Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4012/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: ACÇÃO CÍVEL EMERGENTE DE ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS E POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 01/25/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALMEIDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 496, Nº 3; 564º, Nº 2, E 566º, Nº 3, DO C. CIV..
Sumário: :I – Tendo o A., à data do sinistro, 18 anos de idade, frequentando o 12º ano de escolaridade, além de ser jogador federado, actividade que teve de deixar de praticar em virtude das lesões sofridas, e uma vez que ficou a padecer de uma IPP de 32,5%, é de lhe atribuir, por danos patrimoniais futuros previsíveis o montante indemnizatório de € 40.000,00 .
II – E nesta situação afigura-se como correcta a atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais de € 25.000,00 .
III – Tendo tais valores sido fixados em sede de recurso e aí actualizados, os respectivos juros de mora serão devidos apenas a partir da data do acórdão respectivo .
Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


1. RELATÓRIO
A..., solteiro, estudante, residente no lugar de Malta, freguesia e concelho de Pinhel, intentou acção declarativa, com processo comum e forma sumária (corrigida para ordinária imediatamente após os articulados), contra a B...., com sede na Rua Gonçalo Cristóvão, nº 185, 4049-012 PORTO, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 135.677,71 Euros (cento e trinta e cinco mil seiscentos e setenta e sete euros e setenta e um cêntimos), devidamente actualizada nos termos expostos na petição.
Para tanto, o A. alegou que no dia 4 de Abril de 1999, pelas 19 horas e 10 minutos, na E. N. nº 324, ao Km 95,6, área do concelho de Almeida, ocorreu um acidente de viação em que intervieram o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 84-25-CI, propriedade de C..., conduzido pelo seu dito proprietário, que transferira para a R. a responsabilidade civil por danos causados pela sua circulação, e o motociclo com a matrícula 20-29-FV, propriedade de D..., conduzido pelo Autor; que, conforme descrição que do acidente faz, a culpa pela sua ocorrência se ficou a dever exclusivamente ao condutor do CI; e que, em consequência do acidente, sofreu os danos que indica, relativamente aos quais pretende ser indemnizado.
A R. contestou aceitando a existência do contrato de seguro e os factos alegados pelo autor relativos à forma como decorreu o acidente e afirmando desconhecer os danos sofridos e qualificando de exageradas as quantias reclamadas e de excessivo o grau de IPP alegado.
Saneada, condensada e instruída a acção, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, em cujo âmbito foi proferido o despacho de fls. 179 e 180, respondendo aos quesitos da base instrutória e, desse modo, decidindo a matéria de facto controvertida.
Foi depois proferida a sentença de fls. 184 a 195, julgando a acção parcialmente procedente e condenando a R. a pagar ao A., a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de € 30.500,00 (trinta mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde 15/07/2004 até integral pagamento.
Inconformado, o A. apelou e, na alegação de recurso apresentada, formulou as conclusões seguintes:
1) O valor da indemnização por danos patrimoniais futuros previsíveis deverá fixar-se em pelo menos 64.875,72 euros;
2) O valor da indemnização por danos não patrimoniais deverá fixar-se e, 35.000,00 euros;
3) Os juros devem começar a ser contabilizados desde a citação (02/03/2002);
4) O douto acórdão recorrido violou ou interpretou erradamente o disposto nos artºs 496º, nºs 1 e 3, 503º, 562º, 564º, nºs 1 e 2, 566º, nºs 1, 2 e 3, 804º, nºs 1 e 2 e 805º do Código Civil, disposições que deveriam ser interpretadas no sentido exposto.
A apelada respondeu defendendo a manutenção da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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2. QUESTÕES A SOLUCIONAR
Tendo em consideração que, de acordo com os artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foram colocadas apenas questões relativas (1) à fixação dos montantes das indemnizações por danos patrimoniais futuros e (2) por danos não patrimoniais e (3) à data a partir da qual devem ser contabilizados juros de mora.
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3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. De facto
Não tendo sido impugnada a decisão de facto nem havendo fundamento para oficiosamente a alterar, considera-se definitivamente assente a factualidade dada como provada na 1ª instância e que é a seguinte:
3.1.1. No dia 4 de Abril de 1999, pelas 19 horas e 10 minutos, na Estrada Nacional nº 324, ao Km 95,6, no concelho de Almeida, ocorreu um acidente de viação em que intervieram o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 84-25-CI, propriedade de e por este conduzido e o motociclo de matrícula 20-29-FV, propriedade de D..., conduzido, à data, pelo aqui A. al. A) dos factos assentes;
3.1.2. Antes da intersecção da E.N. 340 com a E.N. 324 existe um sinal Stop a regular o trânsito no sentido Almeida - Alto do Leomil al. B) dos factos assentes;
3.1.3. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A) o condutor do veículo 84-25-CI circulava no sentido Almeida - Alto do Leomil e ao aproximar-se da intersecção da E.N. 340 com a E.N. 324, não parou ao sinal Stop aí existente e não cedeu a passagem aos outros veículos al. C) dos factos assentes;
3.1.4. O veículo 84-25-CI entrou na intersecção da E.N. 340 com a E.N. 324, tomando a direcção de Alto Leomil e embateu no motociclo referido em A), o qual circulava na sua hemi-faixa de rodagem, no sentido Alto de Leomil- Pinhel al. D) dos factos assentes;
3.1.5. O acidente ocorreu na hemi-faixa de rodagem direita, tendo em conta o sentido de marcha do motociclo (Alto de Leomil- Pinhel) al. E) dos factos assentes;
3.1.6. O condutor do veículo 84-25-CI circulava com falta de atenção e cuidado aos outros utentes da via al. F) dos factos assentes;
3.1.7. A Companhia Europeia de Seguros, aqui Ré, efectuou o pagamento das quantias de € 3.740,98 (Esc. 750.000$00) relativa a danos verificados no motociclo e de € 798,08 (Esc. 160.000$00) referente a deslocações de táxi do aqui A. al. G) dos factos assentes;
3.1.8. A B... e C... declararam por escrito, consubstanciado na apólice nº 00983930, assumir a primeira, até ao montante de Esc. 120.000.000$00, a responsabilidade por danos causados a terceiros pela circulação do veículo automóvel de matrícula 84-25-CI al. H) dos factos assentes;
3.1.9. Na sequência do acidente referido em D) o A. sofreu lesões e ferimentos (resposta ao quesito 1º);
3.1.10. Tendo-lhe sido diagnosticado no Hospital Distrital da Guarda esfacelo do joelho esquerdo com ruptura capsulo-ligamentar, entorse grave da articulação tíbio társica esquerda e fractura da extremidade distal do rádio esquerdo (resposta aos quesitos 2º a 5º);
3.1.11. Após consolidação das lesões o autor apresenta sequelas do foro ortopédico consistentes em amiotrofia da coxa esquerda, rigidez do joelho esquerdo e articulação tíbio társica esquerda, instabilidade posterior do joelho, bem como a existência de zonas cicatriciais localizadas ao joelho e articulação tíbio társica esquerda (resposta aos quesitos 6º a 9º);
3.1.12. Em virtude do acidente, o autor ficou com uma incapacidade geral temporária total durante o período de 42 dias (resposta ao quesito 11º);
3.1.13. Em consequência do acidente, o autor teve incapacidade geral temporária de 40% pelo período de 285 dias (resposta ao quesito 12º);
3.1.14. A data da consolidação das lesões ocorreu em 25.02.00 (resposta ao quesito 13º);
3.1.15. Em virtude do acidente o A ficou com uma incapacidade profissional total do dia 04.04.99 até ao início do ano lectivo de 1999/2000 (resposta ao quesito 14º);
3.1.16. O A teve um sofrimento que, num escalonamento de muito ligeiro; ligeiro; moderado; médio; considerável; importante e muito importante, atingiu o grau de considerável (resposta ao quesito 15º);
3.1.17. O autor sofreu um dano estético que é qualificável, pelo menos de ligeiro (resposta ao quesito 16º);
3.1.18. O A., em virtude do acidente, é portador de sequelas que lhe traduzem uma incapacidade geral permanente parcial fixável, pelo menos em 32,5% (resposta ao quesito 17º);
3.1.19. O A., à data do acidente, frequentava, na Escola Secundária de Pinhel, o 12º ano de escolaridade, na área de estudos científico-naturais (resposta ao quesito 18º);
3.1.20. E em consequência do acidente o A. perdeu o ano escolar (resposta ao quesito 19º);
3.1.21. O A. era jogador federado de futebol, tendo deixado de exercer tal actividade em virtude do acidente (resposta aos quesitos 20º e 21º);
3.1.22. O A. teve dores em consequência do acidente (resposta ao quesito 22º);
3.1.23. Sente desgosto pela sua presente situação física (resposta ao quesito 23º);
3.1.24. Bem como mágoa por não poder praticar futebol e outros desportos (resposta ao quesito 24º);
3.1.25. E por ter reprovado o ano escolar (resposta ao quesito 25º);
3.1.26. O A., à data do acidente, tinha 18 anos de idade (resposta ao quesito 26º);
3.1.27. Era pessoa saudável, tinha alegria de viver e de conviver com outras pessoas e com familiares (resposta ao quesito 27º);
3.1.28. E era dedicado à família e aos estudos (resposta ao quesito 28º);
3.1.29. Após o acidente, passou a sentir inibição de exposição do seu corpo (resposta ao quesito 301º);
3.1.30. A ré foi citada para contestar em 2/3/2002 (fls. 36).
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3.2. De direito
3.2.1. Danos patrimoniais futuros
O A. pedia na petição inicial (cfr. artº 16º), como indemnização pelos danos patrimoniais futuros, a quantia de 99.759,58 euros.
Na sentença recorrida, após extensas e pertinentes considerações sobre as dificuldades de fixação do montante da indemnização relativa a tais danos, entendeu-se adequada, no caso concreto, a quantia de 15.500,00 euros.
Discordando, o apelante contrapôs, na alegação de recurso, a importância de 64.875,72 euros.

A perda ou diminuição da capacidade de ganho integra um dano patrimonial futuro suficientemente previsível para ser indemnizável (artº 564º, nº 2 do Cód. Civil). O melindre da determinação do montante pecuniário adequado a reparar tal dano foi já acentuado na sentença recorrida, sendo de salientar que todos os cálculos e raciocínios que se façam têm como substracto apenas um juízo de normalidade, de previsibilidade, de que é “id quod plerumque accidit”. Certezas, neste domínio, não há.
“In casu”, na fixação da justa indemnização pela diminuição da capacidade de ganho afigura-se-nos da maior relevância ponderar que, à data do acidente o A. tinha 18 anos de idade; frequentava o 12º ano de escolaridade na área de estudos científico-naturais, na Escola Secundária de Pinhel, tendo perdido o ano escolar devido ao acidente; era jogador federado de futebol, tendo deixado de exercer tal actividade em virtude do acidente; ficou a padecer de incapacidade geral permanente parcial de 32,5%; atendendo à normalidade e às médias estatísticas actuais, previsivelmente, a sua entrada na vida laboral activa dar-se-á dentro de, no máximo, sete anos, prolongar-se-á até aos 65 anos de idade e a sua longevidade ultrapassará os 70 anos.
Tendo por base tais elementos ou factores, a orientação decorrente de outras decisões da jurisprudência A título exemplificativo, indicam-se as seguintes decisões do Supremo Tribunal de Justiça, todas encontradas em www.dgsi.pt/jstj:
- Ac. STJ de 25/11/2004 (Relator: Cons. Lucas Coelho), em que foi fixada em esc. 4.000.000$00 a indemnização por danos futuros a uma lesada com incapacidade permanente geral de 8% e profissional de 10%, estudante de gestão e também trabalhadora, de 21 anos de idade;
- Ac. STJ de 30/10/2002 (Relator: Cons. Dionísio Correia), em que foi arbitrada a indemnização de esc. 3.000.000$00 a vítima com 10% de incapacidade, mulher de 22 anos, que ganhava 1.199.730$00 por ano;
- Ac. STJ de 18/05/2004 (Relator: Cons. Pinto Monteiro), em que foi atribuída a indemnização de 50.000,00 euros a lesado de 18 anos, carpinteiro, que ficou a sofrer de incapacidade de 20%;
- Ac. STJ de 06/07/2004 (Relator: Cons. Ferreira de Almeida), em que foi fixada em 18.000.000$00 a indemnização a lesado de 44 anos, que auferia a remuneração mensal de esc. 100.000$00 e ficou a padecer de 60% de incapacidade;
- Ac. STJ de 11/12/2003 (Relator: Cons. Oliveira Barros), em que foi arbitrada a indemnização de 16.000.000$00 a vítima mulher de 36 anos, que auferia esc. 61.600$00 por mês e ficou a sofrer de IPP geral de 15%, mas total para o trabalho de gaspeadeira que exercia;
- Ac. STJ de 27/05/2004 (Relator: Cons. Noronha Nascimento), em que foi atribuída a indemnização de 25.000,00 euros a lesado de 17 anos que ficou a padecer de incapacidade de 15%;
- Ac. STJ de 01/04/2004 (Relator: Cons. Ferreira de Almeida), em que foi fixada a indemnização de 33.000.000$00 a lesado de 32 anos, auferindo o salário mensal de 215.000$00, que ficou a sofrer de IPP de 100% para o trabalho que fazia e de 65% para quaisquer outras actividades;
- Ac. STJ de 05/02%2004 (Relator: Cons. Salvador da Costa), em que foi arbitrada a indemnização de 48.225,67 euros a lesado, agricultor, de 52 anos, auferindo mensalmente 598,56 euros, que ficou com 35% de IPP;
- Ac. STJ de 13/01/2004 (Relator: Cons. Moreira Camilo), em que foi atribuída a indemnização de 34.830,06 euros a lesado de 53 anos, que auferia 144.600$00 por mês e que ficou a sofrer de 23% de incapacidade;
- Ac. STJ de 15/01/2004 (Relator: Cons. Ferreira de Almeida), em que foi fixada a indemnização de 29.928,00 euros, a lesada, professora, de 24 anos, que auferia 3.063.200$00 por ano e ficou a padecer de uma IPP de 10%;
- Ac. STJ de 20/11/2003 (Relator: Cons. Moreira Camilo), em que foi arbitrada a indemnização de 80.000.000$00 a lesada de 26 anos, que ganhava 5.000.000$00 e passaria, dentro de dois anos, a ganhar 6.000.000$00, por ano, e que ficou com incapacidade total para as funções profissionais que desempenhava;
- Ac. STJ de 27/05/2003 (Relator: Cons. Nuno Cameira), em que foi atribuída a indemnização de 65.000,00 euros a lesada, de 23 anos, estudante do curso superior de Gestão Agrária da UTAD, que trabalhava, auferindo o vencimento mensal de 698,00 euros.
- Ac. STJ de 06/05/2003 (Relator: Cons. Ponce de Leão), em que foi fixada a indemnização de 130.000,00 euros a lesado de 32 anos, trolha, que auferia 598,56 euros por mês e que ficou a sofrer de IPP Geral de 20%, mas total para a sua dita profissão de trolha;
- Ac. STJ de 06/05/2003 (Relator: Cons. Fernandes Magalhães), em que foi arbitrada a indemnização de 12.000.000$00 a lesado de 18 anos, estudante, praticante de “ping-pong”, que ficou com IPP de 48%;
- Ac. STJ de 07/10/2004 (Relator: Cons. Salvador da Costa), em que foi atribuída a indemnização de 120.000,00 euros a lesado com incapacidade total para o exercício da sua profissão habitual de motorista de veículos pesados que poderia exercer durante mais 27 anos, da qual auferia 8.379,80 euros anuais, e incapacidade de 45% para o exercício de outras profissões em relação às quais não conseguiu emprego. e, sobretudo, a equidade (artº 566º, nº 3 do Cód. Civil), estamos em crer que o montante pecuniário equilibrado, justo e ponderado como indemnização pela diminuição da capacidade de ganho do A. se situa em 40.000,00 (quarenta mil) euros.
Procedem, pois, em parte, quanto a esta questão, as conclusões da alegação do A..
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3.2.2. Danos não patrimoniais
Em matéria de indemnização por danos não patrimoniais - merecendo estes, pela sua gravidade, a tutela do direito, como sucede “in casu” - rege o nº 3 do artº 496º do Código Civil, segundo o qual, “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º (...)”.
Por sua vez, o artº 494º estabelece que “quando a responsabilidade se fundar em mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
Como escrevem P. Lima - A. Varela Código Civil Anotado, I vol., 3ª ed. rev. e act., pág. 474. , “o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”.

Na petição inicial (cfr. artº 18º) o A. pedira, como indemnização pelos danos não patrimoniais, a quantia de 34.915,85 euros.
Na sentença recorrida, invocando-se a equidade, arbitrou-se, a esse título, a indemnização de 15.000,00 euros.
O recorrente, na alegação de recurso, classificando de diminuto, face à gravidade dos danos, aquele valor, alvitrou a importância de 35.000,00 euros.
Na fixação do montante da indemnização relativamente aos danos não patrimoniais é decisiva a equidade, em cuja aplicação há que ter presentes todos os elementos já atrás indicados, bem como as decisões da jurisprudência em situações paralelas A título exemplificativo, indicam-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, todos encontrados em www.dgsi.pt/jstj:
- Ac. STJ de 25/11/2004 (Relator: Cons. Lucas Coelho):
I- Por virtude de acidente de viação em cadeia a 12 de Maio de 1996, a autora, então estudante de gestão e também trabalhadora, de 21 anos de idade, sofreu várias fracturas no braço esquerdo e no pavimento da órbita do olho esquerdo, pelas quais foi submetida a duas intervenções cirúrgicas incluindo reconstrução do pavimento orbitário por enxerto ósseo, tratamentos clínicos e fisioterapia durante um ano, com atrasos na prossecução normal dos estudos, padecendo dores, angústia e desgosto, também pelas indeléveis sequelas existenciais das lesões - perda de força no braço esquerdo, tolhimento de movimentos e desnível acentuado no pulso facilmente visível; diminuição das faculdades e capacidades da vista esquerda; cicatriz de 5cm de extensão no rosto (sub-pálpebra esquerda) que se torna mais evidente com o suor e muito vermelha mercê de alterações emocionais -, as quais lhe determinaram uma incapacidade permanente geral de 8% e profissional de 10%;
II - É, pois, ajustada segundo a equidade à reparação, pela ré seguradora, dos danos não patrimoniais consubstanciados nessas dores e sofrimentos físicos e psicológicos, defeitos estéticos, revezes académicos e incapacidades permanentes a quantia de 4 000 000$00 de escudos.

- Ac. STJ de 18/11/2004 (Relator: Cons. Araújo de Barros:
“Em acidente de viação ocorrido por culpa exclusiva do condutor de um veículo, afigura-se justa e conforme à equidade a indemnização de 10.000 Euros para compensar os danos não patrimoniais havidos pela sinistrada que tinha, na altura, 84 anos de idade, sofreu fractura da bacia, tíbia e joelho, foi submetida a intervenção cirúrgica e internamentos hospitalares por 11 dias, ficou, durante 3 meses, acamada e dependente de terceira pessoa para execução das tarefas básicas de higiene, e teve fortes dores que, de forma menos acentuada, continuará a ter pelo resto da vida.

- Ac. STJ de 10/10/2002 (Relator: Cons. Joaquim de Matos):
“1. Foi equitativamente fixada em 3.000.000$00 a indemnização por dano de incapacidade permanente sofrido por jovem mulher de 22 anos que ficou com 10% de incapacidade e ganhava 1.199.730$00 por ano, e que, não obstante continuar a exercer a profissão, despende, por causa da sua deficiência, maior esforço físico.
2. Foi equitativamente fixada em 2.000.000$00 a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela mesma jovem, sem culpa no acidente que a vitimou, e que sofreu traumatismo craniano, perda parcial dos incisivos superiores, fractura exposta da rótula direita, pequena contusão hemorrágica frontal esquerda e que, em consequência desta lesões, sofre de amnésia para o acidente e cefaleias frequentes, atrofia muscular do membro inferior direito, cicatriz no joelho, ausência de rótula, claudicação na marcha, sem poder correr ou ajoelhar e com dificuldade em subir e descer escadas.

- Ac. STJ de 17/06/2004 (Relator: Cons. Quirino Soares):
Tendo a vítima de acidente de viação, da exclusiva culpa de terceiro, sofrido perda de conhecimento, fractura cominutiva dos ossos do antebraço esquerdo, fractura exposta do fémur esquerdo, posterior e tibial do pé esquerdo e escoriações dispersas, e, após 1460 dias de doença, ficado com as seguintes sequelas de natureza permanente: três cicatrizes (de 14, 15 e 7 cm) longitudinais na face anterior e lateral do braço esquerdo, uma cicatriz deformante (de 21 x 12 cm) na face posterior da perna esquerda, com perda de tecido muscular, cicatriz (de 30 cm) lateral, ao longo da coxa esquerda, sete cicatrizes (de 1 x 1 cm) na face lateral da coxa esquerda, cicatriz (de 7 x 4 cm) na face posterior da coxa esquerda, cicatriz (de 7 cm), com deiscência, na face lateral do terço próxima da perna esquerda, cicatriz muito deformante abrangendo toda a face anterior do terço distal da perna e pé esquerdos, cicatriz (de 4 x 4 cm) na face anterior da coxa esquerda, rigidez da tibiotársica a 110º, rigidez em extensão do joelho esquerdo, mancha melânica de 23 x 7 cm na face antero-interna da coxa direita, calo deformante da base do pé, parestesias e diminuição da sensibilidade de toda a perna esquerda, défice de perfusão sanguínea à esquerda com arrefecimento permanente da perna e do pé, flexão permanente do terceiro dedo do pé esquerdo e encurtamento da perna esquerda em 10 cm, é de fixar em € 35. 000 a indemnização por danos não patrimoniais.

- Ac. STJ de 01/04/2004 (Relator: Cons. Ferreira de Almeida):
Possuindo o lesado 32 anos de idade à data do acidente e auferindo o salário mensal de 215.000$00, e tendo-se as sequelas dos ferimentos e lesões por ele sofridos traduzido numa incapacidade parcial permanente para o trabalho (IPP) a que se dedicava de 100% e, para quaisquer outras actividades de 65%, não é injusta e excessiva a atribuição de uma quantia de 33.000 contos a título de danos patrimoniais futuros.
II. Existindo culpa exclusiva do condutor do veículo e tendo o lesado sofrido graves lesões e ferimentos, que o obrigaram a passar longos períodos, quer em internamentos quer em tratamentos, e lhe determinaram e determinam sofrimento de assinalável intensidade, tendo ficado sem o baço e sem a rótula do joelho direito, tendo-lhe sido colocada uma placa com parafuso na perna direita, bem como fixador na da esquerda, passando a claudicar e não dobrar a perna esquerda, continuando a fazer fisioterapia, não se reputa de excessiva a fixação em 8.000 contos da indemnização por danos morais.

- Ac. STJ de 29/04/2004 (Relator: Cons. Araújo de Barros):
É ajustado e conforme à equidade o montante indemnizatório de 6.000.000$00 atribuído, por danos não patrimoniais, ao lesado de um acidente de viação que sofreu lesões graves (fractura do acetábulo esquerdo e lesão neurológica ao nível do ciaticopopoliteu), esteve internado no Hospital onde foi operado, durante cerca de um mês, esteve imobilizado e posteriormente apenas andou com o auxílio de canadianas durante cerca de um ano, teve que se submeter a tratamentos de fisioterapia e de recuperação, sofreu incómodos, dores e angústias e, tendo ficado com uma incapacidade permanente geral de 40%, deixou de poder praticar actividades desportivas e de lazer de que gostava e a que estava habituado.
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A gravidade dos danos não patrimoniais sofridos pelo recorrente está bem patente nos factos provados (cfr., supra, 3.1.10, 3.1.11, 3.1.16, 3.1.17, 3.1.22 a 3.1.25 e 3.1.29).
Assim, tudo visto e ponderado, tem-se como ajustada, para compensação, na medida possível, dos danos não patrimoniais sofridos pelo A., a importância de 25.000,00 (vinte e cinco mil) euros.
Dá-se, portanto, neste ponto, parcial razão ao apelante.
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3.2.3. Juros de mora
Na decisão recorrida consignou-se expressamente:
“Assim, como nenhum dos danos foi calculado por referência à data em que ocorreu, não são devidos juros de mora desde a citação da ré, mas desde a data da prolação da presente decisão, uma vez que data daí a decisão actualizadora e determina o artº 663º, nº 1 do Código de Processo Civil que a sentença deve tomar em consideração os factos de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão, em consonância com o disposto no art. 566º, nº 2 do Código Civil.”
O apelante defende que são devidos juros de mora desde a citação.
Mas não tem razão.
Nos termos dos artºs 804, nº 1, 805, nº 3 e 806, nº 1 do Código Civil, nos casos de responsabilidade civil por facto ilícito ou pelo risco são devidos juros legais desde a citação, pois só então o devedor fica constituído em mora.
Este entendimento esbarra, porém, na norma do nº 2 do artº 566º do Cód. Civil, na parte em que, para o cálculo da medida da diferença da situação patrimonial do lesado caso não existissem os danos, manda considerar a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal.
A compatibilização das duas situações – actualização da indemnização até à data da sentença e juros de mora desde a citação – deu origem a significativa controvérsia jurisprudencial, resolvida através do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência proferido pelo STJ em 09/05/2002 D.R., I-A, nº 146, de 27/06/2002., segundo o qual “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.° 2 do artigo 566.° do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.°, n.° 3 (interpretado restritivamente), e 806.°, n.° 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.
Afigura-se-nos que, “a contrario”, se a indemnização não tiver sido objecto de cálculo actualizado, os juros serão, nos termos do artº 805º, nº 3 do Cód. Civil, devidos desde a citação.
Decisivo, portanto, para o termo inicial de contagem dos juros de mora, é saber se as quantias sobre as quais aqueles incidirão foram ou não objecto de actualização nos termos do artº 566º, nº 2 do Cód. Civil. Se sim, os juros correrão apenas a partir da data da decisão actualizadora Ac. STJ de 06/07/2004 (Relator: Cons. Ferreira de Almeida), in www.dgsi.pt/jstj.. Se não, correrão desde a data da citação Cfr. Ac. STJ de 01/04/2004 (Relator: Cons. Ferreira de Almeida), in www.dgsi.pt/jstj..
No caso que nos ocupa apresenta-se-nos como seguro, face ao texto da sentença da 1ª instância, que a indemnização pecuniária arbitrada foi actualizada até à data da mesma.
E, tendo os montantes indemnizatórios sido nesta Relação reapreciados e actualizados, o que em parte justifica o preconizado aumento dos mesmos, os juros de mora serão devidos apenas a partir da data deste acórdão.
Neste ponto não se reconhece ao apelante qualquer razão.
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4. DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, consequentemente, revogar em parte a decisão recorrida, elevando para 65.000,00 (sessenta e cinco mil) euros – a que acrescerão juros de mora, à taxa legal, desde a data desde acórdão e até integral e efectivo pagamento – a quantia a pagar pela R. B.... ao A. A...., a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.
As custas são a cargo de apelante e apelada, na proporção do decaimento.
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Coimbra,