Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
20/11.0TAANG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: PENA ACESSÓRIA
INIBIÇÃO DA FACULDADE DE CONDUZIR
CRIME DE VIOLAÇÃO DE IMPOSIÇÕES
PROIBIÇÕES OU INTERDIÇÕES
Data do Acordão: 10/03/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ARGANIL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 353º CP
Sumário: Não integra a prática do crime de violação de imposições, proibições ou interdições do artigo 353º CP quem, na sequência da aplicação da pena acessória, em virtude da advertência e notificação que lhe foi feita, não entrega a carta de condução, na secretaria do Tribunal ou no Posto da GNR, no prazo de 10 dias, contados a partir do trânsito da sentença
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
I
1. Nos autos de processo comum nº 20/11.0TAANG do Tribunal Judicial de Arganil em que é arguido
Pedro A..., melhor id. nos autos,
Pelo Ministério Público foi deduzida acusação imputando-lhe prática em autoria material, de um crime de violação de imposições, p. e p. pelo artigo 353º, do Código Penal porquanto, em síntese, o arguido não entregou a carta de condução no prazo de 10 dias conforme lhe foi cominado na sentença que o condenou numa pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis pelo período de oito meses, apesar ter sido advertido de que se a não entregasse em tal prazo, poderia incorrer na prática de um crime.
2. Recebidos os autos em juízo foi proferido despacho judicial que rejeitou a dita acusação por a considerar manifestamente infundada, uma vez que os factos nela descritos não constituem crime, despacho proferido ao abrigo do disposto no artigo 311º, nºs 1 e 2 alínea a) e 3 alínea d), do Código de Processo Penal.

3. Deste despacho recorre o Ministério Público, que formula, em síntese, as seguintes conclusões:
3.1. O recorrente assume posição diferente da vertida no despacho recorrido quanto ao entendimento de os factos constantes da acusação não constituírem crime.
3.2. No caso em apreço, resulta suficientemente indiciada a prova de que por sentença transitada em julgado proferida no processo nº 41/10.0GAAGN o arguido foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis pelo período de oito meses, tendo ficado obrigado a entregar a carta no Tribunal ou no Posto da GNR nos 10 dias subsequentes ao trânsito em julgado da sentença o que não cumpriu.
3.3. A entrega da carta é uma imposição determinada por sentença judicial transitada em julgado cujo não cumprimento determina a frustração da sanção imposta.
3.4. Considerando-se que a não entrega da carta de condução não integra o tipo de ilícito previsto no artigo 353º, do Código Penal, tal traduzir-se-ia num vazio punitivo para a conduta do arguido que não procedesse à entrega voluntária da carta de condução e se visse frustrada a apreensão daquele documento.
3.5. Os factos imputados ao arguido consubstanciam pois, a prática do crime de violação de imposições, proibições e interdições p. e p. pelo artigo 353º, do CP pelo que não deve a acusação pública ser rejeitada com o fundamento de que os factos imputados ao arguido não configuram a prática de crime.
3.6. Pelo que deve ser o despacho recorrido revogado e substituído por outro que, recebendo a acusação pública deduzida contra o arguido designe data para a realização da audiência de julgamento.

4. Nesta instância, a Exmª Srª. Procuradora-Geral Adjunta, fazendo referência à divergência da jurisprudência nesta matéria, emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento.
5. Foram colhidos os vistos e realizou-se conferência.
II
Questão a apreciar:

Se a não entrega da carta de condução, pelo arguido, na secretaria do Tribunal ou num posto policial, no prazo de 10 dias, contados a partir do trânsito da sentença, na sequência da advertência e notificação feita ao mesmo de que não o fazendo, incorreria na prática de um crime, viola o disposto no artigo 353º, do CP.


III
Cumpre decidir:
1. Conforme resulta dos elementos supra relatados, ainda que sucintamente, entende o Ministério Público que a não entrega da carta pelo arguido preenche o crime de violação de imposições do artigo 353º, do CP, pelo que deduziu a respectiva acusação Bem como interpôs o presente recurso., ao passo que o Sr. Juiz a quo entende que não, pelo que não recebeu a acusação exactamente com o entendimento de que os factos da acusação não constituem crime.
Quer no despacho judicial recorrido quer nas alegações de recurso do Ministério Público se faz eco da divergência jurisprudencial sobre esta matéria, que se mantém. Sendo certo que também na própria magistratura do ministério Público, a posição não é uniforme, segundo nos apercebemos exactamente no processo que infra se referirá.
Com efeito, esta questão foi já por nós apreciada neste Tribunal da Relação de Coimbra por acórdão de 23.11.2011, proferido no processo nº 697/09.6TAACB.C1, em que somos relator.

Tal como dissemos então, esta concreta matéria como tantas outras em direito e designadamente em decisões dos Tribunais, não está a merecer consenso, antes se continuando a formar duas correntes jurisprudenciais de sinal oposto, entendendo umas que existe crime e entendendo outras que não existe.
Desde a prolação desse acórdão (por nós relatado), outra jurisprudência foi já proferida, alguma publicada e identificada na decisão recorrida, com o entendimento de que não é cometido – com a não entrega da carta -, nem o crime de desobediência nem o crime do artigo 353º, do CP.

2. É com esta posição que nos identificamos.
No acórdão supra referenciado – de 23.11.2011, proferido no processo nº 697/09.6TAACB.C1 – dissemos sobre a questão:

“O actual art. 353.º do CP – vigente à data dos factos -, dispõe que «Quem violar imposições, proibições ou interdições determinadas por sentença criminal, a título de pena aplicada em processo sumaríssimo, de pena acessória ou de medida de segurança não privativa da liberdade, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.».

Esta disposição merece, pois, desde logo, a seguinte leitura:
Pratica o crime quem violar as imposições determinadas a título de pena acessória; não diz, imposições processuais decorrentes da aplicação de uma pena acessória.
Ou seja, só pratica o crime de violação de proibições quem puser em causa o conteúdo material da pena acessória.
Logo, não pratica o crime quem não cumpre meras obrigações processuais decorrentes da aplicação de uma pena acessória, como é a cominação da entrega da carta de condução.
É, pois, nesta dicotomia e diferenciação entre o conteúdo material da pena acessória definido pelo legislador no art. 69º, nº1, do Código Penal e o conteúdo meramente processual, este definido no artigo 69º, nº 3, do mesmo diploma – que regula o cumprimento da pena acessória e o seu controlo, como acontece com o disposto no artigo 500º, nº 2, do CPP -, que deve ser interpretado o teor do artigo 353º, do CP.
A imposição material penal que consta da sentença é a “proibição de conduzir”, pelo tempo aí fixado.
Esta interpretação mais sentido faz se se atentar no seguinte:
A execução da pena acessória só tem início com a entrega da carta ou da sua efectiva apreensão – posição largamente maioritária da jurisprudência, que também perfilhamos.
Se e enquanto o arguido condenado não entregar a carta, como é sua obrigação processual, então é ordenada a apreensão.
Entregue a carta ou concretizada a apreensão, inicia-se o cumprimento da pena.
Se no período que durar a proibição o arguido conduzir, então sim, põe em causa a imposição que resulta da pena acessória e comete o crime de violação de proibições.
A contrario, pode afirmar-se que a falta de entrega da carta constituirá obrigação processual do condenado, não punível.

2.1. Poderá sempre argumentar-se que não faz sentido esta interpretação, pois o legislador já prevê a punição da conduta do condutor que, estando inibido de conduzir, apesar de tudo o faz. Punição prevista no artigo 138º, do Código da Estrada, com o crime de desobediência qualificada.
Entende-se, contudo, não existir a aparente duplicação de punição da mesma conduta se se fizer a seguinte interpretação:
O artigo 138º, do CE regula as sanções específicas praticadas, previstas e punidas à luz daquele diploma.
O nº 1 do artigo 138º refere-se expressamente às contra-ordenações graves e muito graves punidas com sanção acessória.
No presente caso, estamos perante a prática de crime punido com pena acessória artigo 69º, nº1, do CP.
São sanções, lato sensu, com previsão e punição diferentes.
Como são diferentes, por regra, as entidades que as julgam e aplicam: no primeiro caso a entidade administrativa; no segundo, os tribunais.
E a referência que o nº 2 daquele preceito (art. 138º) faz a sentença transitada em julgado, harmoniza-se com esta interpretação na medida em que, sendo a regra da competência para o julgamento das contra-ordenações, da entidade administrativa, está também prevista a intervenção do tribunal – sendo sempre uma intervenção excepcional ou pontual -, quer em situações de recurso da decisão da entidade administrativa, quer ao abrigo dos artigos 77º e 78º, do DL nº 433/82, de 27 de Outubro, que institui o Ilícito de Mera Ordenação Social. Em todo o caso, o tribunal não deixa de apreciar tão somente uma contra-ordenação e não a prática de um crime.
Acresce que, a previsão do artigo 353º do CP é muito mais ampla que a do artigo 138º, do CE, específico para a inibição imposta ao condutor.
Não deixa de ser, de somenos relevância, a coincidência nas punições previstas quer no artigo 353º do CP quer no artigo 138º, nº 2 do CE, em conjugação com o artigo 348º, nº2, do CP, em que a medida da pena abstracta é, em ambos os casos, a de prisão até dois anos ou multa até 240 dias.

3. Retomando a questão inicial, elucidativo mostra-se, a propósito o decidido no ac. deste TRC de 12.5.2010, proferido no proc. nº 1745/08.2TAVIS.C1, onde se a afirma:
Decorre dos preceitos acima transcritos que a referida pena acessória só é executada, por isso cumprida, a partir do momento em que o condenado entrega o título ou este lhe é apreendido em conformidade com o art.º 500/3 do CPP.
Isto porque logo no número seguinte, ou seja, no n.º4 do falado artigo 500º se estatui que a licença de condução ficará retida na secretaria [após a sua entrega ou a sua apreensão] «pelo período de tempo que durar a proibição».
O que significa que o cumprimento da pena acessória não ocorre de forma imediata e automática a partir do trânsito em julgado da sentença que a aplicou, mas tão só após a entrega espontânea ou forçada do título.
De outro modo poderiam ocorrer situações em que no momento da sua apreensão o arguido pudesse invocar ter já decorrido o tempo do cumprimento da pena.
Daqui poder defender-se que será irrelevante para a integração do tipo [violação de imposições, proibições ou interdições judiciais] o facto do condenado continuar a conduzir até à data da apreensão do título, pois só a partir dela se iniciará o cumprimento ou execução da pena da proibição de conduzir.
Só no período de execução da pena fará então sentido falar-se em violação de proibições judiciais. Até à entrega espontânea ou forçada da licença de condução não haverá execução da pena e consequentemente violação de proibição judicial.
Se bem se atentar na redacção do tipo e para o que ao caso interessa, nele se dispõe que comete o crime «quem violar imposições ou proibições determinadas por sentença criminal a título de pena acessória».
Ou seja, o tipo prevê como conduta criminosa a voluntária violação de imposições ou proibições que integrem o conteúdo duma pena acessória.
E a pena acessória no caso consubstancia-se na “proibição de conduzir veículos com motor pelo período de …”. Pergunta-se -, a obrigação de entrega no indicado prazo da carta de condução integra tal proibição? Obviamente que não! É apodíctico que não integra a pena a obrigação da entrega da carta nas indicadas condições.
O legislador poderia tê-la incluído no tipo ou noutro, v.g., de desobediência, mas não o fez. Para o caso engendrou outro sistema de procedimento que o aplicador da lei até poderá criticar invocando v.g. a desarmonia do sistema face ao que se passa com o sistema contraordenacional do Código da Estrada; mas o que não pode é interpretar o tipo de modo a incluir situações nele não previstas, em violação do art.º1 do Código Penal.
Só a partir do momento em que o agente fica privado do título poderá ocorrer, com relevância penal, a frustração de imposições ou proibições sancionatórias constantes de sentença criminal, só então se podendo ver perfectibilizada a previsão dos elementos objectivos do tipo.
Como foi dito pelo ilustre Conselheiro Henriques Gaspar em declaração de voto no Ac. do STJ/ Fixador de Jurisprudência n.º8/2008 [DR I-A de 5/8/2008] – “ O princípio da legalidade (…) significa (…) que não pode haver crime nem pena que não resultem de uma lei prévia, escrita, estrita e certa (…)
É princípio inscrito como direito fundamental também em instrumentos internacionais, com conteúdo e sentido determinado através de referências objectivas e com modelação operativa.

A densificação convencional da garantia reverte à certeza, clareza ou previsibilidade da estatuição e suas consequências (…) o que releva (…) é que a estatuição seja clara, precisa, acessível e previsível. Do ponto de vista da protecção dos direitos do homem, é decisivo o princípio segundo o qual o legislador deve fixar de uma forma precisa e clara os limites entre os comportamentos permitidos e os comportamentos puníveis penalmente, interessando neste aspecto a previsibilidade da condenação por certo comportamento (acção ou omissão).
Na elaboração que tem sido desenvolvida a propósito das noções utilizáveis na integração do princípio, tem-se entendido que a clareza da estatuição (…) está preenchida quando o indivíduo possa saber a partir do texto pertinente (…) quais os actos ou omissões que constituem infracção e pelos quais pode ser criminalmente responsabilizado, mesmo que para tal tenha de recorrer a um conselho esclarecido para avaliar, com adequado grau de razoabilidade, as consequências que podem resultar de determinado acto.
Nesta perspectiva de ordenação da garantia, uma norma não pode ser considerada como «lei» para efeito da protecção contida no artigo 7.º da Convenção se não for formulada com suficiente precisão, de modo a que habilite um indivíduo a regular a sua conduta: este deve poder antever e prever, com um grau de razoável exigência nas circunstâncias do caso, quais as consequências de natureza penal que podem resultar de uma sua acção ou omissão (…).
Nos termos em que a garantia do artigo 7.º da Convenção tem sido considerada, o princípio da legalidade exige, pois, que a infracção esteja claramente definida na lei, estando tal condição preenchida sempre que o interessado possa saber, a partir da disposição pertinente, quais os actos ou omissões que determinam responsabilidade penal; a disposição tem de se revelar suficientemente clara. (…)
Por isso, o princípio significa «que por mais socialmente nocivo e reprovável que se afigure um comportamento, tem o legislador de o considerar como crime (descrevendo-o e impondo-lhe como consequência jurídica uma sanção criminal) para que ele possa como tal ser punido. Esquecimentos, lacunas, deficiências de regulamentação ou de redacção funcionam por isso sempre contra o legislador e a favor da liberdade, por mais evidente que se revele ter sido intenção daquele (ou constituir finalidade da norma) abranger na punibilidade também certos (outros) comportamentos» (cf. Figueiredo Dias, op. cit, p. 168).
O princípio da legalidade significa também a proibição da analogia, importando sempre determinar o que é susceptível de interpretação permitida (o sentido literal, as expressões polissémicas, os conceitos normativos e descritivos) e o que pertence já à analogia proibida em direito penal pelo princípio da legalidade. (…) A interpretação em direito penal (e sancionatório, em geral) não pode desconsiderar princípios fundamentais - tipicidade; legalidade; não retroactividade in malam partem; proibição de analogia. (…) A função de garantia do princípio da legalidade exige a qualidade da lei, previsibilidade e acessibilidade, de modo que qualquer pessoa possa perceber e saber quais as consequências sancionatórias de uma sua acção ou omissão.
A qualidade da lei supõe que o legislador formule a lei penal de modo preciso e não susceptível de interpretações gravemente díspares, sobretudo quanto à natureza, âmbito e círculo material da conduta proibida.
E, como é dos princípios, em direito penal (e sancionatório) não há integração de lacunas (…).”
A actuação em causa não cabe na letra da lei (art.º 353º do CP), sendo imposição do princípio da legalidade em matéria criminal que a norma se contenha no quadro de significações possíveis das palavras da lei, sob pena de se entrar no domínio proibido da analogia.
A certeza e a previsibilidade exigíveis aos tipos afere-se pelo que é possível extrair directamente da sua letra.
Ora, como refere a sentença, o preceito em causa não consente a integração nele de comportamentos processuais prévios à execução da sanção acessória, mas tão só comportamentos ou proibições que a integrem”.

4. Exemplificando o enunciado acabado de transcrever, diremos o seguinte:
Também a pena de multa, diz o artigo 489º do CPP, deve ser paga no prazo de 15 dias a contar do trânsito em julgado da sentença Do mesmo modo que a carta deve ser entregue pelo arguido condenado na pena acessória de inibição no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, ao abrigo do artigo 69º, nº 3, do CP..
Se porventura o julgador, na sentença, fizer a cominação ao arguido de que, se não pagar a multa, cometerá um crime de desobediência e o arguido efectivamente não pagar, com certeza que será entendimento generalizado que esta cominação é ilegal. Que não pagando o arguido voluntariamente a multa naquele prazo, deverá proceder-se à sua execução – artigo 491º, do CPP. Do mesmo modo que, não entregando o arguido a carta de condução voluntariamente, se procederá à sua apreensão.
Igual analogia se pode fazer quanto ao cumprimento da pena de prisão por dias livres, nos termos do artigo 487, nº 3, do CPP.
Se também neste caso o tribunal ao entregar ao arguido cópia da decisão e da guia de apresentação no estabelecimento lhe fizer a cominação de que, caso não compareça, incorrerá num crime de desobediência e o arguido efectivamente não comparecer, com certeza que será mais uma vez entendido que esta cominação é ilegal. O cumprimento da pena será, nesta situação, feita em regime contínuo, passando-se para o efeito mandados de captura do arguido – como se dispõe no preceito..
Outros exemplos serão possíveis. Mas o que deve ser efectivamente realçado é que não se pode favorecer a criação de um tipo legal de crime com uma ordem que se afigura ilegítima, por exigência dos princípios da legalidade e da tipicidade, transformando a imposição do Juiz numa fonte de responsabilidade criminal numa situação que manifestamente o legislador não regulou nem quis regular.

5. Regressando à similitude e também divergências entre as previsões do artigo 138º do CE e artigo 353º, do CP, dir-se-á o seguinte:
A cominação legal do artigo 138º, do CE é a prática de um crime de desobediência qualificada punido com pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dias.
A desobediência para a cominação à luz do artigo 69º, nº 3, do CP, para a corrente que aceita a prática de tal crime, é uma desobediência simples, punida apenas com prisão até um ano ou multa até 120 dias.
Existe (existiria), assim, uma clara incoerência neste regime de punição.
A não ser que se interprete, como já supra se referiu, que a violação da imposição da pena acessória seja punida ao abrigo do artigo 353º, do CP, preceito onde, por sua vez, não cabe já a violação prevista no artigo 138º, do CE.
Ou seja, o legislador fixou a punição da violação de uma sanção acessória de inibição de conduzir imposta na sequência da prática de uma contra-ordenação, grave ou muito grave, como desobediência qualificada - artigo 138º, do CE.
E fixou a punição da violação de uma pena acessória imposta na sequência da prática de um crime ao abrigo do artigo 69º, nº1, do CP, como crime do artigo 353º, do CP. Existindo assim coerência e compatibilidade no ordenamento jurídico”.

3. Foram estes os argumentos que nos levaram a entender que os factos consubstanciadores da conduta imputável ao arguido, na acusação, não preenchem a prática do crime que igualmente lhe é imputado pelo recorrente Ministério público.
Estes fundamentos mantêm-se.
Razão suficiente para se concordar com o teor do despacho recorrido e, consequentemente julgar improcedente o recurso do Ministério Público.
IV
Decisão
Por todo o exposto, decide-se negar provimento ao recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.

Sem custas.

Coimbra,


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(Relator, Luís Teixeira)


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(Adjunto, Calvário Antunes)