Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
510/07.9PAMGR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE MULTA
TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
REQUERIMENTO
PRAZO
Data do Acordão: 02/02/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA MARINHA GRANDE –3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 489º E 490º DO CPP
Sumário: A substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade deve ser requerida no prazo para pagamento voluntário da pena de multa.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferido despacho no qual se decidiu indeferir o requerimento de substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade, considerando-se tal requerimento extemporâneo.
Inconformada, a Magistrada do Mº Pº, apresenta recurso para esta Relação.
Na sua motivação, apresenta as seguintes conclusões, que delimitam o objecto do recurso:
1-A arguida SA… foi condenada na pena de 100 dias de multa à razão de 6,00 por dia.
2-Liquidada a multa, a arguida foi notificada para proceder ao seu pagamento até ao dia 15-6-2009.
3-Em 8-6, a arguida requereu pagamento da multa em prestações, o que foi deferido por despacho de 8-7.
4-A arguida não pagou qualquer uma das prestações e não apresentou qualquer justificação, sendo certo que a primeira deveria ser paga até ao dia 9-11 e a segunda até ao dia 9-12.
5-Por lapso, este incidente não foi objecto de despacho, sendo certo que o não pagamento das prestações deveria ser apreciado nos termos para os efeitos do art. 47° nº 3 e 4 do C. Penal, ou seja no sentido da alteração dos prazos de pagamento inicialmente estabelecidos ou do vencimento de todas as prestações.
6-E, em 21-1-2010, a arguida apresentou novo requerimento a solicitar a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade, alegando a falta de meios para pagamento da multa, de uma só vez.
7-O Tribunal a quo indeferiu liminarmente o pedido de substituição da multa com fundamento na extemporaneidade do mesmo, face ao que dispõe o art. 490 nº 1 do C.P.Penal.
8-No que respeita ao prazo para ser requerida aquele forma de cumprimento da pena de multa, dispõe o art. 490 n 1 do C.P.Penal que "O requerimento para substituição da multa por dias de trabalho é apresentado no prazo previsto nos nºs 2 e 3 do artigo anterior…".
9-Aquele prazo é, de acordo com o n° 2 do art. 489 do C.P.Penal, de 15 dias a contar da notificação para o pagamento.
10-E no nº 3 desta última norma legal prescreve-se "O disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações".
11-Por força daquelas disposições legais, no caso em apreço aquele prazo prolongou-se até ao dia 9-12-2009.
12-O Tribunal não declarou vencidas as prestações da multa e, consequentemente, não determinou a notificação da arguida para pagar a totalidade da multa em novo prazo de 15 dias.
13-Nessa circunstância, a nosso ver, o prazo de pagamento voluntário da multa mostra-se, assim, suspenso.
14-E daí que o requerimento da arguida, apresentado em 21-1-2010, ainda esteja em tempo.
15-Não existindo preceito que o exclua, o condenado, de acordo com a leitura que fazemos das normas legais aplicáveis, pode lançar mão de qualquer um ou de ambos os sistemas de pagamento previstos nos arts 4° e 4° do C.Penal, simultânea ou sucessivamente, isto para o caso de não ter obtido deferimento por parte do Tribunal quanto ao primeiro pedido.
16-Ao não considerar que o requerimento de 21-1-2010 foi apresentado fora do prazo legal, o Tribunal, salvo o devido respeito, não considerou a tramitação do processo a partir do não pagamento das prestações e violou o disposto nos arts 47 nº 3 e 490 nº 1 do C.P.Penal.
Deve ser dado provimento ao recurso e, revogado o despacho recorrido para ser substituído por outro que aprecie o mérito do requerimento em apreço.
Não foi apresentada resposta.
Nesta Relação, a Ex.mª P.G.A. entende que o recurso merece provimento.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:
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É do seguinte teor o despacho recorrido:
Indefere-se a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade pois que o mesmo deveria ter sido requerido no prazo para pagamento voluntário da pena de multa o que não foi feito (artigo 490 nº 1 do CPP), sendo que à condenada havia já sido diferido o pagamento em prestações da pena de multa não tendo aquela efectuado qualquer pagamento.
Notifique e após prazo legal ao MP para os fins tidos por convenientes.
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Conhecendo:
É manifesto o lapso na conclusão 16 pois que se recorre por se que o despacho recorrido, indevidamente considerou o requerimento fora de prazo.
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A questão fundamental e única a decidir neste recurso consiste em saber até quando o requerimento para substituição da multa por dias de trabalho pode ser validamente apresentado.
Dispõe o art.º 489° do CPP:
1. A multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nela fixado, não podendo ser acrescida de quaisquer adicionais.
2. O prazo de pagamento é de quinze dias a contar da notificação para o efeito.
3. O disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações.
O prazo referido no nº 2 é o do pagamento voluntário e só não tem aplicação quando o sistema de prestações é diferido ou autorizado, na sentença, ou em decisão sobre requerimento.
O mesmo entendimento resulta do n.º 1 do art.º 490 do CPP:
O requerimento para substituição da multa por dias de trabalho é apresentado no prazo previsto nos n.ºs 2 e 3 do artigo anterior...
Assim como resulta do n.º 1 do art.º 491 do CPP:
Findo o prazo do pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento esteja efectuado, procede-se à execução patrimonial.
No prazo de 15 dias a contar da notificação para o efeito, o arguido deve efectuar o pagamento voluntário, requerer o pagamento em prestações ou, requerer a substituição da multa por dias de trabalho.
Não acontecendo nenhuma dessas situações, procede-se à execução patrimonial, nos termos do art. 491 nº 1 do CPP, “Findo o prazo do pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento esteja efectuado, procede-se à execução patrimonial”.
Se findo o prazo de pagamento da multa (voluntário) se pode proceder à execução, é porque o requerimento para pagamento em prestações tem de ser apresentado naquele prazo.
E, é este entendimento que também resulta da interpretação dos artigos 47 e 49 do CP.
Este também foi o entendimento expresso no Ac. da Relação do Porto de 28-05-2003, in Acórdãos TRP, Processo 0311915: “…a cobrança da pena de multa há-de ser feita, como foi referido, por etapas, que são sucessivas:
Em primeiro lugar, o pagamento voluntário, no prazo legal de 15 dias a contar da notificação;
Se o arguido o requerer, pode ser autorizado o pagamento diferido ou em prestações;
Ou pode ser autorizada a substituição da multa por dias de trabalho, a requerimento do condenado, apresentado no prazo de 15 dias a contar da notificação;
Esgotadas essas hipóteses, procede-se à execução dos bens do condenado, seguindo os termos da execução por custas (art.º 491° do Código de Processo Penal).
Se, ainda assim se não obtiver o pagamento, então a multa será cumprida em prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.
Estas etapas processuais estão, como é natural, sujeitas ao cumprimento de prazos”.
In casu foi deferido o pagamento da pena de multa em prestações.
Pelo que o requerimento para substituição da multa por dias de trabalho devia ser apresentado no prazo previsto no nº 3 do art. 489 do CPP, para onde remete o art. 490 nº 1, ou seja, até ao terminus do prazo de pagamento da última prestação (data do seu vencimento), caso antes não se tenham considerado todas vencidas, conforme nº 5 do art. 47 do CP.
Mas, como entendemos que, face ao estatuído no art. 489 nº 3 do CPP, podia ser requerida a substituição do pagamento da multa por trabalho, até ao vencimento da última prestação, há que verificar essa data.
Como resulta do despacho de 28-10-2009, exarado a fls. 5 destes autos, ordena-se a passagem de guias a vencer-se a última prestação a 07-12-2009.
Nesta data terminava o prazo referido nos arts. 489 nº3 e 490 nº 1 do CPP, já que antes dessa data não se consideraram vencidas todas as prestações, apesar de nenhuma ter sido paga.
E, não havia necessidade de despacho a apreciar fosse o que fosse nos termos dos nºs 3 e 4 do art. 47 do CP, já que o nº 3 se reporta à possibilidade de fraccionar o pagamento da multa e o nº 4 a eventual prorrogação do prazo ou alteração das prestações.
Face ao não pagamento não há necessidade de despacho a apreciar o “incidente”, segue-se eventualmente a execução patrimonial, como preceitua o art. 491 nº 1 do CPP.
Assim como resulta do despacho do Mº Pº, de 15-01-2010, exarado a fls. 6 destes autos que “o Mº Pº pretende propor acção executiva para cobrança da multa em que a arguida foi condenada”. Se pretende instaurar execução é porque entende que a dívida está vencida.
O requerimento da arguida para substituição da multa por trabalho, constante de fls. 7 destes autos deu entrada na Secretaria do Tribunal em 21-01-2010.
Assim, que é extemporâneo o requerimento da arguida.
Pelo que é de julgar improcedente o recurso.
De salientar que a sentença data de 1-07-2008 (cfr. fls 3 destes autos) e a pena de multa é de 600,00€. Já decorreram mais de 2 anos e meio sem que a arguida tivesse pago um único cêntimo, pelo que se a arguida tivesse o mínimo de vontade de cumprir a pena determinada já o poderia ter feito, bastando-lhe amealhar 0,65€ por dia. Apesar das dificuldades económicas é de realçar o desinteresse.
Decisão:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra e Secção Criminal em, julgar improcedente o recurso interposto pela Magistrada do Mº Pº e, em consequência, mantém-se o despacho recorrido.
Sem custas.

JORGE DIAS (RELATOR)
BRÍZIDA MARTINS