e simplesmente nas suas funções, com efeitos retroactivos a 03/11/1994.
43-Porém, a DGV não procedeu à reintegração das AA. AA e CC, nos termos por elas esperado.
44-Em 17/11/2001, a DGV elaborou e deu a assinar às AA. AA e CC, um documento intitulado “contrato de prestação de serviços”.
45-Nos termos da sua cláusula segunda, esse contrato:
a. era celebrado pelo prazo de três meses, renovável;
b. podia ser denunciado com a antecedência mínima de 15 dias sobre a data da sua renovação;
c. só era renovável enquanto subsistirem os motivos excepcionais que ditaram a sua celebração.
46-A A., AA, trabalhou ininterruptamente, pelo menos, desde 16/12/1994 até 05/11/2001.
47-A A., BB trabalhou ininterruptamente para a DGV desde 02/11/1994 até, pelo menos, 07/02/2003.
48-A A., CC trabalhou ininterruptamente para a DGV de 07/03/1995 até 05/11/2001.
49-Durante esse período de tempo, a A. BB Lopes trabalhou nas instalações da Delegação Distrital de Viação de Lisboa e, depois, na Delegação Distrital de Leiria.
50-As AA. AA e CC trabalharam sempre na Delegação Distrital de Viação de Leiria.
51-Todas as AA. compareceram, por regra, diariamente, na Delegação Distrital de Viação em que prestavam serviço, no período compreendido entre as 08.00 e as 18.00 horas.
52-Tinham por funções analisar os processos de contra-ordenação provenientes da GNR e da PSP e formular um parecer acerca deles, ou seja, uma proposta de decisão.
53-Esse parecer ou proposta era de seguida submetido à apreciação do Governador Civil de Leiria, no caso das contra-ordenações muito graves e de todas aquelas em que fosse apresentada defesa, ou do Delegado Distrital da DGV, nos restantes casos.
54-Estes poderiam concordar, ou não, com a proposta da A..
55-Caso concordassem, emitiam uma decisão idêntica à dessa proposta.
56-Caso não concordassem, o que acontecia por vezes, emitiam uma decisão de conteúdo diverso, mediante despacho no próprio processo.
57-As AA. tinham que se conformar com essa decisão, ainda que, porventura, achassem que a mesma não era a mais adequada.
58-O Delegado Distrital distribuía diariamente às AA. novos processos de contra-ordenação, em número nunca inferior a 20, e, por vezes, superior a 30.
59-As AA. tinha que os analisar e, de seguida, formular, acerca de cada um deles, uma proposta de decisão.
60-No dia seguinte, tinham que informar o Delegado Distrital acerca dos processos tratados no dia anterior.
61-As AA. não estavam autorizadas a retirar das instalações da Delegação Distrital de Viação em que trabalhavam, os processos de contra-ordenação que lhe eram distribuídos.
62-O seu trabalho só podia ser executado no interior dessas instalações, ainda que pudesse ser preparado teoricamente no exterior.
63-As AA. utilizavam o equipamento informático da DGV.
64-Esse equipamento tinha instalado um programa específico, designado por SIGA (Sistema de Informação e Gestão de Autos), também propriedade da DGV, dotado de modelos informatizados das propostas a elaborar e das decisões a tomar no âmbito dos processos distribuídos às AA..
65-Esses modelos variavam em função de diversas circunstâncias.
66-Tais modelos não foram elaborados pelas AA. e foram impostos pela DGV.
67-As AA. frequentaram, em Novembro de 1994, em Lisboa, uma sessão de formação sobre o SIGA, a fim de estarem habilitadas a trabalhar com esse programa informático.
68-As AA frequentaram em Agosto e Setembro de 1994, em Lisboa, sessões de formação sobre o Código da Estrada e legislação complementar.
69-Estas acções de formação foram promovidas e/ou ministradas também pela DGV.
70-Para o desempenho das actividades para que as AA. foram contratadas, era necessária a frequência das ditas acções de formação.
71-A actividade diária das AA., embora consistisse essencialmente no preenchimento dos modelos informáticos supra referidos, não se limitava a isso.
72-Por vezes, os autos provenientes da GNR ou da PSP, que davam entrada na Delegação Distrital de Viação de Leiria, vinham deficientemente elaborados.
73-Sempre que tal sucedia, esses autos eram devolvidos à entidade autuante, para que esta os corrigisse.
74-As AA. preenchiam um ofício, que acompanharia essa devolução.
75-Esse ofício era obrigatoriamente assinado pelo Delegado Distrital de Viação ou por alguém que o substituísse, mas com vínculo laboral à DGV.
76-Sempre que dos autos resultassem dúvidas quanto à identificação do proprietário de uma viatura, as AA. preenchiam um ofício para a Conservatória do Registo Automóvel, solicitando a competente informação.
77-Esse ofício era também obrigatoriamente assinado pelo Delegado Distrital ou por alguém que o substituísse, mas com vínculo laboral à DGV.
78-Sempre que um arguido requeria o pagamento de uma coima em prestações, mas não apresentava prova da sua insuficiência económica, as AA. elaboravam um ofício, notificando-o para apresentar prova dessa insuficiência económica.
79-Esse ofício era obrigatoriamente assinado pelo Delegado Distrital ou por alguém que o substituísse, mas com vínculo laboral à DGV.
80-Sempre que um arguido juntava atestado de insuficiência económica, sem ter um requerimento a acompanhá-lo, as AA. elaboravam um ofício a convidá-lo a esclarecer o pretendido.
81-Também esse ofício era obrigatoriamente assinado pelo Delegado Distrital ou por alguém que o substituísse, mas com vínculo laboral à DGV.
82-Sempre que um arguido impugnava a decisão do Governador Civil ou do Delegado Distrital, mas, por lapso, não dirigia a impugnação ao Tribunal, as AA. preenchiam um ofício, convidando-o a corrigir a situação e a dirigir a impugnação a quem de direito.
83-Esse ofício era, também ele, obrigatoriamente assinado pelo Delegado Distrital ou por alguém que o substituísse, mas com vínculo laboral à DGV.
84-As AA. não tinham qualquer poder decisório nos processos em que tinham intervenção.
85-Pelo desempenho das funções descritas, cada uma das AA. auferia mensalmente, Esc.: 200.000$00 ilíquidos.
86-Nunca a DGV reconheceu às AA. o direito a férias e nunca lhe pagou o respectivo subsídio.
87-A DGV também nunca pagou às AA. o subsídio de Natal.
88-Em 27/04/99, a A. AA teve uma filha, de nome DD.
89-O parto foi feito por cesariana e de urgência, em virtude da A. AA ter sofrido descolamento da placenta.
90-Na sequência deste facto, a A. AA, esteve internada no Hospital de Santo André, em Leiria, até 03/05/99.
91-Teve alta nessa data e regressou a casa.
92-Aí, permaneceu em repouso absoluto, retida no leito, até 18/05/99.
93-No dia 19/05/99, voltou ao trabalho na Delegação Distrital de Viação de Leiria.
94-A A. AA perdeu, antes e durante o parto, muito sangue, também em virtude do descolamento da placenta.
95-Necessitava, por isso, de um período alargado de repouso, até à sua recuperação total.
96-A DGV não reconheceu à A. AA o direito ao gozo da licença de maternidade que confere aos seus trabalhadores subordinados.
97-Durante todo o período de tempo em que a A. AA esteve sem ir à Delegação Distrital de Viação de Leiria – de 27/04/99, à tarde (de manhã ainda trabalhou), até 19/05/99 – continuaram a ser-lhe distribuídos processos de contra-ordenação.
98-Para recuperar aqueles processos, a A. AA teve que trabalhar durante várias horas seguidas.
99-Apenas interrompia esse trabalho para se deslocar a casa de sua mãe, que dista cerca de 1.000 metros da Delegação Distrital, onde se encontrava a sua filha, a fim de a amamentar.
100-Os pontos e agrafos da cesariana a que foi sujeita a A. AA, provocavam-lhe dores e incómodos.
101- Essas dores e incómodos eram agravados pelo esforço despendido no trabalho que exercia na Delegação Distrital.
102-Para além desse facto, a referida A. sentia-se muito fraca, em virtude do sangue que perdera com o nascimento da filha.
103-Após o parto, a A. AA ficou abalada, do ponto de vista psicológico.
104-Tal abalo foi resultado de várias ocorrências, nomeadamente o descolamento da placenta, a perda de sangue, o recurso à cesariana e as dores daí resultantes, bem como a quantidade de trabalho acumulado que encontrou na Delegação Distrital de Viação de Leiria.
105-Durante o período em que trabalharam para a DGV, as AA. acumularam cansaço físico e intelectual.
106-Sentiram as AA., ao longo de todo esse tempo, um constante receio e angústia de que a DGV não lhe renovasse o contrato que as vinculava a esta entidade.
107-Essa angustia, da parte das AA. AA e BB, aumentou após o nascimento dos respectivos filhos.
108-Em 11/10/95, a A., AA, comprou casa própria, com recurso a crédito bancário.
109-Paga mensalmente, para amortização desse crédito, €:290,02.
110-A A. BB e o seu ex-marido, EE, em 31/12/92, compraram, a FF, uma fracção autónoma de um prédio urbano sito na Cruz da Areia, Leiria.
111-Também na mesma data outorgaram, com o Montepio Geral, uma escritura de mútuo com hipoteca, mediante a qual esta instituição lhes emprestou a quantia de 5.000.000$00, que eles utilizaram na compra da referida fracção autónoma.
112-Após o divórcio, a A. BB comprou a meação do ex-marido na dita fracção autónoma, por escritura de partilha para separação de meações outorgada a 05/12/96.
113-A partir de então, a A. BB assumiu, sozinha, o pagamento da dívida ao Montepio Geral.
114- Há cerca de um ano, a A. BB comprou um novo apartamento, também mediante empréstimo bancário.
115-A A. BB casou em 26/10/96.
116-Em 05/01/98, a A. BB teve uma filha, de nome GG.
117- Em 19/08/99, teve outra filha, de nome Mariana Boaventura Santos Talefe Lopes.
118-Pelo nascimento das filhas a DGV não reconheceu à A. BB o direito ao gozo da licença de maternidade que confere aos seus trabalhadores subordinados.
119-Em virtude desse facto, a A., BB, a fim de poder gozar de algum repouso após o parto, viu-se forçada a suspender o contrato de trabalho durante dois meses, após o nascimento da primeira filha, e um mês e meio, após o nascimento da segunda filha.
120-Durante essas suspensões, a DGV não lhe pagou qualquer quantia.
121-Após os partos das duas filhas, a A. BB, ficou psicologicamente abalada.
122-Em 07/04/99, a A. BB comprou casa própria.
123-Recorreu, para tal, ao crédito bancário, pagando anualmente, para amortização desse crédito, €: 5.401,82.
124-As AA., podiam desempenhar a sua actividade no período de tempo concreto que entendessem, desde que dentro do horário de abertura dos serviços onde o equipamento informático estava instalado.
125-Sobre as AA. nunca existiu qualquer controlo formal de faltas, não tendo também sido efectuado qualquer desconto por essas faltas na contrapartida monetária mensalmente acordada.
126-Nunca a DGV efectuou qualquer desconto para o Fundo de Desemprego e para a Segurança Social em resultado da actividade que lhes era prestada pelas AA.
127-A CC, desde 14 de Outubro de 1994 que está inscrita no Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados.
128-A A. AA, desde 06 de Março de 1993, que está inscrita no Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados.
129-A A. BB, desde 02 de Novembro de 1998, que tem a sua inscrição suspensa no Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados.
130-As AA. nunca requereram autorização para o exercício simultâneo da advocacia.
131- No âmbito dos contratos celebrados pelas AA. com a DGV, as mesmas elaboravam “nota de honorários” e emitiam os respectivos recibos de modelo oficial (“recibos verdes”), onde indicavam como actividade exercida a de “Jurista”, com referência expressa ao montante de I.V.A. cobrado e à percentagem de I.R.S. retido na fonte.
Do Direito
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações, que se delimita o âmbito da impugnação- artºs 684 n.º 3 e 690º nºs 1 e 3 ambos do CPC-.
Pelo que em síntese as questões a dilucidar na presente impugnação dizem respeito:
- ao direito das AA Alexandra e AA, a indemnização por despedimento ilícito;
- ao direito das AA a indemnização pelo não gozo de férias.
- ao direito das AA a indemnização por danos não patrimoniais, decorrentes do não gozo de férias, da licença da maternidade esta relativamente a duas delas( AA e BB) e do estado de angústia e receio provocado pela precaridade do vínculo que as ligava à DGV.
Vejamos então.
Comecemos por dizer, que no que concerne ao primeiro ponto, dúvidas não restam( nem tal é posto em causa nesta apelação), que entre a DGV e as AA se estabeleceu um verdadeiro contrato de trabalho subordinado, embora que titulado como se tratando de um “ contrato de avença”.
E também não sequer questionada a natureza de contrato de direito privado,
pois excluída está a hipótese de existência de qualquer contrato de provimento.
Como ficou provado a relação laboral em causa iniciou-se em 1994 para as AA AA e BB e 1995 para a A Alexandra Maria.
A DGV pôs fim aos tais convénios no que concerne às apelantes Alexandra e AA – com base numa decisão do TAC- por cartas datadas de 4/6/01.
Configurará esta conduta, um despedimento ilícito, como pretendem estas duas últimas recorrentes?
E no que concerne à A BB, o seu contrato deve ser considerado como sem termo?
Vejamos:
Sobre este ponto foi dado com o provado que os ditos contratos de “ avença” tinha prazo estabelecido e foram sendo sucessivamente renovados.
Deve notar-se porém, que através de sucessivos diplomas ( D.L. 35/80 de 14/3, 140/81 de 30/5- artºs 9º e 10º- 166/82 de 10/5– artºs 3º e 12º- 184/89 de 2/6- artºs 5º, 7º e 9º) foi sendo proibida na A Pública a celebração de contratos de trabalho sem termo.
E o D.L. 427/89 de 7/12, que veio regulamentar os princípios a que naquela obedece a relação de jurídica de emprego, determinou ( seu art.º 3º) que essa relação se constituísse somente por nomeação e contrato pessoal.
Este podia assumir as formas de contrato administrativo de provimento, conferindo ao outorgante a qualidade de agente administrativo ou de contrato de trabalho a termo certo, que não atribuindo ao trabalhador aquele estatuto, se regeria pela lei geral sobre os contratos a prazo, com as especialidades constantes desse diploma( art.º 14).
Portanto e também aqui a impossibilidade de contrato de trabalho sem termo.
Aliás e por acórdão com força obrigatória geral publicado no DR I- A de 30/11/00, o T. Constitucional veio declarar a inconstitucionalidade do citado art.º 14º n.º 3 , na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado, se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo, por violação do disposto no n.º 2 do art.º 47º da C.R.
Na realidade este normativo, estabelece que “ todos os cidadãos têm direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso”.
Ora a possibilidade de conversão dos contratos com termo em contratos sem termo, viria ofender de forma intolerável o direito de acesso em condições de igualdade, ali previsto.
Aliás a impossibilidade de tal conversão já tinha sido consagrada no D.L. 280/85 de 22/7, que todavia veio a ser declarado inconstitucional.
Por outro lado art.º 43º n.º 1 do citado D.L. 427/89 é explícito ao estabelecer que a partir da entrada em vigor do presente diploma é vedada aos serviços e organismos referidos no art.º 2º( ou sejam serviços e organismos da A Central, bem como institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados do estado e de fundos públicos) a constituição de relações de emprego de carácter subordinado por forma diferente das previstas no presente diploma.
Resulta deste regime, que contrariamente ao que sucede no estabelecido no D.L. 64-A/89 de 27/2 ( cfr. ainda a L. 38/96 de 31/8)- em que a celebração de convénios a termo fora dos casos nele previstos ou sem obediência à forma ali prescrita, têm como efeito a sua conversão em contratos por tempo indeterminado( cfr. artºs 41º e 42º do D.L. 64-A/89)- nos casos de inobservância dos preceitos relativos à celebração dos contratos a termo com a A. Pública, a consequência será a nulidade do contrato, produzindo este efeitos como se válido fosse em relação ao tempo em que estivessem em execução( art.º 15º n.º 1 da LCT).
Mas nunca decorre daí, a sua “ transformação em contratos sem termo.
E compreende-se que assim seja.
Na verdade, só através da nomeação ( acto unilateral da Administração pelo qual se preenche um lugar do quadro e se visa assegurar de modo profissionalizado, o exercício de funções próprias do serviço público que revistam carácter de permanência- artº 4º nº1 do D.L. 427/89), é que o trabalhador fica por principio vinculado definitivamente à Administração( cfr. artº 6º do mesmo diploma), pois mesmo o contrato administrativo de provimento embora confira como se referiu a qualidade de agente administrativo, apenas assegura o exercício de funções públicas transitoriamente( artº 15º nº1 ainda do citado D.L. 427/89).
Ora se se permitisse a aplicação a situações como a dos autos, o regime legal contido nos mencionados artºs 41º e 42º, isso significava que o trabalhador nessas condições, ficava com vínculo definitivo à função pública ao arrepio do ordenamento jurídico que rege para a constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na A Pública, ofendendo-se assim também o princípio constitucional constante do art.º 47 n.º 2 da C.R., que na altura da celebração dos convénios em causa, vigorava e que se continua a manter na nossa Lei Fundamental, segundo o qual que o acesso à função pública, se faz em regra por via de concurso.
Daí que a cessação unilateralmente operada pela empregadora, não pode configurar um despedimento ilícito com as consequências para o infractor previstas no artº 13º n.º 1 do D.L. 64-A/89, nem as sucessivas renovações, converteram o contrato a termo em contrato a tempo indeterminado
E sendo assim não tem qualquer das duas AA ( Alexandra e AA) direito à pretendida indemnização por despedimento ilegal ( indemnização essa que porque optativa, pressupunha a existência do direito à reintegração, que como se viu não existe), nem pode a A BB ver definido, que o seu contrato passou a ser sem termo.
E em nossa opinião- e ressalvando sempre o devido respeito por entendimento diverso-
não se pode lançar mão sequer do prescrito no n.º 5 do aludido artº 15º, para chegar a conclusão contrária.
Na realidade, ficou provado que a DGV operou a rescisão dos contratos na sequência de uma decisão de um órgão jurisdicional- o TAC- que lhe é estranha e a que deve obediência( cfr. artº 205º n.º 2 da CR).
E depois de acordo com o disposto no n.º 6 do mesmo normativo, a” má- fé” consiste na celebração de um contrato ou na manutenção deste com o efectivo conhecimento da causa da invalidade.
Basta atentar-se na dificuldade de qualificação jurídica dos convénios celebrados e a diversidade de posições que os litigantes assumiram neste aspecto, para se concluir, que indemonstrado ficou que a DGV(Estado) tivesse actuado de má- fé.
E o ónus de alegação e prova de facticidade que determinasse a existência dela, competia às AA( artº 342º nº1 do CCv).
Nenhuma censura há pois que fazer relativamente à sentença apelada, ao decidir como decidiu esta questão.
No que concerne à pretendida indemnização pelo não gozo de férias, igualmente entendemos não ser de atender a pretensão das apelantes.
Na realidade e nos termos do artº 13º do D.L. 874/76 de 28/12, o direito à indemnização apenas existe se a entidade patronal, obstaculizar o respectivo gozo.
Não lograram as AA a nosso ver, fazer qualquer prova nesse sentido.
Passou-se simplesmente , como sucede em tantos outros casos em que o empregador é uma entidade privada que, não gozaram férias.
E tal facto, não é suficiente para que o trabalhador adquira o direito à indemnização prevista no citado artº 13º.
Finalmente há que dilucidar a problemática relativa à indemnização por danos não patrimoniais, desde já se afirmando que ( depois de alguma hesitação) vimos seguindo a tese que actualmente predomina na doutrina e na jurisprudência e segundo a qual, este tipo de prejuízos são passíveis de serem indemnizados, mesmo no domínio da responsabilidade contratual
Deve dizer-se desde já que no que concerne aos peticionados em virtude do não gozo do direito a férias e do estado de angústia e receio que as AA sofreram em virtude da precaridade do vínculo laboral, salvo sempre o devido respeito, carecem de razão.
Na realidade e como oportunamente, o aqui apelado, não impediu o gozo de férias( ou pelo menos nada ficou assente nesse sentido).
E o simples facto de se não gozar férias, sem estar demonstrada qualquer conduta activa de exercer esse direito, sem a prova de outros elementos, nomeadamente que daí advieram danos cuja gravidade mereça a tutela do direito( como é o caso) não nos parece configurar uma situação de incumprimento contratual, que justifique a atribuição de indemnização deste tipo( cfr. artº 496º nº1 do CCv).
No que respeita à precaridade, devemos considerar o seguinte: ou efectivamente as AA estavam convictas de que o contrato que celebraram era de avença e portanto, de per si já precário; ou então, considerando-se vinculadas por um contrato de trabalho, sabiam( juristas que são), que nunca este poderia ser definitivo, por força de lei: ou seja que de modo algum poderiam entender-se como vinculadas à função pública.
Em suma: em qualquer dos casos não podiam as Recorrentes deixar de saber que a precaridade existia desde o início.
De modo diverso perspectivamos o caso do não reconhecimento por parte da DGV, do direito á licença por maternidade no que concerne às AA AA e BB.
Ficou provado que o R nunca lhes reconheceu esse direito.
E tanto assim é que, no que concerne à primeira continuaram a ser- lhe distribuídos recursos de contra ordenações, no dias em que ela , por complicações havidas com o parto, não compareceu ao serviço e no que respeita à segunda, durante o tempo em que faltou, após o nascimento dos filhos, nada lhe pagaram, vendo-se ela forçada a suspender o contrato.
Ora a nossa Lei Fundamental estabelece princípio muito concretos e explícitos, que demonstram bem a importância dada á maternidade( e também á paternidade, que todavia não está aqui em causa).
Assim e nomeadamente o artº 68º n.º 2 da CRP proclama que a maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes, acrescentando o seu n.º 3 que as mulheres têm direito a especial protecção durante a gravidez e após o parte, tendo as mulheres trabalhadoras ainda dispensa do trabalho por período adequado, sem perda de retribuição ou de quaisquer outras regalias.
E de acordo com o artº 9º n.º 1 da L.4/84 de 5/4( na redacção vigente à data dos nascimentos) determinava que a mulher trabalhadora tina direito a uma licença por maternidade de 120 dias consecutivos, 90 dos quais necessariamente a seguir ao parto, sendo obrigatório pelo menos o gozo de 14 dias de licença por maternidade( n.º 6 do mesmo normativo).
Note-se que por força do n.º 3 da mesma lei, o dito período de 120 dias deveria ser aplicado faseadamente( 110 dias em 1999 e 120 dias em 2000).
De qualquer jeito era já obrigatório o gozo dos aludidos 14 dias e sempre as AA teriam direito a 90 dias de licença, 60 dos quais teriam que ser gozados após parto( redacção anterior do referido artº 9º).
Como se viu, ao não reconhecer o direito a esta licença e existindo entre estas AA e o R um vínculo de natureza laboral verificou- se uma situação de incumprimento contratual, que torna o devedor responsável pelos prejuízos causados ao credor, sendo que a culpa no inadimplemento se presume( artºs 798º e 799 n.º 1 ambos do CCv).
Assim sendo e porque quem tem a seu favor uma presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz( artº 350º n.º 1 da mesma codificação), temos que se encontram preenchidos os pressupostos de que depende o dever de indemnizar- facto, ilicitude, imputação do facto ao agente, nexo de causalidade entre o facto e o dano -.
E tendo em atenção os factos elencados sob os nºs 88 a 94 e 96 a 103 ( Recorrente AA) e 118 e 120( Recorrente BB), entendemos que estamos perante danos, resultantes da conduta do R, que efectivamente são graves e que merecedores da tutela do direito, devem ser indemnizados( artº 496º nº1 citado).
O montante indemnizatório, pelo que se apurou, naturalmente não pode ser igual para ambas as AA, já que cremos ser de indubitável maior gravidade, os danos sofridos pela A AA.
E assim tendo em atenção o que estabelece o n.º 3 do aludido artº 496º e lançando mão de juízos de equidade( e nunca olvidando os quantitativos que por regra são judicialmente considerados neste domínio), entendemos como criteriosa a seguinte fixação:
- para a A AA- € 10.000;
- para a A BB € 5000
Termos em que e por todo o expendido, se julga parcialmente procedente a apelação e consequentemente( e para além como é óbvio das quantias referidas na sentença proferida na 1ª instância) condena-se o R a pagar a título de indemnização por danos não patrimoniais:
à A AA- € 10000;
à A BB- € 5000
A estes montantes acrescem juros moratórios á taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento.
Custas na proporção do vencimento, sendo que o R está isento de tributação( artº 2º n.º 1 a) do CCJ).