Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1048/06.7TBLSA-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: ARRESTO
REQUISITOS
CRÉDITO
Data do Acordão: 03/06/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA LOUSÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 406º DO CPC
Sumário: I. Tem-se interpretado o requisito do fundado receio da perda da garantia patrimonial como o temor do homem comum ou médio, ou seja, como o temor empírico do homem da rua, e não do comerciante experimentado ou do gestor altamente qualificado.

II. Não é exacto que a resolução do contrato pelo credor imponha a renúncia pelo mesmo à indemnização pela mora do devedor até à comunicação da intenção resolutiva. A resolução pelo incumprimento definitivo limita o dano contratual do credor ao chamado interesse contratual negativo, impedindo o ressarcimento do prejuízo pelas vantagens que obteria com o cumprimento. Ora, revestindo a cláusula fixada pelos contraentes para o atraso na entrega da obra a natureza de cláusula penal meramente moratória, sendo de mera compulsão do cumprimento pontual – até sem necessidade de dano efectivo – a mesma não é forçosamente absorvida ou consumida pela indemnização decorrente dessa nova realidade que é o incumprimento definitivo. São dois ilícitos sucessivos e distintos (a mora e o incumprimento definitivo da prestação), embora o segundo possa emergir da conversão do primeiro.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A... e mulher B... requereram na comarca da Lousã procedimento cautelar de arresto contra C..., alegando serem titulares de um crédito sobre a requerida de, pelo menos € 35.650,00, relativos a penalização contratual pela demora na entrega de uma obra que à mesma empreitaram e que ela abandonou, motivando a resolução do contrato; que é voz corrente no meio comercial que a Requerida está em situação de insolvência, sendo certo que se tem vindo a desfazer do património que possui, nomeadamente de bens móveis; e que actualmente não se conhecem outros bens que não sejam dois veículos e um crédito sobre a sociedade D....

Produzida a prova, foi o arresto decretado sobre aqueles bens da Requerida – veículos automóveis e crédito – porquanto, segundo se ponderou na respectiva decisão, " (…) da prova constante dos presentes autos resultou suficientemente indiciado que o valor em dívida é elevado, não tendo a requerida condições económicas para fazer face ao seu pagamento, como é demonstrado pelas obras não concluídas e outras dividas a terceiros, sendo certo mais nenhuma obra a não ser a da D..., em Castelo Branco".

Inconformada, recorreu a Requerida, recurso admitido como agravo, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.

Nas alegações apresentadas, formula a agravante as seguintes conclusões delimitadoras do objecto do recurso:

1. O requisito do justo receio de perda da garantia patrimonial tem de fundar-se em "factos concretos" que o revelem a luz de uma prudente apreciação, revelando designadamente a forma da actividade do devedor, a sua situação económica e financeira, a maior ou menor solvabilidade, a natureza do património, a dissipação ou extravio dos bens, etc.
2. A voz corrente de que a recorrente está em situação de insolvência e de que se tem vindo a desfazer do património e insusceptível de, per si, alicerçar a verificação desse receio.
3. Assim, o arresto não deveria ter sido decretado.
4. Tendo os recorridos resolvido o contrato de empreitada após terem requerido a providência em causa extinguiu-se o direito destes a exigirem da recorrente uma multa diária pela entrega da obra com atraso.
5. Extinguindo-se, assim, o direito de crédito que estes pretendiam fazer valer e, como tal, o requisito cumulativo com aqueloutro que não se verifica.

Os agravados responderam, pugnando pela manutenção do decidido.

O despacho recorrido foi sustentado.

Corridos os vistos cumpre decidir.

*

São os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância:

Os Requerentes são donos e legítimos possuidores de um lote de terreno sito em Quinta do Pinhal na Lousã.

A Req.ª dedica-se à construção civil e obras públicas, projectos de engenharia e arquitectura, compra, venda e permuta de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim e comercialização de materiais de construção.

A Req.ª, até Dezembro de 2003, tinha a designação social de "E....

No exercício do escopo social da R. no dia 25 de Junho de 2003 os Requerentes celebraram com a Req.ª um Contrato de Empreitada de Imóvel — construção de uma moradia unifamiliar.

Nos termos da cláusula 1° do contrato celebrado a Req.ª obrigou-se a executar a obra definida no caderno de encargos, que declarou conhecer.

O valor contratado para o custo da empreitada foi € 365 000.0 (trezentos e sessenta e cinco mil euros) a pagar nos termos da clausula 3a do referido contrato.

Nos termos da cláusula 5a do Contrato de Empreitada a Req.ª obrigou-se a concluir os trabalhos no prazo de 365 dias a contar da data da celebração do contrato, ou seja, a contar de 23/06/2003.

Volvidos que já foram 713 dias para além da data limite para a conclusão das obras, a Req.ª ainda não concluiu as mesmas, botou-as ao mais completo abandono.

Nos termos da cláusula 6° do contrato de empreitada outorgado pelos Requerentes e pela Requerida, já junto, esta obrigou-se a pagar àqueles, na qualidade de donos de obra, a quantia de € 50,00 por cada dia de atraso.

Certo é que a Req.ª ainda não concluiu a obra e não se prevê quando a mesma possa estar concluída.

Até à data da propositura da presente providência cautelar já é devida aos Requerentes a quantia de € 35.650,00 (trinta e cinco mil e setecentos euros),

Nos termos do n° 2 da cláusula n°12, foi aceite por Requerentes e Req.ª que era considerado abandono da obra se o empreiteiro não executasse os trabalhos durante um período de 15 dias consecutivos.

Os Requerentes já pagaram à Req.ª valor superior ao valor correspondente à obra realizada, atendendo à modalidade de pagamento constante na cláusula 3a do contrato.

No dia 22 de Maio de 2006 os Req.tes. através de carta registada com aviso de recepção, intimaram de forma extrajudicial a Req.ª para o cumprimento imediato do contrato de empreitada sob pena de resolução do mesmo.

Comunicação essa que a Req.ª se recusou a receber via correios mas que tomou integral conhecimento do seu conteúdo via E-mail.

No dia 25 de Maio de 2006, os Req.tes, através de carta registada com aviso de recepção, procederam à renovação da intimação anteriormente enviada.

Conteúdo igualmente dado a conhecer à Req.ª via E-mail.

No dia 29 de Maio o representante legal da Req.ª deslocou-se à obra, correspondendo à solicitação dos Req.tes para estar presente em obra nesse dia.

Porem, apesar de se ter comprometido com um plano de finalização da obra, conforme veio a remeter via E-mail aos Req.tes.

A Req.ª não cumpriu com o contratado bem como não deu cumprimento à intimação extrajudicial de que foi notificada.

Tendo apenas estado em obra até hoje dia 7 de Junho de 2006 dois carpinteiros nos dias 31 de Maio e l de Junho, não tendo ainda finalizado essa parte da obra, que está, assim completamente abandonada até hoje.

É voz corrente no meio comercial da Req.ª que esta está numa situação de insolvência.

A Req.ª tem vindo a desfazer-se do património, nomeadamente dos bens móveis.

As obras realizadas pela Req.ª padecem de vícios e defeitos de construção e os donos de obra têm intenção em a demandar judicialmente.

A Req.ª é apenas titular de um crédito sobre a empresa D..., com sede no Complexo do Cabouco — 3350 — 909 Vila Nova de Polares, em virtude de uma obra que está a executar para esta empresa, numa lavagem de Castelo Branco.

Actualmente não se conhecem à Req.ª outras obras.

Não se lhe conhecem outros bens ou créditos, para além dos veículos matriculas x..... e Y.....ambos marca Peugeot 306 Break.

*

São duas as questões em causa no agravo:

Se está demonstrado o requisito do fundado receio da perda da garantia patrimonial.

Se os Requerentes deixaram de ser titulares do invocado direito de crédito sobre a Requerida, ora agravante.

Quanto à 1ª questão.

Entende a agravante que a mera prova do facto de que é "voz corrente no meio comercial da Requerida que esta se encontra em situação de insolvência" não pode suportar a seriedade do receio da perda garantia, conforme é exigido pela primeira parte do nº 1 do art.º 406 do CPC.

Há que desde já adiantar que o M. Juiz que proferiu a decisão recorrida, não se baseou unicamente no mencionado facto, para decretar o arresto, no domínio da prova desse pressuposto. Com efeito, também foi apurado, para a formulação do juízo sobre o perigo para a garantia do crédito dos Requerentes, que a Requerida "se tem vindo a desfazer do património que tem, nomeadamente de bens móveis" e ainda que " As obras realizadas pela R. padecem de vícios e defeitos de construção e que os donos de obra têm intenção em a demandar judicialmente".

Tem-se interpretado o requisito do justificado receio como o temor do homem comum ou médio, ou seja, como o temor empírico do homem da rua, e não o do comerciante experimentado ou do gestor altamente qualificado.

Na verdade, nada impõe que o padrão de exigência do juiz tenha de ser colocado a esses níveis superiores de análise económica, uma vez que é apenas com base no critério do sentir comum que a vida económica da generalidade das pessoas é conduzida e o risco empresarial é assumido.

O arresto, sendo um meio de conservação da garantia geral do credor, também se destina, mediante uma decisão judicial favorável, à futura formação de uma garantia real: a penhora. Corresponde, portanto, no plano coercitivo de um procedimento judicial, à mesma precaução com que um qualquer credor avisado actuaria se tivesse que negociar com alguém que se encontrasse colocado na circunstância patrimonial do requerido.

Ora, aquela última factualidade, relativa à generalizada falta de qualidade dos resultados empresariais da Requerida, conjugada com a alienação indiscriminada de bens móveis, evidencia, segundo o sentir do homem comum, uma grave e progressiva degradação não apenas da respectiva solvabilidade mediata, como, sobretudo, de imediato, da reputação e aceitação no mercado em que se integra. Com efeito, dissipando os seus bens móveis e tendo previsível dificuldade em receber as contrapartidas das obras - que de modo geral pelo que se vê (deficientemente) executa - é de antecipar que provavelmente e já num futuro próximo a Requerida não irá fruir da liquidez necessária à plena satisfação de toda a responsabilidade gerada.

Neste quadro estaria já suficientemente patenteado o legal requisito do arresto respeitante ao justificado receio da perda da garantia patrimonial.

Mas a agravante quer problematizar o alcance da expressão voz corrente, no que concerne à potencialidade da mesma para demonstrar as dificuldades da Requerida em cumprir os seus compromissos e liquidar o seu passivo.

Mas, ainda assim, sem razão.

Pelo que acima se explanou o homem comum também é influenciado nas suas opções económicas pela opinião geral, pela voz do povo (ainda que no âmbito restrito do seu ramo de actividade), não sendo despiciendo o respectivo peso na ponderação global da prova que ao tribunal cabe levar a cabo.

Só não seria assim se essa voz geral fosse uma mera impressão individual do Requerente (uma abstracção subjectiva), sem apoio nos concretos depoimentos que o tribunal tomasse sobre essa específica matéria.

Porém, como se colhe do teor da fundamentação da resposta à matéria de facto, o M.mo Juiz assentou a convicção sobre esse facto em depoimentos perante si produzidos por várias testemunhas.

Pelo que, estão totalmente votadas ao insucesso as conclusões do agravo que levantam a questão em apreço.

Sobre a questão.

Propende a agravante para a defesa da ideia de que, tendo resolvido o contrato com ela celebrado, os Requerentes deixaram de ser titulares do alegado direito de crédito, que seria apenas representado pelo valor de € 37.650, relativo à penalização da empreiteira de € 50/dia pelo atraso da obra.

Vejamos.

Parte a agravante de um pressuposto que não tem respaldo na matéria de facto: o de que os agravados já teriam resolvido o contrato. Ora o que daquele complexo consta é tão-só que "No dia 22 de Maio de 2006 os Requerentes através de carta registada com aviso de recepção, intimaram de forma extrajudicial a Requerida para o cumprimento imediato do contrato de empreitada sob pena de resolução do mesmo"; e que "No dia 25 de Maio de 2006, os Requerentes através de carta registada com aviso de recepção procederam à renovação da intimação anteriormente enviada".

Ainda assim, o crédito que funda a providência cautelar movida à agravante-Requerida é o direito à indemnização correspondente ao perfunctóriamente demonstrado incumprimento contratual desta, com o não acatamento do prazo convencionado para a conclusão da empreitada e o abandono da obra (cfr. os art.ºs 24 e 25 do requerimento de arresto). Direito que se abriga nos normativos dos artºs 798, 801 e 804 do Código Civil.

Em abstracto, tão pouco é exacto, que – como advoga a agravante - a resolução do contrato pelo credor imponha a renúncia pelo mesmo à indemnização pela mora do devedor até à comunicação da intenção resolutiva.

A resolução pelo incumprimento definitivo limita o dano contratual do credor ao chamado interesse contratual negativo, impedindo o ressarcimento do prejuízo pelas vantagens que obteria com o cumprimento.

Ora revestindo a cláusula fixada pelos contraentes para o atraso na entrega da obra a natureza de cláusula penal meramente moratória (art.ºs 809 e 810 do CC), sendo de mera compulsão do cumprimento pontual - até sem necessidade de dano efectivo - a mesma não é forçosamente absorvida ou consumida pela indemnização decorrente dessa nova realidade que é o incumprimento definitivo. São dois ilícitos sucessivos e distintos (a mora e o incumprimento definitivo da prestação), embora o segundo possa emergir da conversão do primeiro, nos termos do art.º 808 do CC.

Desta forma, também não assiste razão à agravante nas conclusões atinentes a esta questão.

Pelo exposto, negam provimento ao agravo.

Custas pela agravante.