Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
124//2000.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: ACÇÃO DE DESPEJO
EXCEPÇÕES
RECONVENÇÃO
INCUMPRIMENTO PARCIAL
Data do Acordão: 01/29/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGO 421.º; 1038º, A), 1039º, Nº 1 E 804º, Nº 2, 1022º; 1031 DO C. CIVIL; ARTIGOS 506º, NºS 2 E 1; ARTIGO 663º, Nº 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; ARTIGO 64º, Nº 1, A), DO REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO (RAU)
Sumário: 1. Para além do aspecto formal da especificação separada, na contestação, das excepções e da reconvenção, não podem, em princípio, fora do articulado da contestação, ser deduzidas excepções, a não ser aquelas que sejam supervenientes, nem formulada reconvenção.
2. Admitindo-se a reconvenção incidental, versando sobre a excepção peremptória da inadimplência, deveria a ré ter requerido que à mesma fosse atribuída força de caso julgado material, com eficácia vinculativa, dentro e fora do processo, sob pena de a não alcançar.
3. A compatibiidade natural dos factos exceptivos com os factos constitutivos da acção implica, por via de regra, a incompatibilidade lógica do uso simultâneo dos meios de defesa da impugnação com os da excepção.
4. O facto de o senhorio ter conhecimento do cumprimento parcial da prestação debitória, a cargo do locatário, e não se opor ao seu recebimento, não significa que haja renunciado ao direito de exigir, além das rendas em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido, que lhe advém da situação de mora do locatário.
5. Sendo a quitação, não uma simples declaração de recebimento da prestação, mas a ampla declaração de que o «solvens» já nada deve ao «accipiens», seja a título do crédito extinto, seja a qualquer outro título, impõe-se ao locatário que demonstre que os recibos representam, para além do pagamento das rendas em atraso, também, o pagamento da indemnização igual a 50% do que for devido.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


A…., residente na rua da Escola, nº 10, Açores, em Celorico da Beira, instaurou a presente acção de despejo, sob a forma de processo sumário, contra a “B…..”, com sede na Rua ……, na Guarda, pedindo que, na sua procedência, se condene a ré a pagar ao autor as rendas vencidas, até ao momento, no valor global de 390 000$00, bem como as vincendas, durante o decurso da acção, se decrete o despejo imediato do 1º e 2º andares do arrendado, livres e devolutos, de pessoas e bens, com fundamento na falta do pagamento das rendas, ou, caso assim se não entenda, com base no encerramento, há mais de um ano, invocando, para tanto, e, em síntese, que, no dia 22 de Julho de 1998, adquiriu o prédio urbano, sito na Rua ….., na Guarda, composto por rés-do-chão, 1º e 2º andares, sendo certo que os anteriores donos do prédio, no dia 3 de Julho e no dia 24 de Outubro de 1997, deram de arrendamento à ré, para a actividade cultural e associativa do clube, o 1º e 2º andares do referido prédio, contra o pagamento de uma renda mensal, no valor de 35 000$00, pelo 1º andar, e de 30 000$00, pelo 2º andar, respectivamente, que deveria ser paga, até ao dia oito de cada mês.
Porém, continua o autor, a ré, desde o mês de Outubro de 1999, não paga as rendas acordadas, encontrando-se em dívida as rendas vencidas, reportadas aos meses de Outubro a Dezembro de 1999 e Janeiro a Março de 2000, no montante global de 390 000$00, enquanto que, por outro lado, mantém os arrendados encerrados, há mais de um ano.
Na contestação, a ré, na parte que ainda interessa à apreciação do objecto da apelação, impugnou os factos invocados pelo autor, alegando que efectuou o pagamento das rendas devidas, de Outubro até Março, na pessoa do contabilista do autor, tal como vinha antes fazendo, tendo-se o autor recusado a receber as rendas que se venceram, posteriormente.
Na resposta à contestação, o autor conclui como na petição inicial.
No decurso do período de suspensão da instância, resultante da pendência da acção de preferência movida pela ora ré contra o aqui autor, aquela suscitou incidentes vários, através de articulado superveniente e pedido reconvencional, que foram, oportunamente, indeferidos.
Desta decisão, a ré interpôs recurso de agravo, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª - Nestes autos, a ré foi citada com data de envio de 30/03/2000; a contestação foi apresentada pela ré em 2 de Maio de 2000, sendo que o prazo para sua dedução terminava um ou dois dias depois; não houve lugar a tréplica, nem motivo para tal.
2ª - Entretanto estes autos estiveram suspensos.
3ª - Após a extinção da causa de suspensão, conforme consta da introdução do articulado superveniente, a ré deduziu-o porque, uma vez que não se realizara ainda audiência preliminar e o autor tinha requerido o despejo imediato da ré, poderia ser proferido despacho saneador a ordenar o despejo imediato, sem a ré ter tido possibilidades de deduzir o articulado superveniente.
4ª - Consta do articulado superveniente que os factos aí alegados ocorreram no final de Agosto de 2000 e daí até hoje. Logo os factos ocorreram posteriormente aos prazos marcados nos artigos precedentes ao artigo 506º do CPC, ou seja: contestação/reconvenção e tréplica.
5ª - De qualquer forma, uma vez que constavam do articulado superveniente algumas frases e expressões que, eventualmente, terão levado o Mº Juiz a considerar que os factos constantes dos articulados supervenientes seriam confundíveis com alguns já alegados na contestação, a ré dentro do espírito de cooperação e celeridade processual, para evitar ter que recorrer do despacho, deduziu um articulado de aperfeiçoamento do anterior, clarificando ainda mais as datas e os factos que ocorreram no final de Agosto de 2000 e depois dessa data até hoje, eliminado expressões e frases que pudessem provocar alguma confusão.
6ª - O autor foi notificado do articulado superveniente de aperfeiçoamento e nada disse. Assim, devem os factos alegados no requerimento de aperfeiçoamento serem considerados imediatamente assentes pois o autor, notificado desses factos, nada disse, devendo os mesmos considerar-se admitidos por acordo (art. 490 do CPC).
7ª - Caso, os factos alegados no requerimento de aperfeiçoamento não sejam considerados imediatamente assentes, deve, pelo menos, o articulado superveniente, melhor redigido com o articulado de aperfeiçoamento, ser admitido.
8ª - Acresce que, ao contrário do que consta do douto despacho recorrido os factos supervenientes alegados constituem uma excepção ao direito do autor.
9ª - Na verdade, o facto de o autor no final de Agosto de 2000, a solicitação da ré, não ter substituído o soalho, que se constatou nessa data que estava em risco de ruir, nem ter permitido que a ré o substituísse; o facto de o autor, pouco tempo depois, ter fechado a água à ré na sequência de uma inundação e não ter feito as obras na canalização de água, solicitadas na altura; e por, mais recentemente, o autor ter mudado as fechaduras do local arrendado, impossibilitando a ré de ter acesso ao local arrendado, configuram a excepção da inadimplência.
10ª - No artigo 1022º do C. Civil define-se locação (arrendamento) como sendo "o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição". Trata-se, como é evidente de um contrato bilateral. A obrigação do locador executa-se através de duas prestações distintas (art.1031 do C. Civil): a de entregar a coisa locada e a de assegurar o gozo da coisa para os fins a que se destina. Ou seja, fica obrigado a realizar as prestações de facere que se mostrem necessárias e sempre que se mostrem necessárias, para assegurar o gozo da coisa. A retribuição, a que se dá o nome de renda, é a contrapartida do gozo da coisa, o que significa que estamos perante um sinalagma, ou seja estamos perante obrigações interdependentes. O artigo 428, nº 1 do C. Civil dispõe que, se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo. É a chamada excepção da inadimplência.
11ª - Aliás, só quando a ré ficou definitivamente impossibilitada de continuar com a porta aberta por causa do soalho estar em riscos de ruir de que se apercebeu no final de Agosto de 2000, não querendo o autor substituí-lo; e de lhe ter sido fechada a água por parte do autor pouco tempo depois, é que a ré deixou de poder de continuar a pagar as rendas. Pois apesar de já antes o imóvel se apresentar degradado, a ré, enquanto pôde manter as portas abertas, até final de Agosto de 2000, pagou sempre a renda.
12ª - A doutrina e a jurisprudência têm consagrado a excepção da inadimplência como justificativa do incumprimento: "Admitimos, sem hesitações, que o locatário tem a faculdade de invocar, nos termos gerais, a excepção de inadimplência, quando se verifique mero incumprimento parcial da correspectiva obrigação do locador" (in Rev. Leg. Jur. 119, 145) - prof. Almeida e Costa e "A obrigação de pagar a renda, imposta ao locatário, faz parte do sinalagma contratual na medida em que se contrapõe à obrigação fundamental, imposta ao locador, de proporcionar o gozo da coisa ao locatário" - Profs, P. Lima e A Varela in Cod. Civil Anotado Vol. I, pag. 406.
13ª - Tendo em conta o atrás exposto em que se descreveram sinteticamente os factos supervenientes e a sua pertinência, assim como as razões de direito invocadas, o Mº Juiz, pelas razões que invocou nos despachos recorridos, não podia concluir que o articulado superveniente configura um incidente legalmente inadmissível e que os factos não interessam à boa decisão da causa.
14ª - Quanto ao fundamento do douto despacho recorrido, da não admissão da reconvenção constante do articulado superveniente, porque não foi deduzida com a sua contestação é, com o devido respeito, um fundamento incompreensível. Conforme consta do articulado superveniente, se os factos alegados que fundamentam a reconvenção ocorreram no final de Agosto de 2000 e daí até hoje, logo após a dedução da contestação em 2 de Maio de 2000, era impossível ter alegado tais factos na altura da contestação porque ainda não tinham ocorrido.
15ª - O mesmo acontece com o fundamento da ausência de pedido na contestação. Ora, na contestação a ré não podia formular nenhum pedido pois quando deduzira a contestação ainda não se tinham verificado os factos alegados no requerimento superveniente (que ocorreram no final de Agosto de 2000 e daí até hoje), que levaram a que a ré apenas fechasse o local arrendado em final de Agosto de 2000.
16ª - Também não se percebe porque o Mº Juiz achou que os factos alegados não interessavam à boa decisão da causa, nem que tais factos não fossem factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito da ré. Ora, com o devido respeito, os factos constantes do articulado superveniente são factos que interessam à boa decisão da causa pois são factos constitutivos do direito da ré de ser compensada pelos prejuízos sofridos por o autor não ter substituído o soalho que estava em risco de ruir, por ter fechado a água à ré e não ter feito obras na canalização de água e por ter mudado as fechaduras do local arrendado impossibilitando a ré de ter acesso ao local arrendado. Estes factos são também extintivos do direito do autor por não ter cumprido as obrigações impostas por lei ao locador, conforme atrás se referiu.
O autor não apresentou contra-alegações.
Posteriormente, a ré interpôs recurso de agravo da decisão que indeferiu um novo requerimento contendo um articulado superveniente e o pedido reconvencional, finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões:
Apesar de a causa de pedir nestes autos se reduzir à falta de pagamento das rendas desde Outubro de 1999 a Março de 2000 e pelo encerramento da actividade há mais de um ano, concretamente no 1º andar, desde 3 de Julho de 1997 e, no 2º andar, desde Fevereiro de 1999 e como no pedido o autor solicita a condenação da ré a pagar as rendas que se vencerem durante o decurso da acção, caso, o que não se admite, esta parte do pedido venha a proceder, deve ser admitido o articulado superveniente onde se referem os factos ocorridos no Verão de 2000 e daí por diante.
O autor voltou a não apresentar contra-alegações.
A sentença julgou a acção, parcialmente procedente, e, em consequência, considerando prejudicado o conhecimento do pedido de condenação da ré no pagamento das rendas vencidas, entretanto, pagas, condenou-a a despejar, imediatamente, o 1º e 2º andares do arrendado, entregando-os ao autor, livres e devolutos, de pessoas e bens, e bem assim como a pagar ao mesmo as rendas vencidas durante a pendência da acção.
Desta sentença, a ré interpôs recurso de apelação, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e declaração da total improcedência dos pedidos formulados pelo autor, formulação as seguintes conclusões:
1ª - Uma vez que, no dia em que o autor intentou a acção de despejo, todas as rendas supostamente em atraso, até Março de 2000, invocadas na causa de pedir como fundamentadoras da resolução do contrato de arrendamento, estavam pagas, tendo o autor passado os respectivos recibos à ré, sem exigir qualquer indemnização, nem tendo o autor recusado o pagamento das referidas rendas, não podia o autor vir, posteriormente, invocar a mora como fundamentadora da resolução, pois a mora cessou a partir do momento em que foi efectuado o pagamento das rendas. Tendo deixado de haver prestações em mora, deixou de haver motivo para resolução do contrato de arrendamento – artigo 1041º do CC. Esta atitude imprevista e contra o acostumado do autor é ainda ilegítima pois viola também o artigo 334º do C.C. Jurisprudência: “Recebendo o senhorio o pagamento das rendas em atraso e emitidos os respectivos recibos sem qualquer ressalva, sana-se a ilicitude do comportamento do arrendatário e preclude-se o direito de acção do senhorio relativo a tais atrasos (RE, 22-9-1988, BMJ, 379º, 662 – Código Civil Anotado de Abílio Neto, anotações ao art. 64º do RAU, pag. n.º 1487, penúltimo parágrafo).
2ª - Tendo o autor invocado como causa de pedir, quanto a rendas, apenas o não pagamento das rendas de Outubro de 1999 a Março de 2000, nunca tendo ampliado a causa de pedir, tendo sim a ré alegado factos supervenientes (que não foram admitidos tendo a decisão sido agravada) que a impossibilitaram de continuar a pagar a renda a partir do Verão de 2000 (tendo pago todas as rendas até essa data), por ter constatado, nessa altura, que o soalho estava a ruir, e que o autor tinha fechado a água e mudado as fechaduras do locado, não pode a sentença ir para além do pedido e condenar a ré no pagamento das rendas que se venceram na pendência da acção, pois o pedido está limitado pela causa de pedir e a ré ficou impossibilitada de usar do contraditório quanto à exigibilidade ou não das rendas vencidas após o Verão de 2000. Fundamentação: Acórdão nº 2670/2005-6 do TRL, datado de 14/04/2005 de que destacamos: “...a causa de pedir é o facto real que concretamente se alega para justificar o pedido, seja o facto jurídico concreto do qual emerge, por força do Direito, a pretensão deduzida pelo autor ...”, “A causa de pedir suportadora da pretensão do A. é apenas a falta de pagamento das rendas que se referenciaram e não de quaisquer outras, nomeadamente as vencidas na pendência da acção que podem,...permitir a ampliação da causa de pedir e do pedido (artº 273º do CPC)”; art. 498º, nº4 e art. 467º, nº 1 c) do CPC (cfr., v. g., Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 111, Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 245 e Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol II, págs. 370 e segs.); (cfr., entre outros, os Acs. da Relação de Lisboa de 5-12-85 e 23-2-89, e da Relação do Porto de 9-10-95, in Col. Jur., respectivamente, Ano X -5-96, Ano XIV-1-141, Ano XX - 4-204 e do S.T.J. de 6-11-84, 27-11-90, 25-2-93 e 17-1-95, in B.M.J., respectivamente, 341-385 e 401-581 e Col. Jur., Acs. do S.T.J., também respectivamente, Ano I-1-152 e Ano III-1-25).
3ª - Tendo sido proferido, nestes autos, um despacho que não admitiu os articulados supervenientes ocorridos após o Verão de 2000, alegados pela ré (nomeadamente: soalho do locado em ruína, fecho da água e mudança de fechadura do locado, por parte do autor), porque, segundo esse despacho, éa causa de pedir que delimita o objecto do processo”, (e a causa de pedir apenas referia o espaço temporal de Outubro de 1999 até Março de 2000) não pode, posteriormente, nestes mesmos autos, ser proferida uma decisão que esteja em contradição com esse anterior despacho e respectivos fundamentos, condenado a ré num pedido (pagamento de rendas vencidas na pendência desta acção) relativamente ao qual não foi alegado qualquer facto real concreto justificativo de tal pedido, nem qualquer facto jurídico concreto do qual possa emergir, por força do Direito, a pretensão deduzida pelo autor. Esta contradição, parece-nos, com o devido respeito por opinião contrária, que constitui uma nulidade – art. 668º, nº 1.
O autor não apresentou contra-alegações.
Na sentença apelada, declararam-se demonstrados, sem impugnação, os seguintes factos, que este Tribunal da Relação aceita, nos termos do estipulado pelo artigo 713º, nº 6, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:
Por escritura pública de compra e venda, outorgada no Cartório Notarial da Guarda, no dia 22 de Julho de 1998, C… e D…. declararam que vendiam a A…., que declarou comprar aqueles, pelo preço de dezasseis milhões de escudos, o prédio urbano de rés-do-chão, 1º e 2º andares, sito na Rua General Póvoas, nº 32, na freguesia de S. Vicente, concelho da Guarda, inscrito na matriz sob o artigo 9º e descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o nº 2568 – documento de folhas 6 a 21, cujo teor a sentença dá por, integralmente, reproduzido, para todos os efeitos legais – A).
Por escritura pública de arrendamento, outorgada no Cartório Notarial da Guarda, no dia 3 de Julho de 1997, C… e D….declararam que davam de arrendamento à “B…..”, que, pelos seus representantes, declarou tomar de arrendamento aqueles, pelo prazo de um ano, prorrogável, por iguais períodos, com início no dia 1 de Maio de 1997, para a actividade cultural e associativa do clube, autorizando a cessão da exploração do bar, mediante o pagamento de uma renda mensal, no valor de trinta mil escudos, a pagar em casa dos senhorios ou de quem os represente, na Guarda, até ao dia 8 de cada mês, o 2º andar do prédio referido em A) – documento de folhas 22 a 25 – B).
Por escritura pública de arrendamento, outorgada no Cartório Notarial da Guarda, no dia 20 de Outubro de 1997, C… e D…. declararam que davam de arrendamento à “B….”, que, pelos seus representantes, declarou tomar de arrendamento aqueles, pelo prazo de um ano, prorrogável, por iguais períodos, com início no dia 1 de Novembro de 1997, para a actividade cultural e associativa do clube, autorizando a cessão da exploração do bar, mediante o pagamento de uma renda mensal, no valor de trinta e cinco mil escudos, a pagar em casa dos senhorios ou de quem os represente, na Guarda, até ao dia 8 de cada mês, o 1º andar do prédio referido em A) – documento de folhas 26 a 29 – C).
Por escritura pública de cessão de exploração, outorgada no Cartório Notarial da Guarda, no dia 11 de Janeiro de 1999, a “B….”, através dos seus representantes, declarou que cedia a E…., que declarou receber, a exploração do estabelecimento comercial de bar, instalado no 1º e 2º andares do prédio, referido em A), mediante o pagamento de uma renda anual, no valor de setecentos e oitenta mil escudos – documento de folhas 30 a 33 – D).
A ré pagou a renda referente ao 2º andar e ao mês de Outubro de 1999, no valor de 30000$00, no dia 15 de Março de 2000 – documento de folhas 48 – E).
A ré pagou a renda referente ao 2º andar e aos meses de Novembro e Dezembro de 1999, no valor global de 60000$00, no dia 15 de Março de 2000 – documento de folhas 46 – F).
A ré pagou a renda referente ao 2º andar e aos meses de Janeiro a Março de 2000, no valor global de 90000$00, no dia 15 de Março de 2000 - documento de folhas 46 – G).
A ré pagou a renda referente ao 1º andar e ao mês de Outubro de 1999, no valor de 35000$00, no dia 15 de Março de 2000 – documento de folhas 47 – H).
A ré pagou a renda referente ao 1º andar e aos meses de Novembro e Dezembro de 1999, no valor global de 70000$00, no dia 15 de Março de 2000 – documento de folhas 47 – I).
A ré pagou a renda referente ao 1º andar e aos meses de Janeiro a Março de 2000, no valor global de 105000$00, no dia 15 de Março de 2000 – documento de folhas 48 – J).
A ré depositou, na Caixa Geral de Depósitos, à ordem deste processo, no dia 2 de Maio de 2000, a quantia de 195000$00, referente às rendas dos meses de Abril e Maio de 2000, acrescidas da indemnização devida, referente ao arrendamento do 1º e 2º andares do prédio referido – documento de folhas 50 – K).
A ré depositou, na Caixa Geral de Depósitos, à ordem deste processo, no dia 8 de Maio de 2000, a quantia de 65000$00, referente às rendas do mês de Junho de 2000 – documento de folhas 80 – L).
A ré depositou, na Caixa Geral de Depósitos, à ordem deste processo, no dia 13 de Julho de 2000, a quantia de 195000$00, referente às rendas dos meses de Julho e Agosto de 2000, acrescidas da indemnização devida, referente ao arrendamento do 1º e 2º andares do prédio referido – documento de folhas 81 – M).
Foi acordado entre as partes que as rendas deviam ser depositadas, no escritório do contabilista do autor – 1º.
A ré, desde a data da celebração do contrato de arrendamento, no dia 20 de Outubro de 1997, até à data da propositura da acção, destinou o 1º andar do prédio, apenas, à armazenagem de bens propriedade da associação ré e de mercadorias resultantes da exploração do bar que existiu no 2º andar do mesmo prédio – 3º.
A cessionária, referida em D), explorou o bar existente no 2º andar, durante pouco tempo, tendo cessado a exploração, em data não apurada, mas ainda no ano de 1999 – 4º.
O 2º andar do prédio encontra-se sem qualquer actividade, desde finais do ano de 1999 ou princípios do ano de 2000 – 5º.
Na data da propositura da acção, os soalhos dos arrendados encontravam-se degradados – 13º.

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Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir nos vários recursos, em função das quais se fixa o seu objecto, considerando que o «thema decidendum» dos mesmos é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), aplicável, são as seguintes:
I – A questão da admissibilidade do articulado superveniente e da reconvenção com o articulado superveniente.
II - A questão da admissibilidade do articulado superveniente de aperfeiçoamento.
IV – A questão da mora no pagamento da renda.
V – A questão da condenação no pagamento das rendas vencidas na pendência da acção.

I. DA ADMISSIBILIDADE DO ARTICULADO SUPERVENIENTE E DA RECONVENÇÃO

Dizem-se supervenientes, “tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos,…”, os quais “…podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão”, desde que sejam “…constitutivos, modificativos ou extintivos do direito…”, de acordo com o estipulado pelo artigo 506º, nºs 2 e 1, do CPC.
Os articulados supervenientes destinam-se a dar efectivação, embora só em certa medida, ao princípio segundo o qual a sentença deve corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão, consagrado pelo artigo 663º, nº 1, do CPC.
Em relação ao réu, a admissibilidade dos articulados supervenientes depende, além do mais, da relevância ou irrelevância do facto respectivo, quanto à pretensão deduzida, em conformidade com o estatuído pelo artigo 663º, nº 2, do CPC.
A isto acresce que, depois da contestação, onde deve ser deduzida toda a defesa, podem ser invocadas as excepções que sejam supervenientes, atento o estipulado pelo artigo 489º, nºs 1 e 2, do CPC.
Contudo, a ré, após a designação da data da realização da audiência de discussão e julgamento, veio apresentar um novo articulado superveniente e reconvenção por factos supervenientes, que o Tribunal «a quo» indeferiu, por extemporâneo, relativamente ao pedido reconvencional, e por, legalmente inadmissível, quanto ao articulado superveniente.
Pretende a ré com este novo articulado demonstrar a natureza exceptiva dos ditos factos supervenientes, consubstanciadores da inadimplência, capaz de precludir o efeito útil do pedido formulado pelo autor, que, na procedência do pedido reconvencional ora formulado, seria condenado a pagar à ré a quantia que vier a ser apurada em liquidação de sentença, relativamente aos prejuízos sofridos por esta e que se estão a vencer, desde Agosto de 2000, e bem assim como a substituir os soalhos, em risco de ruir, a canalização da água e a entregar as chaves do locado à ré.
Para tanto, a ré alega que, no final de Agosto de 2000, solicitou ao autor a substituição dos soalhos do locado, em risco de ruir, o que este declinou, proibindo-a, também, de o fazer, tendo, então, esta deixado de explorar o bar, e o autor acabado por fechar a conduta de água que abastecia o arrendado, depois de ter ocorrido uma inundação no edifício, e mudado a fechadura das portas, sem entregar novas chaves à ré.
Na contestação, que foi junta aos autos, a 2 de Maio de 2000, a ré alega, nomeadamente, que “os sócios frequentam menos a Casa, também por questões de segurança, por determinação da Direcção, pois os soalhos…estão degradados” (28º), que “aquando do arrendamento das instalações controvertidas aos anteriores proprietários, e de acordo com os mesmos, a ré iniciou obras para proporcionar melhores condições aos sócios” (29º), mas “quando o autor pretensamente sucedeu aos anteriores proprietários, comunicou à ré que a partir desse momento estava proibida de fazer todas e quaisquer obras” (30º), “pelo que a ré teve de terminar as obras, ficando as suas instalações com enormes deficiências para uma ideal e segura utilização dos espaços” (31º).
Porém, não deduziu reconvenção, nem a excepção da inadimplência, muito embora tivesse discriminado as excepções da ilegitimidade e da litispendência.
Dispõe, a este propósito, o artigo 488º, que “na contestação deve o réu individualizar a acção e expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor, especificando separadamente as excepções que deduza”, acrescentando o artigo 501º, nº 1, ambos do CPC, que “a reconvenção deve ser expressamente identificada e deduzida separadamente na contestação, expondo-se os fundamentos e concluindo-se pelo pedido, nos termos das alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 467º”.
Para além do aspecto formal da especificação separada das excepções e da reconvenção que, não obstante, não deve ser levada ao extremo, o que é facto é que, fora do articulado da contestação, não podem, em princípio, ser deduzidas excepções, a não ser aquelas que sejam supervenientes, atento o estipulado pelo artigo 489º, nºs 1 e 2, do CPC, nem formulada reconvenção.
Aliás, a reconvenção é ainda uma defesa de contra-ataque, para além da defesa que contende com a relação processual e com a relação material controvertida, mas sempre uma defesa e, consequentemente, só na contestação, em princípio, pode ser deduzida.
Mas, se, por hipótese académica, se considerasse que a ré tinha formulado uma reconvenção incidental, versando sobre a aludida excepção peremptória da inadimplência, então, deveria ter requerido que à mesma fosse atribuída força de caso julgado material, com eficácia vinculativa, dentro e fora do processo, sob pena de a não alcançar, e não como aconteceu e é próprio da reconvenção, «stricto sensu», porquanto, além de solicitar a improcedência da acção, pediu a condenação do autor a pagar-lhe a quantia que vier a ser apurada em liquidação de sentença, relativamente aos prejuízos sofridos e que se estão a vencer, desde Agosto de 2000, e bem assim como a substituir os soalhos, em risco de ruir, e a canalização da água, devendo ainda entregar as chaves do locado à ré Remédio Marques, Acção Declarativa À Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2007, 294 e 295. .
E a falta de dedução de uma excepção peremptória, como acontece com a invocada inadimplência, na contestação, quando a ré o podia fazer, tal é a hipótese da alegada falta de segurança, proveniente da degradação dos soalhos, impede que aquela o realize, em momento posterior, atento o disposto pelo artigo 489º, nº 1, do CPC Remédio Marques, Acção Declarativa À Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2007, 294. .
Ora, os factos alegados pela ré, embora, objectivamente supervenientes, ou seja, o encerramento da conduta de água que abastecia o arrendado, depois de ter ocorrido uma inundação no edifício, e a mudança da fechadura das portas, não assumem relevância com vista à pretensão formulada pela ré que, perante a alegação, na contestação, de que os soalhos estão degradados, não deduziu a correspondente excepção, mas que agora, com a invocação de que os soalhos do locado estão em risco de ruir, já a considerou relevante.
Por seu turno, os alegados factos consubstanciadores da excepção da inadimplência são ainda irrelevantes, porquanto contendem com a causa de pedir do encerramento do locado, mas a qual não serviu de base à sentença recorrida, que não decretou o despejo com esse fundamento, mas, tão-só, com base na falta de pagamento das rendas vencidas.
Mas, admitindo que a ré pretendesse invocar a excepção da inadimplência com vista a justificar a falta de cumprimento da obrigação de pagamento da renda, então, também, não se compreende a razão pela qual afirma, na contestação, que pagou as rendas, desde Outubro de 1999 a Março de 2000, ou seja, até à data da propositura da acção, quando, por outro lado, e, de certo modo, contraditoriamente, invoca a inadimplência como razão justificativa desse facto, sem embargo de a sentença ter decretado o despejo, precisamente, com fundamento na falta de pagamento das rendas vencidas, com referência aos meses de Novembro de 1999 a Março de 2000.
Na verdade, a compatibiidade natural dos factos exceptivos com os factos constitutivos da acção implica, por via de regra, embora não, necessariamente, a incompatibilidade lógica no uso simultâneo dos meios de defesa da impugnação, como o fez a ré, na contestação, ao impugnar a alegada situação de falta de pagamento das rendas, sustentando o seu cumprimento, e os da excepção, ao invocar agora, no articulado superveniente, a inadimplência, como forma, admitindo que se possa referir à única causa de pedir em que se sustentou a sentença recorrida, de justificar o contrário do acabado de sustentar ao reclamar o pagamento Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, III, 1970, 350 e 351..
A isto acresce que a ré não interpôs recurso do segmento da sentença que declarou não haver lugar à suspensão do pagamento das rendas, face à necessidade da realização de obras no locado, com base na excepção do não cumprimento do contrato.
Afinal, se os alegados factos têm natureza superveniente, não podem ser, não são, igualmente, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo autor, tal como a ré defende e o artigo 506º, nº1, do CPC, exige.

II. DA ADMISSIBILIDADE DO ARTICULADO SUPERVENIENTE DE APERFEIÇOAMENTO

A ré sustenta ainda que devem ser considerados, imediatamente, assentes os factos alegados, no articulado superveniente de aperfeiçoamento, porquanto os mesmos não foram impugnados pelo autor.
Porém, neste particular, a ré, tendo apresentado um articulado superveniente de aperfeiçoamento, a folhas 266 e seguintes, desde logo, no mesmo requerimento, interpôs recurso do despacho antecedente que rejeitara o primeiro articulado superveniente, mas sem que, igualmente, viesse a interpor um novo recurso de agravo, em relação à decisão de folhas 277, que não admitiu o articulado do aperfeiçoamento, ainda que, enfaticamente, logo no início das alegações daquele agravo, venha referir que “o presente recurso vem interposto do douto despacho que rejeitou o articulado relativo a factos supervenientes e não admitiu o requerimento de aperfeiçoamento desse articulado”.
Assim sendo, não pode relevar, manifestamente, a bondade das alegações constantes do articulado superveniente de aperfeiçoamento, por ter transitado em julgado a decisão que o rejeitou, formando caso julgado formal, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 672º e 677º, ambos do CPC.

III. DA MORA NO PAGAMENTO DA RENDA

Defende a ré que, tendo a mora cessado com o pagamento das rendas, deixou de haver fundamento para a resolução do contrato.
Traduzindo obrigação do locatário o pagamento da renda, que deve ser efectuada, no último dia da vigência do contrato ou do período a que respeita, aquele constitui-se em mora, sempre que, por motivo que lhe seja imputável, não tenha efectuado o respectivo pagamento, ainda possível, no tempo devido, nos termos das disposições combinadas dos artigos 1038º, a), 1039º, nº 1 e 804º, nº 2, do Código Civil (CC).
Assim, a mora no pagamento da renda pelo locatário, constitui fundamento de resolução do contrato pelo senhorio, mas que aquele pode fazer cessar (purgação da mora), até à contestação, evitando o despejo, enquanto causa da caducidade do direito à resolução, ou seja, efectuando o pagamento das rendas em atraso e de uma indemnização igual a 50% do que for devido, dentro dos oito dias subsequentes ao vencimento, nos termos do estipulado pelos artigos 1041º, nºs 1 e 2, e 1048º, nº 1, ambos do CC, e 64º, nº 1, a), do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), então, vigente.
Efectivamente, enquanto houver uma renda, indevidamente, por pagar, e a respectiva falta não estiver sanada, quer pelo pagamento, quer pelo depósito, não é de impor-se ao senhorio o dever de receber as rendas simples ulteriores, porquanto a situação de falta está em aberto, afectando os meses seguintes e a própria relação de arrendamento no seu todo, enquanto o remédio do pagamento ou do depósito não for utilizado Parecer da Câmara Corporativa nº 15, de 5 de Fevereiro de 1947, nº 44..
Porém, o facto de o senhorio ter conhecimento do cumprimento parcial da prestação debitória, a cargo do locatário, e não se opor ao seu recebimento, não significa que haja renunciado ao direito de exigir, além das rendas em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido, que lhe advém da situação de mora do locatário, atento o disposto pelo artigo 1041º, nºs 1, 3 e 4, do CC RL, de 3-10-1996, CJ, Ano XXI, T4, 114..
Efectivamente, dispõe o artigo 1041º, nº 4, do CC, que “a recepção de novas rendas ou alugueres não priva o locador do direito à resolução do contrato ou à indemnização referida, com base nas prestações em mora”.
Por seu turno, a apelante sustenta que os recibos emitidos pelo autor devem considerar-se comprovativos do pagamento das rendas e da indemnização devidas, ainda que estas não tenham sido satisfeitas ao senhorio.
A lei confere a todo aquele que solve uma dívida a faculdade de exigir a respectiva quitação da pessoa que recebe o pagamento, podendo o autor deste recusar a prestação, enquanto não lhe for dada a quitação, assim como pode exigi-la, posteriormente, nos termos do previsto pelo artigo 787º, nºs 1 e 2, do CC.
A isto acresce que, uma vez extinta a obrigação, o devedor tem, em princípio, o direito de exigir que lhe seja entregue o respectivo título, podendo, também, recusar a prestação, enquanto lhe não for restituído o título da dívida ou nele mencionado o cumprimento, ou, na impossibilidade, exigir do credor uma quitação, passada a expensas deste, tudo em conformidade com o estatuído pelos artigos 788º, nºs 1 e 3, e 789º, do CC.
Aliás, a entrega do título original da dívida, que o credor efectue, voluntariamente, ao devedor, faz presumir a liberação deste, nos termos do disposto pelo artigo 786º, nº 3, do CC.
O recibo ou quitação constitui o documento em que o credor declara ter recebido uma prestação como satisfação do seu crédito Mário Júlio Almeida Costa, Direito das Obrigações, 2ª edição, revista e actualizada, 469., representando o melhor e o meio normal de efectuar a prova do cumprimento das obrigações, cujo ónus incumbe, em princípio, ao devedor, em conformidade com o preceituado pelo artigo 342º, nº 2, do CC.
A quitação ou recibo supõe a indicação do crédito, a menção da pessoa que cumpre, a data do cumprimento e a assinatura do credor, não significando, por via de regra, mas não, necessariamente, uma declaração de vontade em que o credor quer aceitar a prestação recebida como satisfação do seu direito, e, muito menos, de que considera extinto o seu crédito, mas antes uma mera declaração de ciência, certificativa do facto de que a prestação foi realizada e recebida pelo credor Larenz, Lehrbuch des Shuld, I, 12 ª edição, § 18, III..
Sendo a quitação, não uma simples declaração de recebimento da prestação, mas a ampla declaração de que o «solvens» já nada deve ao «accipiens», seja a título do crédito extinto, seja a qualquer outro título Carbonnier, Droit Civil, T4, 1982, nº 129, 538., impunha-se à ré que demonstrasse que os aludidos recibos representavam, para além do pagamento das rendas em atraso, também, o pagamento da indemnização igual a 50% do que for devido, o que, de todo, não logrou realizar.
Aliás, é bem elucidativo do sucedido o facto de a ré ter pago a renda referente ao 2º andar do locado e aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 1999, Janeiro, Fevereiro e Março de 2000, no valor unitário de 30000$00, e ao 1º andar do locado e aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 1999, Janeiro, Fevereiro e Março de 2000, no valor unitário de 35000$00, como consta, igualmente, do rosto dos documentos de folhas 46 a 49, inclusive, sem qualquer menção, como já acontece com o texto das guias de “depósitos obrigatórios”, para além das “rendas”, ao acréscimo da “indemnização”, a folhas 79, 81 e 85.
Não é, assim, defensável, com o devido respeito, a posição sustentada pela ré de que se impunha ao senhorio fazer consignar nos documentos de quitação, por este emitidos, a ressalva de que o pagamento das rendas não implicava o pagamento das indemnizações devidas, sob pena de se precludir o direito de resolução do contrato de arrendamento RE, de 22-9-1988, BMJ nº 379, 662..

IV. DAS RENDAS VENCIDAS NA PENDÊNCIA DA ACÇÃO

Defende a ré que, não tendo o autor pedido a condenação no pagamento das rendas vincendas, mas, tão-só, das rendas vencidas, a sentença ultrapassou o pedido, ao condená-la no pagamento das rendas que se venceram na pendência da acção.
Porém, o autor, na petição inicial, solicitou, além do mais, a condenação da ré a pagar-lhe as rendas vencidas, até ao momento, no valor global de 390 000$00, bem como as vincendas, no decurso da acção.
Como assim, não ocorre o vício da condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, que determinaria a causa da nulidade da sentença, a que alude o artigo 668º, nº1, e), do CPC, e que constituiria uma violação do princípio do dispositivo, e não uma contradição entre o pedido e a causa de pedir.

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CONCLUSÕES:

I - Para além do aspecto formal da especificação separada, na contestação, das excepções e da reconvenção, não podem, em princípio, fora do articulado da contestação, ser deduzidas excepções, a não ser aquelas que sejam supervenientes, nem formulada reconvenção.
II – Admitindo-se a reconvenção incidental, versando sobre a excepção peremptória da inadimplência, deveria a ré ter requerido que à mesma fosse atribuída força de caso julgado material, com eficácia vinculativa, dentro e fora do processo, sob pena de a não alcançar.
III - A compatibiidade natural dos factos exceptivos com os factos constitutivos da acção implica, por via de regra, a incompatibilidade lógica do uso simultâneo dos meios de defesa da impugnação com os da excepção.
IV - O facto de o senhorio ter conhecimento do cumprimento parcial da prestação debitória, a cargo do locatário, e não se opor ao seu recebimento, não significa que haja renunciado ao direito de exigir, além das rendas em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido, que lhe advém da situação de mora do locatário.
V - Sendo a quitação, não uma simples declaração de recebimento da prestação, mas a ampla declaração de que o «solvens» já nada deve ao «accipiens», seja a título do crédito extinto, seja a qualquer outro título, impõe-se ao locatário que demonstre que os recibos representam, para além do pagamento das rendas em atraso, também, o pagamento da indemnização igual a 50% do que for devido.


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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar não providos os agravos e improcedente a apelação e, em consequência, em confirmar, inteiramente, as doutas decisões recorridas.

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Custas, a cargo da ré-apelante.