Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | COELHO DE MATOS | ||
| Descritores: | INTERVENÇÃO PROVOCADA RÉU | ||
| Data do Acordão: | 04/17/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | COMARCA DA MARINHA GRANDE -1º J | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | REVOGADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 325º DO CPC | ||
| Sumário: | 1. O lapso, o desconhecimento ou a dúvida sobre os sujeitos da relação jurídica controvertida justificam que o autor possa fazer intervir como réu um terceiro não inicialmente demandado, nos termos do artigo 325.º., n.º 2 do Código de Processo Civil. 2. O facto de o autor, só após a apresentação da sua petição inicial ter descoberto que havia outro responsável, permite-lhe requerer a sua intervenção principal, para ocupar o lugar ao lado do réu. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra 1. A... demandou, na comarca da Marinha Grande, B... e mulher C...., pedindo que sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 68.882,75 €, para a ressarcir dos danos patrimoniais e danos não patrimoniais que sofreu num acidente ocorrido na zona de banhos da Praia da Vieira, com uma prancha de “bodyboard” que a atingiu numa perna, após ter sido lançada pelo menor D..., filho dos réus. Alega, em síntese, que se encontrava na dita zona de banhos, como muitas outras pessoas que àquela hora estavam junto ao mar, com água pelos joelhos e de costas para o areal, que foi atingida numa perna pela dita prancha que havia sido lançada pelo dito D.... Com a violência do embate a prancha cravou-se na perna e logo de seguida o menor saltou para cima da prancha, causando-lhe um esfacelo no músculo respectivo. Apesar de ter sido logo assistida, os ferimentos complicaram-se e isso levou a autora a ter de ser submetida a tratamentos vários, tendo ainda ficado com uma IPP de 65%. São os danos que daí advieram à autora que esta agora peticiona contra os pais do menor, por alegada omissão do dever de vigilância. 2. Após a distribuição da acção e antes ainda da contestação, a autora veio aos autos, em requerimento autónomo, alegar que também tinha chegado à conclusão que o Estado Português, por intermédio da capitania da Nazaré, também omitiu o dever de vigilância da praia, na zona do acidente, porque se tratava de uma zona delimitada e reservado a banhos, onde não era permitido o uso de pranchas como a que lesionou a autora, pelo que competia ao pessoal da capitania fazer cumprir as normas de segurança previstas para as praias vigiadas. Em face disso e dada a co-responsabilidade do Estado, acaba a autora de requerer a intervenção provocada do Estado, nos termos do disposto no artigo 325.º e seguintes do Código de Processo Civil. 2. Em face do assim requerido entendeu o sr. Juiz que a autora o que estava fazer era uma ampliação da causa de pedir que no caso será inadmissível e que o pedido de intervenção não tinha cabimento nas normas dos artigos 325.º e seguintes, designadamente no seu n.º 2 e respectiva remissão para o artigo 31-B do Código de Processo Civil.
3. Inconformada com o assim decidido, a autora recorre a esta Relação em agravo que subiu em separado e onde conclui: 1. Num acidente ocorrido numa praia vigiada, o Estado tem responsabilidade por um acidente provocado por um menor que brinca na praia com uma prancha; 4. Não foram apresentadas contra-alegações. Foi proferido despacho de sustentação e agora, corridos os vistos, cumpre decidir, com base nos elementos de facto supra descritos nos pontos 1 e 2. Tenha-se ainda em conta que a acção deu entrada a 31/05/2005, o pedido de intervenção a 27/03/2006 e a contestação a 26/09/2006. Apesar de não se saber se já tinha sido efectuada a citação dos réus, o pedido da modificação subjectiva da instância (cfr. Artigo 268.º do Código de Processo Civil), através do incidente da intervenção provocada, leva-nos a partir desse pressuposto. E assim está em causa apenas a questão de saber se o facto de a autora, só após a apresentação da sua petição inicial ter descoberto que havia outro responsável, pode requerer a sua intervenção principal, para ocupar o lugar ao lado dos réus. Como vimos, o sr. Juiz recorrido entendeu que não, porque isso implica uma alteração da causa de pedir que, no caso concreto, não tem cabimento legal; porque o chamado não tem qualquer interesse em se associar aos réus (artigo 325.º, n.º 1 do Código de Processo Civil) e porque não se lhe afigura que possa ocorrer a hipótese prevista no n.º 2 desse mesmo artigo, porque o caso não cabe na alçada do artigo 31.º-B do Código de Processo Civil. Como se sabe, os incidentes de intervenção processual constituem um instrumento legal pelo qual se admite a modificação subjectiva da instância que se estabiliza com a citação do réu (cfr. artigo 268. do Código de Processo Civil). Nesses incidentes conta-se a intervenção provocada, hoje regulada nos artigos 325.º e seguintes do Código de Processo Civil. Diz o n.º 1 desse artigo que “qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária”. Neste caso o autor pode chamar a intervir na causa alguém que lá não está, mas que tenha um interesse igual ao do réu. No caso dos autos não faz sentido que a autora fizesse intervir o Estado, como pretende, com fundamento de que ele tem um interesse igual aos dos réus, porque não tem. Tanto faz ao Estado que os réus, pais do menor, sejam condenados ou absolvidos, pois nenhuma consequência daí lhe advirá. Mas já o n.º 2 desse artigo 325.º permite ao autor chamar a intervir como réu um terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido, tendo em vista os casos previstos no artigo 31.º-B do Código de Processo Civil. Diz este artigo que “é admitida a dedução subsidiária do mesmo pedido, ou a dedução de pedido subsidiário, por autor ou contra réu diverso do que demanda ou é demandado a título principal, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida”. É então admitido ao autor deduzir subsidiariamente o mesmo pedido contra réu diverso do que é demandado a título principal, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida. Transposto isto para o nosso caso diríamos que seria permitido à autora deduzir subsidiariamente contra o Estado o mesmo pedido que deduziu contra os réus (pais do menor), desde que tivesse dúvidas sobre o sujeito da relação controvertida. E não o tendo feito na petição inicial, poderia depois fazer intervir o Estado, nos termos do n.º 2 do artigo 325.º do Código de Processo Civil. Num juízo linear, parece que é isto que resulta da conjugação dos dois preceitos. Claro que, neste caso o pedido de intervenção tinha de implicar a alteração da causa de pedir, justamente para fundamentar o pedido de intervenção. É assim admissível a intervenção principal provocada “quando o autor queira provocar a intervenção de um réu subsidiário contra quem pretenda dirigir o pedido (artigo 325.º, n.º 2), o que – segundo parece – deve ser possível tanto em situações de litisconsórcio, como de coligação, porque ambas cabem na previsão do artigo 31.º-B” e parece também, do ponto de vista doutrinário, que tanto faz o réu ter uma posição subsidiária como uma posição alternativa , o que significa que o chamado a intervir como réu tanto o possa ser numa relação subsidiária ou de alternatividade. Pensando no caso em apreço, parece que a autora pode fazer intervir o Estado e dirigir contra ele um pedido subsidiário ou alternativo, desde que tenha dúvidas como o deve fazer. A ratio deste preceito (artigo 31.º-B), sem paralelo no texto anterior, encontra-se justificada no relatório do Dec.Lei n.º 329-A/95, de 12/12, pela forma seguinte: “dentro da ideia base de evitar que regras de índole estritamente procedimental posam obstar ou criar dificuldades insuperáveis à plena realização dos fins do processo – flexibilizando ou eliminando rígidos espartilhos, de natureza formal e adjectiva, susceptíveis de dificultarem, em termos excessivos e desproporcionados, a efectivação em juízo dos direitos – propõe-se a introdução no nosso ordenamento jurídico-processual da figura do litisconsorte eventual ou subsidiário. Torna-se, por esta via, possível a formulação de pedidos subsidiários – na configuração que deles dá o artigo 469.º do Código de Processo Civil – contra réus diversos dos originariamente demandados, desde que com isso se não convole para uma relação jurídica diversa da inicialmente controvertida”. Ora a justificação da autora para o uso deste expediente é que inicialmente não previu que naquela circunstância de facto, não só os pais do menor devem ser responsáveis por omissão do dever de vigilância, como também o Estado tinha o dever de vigilância do local e da sua omissão também emerge responsabilidade e dever de indemnizar. Como ela diz nos fundamentos do recurso “havendo pois presunção de culpa por parte do Estado, ao omitir o dever de vigilância que lhe competia, este só deixará de ter responsabilidade se elidir tal presunção. E neste caso, e só neste caso, a responsabilidade pelos danos é exclusiva dos pais do menor”. E mais adiante, noutro passo, afirma: “podia assim a A., como o fez, requerer o chamamento do Estado à acção, nos termos do artigo 325° do CPC, e, em consequência desse chamamento, alterar o pedido, nos termos do artigo 273° do CPC, de modo a que, os primeiros RR. ou o Estado, consoante o que vier a provar-se, sejam condenados a pagar à A. os danos derivados do acidente. Só assim se compreende o alcance do artigo 31-B do CPC”. A lei (artigo 31.º-B) fala em “caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida”, como condicionante da legitimação desta pluralidade subjectiva subsidiária, mas não vemos razão para não incluir o lapso a que se refere no requerimento de intervenção – a agravante só não demandou inicialmente o Estado “por lapso” – sobretudo se tivermos em conta que mesmo agora, na fundamentação do recurso, parece que ainda não tem uma ideia clara sobre o sujeito da relação jurídica controvertida. Isto posto, estamos em crer que o lapso, o desconhecimento ou a dúvida sobre os sujeitos da relação jurídica controvertida justificam que o autor possa fazer intervir como réu um terceiro não inicialmente demandado, nos termos do artigo 325.., n.º 2 do Código de Processo Civil. Com isto e no caso, no caso em apreço não há prejuízo para os réus inicialmente demandados, uma vez que a eventual responsabilidade do Estado não agrava a deles. E também não haverá prejuízo para o Estado, porque sempre a autora o poderia demandar em acção autónoma. Haverá sim uma evidente economia processual. E resta só observar que a questão da alteração da causa de pedir, tratada no despacho recorrido como uma questão prioritária e autónoma, pressuposto do pedido de intervenção provocada, deve apenas ser entendida como o fundamento do pedido intervenção e analisada nesse contexto. Podemos assim concluir: que: 1. O lapso, o desconhecimento ou a dúvida sobre os sujeitos da relação jurídica controvertida justificam que o autor possa fazer intervir como réu um terceiro não inicialmente demandado, nos termos do artigo 325.º., n.º 2 do Código de Processo Civil. 5. Decisão Por todo o exposto acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao agravo, para que seja admitido o pedido de intervenção requerido pela agravante. Custas a cargo da agravante por ser quem tira proveito. |