Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
226/04.8TBFND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARDOSO DE ALBUQUERQUE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
PRIORIDADE DE PASSAGEM
DANO
UTILIZAÇÃO DE AUTOMÓVEL
Data do Acordão: 03/20/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DO FUNDÃO – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 29º E 30º, DO CÓDIGO DA ESTRADA APROVADO PELO D.L. Nº 114/94, REVISTO E REPUBLICADO PELO D.L. Nº 2/98, DE 3/01
Sumário: I – Nos termos dos artºs 29º e 30º do C. Estrada de 1998, tem prioridade o condutor que se apresente pela direita, sendo as excepções a essa regra apenas as previstas nos artºs 31º e 32º.

II – A formulação dessa regra geral compreende-se por ser sempre difícil a um qualquer condutor estar ao corrente das classificações das estradas, pelo que é através de um sistema de sinais que se deve fazer prevalecer como solução mais adequada para preservar a fluidez do trânsito nas estradas principais a da sua prioridade sobre estradas de menor importância e movimento que com aquelas se cruzem ou entronquem.

III – Porém, o condutor com prioridade de passagem deve observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito.

IV – Circulando um veículo por uma estrada municipal e um outro por um caminho público integrado no domínio público rodoviário dos municípios, ainda que de terra batida, o qual entronca naquela, estamos confrontados com uma situação em que não se anulando a dita regra de prioridade se impõe ao condutor que circule no dito caminho público um cuidado e atenção superiores ao que normalmente seria exigível, tendo em conta que vai entrar numa estrada afecta a um trânsito mais fluente e rápido, pavimentada e dotada das normais infra estruturas, onde quem nela transite pode, em princípio, de forma confiada avançar para o entroncamento, porventura convencido de que não terá de ceder passagem face às características do caminho.

V – O uso de uma viatura automóvel constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui um dano patrimonial que mesmo na falta de elementos concretos que permitam quantificá-lo ou na falta de alegação e prova da impossibilidade de utilizar outro durante o período de privação, não pode deixar de ser ressarcido, com apelo à equidade ou ao prudente arbítrio do julgador, ponderadas as circunstâncias do caso.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível da Relação de Coimbra:

I –A..., casado, comerciante e residente no Fundão intentou acção declarativa com processo sumário, destinado à efectivação da responsabilidade civil emergente de acidente de viação contra a Compabhia de Seguros B... com sede em ...... alegando em síntese que :
- ocorreu um acidente de viação no dia 9 de Dezembro de 2003 pelas 8h e 15m entre um seu veículo ligeiro de passageiros conduzido pela mulher e um outro de mercadorias seguro na R e por culpa exclusiva do condutor deste que vindo de um atravessadouro entrou na estrada municipal por onde aquele circulava cortando a respectiva linha de marcha e forçando-o a uma manobra de travagem e desvio para a direita que mesmo assim não impediu o embate.
Termina pedindo a condenação da R a pagar-lhe a quantia global de € 9581,23 e juros a contar da citação, da qual € 5,760,00 corresponde ao dano de paralisação da viatura que ficou seriamente danificada e o demais ao orçamento de reparação.
Citada, a R contesta a versão do A imputando a culpa à condutora do ligeiro de passageiros, por violação da prioridade de passagem e excesso de velocidade.
Saneado o processo e organizada a base instrutória, procedeu-se ao julgamento, com observância do legal formalismo.
Por fim e depois de respondida a base instrutória, foi proferida douta sentença a absolver a R do pedido por o acidente se ter ficado a dever a culpa efectiva da condutora do veículo do A, logo ficando excluída a culpa presumida que recairia sobre o outro condutor, motorista ao serviço da empresa dona do respectivo veículo da carga.
*
Inconformado com tal veredicto, o A interpôs recurso de apelação.
E no seguimento, apresentou doutas alegações em que conclui nos termos seguintes :
1 – A douta sentença de que ora se recorre enferma de erro na aplicação ao caso “sub judice” do disposto nos artºs 24º e 25º do CE que por força da matéria dada como provada e não provada, não são aplicáveis.
2 – Nos autos, não foi possível ao tribunal “ a quo” apurar qual a velocidade concreta e real a que o mesmo circulava aquando do acidente, não tendo resultado provado nem que circularia a cerca de 70/80Kms /hora, nem tão pouco que circularia a mais de 80Klms /hora .
3 – Não se sabendo a que velocidade concreta circulava o veiculo do A , também não é lícito e legal concluir-se que se o mesmo circulava ou não com velocidade especialmente moderada .
4 – Logo não é, nem pode ser lícito concluir-se , tal como vem plasmado na sentença ora em crise que a condutora do veículo do A violou o disposto nos artºs 24º e 25º do CE para posteriormente e com base em tal violação considerar que actuou a mesma com culpa.
5 – A sentença proferida pelo tribunal “a quo “ do qual ora se recorre faz uma errada interpretação do artº 30º do CE ( ao tempo do acidente ) pois considera o princípio da prioridade da direita como um princípio absoluto .
6 – Aplicar o princípio da prioridade da direita, como aplicou a sentença de que se recorre ao caso é não só cometer uma injustiça, mas aplicar uma regra ao contrário dos seus próprios pressupostos, o que não é de todo aceitável.
7 - Quer a doutrina, quer a jurisprudência, neste aspecto são unânimes de que o princípio de prioridade dos veículos provenientes da direita não é absoluto, mas sim relativo tendo que ser forçosamente relacionado com a circunstância de um deles circular numa estrada principal e outro numa estrada secundária e ainda com as circunstâncias particulares do caso concreto.
8 – Como bem se refere no Ac da R Coimbra de 12/10/2004 in CJ , Ano XXIX , tº 4º, 25 e ss “ o sistema da nossa lei actual é o de dar prioridade em quem circula em estradas mais importantes e com maior movimento, pela via de retirar a prioridade às de menor movimento, a não ser nas situações previstas nos artºs 31º e 32º do CE e noutras em que concretamente, a Administração decida de maneira diferente, mas casos estes que têm necessariamente de estar muito bem sinalizados “ o que in casu se não verifica ,
9 – Expressa e claramente estabelece o Ac do STJ de 24/02/1999 “ E com efeito não é indiferente, mesmo à face da lei em vigor, o facto de o entroncamento se dar entre uma estrada nacional, por natureza destinada ao transito rápido e fluente e uma simples rua ( in casu, um caminho de terra batida) nestas circunstâncias, o dever de cautela a que se reporta o artº 29, nº1 é um dever muito mais exigente para o condutor que se prepara para entrar numa estrada nacional”.
10 - Foi pois o condutor do veículo segurado na R , aqui recorrida quem violou de forma grave o dever geral de cuidado de evitar o acidente que se mostrava iminente e inevitável, sendo o único culpado do acidente, por incumprimento e violação clara do disposto no artº 29º, nº2 do CE – falta das cautelas necessárias a quem entrar num entroncamento- o que significa que ao arrepio do que foi decidido pelo tribunal “a quo”, não tem o direito de prioridade.
11 - Acresce que, como bem refere a sentença no caso dos autos, sobre o condutor do veículo seguro pende a presunção de culpa prescrita no artº 503º do CC e que pelo exposto, não foi ilidida .
12 – Aliás acrescenta a sentença e neste aspecto bem, que não se provou que o referido condutor tenha actuado de forma diligente, como efectivamente não agiu.
13 – Pelo que só a este podem ser assacadas todas as responsabilidades pelo evento e designadamente a de indemnizar o recorrente
A R não contra alegou.

II – Os autos foram após a distribuição neste tribunal devidamente examinados pelo relator que não objectou ao seu prosseguimento, sendo colhidos os vistos legais.
Cumpre, agora, decidir.

III - Os factos provados na 1ª instância são os seguintes:
1 – No dia 2 de Dezembro de 2003, entre as 8h10m e as 8h15 na EM nº515 Pesinho, Alcaria no concelho do Fundão, ocorreu um acidente de viação (aln A da especificação).
2 – Foram intervenientes neste acidente, o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula 98-84-VP e o automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula 14-25- IH (aln B).
3 – O veículo de mercadorias era à data do acidente propriedade de “C.... “, sociedade com sede na R......., Fundão e era conduzido por D..., no interesse e por conta daquela (aln C).
4 – Por seu turno, o ligeiro de passageiros era propriedade do A e conduzido por E... (Aln D).
5 – O veículo conduzido pela E... circulava na EM 515 no sentido Telhado – Pesinho e o conduzido pelo segurado da R provinha do caminho que dá acesso m à Quinta do Hortigal e depósito de água do Pesinho (aln E).
6 – Do embate resultaram diversas e várias danificações para o veículo do A que ficou com a parte fronteira completa e totalmente destruída (…)(aln F)
7 – E que se computam em € 3821,23 (aln G)
8 – Por outro lado não existe no local, designadamente na Estrada Municipal e no sentido do veículo do A qualquer sinalização de cedência de passagem , nem tão pouco outra qualquer que indique a aproximação de cruzamento ou entroncamento (aln H).
9 – Por contrato de seguro titulado pela apólice nº 90/00395031, a sociedade proprietária do veículo ligeiro de mercadorias transferiu para a R a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da suas circulação(aln I).
10 – Apesar da R ter acedido à realização de perícia condicional, o A veio mais tarde a receber a carta da sua Companhia de Seguros que se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os devidos e legais efeitos e pela qual esta lhe transmitia a sua assunção de culpa na ocorrência do acidente(aln J).
11 - Interpelada, contudo veio a mesma a responder de forma inconclusiva(aln s L e M)
12 – A E... reside com o A(resp. ao qº1º)
13– O dito acidente objectivou-se num choque entre as duas indicadas viaturas.
14 – O veículo VP saía de um caminho situado á direita, atento o sentido de marcha do veículo do A que liga tal estrada municipal à Quinta do Hortigal e após uma pronunciada lomba existente na dita estrada
15 – Logo após ter passado a mencionada lomba surgiu-lhe o veículo de mercadorias.
16 – Saindo do caminho referido em 3 e situado à sua direita
17 –Entrando paralelamernte na sua faixa de rodagem.
18 – Com a intenção de prosseguir no sentido Pesinho –Telhado.
19 – Apesar de ainda ter travado, tendo deixado um rasto de travagem de cerca de 25 m, a esposa do A não conseguiu evitar o embate.
20 – Para além dos danos no veículo do A , quer a sua ocupante , quer o seu filho de apenas 11 meses de idade que consigo na altura viajava, em cadeira própria, no banco traseiro do automóvel, sofreram lesões, tendo sido transportados ao hospital do Fundão, onde foram assistidos nos serviços de urgência.
21 – E apesar de hoje e de há cerca de 10 ou 15 anos a esta parte, não mais tal caminho dar também acesso ao depósito de água do Pesinho e por isso se pode dizer que está no uso directo e imediato do público.
22 – O uso directo e imediato do público do caminho em causa não se verifica sequer desde há mais de 10 a 15 anos a esta parte e nunca desde tempos imemoriais.
23 – Desde a data da ocorrência do acidente até à presente data(5 de Março de 2004) que o veículo do A se encontra imobilizado.
24 – Durante o referido período o A viu-se obrigado a ter que pedir automóveis emprestados para se deslocar para o seu local de trabalho bem como para levar e conduzir os filhos à escola, uma no Fundão e o outro no Pesinho.
25 –E ainda uma vez que a sua esposa que com ele reside no Fundão trabalha e dá aulas na Escola Secundária do Paul, necessitando , para o efito de um automóvel para se deslocar diariamente , utilzando o segundo automóvel pertença do casal( resp ao q. 20º)
26 Entronca com a EM 515 à sua direita e atento o sentido de marcha do veículo IH uma via pública(resp ao q.22º)
Por sua vez ficou demonstrado com a junção da respectiva certidão, a convite do tribunal, que a condutora E... é casada com o A e ainda, factualidade de relevante importância por constar do auto de inspecção ao local (fls 53):
- O caminho que entronca com a EM nº515 é em terra batida;
- Dá acesso à Quinta do Hortigal;
- A valeta da estrada municipal não tem qualquer interrupção na entrada para o caminho;
- A ligação faz –se presentemente através de uma manilha de alcatrão que se nota ser recente.

III – O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da minuta respectiva,(artºs 684º,nº3 e 690º,nº1, ambos do CPC) impondo-se, assim, discutir as questões nela colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso.(artº 660º, nº2), o que no caso não ocorre.
Considerando essa esquematização temos apenas que decidir, face às conclusões apresentadas, as seguintes questões:
- Culpa na produção do acidente
- E se for esse o caso, o “quantum” da indemnização devida

A questão da culpa
O que está em causa neste recurso é o saber se a regra da prioridade pela direita tem aplicação em entroncamento entre uma estrada não asfaltada de acesso exclusivo a uma quinta e a um depósito de água e uma estrada municipal de ligação entre duas localidades, e logo se é possível concluir que o condutor da viatura segura não ilidiu a presunção de culpa que enquanto condutor comissário da firma proprietária sobre ele recaía.
Defende na verdade a recorrente que o condutor da viatura segura não devia ter avançado para a estrada municipal por onde circulava a viatura de que é dono, sem previamente se certificar se isso não iria afectar a segurança de marcha deste e ainda refere que o tribunal não tinha elementos para concluir que o embate se deveu não só ao desrespeito pela sua mulher da dita regra estradal da prioridade como por excesso de velocidade por a anteceder o entroncamento existir uma lomba pronunciada o que sempre imporia uma especial redução da velocidade.
Na decisão recorrida entendeu-se ao invés, sem embargo de se reconhecer existir uma presunção de culpa sobre o condutor da viatura segura, nos termos do artº 503º, nº3 do CCivil que foi a condutora E... que violou a sua obrigação de ceder passagem no sobredito entroncamento, por aquele ter surgido pela direita, tudo conforme o disposto no artº 30ºnº1 do CE então em vigor, e não se ter provado tratar-se o caminho de onde provinha de um mero caminho particular, logo sendo ilidida tal presunção, sendo certo que a mesma deveria ter moderado especialmente a velocidade de que vinha animada por antes do entroncamento e tendo em conta o seu sentido de marcha existir na estrada municipal uma lomba pronunciada.
Quid juris, então?
Como é bem sabido já não está em vigor a regra do Código da Estrada de 1954 s cujo critério para a prioridade nos cruzamentos e entroncamentos tinha que ver com a classificação e hierarquia das estradas e de modo a que o veículo seguisse na mais importante tinha prioridade relativamente à que seguisse noutra de categoria inferior.
Hoje e desde que entrou em vigor o novo código ( aprovado pelo DL nº114/94 e revisto e republicado pelo DL nº2/98 de 3 /01, não havendo que trazer à liça, por inaplicável, a revisão operada pelo DL nº44/2005 de 23/02) não é assim, pois nos termos do artº 30º, nº1 tem prioridade quem se apresente pela direita, sendo as excepções a essa regra apenas as previstas nos artºs 31º e 32º
A formulação desta regra geral compreende-se por ser sempre difícil a um qualquer condutor estar a par das classificações das estradas, donde ser através de um sistema de sinais que se deve fazer prevalecer como solução mais adequada para preservar a fluidez do trânsito nas estradas principais a da sua prioridade sobre estradas de menor importância e movimento que com aquelas se cruzem ou entronquem.
Sucede que nem sempre a entidade que compete prover as vias públicas sob sua jurisdição da devida sinalização o faz de forma proficiente e rigorosa do que resulta poderem ocorrer situações de alguma dificuldade na definição da prioridade.
Vejamos se o caso dos autos integra uma dessas situações.
Ficou provado que a condutora do veículo da A aliás esposa deste transitava por uma estrada municipal e a dado passo após passar uma lomba pronunciada e a uma velocidade que não foi possível determinar mas que o próprio A admite ser de cerca de 70/80 Klms/hora acabou por embater não obstante a travagem efectuada contra o veículo seguro que acabava de sair de uma via à sua direita, também de natureza pública, de acesso a uma quinta e um depósito de água ocupando justamente e na altura a sua faixa de rodagem.
E ficou também provado que essa via não estava sinalizada, para os veículos que transitavam na dita estrada municipal nem nela existia qualquer sinal que impusesse a obrigação de ceder passagem aos veículos que transitassem na estrada municipal, tratando-se de um caminho em terra batida que tudo indicava ligar com aquela estrada, passando sobre a valeta desta.
Assim teoricamente caberia pois à condutora do veículo da A ceder passagem ao veículo seguro, nos termos expressos no citado artº 30ºe que remeta para o artº29º, onde se diz no seu nº1 que “ o condutor sobre o qual recaia o dever de ceder passagem deve abrandar a marcha, se necessário parar ou em caso de cruzamento de veículos recuar, por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da velocidade ou direcção deste” e o nº2 que “ o condutor com prioridade de passagem deve observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito”
Acontece que semelhante regra tem e deve articular-se com o sistema que através de aposição dos respectivos sinais assegure a fluidez do trânsito das vias mais importantes, pondo de lado as auto estradas, sobre caminhos ou “atalhos” que com elas entronquem, isto por não ser concebível que a todo o momento qualquer veículo que nelas transite esteja constantemente a afrouxar a marcha ou com atenção aos diversos entroncamentos com caminhos em mera terra batida à sua direita.
No caso em apreço, seria tanto mais incompreensível atermo-nos de forma cega a essa regra quanto é certo que independentemente de poder qualificar-se como de domínio público vicinal o caminho em referência ( como foi certificado pela respectiva Junta de Freguesia e decorre do facto de ele dar acesso a um depósito de água)) pouca diferença fazer de um mero caminho particular já que de terra batida, previsivelmente sem infra estruturas ou serviços de conservação, bem evidenciado pela ausência de sinais que no caso de todo se justificava existirem, em atenção ao maior movimento de trânsito da estrada asfaltada de ligação entre o Fundão e as localidades de Pesinho e Alcaria, freguesias desse concelho por onde transitava o veículo do A e tal “atalho” de ligação a uma quinta e que apenas há dez ou quinze anos serve de acesso, como ficou provado, ao depósito de agua do Pesinho
Então como decidir num caso destes?
Julgamos sem quebra do devido que estamos perante um caso limite em que seguramente não podemos aplicar a jurisprudência citada pelo recorrente, já que a dita condutora não circulava por nenhuma “estrada nacional”, logo servindo um volume de tráfego de grande intensidade, mas apenas por uma estrada municipal que enquadra a mesma categoria legal do caminho público integrado no domínio público rodoviário dos municípios ( v este respeito Ana Raquel Moniz in Domínio Público Local, ed. CEJUR, coordenado por Cândido de Oliveira,19/20) ainda que de terra batida por onde surgira o veículo seguro, pelo que o que estamos confrontados é com uma situação que não anulando a dita regra de prioridade, implicaria da parte deste condutor um cuidado e atenção superiores ao que normalmente seria exígivel, tendo em conta que ia entrar numa estrada afecta a um trânsito mais fluente e rápido, pavimentada e dotada das normais infra estruturas, onde quem nela transitasse podia em princípio de forma confiada avançar para o entroncamento, porventura convencido de que não teria de ceder passagem face às características do dito caminho.
Neste contexto, temos pois que considerar que o condutor do veículo seguro na R deveria antes de avançar para a faixa de rodagem da estrada asfaltada por onde transitava o veículo do A para tomar sentido inverso ao deste, certificar-se devidamente e com toda a atenção se o exercício do seu direito de prioridade, devido à inexistância de sinal de stop que vamos ser claros não será usual existir em caminhos de terra batida, não iria causar o risco de acidente atenta a aproximação do veículo do A e a velocidade de que viria animada e que determinou a que apesar da travagem não pudesse evitar o embate que se deu no próprio entroncamento.
É evidente que a R não se pode escudar apenas na prioridade para sem mais eximir-se da culpa ( efectiva e não presumida, na qualidade de condutor/comissário) que também lhe caberá nos termos gerais do artº 29ºnº2 do CE por não tomar a devida atenção às condições de trânsito existentes na estrada asfaltada e que lhe impunham especiais cuidados, não podendo ignorar que as características e finalidade do caminho de que provinha, olhando ao conhecimento das realidades de trânsito que um qualquer condutor médio não pode ignorar, justificaria de sobejo sinalização destinada a fazer prevalecer o direito de passar aos veículos circulando na dita estrada asfaltada e que eventualmente ali não existia pela secundaríssima importância que tal via de ligação a uma quinta e de acesso a um depósito de água, que bem se sabe ser de forma espaçada vistoriado, revestiria no caso para os serviços próprios da autarquia titular do respectivo domínio público
Neste contexto e por ser manifesto que ele não tomou tais cautelas, pois ao entrar no entroncamento deu azo a uma imediata manobra de travagem do veículo do A cabe-lhe culpa por dever ter previsto que o exercício do direito de prioridade envolvia perigo para a segurança da circulação automóvel numa via com muito mais fluência de trânsito do que o caminho de terra batida de que provinha e em entroncamento que sequer estava sinalizado.
Não será, de todo deslocado sublinhar que o entendimento da jurisprudência é de facto no sentido de relativizar, senão mesmo excluir, por abusivo o direito de prioridade ( a lei actualmente fala actualmente do dever de ceder passagem) quando se confrontem em entroncamento estradas nacionais e caminhos de terra batida, sendo entre outros acórdãos ( da RP de 13/10/88, BMJ 382º, 525 e de 8/06/92, BMJ418º, 853 ) particularmente relevante o da Relação de Évora de 20/03 /1983 in CJ Ano XXViiI, tº II, 237 e de que nos permitimos transcrever o seguinte trecho:
“ (….)Mas ainda que fosse de natureza pública ( o caminho em causa ) certamente que no plano das realidades objectivas do dia a dia a que qualquer pessoa é sensível, seria muito difícil sustentar que o entroncamento de um caminho de terra batida numa estrada alcatroada de trânsito internacional não colocaria um problema da hierarquia das vias a solucionar pela preferência concedida à unanimemente reconhecida de categoria superior, uma vez que o caminho de terra batida é “ um parente pobre das estradas nacionais”(…)
E adiante depois de se examinarem as condicionantes do exercício do direito de prioridade ( que não é, como bem se sabe, um direito absoluto) escreve-se em tal acórdão :
“(…) Da solução legal aceite acriticamente ( quanto à prioridade pela direita ) decorreria necessariamente que os utentes das estradas nacionais estão obrigados a parar ou a reduzir a velocidade sempre que num caminho público de terra batida à sua direita lhe apareça um veículo e que o condutor deste teria csempre prioridade independentemente do volume e intensidade do tráfego que se apresentasse à sua esquerda por uma via pública de categoria inequivocamente superior(…)
Ora quer–nos parecer que a reclamação e exigência da prioridade de passagem por e para quem através de um caminho de terra batida se apresente pela direita de quem circula em estrada principal só pode assentar num exercício abusivo do direito.
Porque o exercicio das condução automóvel deve assentar numa regra básica de confiança recíproca dos utentes da estrada e constitui um dado objectivo de facto apreensível por qualquer pessoa (…) que o pavimento de terra batida caracteriza uma via de importância inferior relativamente a uma outra alcatroada e cujo utente é normalmente sacrificado no confronto com o desta última , quando está em causa a questão da prioridade”
No caso vertente não podemos ir tão longe por a mulher do A não circular por nenhuma estrada nacional, e ser também do conhecimento geral que tais vias municipais, ainda que asfaltadas não raras vezes confluem com outras para acesso público a mais pequenos povoados e edificações ou estabelecimentos não particulares, face à dispersão populacional existente nas zonas rurais, formando uma intrincada rede viária de mero interesse local, ainda não objecto da devida pavimentação, por carência de recursos das autarquias e menor utilização e que torna também mais exigentes para quem nelas circule a atenção para os veículos que em cruzamentos e entroncamentos possam surgir do seu lado direito.
E isso o que nos leva é que também no caso vertente não podermos excluir que a condutora do veículo da A não tivesse agido com a devida atenção à proximidade de tal entroncamento, já que não lhe foi possível ante o avanço de veículo seguro e pela sua direita senão travar, nem assim conseguindo evitar um embate violento deixando um alongado rasto de travagem ( de 25 mtrs) que determinou a destruição completa da parte frontal do ligeiro de passageiros que tripulava.
Sucede que na dúvida sempre lhe cumpria ter presente a regra definida no artº 30º e sobretudo por a anteceder o entroncamento existir uma lomba pronunciada que impunha uma especial abrandamento da velocidade, caso as condições de visibilidade do espaço em frente assim o impusessem.
Deste modo e tudo ponderado, entendemos que ambos criaram condições para que se viesse a verificar o embate, por um lado o condutor do veículo seguro por não ponderar o risco inerente à manobra efectuada ao avançar para uma estrada de maior movimento, sem atentar nas suas concretas condições de tráfego e por outro, a condutora cônjuge do A que não obstante transitar por uma estrada asfaltada, mas de interesse local, logo necessariamente, vamo-nos entender, sem as condições de trânsito e cuidados de conservação de uma “estrada nacional” e não dotada das adequadas infra estruturas e sinalização, dever prever a necessidade de ter de ceder passagem a quem em entroncamentos com outras vias ou caminhos mesmo que não asfaltados como o são ainda no interior do país muitas delas, se posicionasse do seu lado direito, impondo-se-lhe em conformidade regular a marcha do mesmo por forma a prevenir o risco de travagens súbitas, como no caso, lamentavelmente, acabou por acontecer.
E na dúvida em determinar com rigor o grau de culpa com que agiram, por falta de elementos de facto quanto à distância em que se tornariam visíveis um do outro, a velocidade concreta a que transitaria o veículo do A a largura da faixa de rodagem e o local de embate, bem como o modo repentino ou lento como o veículo seguro avançou no entroncamento, propendemos em repartir por metade.
Isto significa que a R é responsável nessa exacta medida e por via do contrato de seguro que celebrou com a proprietária do dito veículo, pelo ressarcimento dos danos patrimoniais causados ao A com o sinistro e cuja apreciação, depois de notificadas as partes, por mera cautela para se pronunciarem - por a douta sentença ser quanto a tal, omissa - e de que apenas este se aproveitou para nada acrescentar ao já alegado, será objecto do item seguinte

A questão do “quantum” da indemnização
O A veio pedir que a R lhe pagasse por um lado a reparação do veículo acidentado, cujo custo foi calculado em € 3821,23 e por outro o prejuízo da sua paralisação, em virtude do mesmo estar imobilizado desde o acidente, recusando a R assumir tal encargo.
Acrescentou que não obstante dispor o casal de duas viaturas, a outra ser necessária para diariamente a mulher, E... se deslocar para a Escola onde exerce funções docentes, no Paul, localidade distante do Fundão, tendo o A, por isso que pedir emprestado veículos para se deslocar para o seu local de trabalho e para conduzir os filhos para a escola, uma no Fundão e outra no Pesinho.
E referiu para determinar o dano consistente em não poder utilizar os dois veículos ele e a mulher face aos seus diferenciados locais e também horários de trabalho, dever ser o mesmo calculado na base do preço de aluguer de €60,00 diários de um veículo similar ao acidentado.
Não concretizou todavia em que termos e condições obteve por empréstimo o veículo destinado a substituir o acidentado, pretendendo que tal dano sempre deveria ser calculado à luz do valor médio de mercado de veículos de aluguer
O direito do A à indemnização peticionada no que respeita ao custo do conserto do automóvel danificado não sofre a mínima contestação, à luz das disposições aplicáveis do artºs 562º, 564º,nº1 e 566º do CCivil, em nada relevando que o veículo continue por reparar, já que a R se recusou a assumir essa despesa, apesar de instada nesse sentido.
E de modo similar e de acordo com a jurisprudência dominante por a falta de tal veículo, não obstante o casal do A dispôr de um outro, mas afecto às necessidades da mulher enquanto professora numa Escola no Paul , residindo ela no Fundão, sendo o A comerciante e tendo de transportar os filhos para escolas tanto no Fundão, como no Pesinho, causar óbvios transtornos e se traduzir num prejuízo de índole patrimonial ( v.,entre outros, os Acordãos transcritos po AGeraldes, bem como os seus considerandos in Temas de Responsabilidade Civil, Vol I, 89 e ss)
Na verdade o uso de uma viatura automóvel constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária e logo a sua privação constitui um dano patrimonial que mesmo na falta de elementos concretos que permitam quantificá-lo ou na falta de alegação e prova da impossibilidade de utilizar outro durante o período de privação, não pode deixar de ser ressarcido, com apelo à equidade, ou seja ao prudente arbítrio do julgador, ponderadas as circunstâncias do caso( v, também o Ac do Supremo de 29/11/2005 in CJ/S Tº III, 151)
Mas no caso até ficou provado que o casal utilizava o veículo acidentado para fazer face a deslocações dos filhos e do próprio A para escolas diferentes, uma delas fora do Fundão, não compatíveis com as deslocações do seu cônjuge por este dar aulas noutra localidade, bem se sabendo que no interior do país não existe uma rede de transportes colectivos que supra a utilização de carro próprio.
Não se suscitando assim grandes dúvidas quanto ao acerto do pedido de ressarcimento de tal dano, importa definirmos se se mostra ajustado o critério proposto para a sua quantificação e que parte do custo médio da aluguer de um veículo com as características do acidentado, indicado pelo A como sendo na ordem dos 60 euros por dia.
O A, voltamos a dizer, usou um veículo emprestado não se sabe em que condições e com que contrapartidas, mas de todo o modo mesmo aceitando a justeza da verba pedida, teríamos de ter em conta que a disponibilidade de um segundo carro próprio sempre atenuaria e de forma sensível os efeitos negativos da dita privação e com algum esforço poderia o casal suprir essa falta designadamente no tocante aos fins de semana e períodos de férias escolares
Nesta perspectiva, entendemos ajustado em termos de equidade, reduzir para metade o valor concretamente peticionado, do que decorre ser a medida do invocado prejuízo, a de € 2880,00 (= 5.760,00: 2)
Somando este ao valor da reparação, temos como valor global a atender o de € 6701,23 ( = 3381,23 + 2880,00)
No entanto há que ajustar essa indemnização à definida proporção de culpas no acidente, ou seja a metade de tal verba e que corresponde a € 3350.61

IV – Nos termos e pelas razões expostas decide-se revogar a douta sentença e com parcial provimento do recurso, condenar a R a pagar ao A a apontada quantia de € 3350,61- Três mil trezentos e cinquenta euros e sessenta e um cêntimos- acrescida dos juros legais desde a citação, como também peticionado, indo quanto ao mais absolvida.
As custas serão pagas na proporção do respectivo decaimento.