Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4187/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: SERAFIM ALEXANDRE
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA - CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
EM PROCESSO CRIME DO INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURNAÇA SOCIAL
Data do Acordão: 02/09/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE OLEIROS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIME
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 2º,75º E 76º, DO C. C. J. E 517º E 522º, DO C. P. PENAL
Sumário: I- Um órgão do Estado, se se considera Estado em sentido restrito, não se pode constituir assistente, pois é representado pelo M.º Público. Se se considera Estado em sentido lato, com autonomia financeira e administrativa, administrando património próprio e como tal com legitimidade para se constituir assistente em processo crime, não está isento do pagamento de taxa de justiça devida por essa constituição.
II- É isto que acontece com o Instituto de Solidariedade e Segurança Social.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal da Relação dede Coimbra:

Correm termos na comarca de Oleiros os autos de Inquérito n.º 3/03 em que:
- O Instituto de Solidariedade e Segurança Social – Centro Distrital de Segurança Social de Lisboa, veio deduzir pedido de indemnização cível e, simultaneamente, requerer a sua constituição como assistente nos autos;
- Os autos foram conclusos ao Juiz com a informação de que tal requerimento não se fazia acompanhar de documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pela constituição de assistente, suscitando-se dúvidas, à secretaria, da aplicação do disposto no art.º 80º, n.º 2, do C. C. J.;
- Foi então proferido o seguinte despacho:
“Por requerimento de fls. 293, o Instituto de Solidariedade e Segurança Social (ISSS), devidamente patrocinado, veio requerer a sua constituição como assistente.
Em matéria de custas vigora o princípio de que a isenção de custas é de natureza excepcional, só tendo aplicação nos casos expressamente previstos na lei (cfr. Acórdão do S.T.J. de 03.05.77, in B.M.J., 267).
Pertinentes são os artigos 46º, n.º 3 do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras (entretanto revogado pelo novo RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 5 de Junho) e o artigo 522º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
Todavia, salvo melhor opinião, tais normativos não podem ter aplicação ao caso em apreço.
Dispõe o mencionado artigo 46º, n.º 3 referido que: “A administração fiscal goza em matéria de custas e taxa de justiça do regime fixado para o Ministério Público em Processo Criminal”.
E estabelece o artigo 522º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que o Ministério Público está isento de custas.
Não obstante o artigo 51º-A do Decreto-Lei n.º 140/95, de 14 de Junho, ter vindo a conceder ao presidente do conselho directivo dos antigos C.R.S.S. competente e aos seus funcionários e agentes, os poderes anteriormente conferidos ao director distrital de finanças e aos agentes da administração fiscal na tramitação do processo penal quando respeitante a crimes contra a Segurança Social, daí não decorre deste diploma que as isenções de custas especialmente previstas para a administração fiscal se estendem à Segurança Social.
Mais cumpre referir que a isenção das custas prevista no artigo 2º, n.º 1, alínea g) do Código das Custas Judiciais não se aplica aos processos criminais, até porque tal normativo se insere no Título I do referido código, sob a epígrafe de “Custas Cíveis” e, por outro lado, em relação aos processos criminais existem normas expressas nesse sentido, designadamente os artigos 74º e seguintes do C.C.J., sendo certo que o artigo 75º sob a epígrafe de “Isenções Objectivas” não faz referência a entidades de idêntica natureza à da requerente (neste sentido, Salvador da Costa, in C.C.J.. anotação ao artigo 2º, n.º 1, alínea g), pág. 73, ao referir que a isenção tributária aí prevista não abrange, em razão da excepção normativa, a taxa de justiça criminal ).
Por outro lado, o artigo 522º n.º 1 do Código de Processo Penal, norma especial sobre isenções tributárias, apenas contempla o Ministério Público e o arguido e, quanto a este último apenas no que se refere aos casos referidos no n.º 2 do artigo referido.
Ora, sendo o artigo 522º do C.P.P. considerada lei especial vigente e nada referindo acerca da isenção de entidades como a ora requerente no que se refere a custas judiciais, teremos forçosamente de concluir que, uma vez que não há norma expressa da isenção do pagamento de custas em processo crime, está o ISSS (então C.R.S.S.) sujeita ao pagamento das custas judiciais com vista à sua constituição como assistente.”
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É deste despacho que recorre o referido Instituto de Solidariedade e Segurança Social, concluindo:
1- O âmbito objectivo do presente recurso prende-se com a questão de saber se o recorrente goza ou não de isenção de custas criminais.
2- Salvo melhor opinião, a Segurança Social entende que o Instituto de Solidariedade e Segurança Social - Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Lisboa, ora recorrente, está isento de custas judiciais.
3- Quando o art. 522º, n.º 1 do CPP dispõe que “o Ministério Público está isento de custas”, isso equivale a afirmar que e o próprio Estado que na acção penal está isento de custas “.
4- O Instituto de Solidariedade e Segurança Social - CDSSSL, está integrado na Administração indirecta do Estado - beneficiando da isenção de custas previstas no n.º 1 do artigo 522º do CPP.
5- Por outro lado, o ISSS - CDSSSL goza de todas as isenções reconhecidas por lei aos Estado nos termos do n.º 1 do artigo 118º da Lei n.º 32/2002 de 20 de Dezembro (Lei de Bases da Segurança social), e do artigo 35º do Dec. Lei n.º 316/-A/2000 de 7 de Dezembro.
6- A lei de Bases da Segurança Social é uma lei reforçada.
7- Em última análise, e caso não leve vencimento a posição expendida pelo recorrente, dever-se-á aplicar ao caso vertente o n.º1 do artigo 15º e o n.º 1 do artigo 16º do Dec. Lei n.º 324/2003 de 27 de Dezembro uma vez que o legislador só pretendeu aplicar o referido diploma legal a processos posteriores a 1 de Janeiro de 2004 - o que não é manifestamente o caso sub judicie.
8- Assim sendo, deverá o douto despacho ora impugnado ser revogado e substituído por outro que considere o Instituto de Solidariedade e Segurança social – Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social isento de custas criminais.
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Respondeu o M.º Público, concluindo do seguinte modo:
1- O legislador, ao determinar, no art.º 522º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que “o Ministério Público está isento de custas”, não pretendeu abranger o próprio Estado ou os órgãos e entes personalizados que representam os seus interesses.
2- Com efeito, a referida isenção de custas concedida ao Ministério Público tem por fundamento a específica posição institucional por si ocupada no exercício da acção penal, actuando como “órgão de justiça”, e não nos interesses que representa.
3- Deste modo, o Instituto de Solidariedade e Segurança Social, pessoa colectiva dotada de autonomia administrativa, patrimonial e financeira(…)
4- (…)qualquer relevância no caso em apreço.
5- A pretensão do Recorrente também não tem assento nos arts. 46º, n.º 3, e 51º-A do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras, na medida em que, para além de tais disposições legais se encontrarem revogadas, o seu âmbito de aplicação não abrangeria o caso vertente.
6- Assim, tendo em conta que não existe qualquer disposição legal que conceda ao Recorrente a alegada isenção de custas, revestindo esta natureza excepcional, afigura-se-nos que a sua pretensão não merece acolhimento.
7- Deste modo, o douto despacho recorrido não violou os arts. 522º, n.º 1, e 524º, do Código de Processo Penal, nem os arts. 2º e 74º a 101º do Código das Custas Judiciais, o art. 118º, n.º 1, da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro, o art. 35º dos Estatutos do ISSS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 316-A/2000, de 7 de Dezembro, ou os arts. 14º, n.º 1, e 16º, n.º 1, do Decreto Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro.
Em face das considerações sumariamente alinhadas, afigura-se-nos que deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se, na íntegra, a douta decisão em apreciação.
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O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação, acompanha este entendimento
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
A questão que nos é colocada é saber se o Instituto de Solidariedade e Segurança social – Centro de Lisboa está ou não isento do pagamento de taxa de justiça devida pela constituição de assistente.
Que não, defendeu o despacho recorrido no que é acompanhado pelo M.º Público. Que sim, defende o recorrente, aquele Instituto.
Refira-se, desde já, que o recorrente confunde coisas bem diversas.
O que está em causa nos presentes autos, a avaliar pelo conteúdo do requerimento do ora recorrente em que formula o pedido de constituição de assistente e de indemnização cível, é a prática, pelos arguidos, de um crime de fraude em relação à Segurança social, p. e p. pelo art.º 106º, n.º 1, 2 e 3, do RGIT e 104º, n.º 1, als. b), c) d) e e), da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, em concurso com um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art.º 256º, n.º 1, al. a) e b), 3 e 4.
Curiosamente, o recorrente nem sequer põe em causa que tem legitimidade para se constituir assistente, questão, aliás, ainda não decidida, nem objecto deste recurso.
Porém, o recorrente naquele seu requerimento, reconhece que:
- é o lesado;
- titular dos direitos que a disposição protege;
- foi lesado o seu património;
- sofreu prejuízo.
Mas já nas conclusões do seu recurso, afirma que:
- está integrado na administração indirecta do Estado;
- goza de todas as isenções reconhecidas por lei aos Estados; e
- se o Ministério Público está isento de custas, isso equivale a afirmar que é o próprio Estado que na acção penal está isento de custas.
Há aqui algo de contraditório. Ou o recorrente entende que é Estado e como tal isento de custas, mas nesse caso não tem legitimidade para se constituir assistente, devendo os seus interesses ser defendidos pelo M.º Público a quem compete representar o Estado; ou, se entende que se pode constituir assistente, é porque entende que é um simples lesado, titular de um interesse próprio, que não é Estado (que não é representado pelo M.º Público) não estando, então, delas isento.
Isto é, a razão pela qual o recorrente se pode constituir assistente é a razão pela qual não está isento de custas, ou, vice-versa, se está isento de custas, não se pode constituir assistente.
Sendo assim, a questão podia, desde logo, ser resolvida do seguinte modo: se o recorrente pretende constituir-se assistente tem de pagar a respectiva taxa de justiça.
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Como ainda não foi admitido como assistente, poderíamos ficar por aqui.
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Acrescentaremos, porém, resumidamente, o seguinte:
a)- Ao caso aplicam-se as normas vigentes à data do requerimento do recorrente e estão nesse caso os artigos 75º e 76º do C. C. Judiciais e artigos 517º e 522º do C. P. Penal.
b)- Já no acórdão desta Relação, no Rec. n.º 238/04, de 17 de Março de 2004, se decidiu que o I. G. Financeira da Segurança Social tinha legitimidade para se constituir assistente, em processo onde se discutia o crime de abuso de confiança contra a segurança social, porque era titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, porque era instituto com autonomia financeira e administrativa, administrando património próprio...não se confundindo com o Estado propriamente dito.
c)- Os artigos 516º e 517º, do CPP, não se aplicam no caso vertente:
d)- O art.º 522º, n.º 1, do C. P. Penal não tem qualquer aplicação ao recorrente. Desde logo, porque o recorrente não é o M.º Público, depois porque o recorrente não é o Estado. E o M.º Público, neste caso, está isento porque age como órgão de justiça. .
e)- O recorrente não pretende ver-se isento de custas cíveis (apesar de se apresentar como requerente de pedido cível). O que pretende é que se considere isento do pagamento de taxa de justiça devida pela constituição de assistente em processo crime. A isenção prevista no art.º 2º do C. C. J. é inaplicável ao processo criminal que tem normas próprias. E como as normas de isenção são normas excepcionais, são insusceptíveis de aplicação analógica. E as isenções criminais estão previstas nos artigos 75º e 76º do C. C. J e artigos 517º e 522º do C. P. P., não abrangendo o recorrente.
Assim:
1- Não tem aqui qualquer aplicação a previsão do art.º 2º do C. C. J. que se referem apenas às custas cíveis.
2- Nem o regime jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras -
f)- Por isso e pelo referido em b) se deve concluir que, apesar de as leis especiais citadas pelo recorrente lhe concederem todas as isenções reconhecidas por lei ao Estado, neste caso não beneficia da referida isenção.
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Nem há que impressionar terem órgãos do Estado personalidade tributária passiva em proveito de outros órgãos do mesmo Estado, já que a transparência financeira da administração pública e a organização financeira do Estado a isso conduz .
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Nestes termos, julgando o recurso por não provido, se confirma o despacho recorrido.
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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 ucs.
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Coimbra: