Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2980/05.0YRCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: ACÇÃO DE DIVÓRCIO
FALECIMENTO DE PARTE
CÔNJUGE
AUTOR
PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO
HERDEIRO
Data do Acordão: 03/13/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE OURÉM - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 1785º, Nº 3, E 1787º DO C.CIV.
Sumário: I – Uma acção de divórcio extingue-se, em regra, com a morte de um dos cônjuges, uma vez que a morte constitui uma causa de dissolução do casamento.

II – Tendo o casamento sido extinto por morte, será escusado o prosseguimento da acção para obter a dissolução desse casamento.

III – Porém, a lei permite, excepcionalmente, aos herdeiros do cônjuge falecido o prosseguimento da acção de divórcio para efeitos patrimoniais.

IV – Com efeito, estabelece o artº 1785º, nº 3, do C. Civ., que “o direito ao divórcio não se transmite por morte, mas a acção pode ser continuada pelos herdeiros do autor para efeitos patrimoniais, nomeadamente os decorrentes da declaração prevista no artº 1787º, se o autor falecer na pendência da causa”.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- No Tribunal Judicial da comarca de Ourém, A..., propôs contra o seu marido B..., a acção de divórcio litigiosa apensa, pedindo que fosse decretado o divórcio entre ela e o R.
O processo seguiu os seus legais trâmites, até que C..., D..., E..., F..., G..., H..., I..., J..., L..., M..., N... ( na qualidade de legal representante de seus filhos menores, O..., P...) vieram informar o falecimento da A. e requerer, na qualidade de herdeiros testamentários da falecida e nos termos do art. 1785º nº 3 do C.Civil, o prosseguimento dos autos.
1-2- Por apenso ao processo de divórcio, vieram C..., D..., E..., F..., G..., H..., I..., J..., L...,M..., O... e P... ( estes últimos representados pelo seu pai, N... ), requerer contra Q..., o presente incidente de habilitação, pedindo que sejam julgados habilitados como sucessores da falecida, para assim, prosseguirem os ulteriores termos processuais da acção de divórcio.
1-3- Citado o requerido, veio contestar invocando, em síntese, a incompetência do N... para representar os habilitando menores e a ilegitimidade dos habilitandos, pedindo se declare a dita incompetência e se indefira a habilitação.
1-4- Os requerentes responderam às excepções, sustentando a sua não verificação.
1-5- A Mª Juíza proferiu decisão em que considerou improcedentes as excepções invocadas pelo requerido e, conhecendo do pedido, considerou procedente a habilitação, admitindo os requerentes a prosseguir a acção de divórcio intentada pela falecida.
1-6- Não se conformando com esta decisão, dela veio recorrer o requerido, Q..., recurso que foi admitido como apelação e com efeito suspensivo.
1-7- O recorrente alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- Face aos factos dado como provados, N... não demonstrou poder representar os seus filhos menores no incidente de habilitação.
2ª- A decisão violou ainda a norma contida no nº 1 do art. 1902º do C.Civil, pois a Sr.ª Juíza pressupôs que tal disposição é sempre aplicável independentemente, por exemplo, do decidido em sede de regulação paternal.
3ª- A decisão devia ter-se pronunciado e não se pronunciou se, face ao testamento, os requerentes da habilitação, para além de serem herdeiros da quota disponível da falecida, são também seus herdeiros universais, porque só nesta qualidade eles podem ter interesse na continuação da acção de divórcio e logo interesse em agir, o mesmo é dizer legitimidade.
4ª- A qualidade de instituídos herdeiros da quota disponível dos bens da herança da falecida, não lhes atribui o direito de requererem a continuação da acção de divórcio, nos termos do art. 1785º nº 3, precisamente porque o desfecho desta acção não altera os seus direitos patrimoniais face à herança.
5ª- E face aos termos do testamento, pelos quais, textualmente “os referidos sobrinhos” só seriam únicos herdeiros de A... se esta tivesse falecido na condição de divorciada, seriam os herdeiros chamados pela ordem do nº 1 do art. 2133º do C.Civil que tinham direito a requerer e continuar a acção de divórcio, nos termos do nº 3 do art. 1785º do C.Civil e não os beneficiários do testamento.
6ª- E também não foi tido em conta que os dois sobrinhos netos, menores, não figuram no testamento enquanto universais herdeiros, figuram só como beneficiários da quota disponível.
7ª- E sem que se tenham alegados factos idóneos a fazer concluir que a vontade expressa por A... no seu testamento era de nomear os seus sobrinhos de dois sobrinhos-netos, seus únicos herdeiros, independentemente, do seu estado civil à hora da sua morte não se pode decidir como se decidiu.
8ª- A sentença recorrida violou o art. 26º nºs 1 e 2 do C.P.Civil.
9ª- E violou ainda o art. 1785º nº 3 do C.Civil ao entender que basta a qualidade de herdeiros, independentemente da necessidade de se verificar a possibilidade de repercussão dos efeitos económicos nesses mesmos herdeiros, para que estes tenham legitimidade para requerer a continuação da acção.
1-8- A parte contrária respondeu a estas alegações sustentando o não provimento do recurso e a confirmação da decisão recorrida.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivos dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas ( arts. 690º nº1 e 684º nº 3 do C.P.Civil ).
2-2- Com vista à decisão, consideram-se provadas as seguintes circunstâncias:
a) A..., A. no processo de divórcio apenso, faleceu no dia 2-6-2004.
b) A mesma, a 12-5-2004, através de testamento junto a fls. 29 e segs. no processo principal, instituiu seus herdeiros testamentários, os requerentes do presente incidente.
c) A falecida não deixou descendentes ou ascendentes que concorram à partilha.
d) Os requerentes O... e P..., menores, são representados no incidente, pelo seu pai, N....----------------
2-3- Como se disse acima, a Mª Juíza, conhecendo do pedido, considerou procedente a habilitação, admitindo os requerentes a prosseguir na acção de divórcio intentada pela falecida, ocupando o lugar desta.
Mais entendeu as excepções invocadas pelo requerido, como improcedentes.
Relativamente à «incompetência» do pai dos menores para os representar nos autos, considerou que a legitimidade para os actos em causa, enquanto progenitor dos menores, está fundada no disposto no art. 1902º do C.Civil.
No recurso, o agravante, no que toca à representação dos menores, afirma que o pai não demonstrou poder representar os seus filhos menores no incidente. A decisão violou ainda a norma contida no nº 1 do art. 1902º do C.Civil, pois a Sr.ª Juíza pressupôs que tal disposição é sempre aplicável independentemente, por exemplo, do decidido em sede de regulação paternal.
Vejamos:
A questão que se debate diz respeito à capacidade judiciária dos menores, isto é, à susceptibilidade de estarem, por si, em juízo, sendo que tal capacidade tem por base e por medida a capacidade de exercício de direitos ( art. 9º nºs 1 e 2 do C.P.Civil ). Ora, os menores, nos termos do art. 123º do C.Civil, salvo disposição em contrário, carecem de capacidade para o exercício de direitos.
O art. 10º nº 1 do C.P.Civil estabelece, como princípio geral, que os incapazes só podem estar em juízo por intermédio dos seus representantes. Acrescenta o nº 2 da disposição em relação aos menores que “os menores cujo poder paternal compete a ambos os pais são por estes representados em juízo, sendo necessário o acordo de ambos para a propositura de acções”.
No caso vertente, como se vê, os menores são só representados pelo pai em juízo, quando, de harmonia com a disposição, deveriam ser representados pelos dois. Isto é, os menores deveriam estar em juízo por intermédio dos seus dois representantes, pai e mãe. De resto, esta disposição não faz mais do que eco dos dispositivos dos arts. 1878º nº 1, 1881º nº 1 e 1901º nº 1 do C. Civil, disposições que inculcam que a representação dos menores ( e o exercício do poder paternal ), são exercidos por ambos os pais[1].
O art. 1902º nº 1 estabelece que “se um dos pais praticar acto que integre o exercício do poder paternal, presume-se que age de acordo com o outro, salvo quando a lei expressamente exija o consentimento de ambos os progenitores ou se trata de acto de particular importância...”. Estabelece pois esta disposição uma presunção de conformidade do outro progenitor, em relação a actos praticado pelo outro, no exercício do poder paternal do menor. É duvidoso, no caso vertente, que o acto praticado pelo pai em nome dos menores se possa integrar no exercício do poder paternal em relação a estes[2 ]. Mas mesmo que se pudesse colocar de lado esta dificuldade, o certo é que a disposição em evidência afasta a presunção quando a lei expressamente exija o consentimento de ambos os progenitores. Ora, impondo o referenciado art. 10º nº 1 do C.P.Civil, o acordo de ambos os pais para a propositura de acções, a presunção em causa, por força do próprio art. 1902º nº 1 do C.Civil, deve ter-se como afastada.
Consequentemente para a propositura do presente acção ( incidental ), seria necessária a intervenção de ambos os progenitores representando os menores, ou pelo menos, o acordo de ambos para a respectiva instauração.
O recurso, se bem que por estas razões, procederá.
A incapacidade dos menores verificada, pode, contudo, ser suprida, de harmonia com o disposto nos arts. 23º e 24º do C.P.Civil, devendo-se no tribunal recorrido proceder em conformidade.
A decisão tomada, torna insubsistente o conhecimento da outra questão levantada no recurso ( dado que pode dar-se a situação de ter que se anular o processado).
III- Decisão:
Por tudo o exposto, dá-se provimento ao recurso, declara-se procedente a excepção de incapacidade dos menores requerentes, O...e P..., devendo-se no tribunal recorrido proceder no sentido de suprir essa incapacidade.
Custas pelos agravados.
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[1]
Só não será assim quando exista impedimento de um dos pais ( art. 1903º ), quando um deles faleça (arts. 1904º ) em caso de divórcio, separação judicial, anulação de casamento ( art. 1905º e 1906º ), de separação de facto dos pais ( art. 1909º ), quando a filiação só se encontre estabelecida em relação a um progenitor ( art. 1910º ) e no caso de a filiação ser estabelecida em relação a progenitores não unidos pelo casamento ( art. 1911º ) todos do C.Civil, situações que não poderão ser tidas em conta no caso presente, por omissão de alegação de factos nesse sentido.
[2] O conteúdo do poder paternal está definido no art. 1878º nº 1 do C.P.Civil.