Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | ARTUR DIAS | ||
| Descritores: | EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA JUSTA INDEMNIZAÇÃO VISTORIA AD PERPETUAM REI MEMORIAM ALTERAÇÃO DO ROL DE TESTEMUNHAS JUNÇÃO DE DOCUMENTOFORA DO REQUERIMENTO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO JUDICIAL | ||
| Data do Acordão: | 11/28/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE PENACOVA | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE REVOGADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTºS 21º, Nº 3, 23º A 32º E 58º DO CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES (LEI Nº 168/99, DE 18/9), E 463º, Nº 1, DO CPC | ||
| Sumário: | I – A obrigatoriedade de o titular do direito real expropriado ser justamente indemnizado devido à extinção do seu direito é imposta quer pela C.R.P., quer pelo Código das Expropriações, quer ainda pelo C. Civ. – artº 1310º - e tem a sua razão de ser num princípio que orienta as ordens jurídicas actuais na aplicação prática da regra da função social da propriedade – o princípio de que os sacrifícios se deverão repartir equitativamente, de modo a não recaírem sobre algum ou alguns todos os ónus, quando os restantes têm apenas as vantagens. II – Essa justa indemnização é encontrada através dos critérios objectivos definidos nos artºs 23º a 32º do C. das Expropriações. III – De acordo com o nº 3 do artº 21º do CE, os interessados, o curador provisório e a entidade expropriante podem comparecer à vistoria ad perpetuam rei memoriam e formular por escrito os quesitos que tiverem por convenientes, a que o perito deve responder no seu relatório. IV – Agendada essa diligência e notificados os interessados para a sua realização, um mero atraso de cerca de 30 minutos no seu início não justifica que o expropriado pudesse legitimamente pressupor que a mesma foi adiada, abandonando o local da diligência, o que não configura qualquer irregularidade processual – artº 266º-B, do CPC. V – O processo expropriativo, embora apresente especificidades, integra-se no exercício da função jurisdicional, sendo-lhe aplicáveis os princípios gerais reguladores do processo civil, pelo que assume a natureza de processo especial, encontrando a sua regulamentação, sucessivamente, nas suas próprias normas, nas disposições gerais e comuns e nas regras do processo ordinário – artº 463º, nº 1, CPC. VI – No que respeita ao rol de testemunhas, embora o momento oportuno para a sua junção, em processo declarativo comum ordinário, seja o definido no artº 512º do CPC, o artº 512º-A prevê a possibilidade de alteração ou aditamento até 20 dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento e, mesmo depois dessa altura, o artº 629º ainda admite, em determinados casos, a substituição de testemunhas. VII – Quanto à junção de documentos, o artº 523º, nº 1, CPC, estatui que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, mas o nº 2 dessa disposição logo prevê que se não forem apresentados com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1ª instância… VIII – O intérprete tem de partir do princípio de que o legislador, conhecedor da extensão ex lege das regras do CPC aos processos especiais, sempre que nas disposições próprias destes não regulamentou expressamente qualquer questão, quis que fossem aplicadas, sucessivamente, as disposições gerais e comuns e o que se acha estabelecido para o processo ordinário. IX – Assim, por aplicação subsidiária das regras do processo ordinário, nos termos do artº 463º, nº 1, do CPC, é admissível, em processo de expropriação, em momento ulterior à interposição do recurso da decisão arbitral e da apresentação da resposta, alterar e/ou aditar o rol de testemunhas, nas condições previstas no artº 512º-A do CPC, bem como juntar documentos, nas circunstâncias permitidas pelos artºs 523º, nº 2, e 524º, do CPC. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: 1. RELATÓRIO Por deliberação da Assembleia Municipal de X..., datada de 13 de Junho de 2000, publicada no Apêndice nº 110 ao DR-II Série, n.º 178, de 3 de Agosto de 2000 (com a rectificação publicada no DR-II Série, nº 247, de 25 de Outubro de 2000), foi, a pedido da A..., com o fim de “integrar e concretizar” o Plano de Pormenor da Zona Industrial de X..., declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação de um prédio, com a área de 7290 m2, inscrito na matriz predial rústica sob o artº 457 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 868/210990, pertencente a B.... Não tendo sido possível conseguir a expropriação amigável, o expropriante, C..., organizou o processo de expropriação litigiosa, tendo sido realizada a vistoria “ad perpetuam rei memoriam” (fls. 86), e tomada posse administrativa do prédio expropriado (fls. 109/110). Na sequência de reclamação do expropriado contra alegadas irregularidades cometidas no procedimento administrativo, foi, mediante participação do reclamante, o processo de expropriação avocado pelo Tribunal Judicial de Penacova (artº 54º, nº 2 do Código das Expropriações aprovado pela Lei nº 168/99, de 18/09, doravante designado de CE), aí tendo sido proferido o despacho de fls. 255 a 258, que indeferiu a aludida reclamação. Inconformado, o expropriado interpôs recurso que foi admitido como agravo com subida diferida e efeito meramente devolutivo. Na alegação apresentada o expropriado (agravante) formulou as conclusões seguintes: a) O ora recorrente foi notificado pela entidade expropriante – A... – de que havia sido designada a data de 02/10/2000 para a realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam; b) Tal data foi unilateralmente designada pela entidade expropriante e responsável pela convocatória; c) No dia e hora aprazados compareceu o expropriado para os fins previstos no nº 3 do artº 21º do CE. Acontece que, d) A essa hora, no local, não compareceu nem o senhor Perito, nem qualquer responsável da entidade expropriante. Pelo que, e) Cerca das 10h30, o expropriado se ausentou, como julga ser seu direito. Na verdade, f) Tendo-se deslocado, propositadamente, de Coimbra a X... para a diligência, não lhe era exigível que esperasse mais tempo; g) Sendo que se o princípio da boa fé tem aplicação no caso em apreço – e cremos que tem – seria para impor à entidade expropriante que informasse o expropriado do eventual atraso, dando-lhe a adequada explicação. h) Na verdade, a deslocação do expropriado impôs-lhe perda de tempo de trabalho e despesas que acrescem ao grave prejuízo que a expropriação, por si só, já lhe acarreta. i) Não lhe sendo, por isso, exigível qualquer outro comportamento e designadamente esperar mais tempo ou ser ele próprio a contactar a entidade expropriante para saber das eventuais razões do atraso. Assim, j) A vistoria ad perpetuam rei memoriam, realizada sem a sua presença, é ilegal violando o direito do expropriado previsto no nº 3 do artº 21º do C.E..Pelo que, k) Deveria ser atendida a reclamação e ordenada a realização de nova vistoria. Ora, l) Ao ter decidido indeferir a reclamação violou a decisão recorrida a lei e, em especial, o disposto nos nºs 1 e 3 do artº 21º e artº 54º do C.E.. Daí que, m) Deva ser revogada, com as legais consequências. O expropriante (agravado) respondeu defendendo o não provimento do recurso. Os Srs. Árbitros para o efeito nomeados proferiram o competente acórdão (fls. 358), fixando a indemnização em esc. 6.071.210$00 (seis milhões setenta e um mil duzentos e dez escudos). Foi proferido (fls. 385) despacho de adjudicação da propriedade ao expropriante. O expropriado recorreu da decisão arbitral defendendo a elevação do valor do prédio expropriado e das benfeitorias e, consequentemente, do montante da indemnização para esc. € 131.841,75. Também o expropriante interpôs recurso da decisão arbitral, pugnando pela redução do montante da indemnização para € 12.174,07. O expropriado respondeu, visando a improcedência do recurso do expropriante. Procedeu-se à obrigatória avaliação, tendo os Ex.mos Peritos nomeados pelo Tribunal fixado o valor do prédio expropriado, reportado à data da DUP, em € 16.901,59; o indicado pelo expropriante, em € 17.413,09; e o indicado pelo expropriado em € 126.546,38. O expropriado arguiu a nulidade da avaliação, o expropriante opôs-se e, pelo despacho de fls. 546/547, foi entendido existir uma irregularidade formal suprível através da apresentação de relatório conjunto dos Ex.mos Peritos. Reunidos estes (fls. 570), acordaram em que o indicado pelo expropriante aderia ao relatório apresentado pelos nomeados pelo Tribunal, subscrevendo-o, e que o indicado pelo expropriado mantinha o relatório que oportunamente apresentara. Designada data para a audiência de discussão e julgamento e devolvidas as cartas registadas para notificação de duas das testemunhas indicadas pelo expropriado, foi por este requerida (fls. 627) a sua substituição por outras duas que indicou. Deferido o requerimento de substituição, foi pelo expropriante interposto recurso, o qual foi admitido como agravo, com subida diferida e efeito meramente devolutivo. Na alegação apresentada, em que pede a revogação do despacho recorrido, o agravante formulou as conclusões seguintes: a) O recorrido veio requerer a alteração do rol de testemunhas depois de ter apresentado a sua petição de recurso. b) A Mm. Juiz a quo deferiu tal alteração, sem referir as normas que lhe permitiam deferir o pedido e até sem ser ouvida a entidade expropriante. c) E por isso, a decisão sub júdice, que permitiu a alteração da prova durante os trâmites dos autos, não recebe qualquer respaldo legal na ordem jurídica relativa às expropriações. d) Assim, com tal decisão fez-se errada interpretação do artº 58º do Cód. das Expropriações, violando-se, além do mais, o nº 2 do artº 9º e o artº 203º da Constituição da República. O expropriado respondeu pugnando pela improcedência do recurso. Através do requerimento de fls. 692 pediu o expropriado o aditamento de quatro testemunhas (duas delas já indicadas em substituição das que não tinham sido notificadas) ao rol inicialmente apresentado. O expropriante opôs-se e, face ao despacho de fls. 713, que deferiu o pedido de aditamento, interpôs novo recurso, que foi admitido na espécie, regime de subida e efeito do anterior. Na alegação apresentada, em que pede a revogação do despacho sob censura, o agravante formulou as conclusões seguintes: a) O recorrido veio, pela segunda vez, requerer a alteração do rol de testemunhas depois de ter apresentado a sua petição de recurso, invocando o artº 512º-A do Cód. Proc. Civil. b) A Mm. Juiz a quo deferiu tal alteração, sem fundamentar esta decisão, violando assim também o artº 158º do Cód. Civil e artº 205º da Const. da República. c) E por isso, a decisão sub júdice, que permitiu a alteração da prova durante os trâmites dos autos, não recebe qualquer respaldo legal na ordem jurídica relativa às expropriações, antes pelo contrário. d) Assim, com tal decisão fez-se errada interpretação do artº 58º do Cód. das Expropriações, violando-se, além das normas apontadas nestas conclusões, também ainda, o nº 2 do artº 9º e o artº 203º da Constituição da República. O expropriado respondeu defendendo a manutenção do despacho impugnado. No início da audiência de discussão e julgamento (fls. 897) foi pelo expropriado requerida a junção de 28 documentos. O expropriante opôs-se e, tendo o pedido de junção dos documentos sido deferido, interpôs novo recurso (fls. 915), que foi admitido na espécie, regime de subida e efeito dos anteriores. Na alegação apresentada, em que pede e a revogação da decisão recorrida, o agravante formulou as conclusões seguintes: a) O Município veio legalmente pedir a expropriação de dois prédios, não tendo este, no plano administrativo, sido motivo de qualquer reparo, tendo a Declaração de utilidade pública com carácter de urgência, sido deliberada por Despacho de Assembleia Municipal, de 13/06/2000 e publicada no Apêndice nº 110 ao nº 178 - II Série de 03/08/2000, a qual foi reformada com a Rectificação nº 878/2000, publicado no DR. N° 247 - II Série de 25/10/2000, os quais foram adjudicados ao expropriante por sentença de 01102/2002. b) O expropriado e o expropriante não se conformaram com o montante atribuído pelos árbitros e por isso vieram em 02/02/2002, interpor os competentes recursos, que foram recebidos por Despacho de fls. plasmado em 22/03/2002. c) E nos requerimentos de interposição nos quais constam as alegações, juntaram quesitos, assim como, ofereceram testemunhas, sem sequer o expropriado ter pedido a intervenção do Tribunal colectivo, nomeou os Peritos e ofereceu documentos. d) Os peritos nomeados pelo Tribunal e o indicado pela entidade expropriante e pelo expropriado, prestaram juramento e vieram apresentar três Laudos de Avaliação, e responderam aos quesitos, quer desta entidade, quer do expropriado, tendo os peritos do tribunal encontrado o valor de € 18.169,91. e) Mas o expropriado que já tinha por requerimento apresentado documentos, veio uma vez mais, no dia 29/09/2004 oferecer outros, sem que esta atitude receba respaldo quer pelo conteúdo da petição de recurso, quer pelo que determina o art. 58º do Código das Expropriações de 1999. f) Logo a decisão sub judice ao admitir naquela data novos documentos fez errada interpretação do art. 58º e 61º do Código das Expropriações, uma vez que o art. 523º do C.P.C., não pode ser aplicado ao processo de expropriação, por força do nº 1 do art. 463º do mesmo diploma, violando com isso, além do mais também o art. 203º da Constituição da República, que obriga a que seja apenas aplicada a lei. g) E o art. 61º do Cód. das Exp. de 1999 não instituiu um sistema de "Inquisitoriedade Judiciária", pois os documentos só podiam ser juntos com a interposição de recurso e na medida em que esta peça processual lhe oferecesse respaldo, o que não foi o caso. O agravado respondeu, pugnando pela manutenção do despacho sob recurso. Ambas as partes alegaram e contra-alegaram, nos termos previstos no artº 64º do CE. Pelo tribunal colectivo que procedeu ao julgamento foi proferido o acórdão de fls. 1094 a 1099, conhecendo de facto e de direito e julgando improcedente o recurso do expropriante e parcialmente procedente o recurso do expropriado, fixando a indemnização em € 114.135,78 (€ 100.383,30, a que acrescem os montantes resultantes das actualizações até final do ano de 2004, de € 13.752,48). Irresignado, o expropriante interpôs recurso, ao qual o expropriado respondeu com a interposição de recurso subordinado, ambos admitidos como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Na alegação que apresentou o expropriante formulou as conclusões seguintes: a) O Município veio instaurar procedimento administrativo de expropriação de uma parcela de terreno, com a área de 7290 m2, correspondente ao prédio rústico inscrito na matriz predial sob o nº 457 da Freguesia de X... – Santo André, situado dentro da Zona Industrial de X..., a qual fora instituída inicialmente pelo Plano de Pormenor, aprovado em Assembleia Municipal e rectificado por Despacho do Conselho de Ministros e posteriormente publicado no D. R. nº 35/92, II Série de 11 de Fevereiro. b) E efectuadas as demarches legais, fora esta expropriação declarada de utilidade pública, por deliberação da Assembleia Municipal, publicada posteriormente, do D.R. II, nº 178 de 13 de Junho de 2000, tendo sido rectificado o seu conteúdo, publicado no D.R. II Série nº 247, de 25/10/2000 (rectificação 878/2000). c) Efectuada a vistoria “ad perpetuam rei memoriam” sem reclamação sobre o conteúdo, e depois por legal arbitragem fora na mesma, atribuído o montante indemnizatório total de 6.071.210$00 ou seja € 30.283,07, tendo sido adjudicada a propriedade, por decisão de 27/02/2002. d) Expropriante e expropriado não se conformaram com as decisões constante dos laudos arbitrais e vieram impetrar o competente recurso onde alegaram os factos, que se dão por reproduzidos, que julgam oporem-se às decisões: O expropriado, posteriormente na resposta, requereu a intervenção do Tribunal Colectivo, que foi deferida, e na petição de recurso ofereceu testemunhas e juntou documentos, não reservando o direito de juntar outros. e) Não obstante esta realidade, o expropriado ora recorrido veio por diversas vezes requerer diligências e oferecer outros documentos, tendo tido a oposição constante do recorrente Município, mas admitidas pelo Tribunal, os quais se encontram sob recurso, e retidas face ao efeito do recebimento. f) Pois aquela atitude, quando permitida, não podia deixar de prejudicar o recorrente, apanhando-o desprevenido, levando em consideração a interpretação e aplicação do artigo 58º do CE e do artigo 523º do C. P. C. e violando-se os mesmos, uma vez que jamais se advertiu sequer o Município para usar da mesma faculdade. g) O Tribunal, estranhamente, julgou a expropriação sub judice pelo facto de ter sido requerida a intervenção do Tribunal Colectivo, através de um Acórdão subscrito por três magistrados, sem que se vislumbre fundamento legal para tal, pois o facto de ser admitido a intervir o Tribunal Colectivo não permite que o julgamento da questão de facto e de direito fosse efectuada simultaneamente e por Acórdão. h) Logo a decisão sub judice que consagrou num Acórdão a decisão de matéria de facto e de direito, em simultâneo, no Tribunal Cível de 1ª Instância é ilegal e, por isso nula, além do mais por ofender as al. c) e d) do nº 1 do artº 668 do Cód. Proc. Civil, conjugado com aquele artº 58.º do Código das Expropriações e art. 106º da Lei nº 3/99 de 13/01. i) Em relação à matéria de facto no Acórdão não se deixou de dar por provado matéria factual que não encontra nos autos fundamento para tal, sendo a mesma até contraditória, como se demonstrou, assim como provada matéria factual que não podia ser provada por testemunhas, violando-se assim os arts. 351º do Cód. Civil e 655º do Cód. do Proc. Civil. j) Pois os factos constantes da vistoria ad perpetuam rei memoriam a fls. 86 e 87, não podem oferecer respaldo aos conteúdo dos itens 1 a 10 do Acórdão, conforme se demonstra pelo que se alega no item I da rubrica “Análise dos factos dados por provados no Acórdão”, o que se dá por reproduzido. l) E o mesmo se pode dizer em relação aos factos provados em resultado da prova testemunhal, pela qual também não podia legalmente dar por provados factos que se enumeram no item II, daquela rubrica, que se dá por reproduzida. m) Por outro lado, na decisão sub judice em relação à matéria factual dada por provada, não se levou em consideração na sua plenitude o Auto de vistoria “ ad perpetuam rei memoriam”, o Laudo de Arbitragem e o Relatório da Peritagem, violando-se além do mais as als. c) e d) do nº 1 do artº 668º Cód. Proc. Civil. n) O Acórdão da Vara Mista de Coimbra de 1 de Abril de 2005 desconsiderou quase totalmente o laudo de avaliação pericial unânime dos três peritos nomeados pelo tribunal de entre os da lista oficial, sem adiantar uma fundamentação suficiente para o efeito. o) De tudo isto resulta que, aquele Acórdão da Vara Mista de Coimbra, de 1 de Abril de 2005 está inquinado do vício de insuficiente fundamentação, violando o artigo 158º do Cód. Proc. Civil e o artigo 205°, n° 1, da Constituição e o artigo 659°, nºs 2 e 3, do Código de Processo Civil. p) E ao não ter-se levado em consideração estas peças processuais a decisão sub judice é contraditória e por isso nula por os fundamentos estarem em oposição com a decisão violando-se além do mais a al. b) e c) do nº 1 do artº 568º do C. P. C. q) Ao proceder do modo que vimos de referir, o douto Acórdão violou o Plano de Pormenor e também o artigo 26º, nº 1, do Código das Expropriações de 1999. De facto, a construção que seria possível efectuar nas parcelas expropriadas, “de acordo com as leis e regulamentos em vigor", é tão-só a definida no Plano de Pormenor da Zona Industrial de X.... r) Conclui-se, por isso, que o douto Acórdão, para além do vício de fundamentação, violou também o artigo 26º, nº 6, do Código das Expropriações de 1999, dado que o custo da construção (e não o valor da construção, como se referia nos nºs 2 e 3 do art. 25º do Código das Exp. de 1991) constitui um elemento chave da determinação do montante da indemnização por expropriação do solo apto par a construção. s) De facto, não se pode olvidar que o princípio da "justa indemnização" tem um carácter bilateral e, por isso, opera na direcção e em benefício do expropriado, mas também do expropriante. t) Por outro lado, também se conclui que o Acórdão objecto de recurso, ao desconsiderar totalmente a incidência do custo das infra-estruturas urbanísticas da responsabilidade da entidade expropriante, violou, para além do artigo 62º, nº 2, da Constituição, o artigo 23º, nº 1, do Código das Expropriações (pois, por essa via, não foram tomadas em consideração "as circunstâncias e condições de facto existentes" na data da publicação da declaração de utilidade pública), bem como os artigos 23º, nº 2, alínea b), e 26º, nº 9, do mesmo Código, interpretados conjugadamente. u) Finalmente, a indemnização proclamada no Acórdão sub judice que atribuiu ao expropriado uma indemnização que foi para além do valor venal, não pode deixar também de colidir com o princípio da igualdade nas relações externas da expropriação. v) Na verdade ao dar-se no Acórdão ao expropriado um tratamento mais favorável em comparação com os demais proprietários de terrenos abrangidos pelo Plano de Pormenor da Zona Industrial de X..., que não foram objecto de expropriação, viola-se o nº 2 do art. 62º conjugado com o nº 1 do art. 13º da Const. da Rep. x) Para além de todo o exposto, o referido Acórdão é também nulo, por força das als. b) e c) do nº 1 do artº 668º do Cód. Proc. Civil, por os seus fundamentos estarem em contradição com a decisão, muito especial a matéria factual constante dos autos. z) E, por último a decisão sub judice, também ofende a orientação quer do tribunal da primeira instância de Penacova como também desta Relação, face aos julgamentos efectuados em expropriações de terrenos situados na Zona Industrial, nomeadamente no Proc. 268/99 daquele Tribunal, que se identificou. O expropriado respondeu, defendendo a improcedência do recurso do expropriante. E alegou, relativamente o recurso subordinado, formulando as conclusões seguintes: 1 - Não obstante a circunstância de a decisão vertida no Acórdão aqui posto em crise ser inteiramente acertada e bem fundada no que respeita no que concerne às razões de discordância do Recorrente - como, aliás, se deixa patente na resposta ao recurso por este interposto -, não pode, ainda assim, o Recorrido, com o devido respeito e salvo melhor opinião, concordar no que respeita ao i) índice de utilização, ao ii) valor de construção por metro quadrado, e à iii) aplicação do factor correctivo previsto no ponto 10 do artigo 26º CE; 2 - Afigura-se ao Recorrido que o índice de utilização adequado para o terreno expropriado será de 50%, pois que o índice a considerar não poderá ser outro senão aquele que, por via do P.D.M., corresponde à zona em que os terrenos se integravam; 3 - Trata-se de direito que foi conferido, definitiva e irrevogavelmente, ao Recorrido pelo P.D.M. e que aquele gozava já plenamente, pelo que não lhe poderia ser retirado, nomeadamente para efeitos de avaliação em sede de expropriação, pelo Plano de Pormenor. 4 - Além do mais, e como dispõe o artigo 143º, nº 2 do Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro, o dever de indemnizar previsto no artigo 143º determina, no seu nº 2, que “são indemnizáveis as restrições singulares às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo, preexistentes e juridicamente consolidadas, que comportem uma restrição significativa na sua utilização de efeitos equivalentes a uma expropriação”. 5 - Assim, e porque decorrente do instrumento urbanístico aplicável e por força da lei, o índice de utilização adequado será sempre o constante do P.D.M., ou seja, 50% - com o que se chegará a um valor real e corrente de € 125.479,125 (ou seja, 50% x € 270 x 0,15 x 85% x 7290m2), montante a que acrescerá a correcção monetária a efectuar nos termos da lei; 6 - No entanto, ainda que assim não se entenda - no que se não prescinde e somente se admite por exercício de raciocínio -, sempre será de sublinhar que os Mmos. Juízes a quo incorreram em lapso ao tomarem em consideração para a fixação do valor real e corrente do bem expropriado na douta decisão que “as construções envolventes, situadas a muito menos de 300m da parcela a expropriar indicam um índice próximo dos 40% de construção”, quando haviam tomado como assente no número 13) da matéria de facto que “as construções já existentes têm, na maior parte delas, um índice de 45% de construção e o índice previsto pelo P.D.M. é de 50%” ; 7 - Desta forma, e porque consta da matéria de facto que o índice de utilização das construções envolventes é de 45% - como, aliás, resultou da prova documental e testemunhal junta -, só por erro de escrita ou transposição se poderá ter considerado na douta decisão recorrida um índice de 40%; 8 - Lapso e correspondente contradição que não poderão deixar de ser corrigidos por este Douto Tribunal, fixando-se, nesta sede e nesta eventualidade, o valor real e corrente do prédio expropriado em € 112.931,212 (isto é, 0,45 x 270 m2 x 0,15 x 0,85 x 7290m2), montante a que acrescerá a correcção monetária a efectuar nos termos da lei; 9 - Deu-se, por igual forma, como assente na matéria de facto que “o valor da construção industrial na zona, sem terreno, é de 80.000$00 o metro quadrado” (número 11). 10 - No entanto, determinaram os Mmos. Juízes a quo na correspondente decisão que o valor de € 270/ m2 se revela adequado, montante que se fundaria na exigência de garantir ao expropriado “uma compensação plena da perda patrimonial suportada, em termos de o colocar na posição de adquirir outro bem de igual natureza e valor” e permitindo-lhe “adquirir uma coisa com características semelhantes às daquela que lhe foi retirada, a indemnização deve colocar à sua disposição uma soma correspondente à pretendida substituição” (página 10 do Acórdão). 11 - Não compreende, pois, o Recorrido as razões que levaram o Tribunal recorrido a, não obstante fixar na matéria de facto em 80.000$00 o valor da construção por metro quadrado na aludida zona, reduzir o mesmo valor para € 270 em momento posterior - diferença que se cifra em € 130; 12 - Efectivamente, não avançam os Mmos. Juízes qualquer razão que justifique um tratamento diferenciado entre o prédio expropriado e o local específico onde este se encontra sito e os demais situados na zona envolvente, pelo que também aqui se descortina uma contradição entre a decisão e a matéria de facto assente sem que qualquer fundamentação seja avançada para a adopção de um diferente valor de construção; 13 - O que não poderá deixar de ser também sindicado por este douto Tribunal, fixando-se em € 399,04 valor de construção por metro quadrado para o terreno expropriado, com o que se obteria um valor real e corrente daquele – no pressuposto de não serem procedentes as razões invocadas quanto ao índice de utilização - de € 148.359,08 (0,40 x 399,04 x 0,15 x 0,85 x 7290 m2), montante a que acrescerá a correcção monetária a efectuar nos termos da lei. 14 - Por outro lado, para aplicação do factor correctivo necessário se torna demonstrar em primeiro lugar que a actividade construtiva representa, no caso concreto dos prédios em causa, um risco e esforço e, em segundo lugar, que no caso concreto o valor de venda do prédio no mercado livre não é inferior ao resultante da aplicação, no caso da expropriação, dos critérios impostos pelo CE; 15 - Não temos dúvidas - como aliás o demonstram todas as transacções tituladas por escrituras e contratos junto aos autos - que o prédio colocado livremente e transaccionado livremente no mercado servia vendido por um preço bastante superior ao valor resultante da aplicação dos factores impostos pelo CE; 16 - Nesta medida, uma primeira conclusão é de que este mais elevado preço por que seria vendido compensa largamente o eventual risco e esforço da actividade construtiva, ou seja, o custo ideal e hipotético - que não será suportado - emergente do eventual risco - que não ficou, aliás, provado - será compensado pelo maior valor obtido na venda livre. 17 - E, assim, não deverá haver lugar à aplicação de qualquer factor correctivo. 18 - Por outro lado, haverá ainda que tomar em consideração que tal factor correctivo- de legalidade duvidosa - só será de aplicar a quem não exerça habitual e lucrativamente a actividade construtiva, ou seja, a quem disso não faça a sua profissão ou a quem, não exercendo essa profissão, a queira, em dado momento, exercer essa actividade, ainda que, esporadicamente, como acto isolado de comércio ou de indústria. 19 - É que quem exerce tal profissão ou quer praticar o acto isolado de comércio corre por que quer e essa é a sua profissão, o risco da profissão ou da actividade isolada que enceta, com vista não à perda, mas ao lucro. 20 - Pela expropriação é forçado a não construir, a não correr o risco inerente à sua actividade, em todos os sentidos, é forçado, designadamente, a não correr o risco do lucro que visa, dele portanto, ficando privado por efeito da expropriação. 21 - Assim, e porque no caso concreto os expropriados desejavam construir para investimento e venda, não há que aplicar qualquer factor correctivo, pois a expropriação impediu-os de destinar os prédios a construção e venda, assim os impedindo de procurar com tal afectação dos prédios o lucro que, para eles, era certo. 22 - Desta forma, o valor real e corrente dos terrenos expropriados calcular-se-á mediante a seguinte fórmula 0,40 x € 270,00 x 0,15 x 7.290,00 m2 = € 118.098.00, valor a que acrescerá a correcção monetária a efectuar nos termos da lei; 23 - Mas ainda que assim não se entenda - no que se não prescinde e somente se admite como exercício de raciocínio -, á verdade é que “dadas as características dos prédios, nomeadamente a sua boa localização e as boas condições com que se apresentam para levar a cabo a construção -como aliás resulta da matéria de facto dada como provada -, nunca seria, no caso concreto, de considerar um índice correctivo superior a 5%; 24 - De onde resultará um valor real e corrente dos terrenos a expropriar de € 112.193,10, valor a que acrescerá a correcção monetária a efectuar nos termos da lei; 25 - No seguimento do exposto, impõe-se uma correcção dos critérios adoptados para a avaliação do valor real e corrente do prédio expropriado nos termos já descritos com o que se obteria um valor do prédio expropriado de € 218.175,12 (0,50 x € 399,04 x 0,15 x 7290 m2). 26 - No entanto, e porquanto o Recorrido foi parco no pedido deduzido por ocasião do recurso da decisão arbitral - tendo peticionado o valor de € 130.191,75 como o correspondente ao valor real e corrente do aludido terreno -, impor-se-á a fixação do valor real e corrente do prédio expropriado naquele montante máximo peticionado, quantia a que acrescerá a correcção monetária a efectuar nos termos da lei; 27 - Assim não tendo decidido, violou o douto Acórdão as normas contidas, entre outras, nos artigos 13º da Constituição da República Portuguesa, 26º do Código das Expropriações e, ainda, as normas contidas, entre outros, no artigo 668º, nº 1, alíneas b) e c) do Código de Processo Civil; 28 - À luz do que precede, e do mais que, doutamente, será suprido, deverá ser dado inteiro provimento ao presente recurso, revogando-se parcialmente, na procedência das razões supra invocadas, o, aliás douto, Acórdão recorrido. O expropriante respondeu, defendendo o não provimento do recurso e sustentando que os artºs 23º e 26º do CE, na interpretação que lhes foi dada, não podem deixar de ser inconstitucionais, por violarem os artºs 13º e 62º, nº 2 da Constituição da República. Entretanto, o expropriado requerera (fls. 1117) a notificação do expropriante para proceder ao depósito da quantia de € 30.283,07, “quantia esta que foi substituída pela garantia bancária junta a fls. 381, 381-vº e 382”, tendo tal notificação sido ordenada. Notificado, o expropriante opôs-se, dizendo que o expropriado carece de legitimidade para o pedido em causa e, “mesmo que tivesse, o seu direito teria caducado (…)”. Pelo despacho de fls. 1220 foi ordenado o depósito pretendido pelo expropriado, ao que o expropriante reagiu (fls. 1225/1227) defendendo que “deve ser anulada a decisão e notificado o Município nos termos apontados, isto é, que lhe seja dada indicação do montante a depositar e onde o mesmo deve ser efectuado”. Ouvido o expropriado, que se opôs, foi proferido o despacho de fls. 1241/1245, indeferindo a arguição da nulidade. O expropriante, uma vez mais, interpôs recurso, que disse englobar “o despacho que ordenou o depósito”, pedindo para o mesmo o efeito suspensivo. Após oposição do expropriado, foi proferido o despacho de fls. 1256, rejeitando o recurso na parte referente ao despacho que ordenou o depósito e admitindo-o – como agravo, com subida diferida e efeito devolutivo, mais tarde (fls. 1275) alterado para suspensivo –, na parte relativa ao despacho que indeferiu a arguição de nulidade. Na alegação oportunamente apresentada (fls. 1265/1272) o agravante formulou as conclusões seguintes: a) O Município, através do seu advogado, fora notificado do despacho de fls. 1119, que diz: “fls. 1117: Notifique como requerido - prazo: 10 dias” b) Ao receber este Despacho o patrono do Município, compreendeu apenas que estava a ser notificado para exercer o contraditório constante do nº 3 do artº 3º do Cód. Proc. Civil, razão pela qual respondeu, pelo seu requerimento de 9/Junho/2005, que de facto não se encontra nos autos. c) - Mas o patrono da parte contrária, por ter sido notificado de tal requerimento, veio responder pela forma constante do seu requerimento de fls. 1173, pelo qual também se verifica que este entendeu que por aquele despacho de fls. 1119 não se tinha decidido o pedido, pois de outra forma só podia referir que foi bem decidido. d) - Por ter respondido ao despacho, convencido que estava a efectuar o contraditório a que tinha direito, não informou o patrono do Município de qualquer dever de depositar, pois estava também convencido que este seria notificado, nos termos do nº 2 do art. 253º do CPC, para tal fim. e) - Depois, pelo Despacho de fls. 1220 proclama-se que “... foi a entidade expropriante notificada para proceder ao depósito da quantia a que se alude a fls. 117, no prazo de 10 dias.” f) - Mais uma razão para o patrono do Município jamais ter informado este de tais decisões, por julgar não ter o dever de o fazer e o Tribunal estar a proclamar, com verdade o que tinha de facto efectuado. g) - Por estas razões, pelos Despachos sub judice fez-se errada interpretação do nº 2 do art. 253 º do Cód. Proc. Civil. h) - Pois neste caso concreto, o Tribunal estava, salvo devido respeito que estes assuntos nos têm de merecer, obrigado a chamar “pessoalmente” o Município a praticar o depósito, se este de facto foi ordenado, o que não se aceita. Face ao exposto e por tudo o mais que Exas doutamente suprirão devem ser revogadas as decisões que permitiram a dispensa de não obrigatoriedade de notificação ao Município do Despacho sub judice e ordenar-se tal notificação. O expropriado respondeu defendendo a confirmação do julgado. O expropriante reagira também contra o despacho de fls. 1256 na parte em que rejeitara o recurso do despacho que ordenou o depósito, reclamando para o Ex.mo Presidente da Relação (fls. 1462). Mas sem êxito, pois a reclamação foi indeferida (fls. 1560). O expropriado juntou (fls. 1408 a 1458) um douto parecer relativo à aplicabilidade ao processo de expropriação do disposto no artº 523º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, ao que o expropriante se opôs (fls. 1576/1584). Pelo despacho de fls. 1593 foi renovado o despacho de fls. 1220, que mandara que o expropriante fizesse o depósito da quantia de € 30.283,07. E, perante novo requerimento do expropriante informando que “não tem de momento verba disponível para efectuar o depósito imediato daquela quantia” e pedindo que lhe seja “deferido prazo para efectuar a mesma pelos duodécimos referentes ao mês de Abril e Maio, depositando em cada um destes meses, até ao dia 20, o montante de € 15.141,53”, foi o mesmo indeferido e determinada a subida dos autos a esta Relação (fls. 1604). Entretanto, o expropriante, alegando que “continua com algumas dificuldades financeiras”, não podendo efectuar o depósito, juntou cópia de duas garantias bancárias, no montante total de € 30.283,07. Já nesta Relação, o expropriante juntou um douto parecer (fls. 1623) em que é sufragada a sua posição no sentido de ser excessiva a indemnização fixada pela 1ª instância. Notificados, nos termos do artº 748º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, expropriante e expropriado declararam que os agravos retidos mantêm interesse. Colhidos os pertinentes vistos, cumpre apreciar e decidir. *** 2. QUESTÕES A SOLUCIONAR Tendo em consideração que, de acordo com os artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foram colocadas as questões seguintes: a) Saber se foi praticada na realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam a irregularidade apontada pelo expropriado e, no caso afirmativo, se tal deveria determinar a repetição daquela diligência (agravo interposto a fls. 271 e admitido a fls. 274); b) Saber se em processo de expropriação é permitido às partes, depois de apresentados o requerimento de interposição do recurso da decisão arbitral (artº 58º do CE) e a resposta (artº 60º, nº 2 do CE) proceder à alteração e/ou aditamento de testemunhas (agravos interpostos a fls. 640 e 718 e admitidos a fls. 656 e 726), bem como à junção de documentos (agravo interposto a fls. 915 e admitido a fls. 921); c) Saber se o acórdão que fixou a indemnização é nulo; d) Saber se há fundamento para alteração da decisão de facto; e) Saber se é justa a indemnização fixada em tal acórdão ou se é excessiva, por força do uso de valores demasiado altos do índice de utilização e do custo de construção, ou exígua, por força do uso de valores demasiado baixos do índice de utilização e do custo de construção, bem como do recurso injustificado ao factor correctivo previsto no nº 10 do artº 26º do CE; f) Saber se a notificação do despacho de fls. 1220, que mandou que fosse efectuado o depósito da quantia de € 30.283,07, deveria ter sido “pessoalmente” notificado ao expropriante (agravo interposto a fls. 1249 e admitido a fls. 1256). *** 3. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. De facto 3.1.1. Na 1ª instância foram dados como provados os factos seguintes: A) Da vistoria “ad perpetuam rei memoriam”: 3.1.1.1. O prédio está inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 457 e é objecto de expropriação total, com a área de 7290 m2. 3.1.1.2. As suas confrontações são: norte, Eduardo Moura Simões; sul, Caminho; nascente, A...; e poente, Ernesto Soares Silva. 3.1.1.3. O prédio está abrangido pelo plano de pormenor da zona industrial de X... e, a sul, confronta com caminho de terra batida. 3.1.1.4. O solo é de textura franco-arenosa de sequeiro, com boa aptidão para culturas florestais, tendo 11 pinheiros com DAP médio de 25. 3.1.1.5. Não é servido por infraestruturas urbanísticas. B) Da perícia de fls. 358 e 359: 3.1.1.6. Segundo o PPM do concelho, a parcela situa-se na Zona Industrial, não se integrando em aglomerado urbano. 3.1.1.7. O terreno da parcela é apto para a construção. 3.1.1.8. Segundo a Associação de Industriais da Construção Civil do Norte, o valor da construção por metro quadrado, sem terreno, era de 45.000.000$00. 3.1.1.9. O índice de utilização bruta é de 0,217, segundo o Plano de Pormenor. C) Da prova testemunhal e documental produzida: 3.1.1.10. Na Zona Industrial não há indústrias poluentes. 3.1.1.11. O valor da construção industrial na zona, sem terreno, é de 80.000$00 o metro quadrado. 3.1.1.12. A localização deste terreno, servido por boas vias rodoviárias, a qualidade arquitectónica dos edifícios ali construídos bem como dos edifícios envolventes, armazéns e escritórios, a qualidade ambiental e a proximidade da cidade de Coimbra, tornam-na numa zona industrial de muita procura na região de Coimbra. 3.1.1.13. As construções já existentes têm, na maior parte delas, um índice de 45% de construção e o índice previsto pelo PDM é de 50%. 3.1.1.14. A A... aprovou em 19/03/2001 a resolução de expropriar o prédio inscrito sob o nº 3067 da freguesia de Stº André, com a área de 956,3 m2, que foi avaliado em 4.134.400$00. 3.1.1.15. No dia 27/10/1999, foi outorgada a escritura pública a que se reporta o documento junto a fls. 754, no qual se declara a compra e venda de um pavilhão com a superfície coberta de 450 m2 e logradouro de 1.230 m2, pelo preço de 18.100.000$00. 3.1.1.16. No dia 19/07/2002, foi outorgada a escritura notarial a que se refere o documento junto a fls. 760, no qual se declara a compra e venda de uma parcela de terreno com a área de 610 m2, sita na freguesia de Stº André, pelo preço de 49.879,79 €. 3.1.1.17. No dia 28/12/2001, foi outorgada a escritura notarial a que se refere o documento junto a fls. 998, no qual se declara a compra e venda de uma parcela de terreno com a área de 956,30 m2, na freguesia de Stº André – Vale de Vaqueiro, pelo preço de 7.500.000$00. 3.1.1.18. No dia 08/06/2000, outorgada a escritura notarial a que se refere o documento junto a fls. 1001, no qual se declara a compra e venda de uma parcela com a área de 3.950 m2, pelo preço de 18.000.000$00. *** 3.1.2. Alteração da decisão de facto Apesar da deficiente sistematização da matéria de facto provada feita na decisão sob recurso, é notório que com base na vistoria ad perpetuam rei memoriam apenas se deram como assentes os factos constantes dos pontos 3.1.1.1. a 3.1.1.5. e não os constantes dos pontos 3.1.1.1. a 3.1.1.9., supra. Os factos constantes dos pontos 3.1.1.6. a 3.1.1.9. foram considerados provados com base no laudo dos árbitros de fls. 359 a 361, incorrectamente designado na decisão recorrida de “perícia de fls. 358 e 359”. E a vistoria “ad perpetuam rei memoriam” constitui prova suficiente da factualidade que a decisão sob recurso com base nela deu como assente. No que tange ao ponto 3.1.8., supra, há seguramente lapso do tribunal “a quo”. Com efeito, tendo em conta o documento de fls. 502 (ofício circular da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Pública) e o ponto 13.1.1. do relatório de avaliação de fls. 492 a 501 (subscrito pelos Peritos nomeados pelo Tribunal e que obteve a adesão do Perito designado pelo expropriante), apenas se poderá dar como provado que, segundo a Associação de Industriais da Construção Civil e Obras Públicas do Norte, o valor médio por metro quadrado da construção industrial para o ano de 2001 se situava entre esc. 31.000$00 e 39.000$00. Diz ainda o expropriante que os pontos 3.1.1.11. e 3.1.1.12., supra, não contêm qualquer facto, sendo puras conclusões e não podendo, por isso, oferecer qualquer respaldo à decisão. Contudo, ser o valor da construção industrial, sem terreno, de esc. 80.000$00 o metro quadrado é claramente um facto e não uma conclusão. E, devido à localização, às boas vias rodoviárias, à qualidade arquitectónica dos edifícios ali construídos bem como dos edifícios envolventes, armazéns e escritórios, à qualidade ambiental e à proximidade da cidade de Coimbra, ser a zona industrial em causa de muita procura na região de Coimbra, é também matéria factual e não conclusiva. Além dos pormenores acabados de referir e decidir, o expropriante insurge-se ainda contra a factualidade constante dos pontos 3.1.1.10. e 3.1.1.13., entendendo que os depoimentos das testemunhas não permitiriam tais conclusões. Tendo sido produzida prova testemunhal e não tendo havido gravação da audiência, não constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão dos pontos da matéria de facto em causa. Por isso, nos termos do nº 1 do artº 712º do Cód. Proc. Civil, só seria possível alterar a decisão de facto no tocante a tais pontos se os elementos fornecidos pelo processo impusessem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, ou se tivesse entretanto sido apresentado documento novo superveniente suficiente, por si só, para destruir a prova em que a decisão assentou. Como nenhuma das duas hipóteses enunciadas se verifica, está esta Relação impedida de alterar a decisão de facto nessa parte. O expropriante estranha que na matéria de facto provada não tenha sido incluída factualidade resultante quer dos laudos dos Árbitros, quer dos relatórios da avaliação. Contudo, os factos constantes dos pontos 3.1.1.6., 3.1.1.7. e 3.1.1.9., supra, encontram o seu fundamento nos laudos dos Árbitros. E o facto constante do ponto 3.1.1.8., supra, com a redacção atrás dada, decorre do relatório da avaliação, subscrito pelos Peritos nomeados pelo Tribunal e ao qual aderiu o Perito designado pelo expropriante. Além disso, na análise e decisão das questões de direito suscitadas, que infra se fará, não se deixará de colher naqueles laudos e relatórios todos os elementos que se mostrarem pertinentes. *** 3.2. De direito 3.2.1. A expropriação De acordo com o artº 62º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), “a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição”. E o artº 1.305º do Código Civil define o conteúdo do direito de propriedade estatuindo que “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”. Uma das restrições mais evidentes ao direito de propriedade é, no dizer do Prof. Oliveira Ascensão[ Direitos Reais, Almedina, 1978, pág. 170.], a sujeição à expropriação, isto é, a limitação genericamente imposta a todos os direitos reais sobre imóveis de poderem ser expropriados quando surgir uma causa de utilidade pública prevista na lei. Com a efectivação da expropriação extingue-se o direito real sobre o qual ela incide e constitui-se um direito a favor da pessoa a cujo cargo estiver o fim de utilidade pública que se teve em vista[ Prof. Oliveira Ascensão, ob. cit., pág. 357.]. A possibilidade de expropriação está prevista no artº 62º, nº 2 da CRP, onde se estabelece que “a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”. Também o artº 1308º do Código Civil, inserido no Título dedicado ao direito de propriedade, prevê a possibilidade de expropriação, dispondo que “ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei”. A lei que regulamentava a expropriação na data da D. U. P. era o Código das Expropriações (CE), aprovado pela Lei nº 168/99, de 18/09 (diploma a que pertencem todas as disposições adiante citadas sem outra menção) O artº 1º daquele Código estatui que “os bens imóveis e direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objecto da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização nos termos do presente Código”. A obrigatoriedade de o titular do direito real expropriado ser justamente indemnizado devido à extinção do seu direito é, pois, imposta quer pela CRP, quer pelo CE, quer mesmo pelo Código Civil[ Cfr. artº 1310, onde se estatui que “havendo expropriação por utilidade pública ou particular ou requisição de bens, é sempre devida a indemnização adequada ao proprietário e aos titulares dos outros direitos reais afectados.”] e tem a sua razão de ser num princípio “que orienta as ordens jurídicas actuais na aplicação prática da regra da função social da propriedade - o princípio de que os sacrifícios se deverão repartir equitativamente, de modo a não recaírem sobre algum ou alguns todos os ónus, quando os restantes têm apenas as vantagens”[ Prof. Oliveira Ascensão, ob. cit., pág. 171.]. Sendo indiscutível que o expropriado tem direito a uma “justa indemnização”, a dificuldade põe-se, desde sempre, na determinação do respectivo montante, já que é da natureza das coisas que, em geral, qualquer montante parece injusto, por excessivo, ao expropriante e, por diminuto, ao expropriado. Sabido que assim é, têm os sucessivos Códigos das Expropriações tentado fixar critérios objectivos através dos quais se chegue ao montante da “justa indemnização”. “In casu”, como já acima se referiu, o CE aplicável é o aprovado pela Lei nº 168/99, de 18/09, por ser o que vigorava na data da declaração de utilidade pública (DUP). Nele se trata a questão no Título III (artºs 23º a 32º), sob a epígrafe “Do conteúdo da indemnização”. No nº 1 do artº 23º traçam-se parâmetros balizadores da determinação concreta do montante da justa indemnização, aí se estabelecendo que “a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pelo expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data”. Enquanto o artº 24º manda calcular o montante da indemnização com referência à data da declaração de utilidade pública e actualizá-lo à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, o artº 25º fixa os critérios para a classificação do solo em “solo apto para a construção” e, por exclusão de partes, em “solo para outros fins”. Feita a classificação do solo, os artºs 26º e 27º fornecem os critérios para o cálculo do valor, conforme aquele seja, respectivamente, apto para a construção ou não. O artº 23º, nº 5, contém uma norma que deve ser conjugada com as mencionadas disposições, pois estatui que “sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do presente artigo, o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor”. Feita esta nota introdutória, e deixando desde já vincado que não está posta em causa a classificação do prédio expropriado como solo apto para a construção, entremos na apreciação mais pormenorizada das concretas questões suscitadas no recurso. *** 3.2.2. Irregularidade na realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam Fazendo uso da faculdade que confere o artº 54º, nº 1 do CE, o expropriado reclamou contra uma alegada irregularidade na realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam. Tal irregularidade teria consistido em, apesar de ter começado mais de 30 (trinta) minutos após a hora marcada e já não se encontrando o expropriado presente, aquela diligência ter sido realizada. Tendo o tribunal indeferido a reclamação, o expropriado agravou, sustentando que a vistoria, realizada sem a sua presença, é ilegal, violando o disposto no artº 21º, nº 3 do CE, pelo que deverá ser repetida. Com relevância para a decisão do agravo colhem-se nos autos os elementos seguintes: a) Foi designado o dia 2 de Outubro de 2000, pelas 10,00 horas, para a realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam; b) O expropriado foi notificado da data designada em 20 de Setembro de 2000, através de carta registada com aviso de recepção expedida para esse efeito; c) Conforme consta do respectivo auto, a vistoria foi realizada na data designada, tendo-se iniciado pelas 10,30 horas, não estando o expropriado presente ou representado; d) Face à reclamação do expropriado, a entidade expropriante considerou não haver fundamento para a repetição da vistoria, mas, com o acordo do Sr. Perito que a realizou, facultou àquele a formulação dos quesitos que tivesse por convenientes; e) O expropriado entendeu não usar dessa faculdade. De acordo com o nº 3 do artº 21º do CE, os interessados, o curador provisório e a entidade expropriante podem comparecer à vistoria e formular por escrito os quesitos que tiverem por convenientes, a que o perito deve responder no seu relatório. Ao expropriado foi dada a possibilidade de estar presente, já que foi devidamente notificado, com suficiente antecedência, da data e hora da diligência. Dando como certo que o expropriado compareceu no local na data e hora marcadas e uma vez que quando a vistoria se iniciou, às 10,30 horas, já não estava presente, tem de concluir-se que nem 30 minutos esperou. Ora, como muito bem se afirma no despacho sob censura, agendada a diligência e não lhe tendo sido comunicado qualquer impedimento para a sua realização, afigura-se que um atraso de trinta minutos não justifica que o expropriado pudesse legitimamente pressupor que a mesma havia sido adiada. Aliás, atendendo à facilidade dos meios de comunicação actualmente existentes, fácil lhe teria sido estabelecer contacto com a A... por forma a averiguar se a diligência teria efectivamente lugar ou se havia sido adiada. De resto, a razoabilidade de esperar um mínimo de 30 minutos pelo início de qualquer diligência ou por informação pertinente resulta até do artº 266º-B do Cód. Proc. Civil, segundo o qual se ocorrerem justificados obstáculos ao início pontual das diligências, deve o juiz comunicá-los aos advogados e a secretaria às partes e demais intervenientes processuais, dentro dos trinta minutos subsequentes à hora designada para o seu início. Acresce que a entidade expropriante, face à reclamação do expropriado, facultou a este a formulação dos quesitos que tivesse por convenientes, tendo-se o Sr. Perito disponibilizado para responder-lhes. Se o expropriado não usou dessa faculdade sibi imputet, sendo de concluir que da sua não presença na vistoria não lhe adveio qualquer prejuízo. Soçobra, pois, a argumentação do agravante, inexistindo fundamento para a repetição da vistoria ad perpetuam rei memoriam. Não pode, portanto, o agravo obter provimento, antes sendo de manter inalterado o despacho recorrido. *** 3.2.3. Admissibilidade da substituição e/ou aditamento de testemunhas, bem como da junção dos documentos Estabelece o artº 58º do CE: “No requerimento da interposição do recurso da decisão arbitral, o recorrente deve expor logo as razões da discordância, oferecer todos os documentos, requerer as demais provas, incluindo a prova testemunhal, requerer a intervenção do tribunal colectivo, designar o seu perito e dar cumprimento ao disposto no artigo 577º do Código de Processo Civil”. Paralelamente, o artº 60º, nº 2 prevê que “com o recurso subordinado ou com a resposta devem ser oferecidos todos os documentos, requeridas as demais provas, incluindo a prova testemunhal, requerida a intervenção do tribunal colectivo e designado o perito, dando-se cumprimento, quando for o caso, ao disposto no artigo 577 do Código de Processo Civil”. Tal como sucedia com o CE de 1991, também o actual CE não prevê a aplicação subsidiária do Cód. Proc. Civil. Importa, contudo, ter presente que o processo expropriativo, embora apresente especificidades, integra-se no exercício da função jurisdicional, sendo-lhe aplicáveis os princípios gerais reguladores do processo civil[ José Osvaldo Gomes, “Expropriações por Utilidade Pública”, Lisboa, 1997, pág. 369.], pelo que assume a natureza de processo especial, encontrando a sua regulamentação, sucessivamente, nas suas próprias normas, nas disposições gerais e comuns e nas regras do processo ordinário (artigo 463º, nº l, do Cód. Proc. Civil)[ Acórdãos do STJ de 23/01/96 (Relator: Cons. Martins da Costa) e de 28/01/99 (Relator: Cons. Sousa Dinis), in www.dgsi.pt/jstj.]. A questão que se coloca no que tange à admissibilidade da alteração e/ou aditamento do rol de testemunhas e da junção de documentos depois de apresentados o requerimento de interposição do recurso da decisão arbitral (artº 58º do CE) e a resposta (artº 60º, nº 2 do CE) é a de saber se, nesses domínios, as normas próprias do processo de expropriação contêm toda a regulamentação que o legislador quis ou se, pelo contrário, este se preocupou apenas com as especificidades, sabedor de que, por força do artº 463º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, tudo o mais ficava automaticamente regulado. No que respeita ao rol de testemunhas, embora o momento oportuno para a sua junção, em processo declarativo comum ordinário, seja o definido no artº 512º do Cód. Proc. Civil, o artº 512º-A prevê a possibilidade de alteração ou aditamento até 20 dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento e, mesmo depois dessa altura, o artº 629º ainda admite, em determinados casos, a substituição de testemunhas. Quanto à junção de documentos, o artº 523º, nº 1 do Cód. Proc. Civil estatui que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. Mas o nº 2 da mesma disposição legal logo prevê que se não forem apresentados com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas a parte será condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. E, mesmo depois do encerramento da discussão, o nº 1 do artº 524º ainda possibilita, no caso de recurso, a junção de documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento; e o nº 2 permite o oferecimento em qualquer estado do processo de documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior. Sendo certo que quer no processo declarativo comum ordinário, quer no processo expropriativo, há um momento azado para a apresentação seja do rol de testemunhas, seja de documentos, a questão que nos é colocada é a de saber se são aplicáveis ao processo expropriativo as possibilidades de apresentação posterior previstas para o processo comum ordinário. Embora constituam objecto de diferentes agravos, tratam-se conjuntamente os problemas da alteração/aditamento do rol de testemunhas e da junção de documentos porque, se bem vemos, a solução que for encontrada para um não poderá deixar de, mutatis mutandis, ter aplicação também ao outro. Assim sendo, e somente por facilidade de raciocínio e de exposição, passaremos a aludir apenas à junção de documentos. Desde já se deixa consignado que o relator e o 1º adjunto que subscrevem este acórdão já em tempos se pronunciaram sobre esta questão[ Acórdão proferido em 2005/07/05, na apelação nº 448/05.], tendo entendido que, nesta matéria, o CE continha toda a regulamentação que para ela o legislador quis e que, portanto, não havia necessidade de recurso à lei subsidiariamente aplicável, ou seja, ao Código de Processo Civil. Tal circunstância, porém, não obsta a que, novamente colocada a questão, se aborde a mesma com inteira abertura mental, repensando os argumentos antigos e ponderando argumentos novos, medindo e pesando com rigor as consequências da solução que se adopte, sem qualquer prisão, vínculo ou ligação à que anteriormente, com igual liberdade e honestidade intelectual, se assumiu. No acórdão aludido seguiu-se, como nele expressamente foi referido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/01/2005[ www.dgsi.pt/jstj (Relator: Cons. Araújo Barros).], no qual, numa brevíssima síntese da nossa responsabilidade, se entendera que apesar de o processo de expropriação ter a natureza de processo especial e, portanto, ser regulado, sucessivamente, de acordo com o nº 1 do artº 463º do Cód. Proc. Civil, pelas disposições que lhe são próprias, pelas disposições gerais e comuns e pelo que se acha estabelecido para o processo ordinário, inexiste, na matéria em apreciação, qualquer lacuna que justifique o recurso à lei subsidiária, sendo que as diferenças que o processo expropriativo apresenta relativamente ao processo declarativo comum e os princípios da celeridade e da economia processual que nele assumem particular relevância explicam que o legislador, deliberadamente, tenha afastado as possibilidades, que admite no processo comum, de junção de documentos depois do momento processual adequado[ Tal acórdão, de resto, dava consistência e força a diversa jurisprudência das Relações, como sejam os acórdãos da Rel. do Porto de 17/03/92 (Relator: Dês. Norman Mascarenhas); de 25/02/99 (Relator: Des. Telles de Menezes), in www.dgsi.pt/jtrp; Ac. Rel. Porto de 12/03/98, in CJ, Ano XXIII, Tomo II, págs. 93/96; e Ac. Rel. Lisboa de 21/01/99 (Relator: Dês. Soares Curado), in www.dgsi.pt/jtrl.]. Neste momento, repensada a questão, admitimos que subjacente àquela solução esteja escondido um ligeiro vício de raciocínio. Entendeu-se que, perante a falta de regulamentação de qualquer questão no processo de expropriação, havia primeiro que determinar se a omissão era intencional ou não e só no caso de o não ser se recorreria à lei subsidiária. Contudo, face à norma do nº 1 do artº 463º do Cód. Proc. Civil e às regras de interpretação da lei ínsitas no artº 9º do Cód. Civil, esse parece não ser o iter a seguir. Pelo contrário, o intérprete tem de partir do princípio de que o legislador, conhecedor da extensão ex lege das regras do Cód. Proc. Civil aos processos especiais, sempre que nas disposições próprias destes não regulamentou expressamente qualquer questão, quis que fossem aplicadas, sucessivamente, as disposições gerais e comuns e o que se acha estabelecido para o processo ordinário. Se não fosse essa a sua vontade, certamente teria afastado expressa e claramente aquela aplicação. Sem entrar na espinhosa discussão da verdadeira natureza do recurso da decisão arbitral em processo de expropriação, diremos que se nos apresenta como apelativa a ideia de que se trata de um processo híbrido em que se combinam características quer dos recursos, quer das acções declarativas. A possibilidade de junção de documentos[ Bem como de alteração e/ou aditamento do rol de testemunhas.] depois da apresentação do requerimento de interposição do recurso e da resposta inserem-se na hibridez aludida, pesando para o prato da balança das afinidades com as acções declarativas. E os princípios da celeridade e da economia processual, que não são exclusivo do processo de expropriação, antes se estendendo aos demais processos, não devem assumir um relevo tal que constituam obstáculo a que as partes produzam a sua prova, por forma a alcançar-se uma decisão acertada. Ou seja, não há incompatibilidade entre os dois mencionados princípios e a possibilidade de, em processo expropriativo, serem juntos documentos depois da interposição do recurso da decisão arbitral e da apresentação da resposta. As razões esgrimidas para a inaplicabilidade da previsão do nº 2 do artº 523º do Cód. Proc. Civil ao processo de expropriação dificilmente seriam extensíveis às previsões dos nºs 1 e 2 do artº 524º, apresentando-se como muito dificilmente defensável que, por exemplo, não se pudessem juntar, depois da interposição do recurso da decisão arbitral e da pertinente resposta, documentos destinados a provar factos posteriores àquelas peças processuais ou cuja apresentação se tivesse tornado necessária por virtude de ocorrência posterior. A tudo acresce que, de acordo com o artº 61º, nº 1 do CE, findo o prazo para a apresentação da resposta, seguem-se imediatamente as diligências instrutórias que o tribunal entenda úteis à decisão da causa (sublinhado nosso), o que confere ao juiz largos poderes de inquisição, nos quais se inclui certamente o de mandar juntar os documentos que entenda. E, mesmo sem invocação expressa de tais poderes, a admissão da junção dos documentos apresentados depois da interposição do recurso da decisão arbitral e da resposta tem subjacente um juízo de utilidade desses documentos e o uso daqueles poderes. É nosso actual entendimento, portanto, que, por aplicação subsidiária, nos termos do artº 463º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, das regras do processo ordinário, é admissível, em processo de expropriação, em momento ulterior à interposição do recurso da decisão arbitral e da apresentação da resposta, alterar e/ou aditar o rol de testemunhas, nas condições previstas no artº 512º-A, bem como juntar documentos, nas circunstâncias permitidas pelos artºs 523º, nº 2 e 524º, todos do mesmo diploma legal. O que significa que improcedem as conclusões das alegações relativas aos agravos interpostos pelo expropriante a fls. 640, 718 e 915 e admitidos, respectivamente, a fls. 656, 726 e 921 e que tais agravos não merecem provimento. *** 3.2.4. Nulidade do acórdão Por ter sido oportunamente (cfr. fls. 534º-vº) requerida a intervenção do tribunal colectivo, foi a audiência de discussão e julgamento realizada por aquele tribunal. E, cumprido o disposto no artº 64º do CE, foi proferido o acórdão de fls. 1094 a 1099, decidindo quer de facto, quer de direito. O expropriante entende que o tribunal colectivo apenas deveria ter decidido a matéria de facto e sustenta que, tendo também decidido a matéria de direito, o acórdão é ilegal e, por isso, nulo. Mas não tem razão. Não há dúvida, face ao teor dos artºs 58º e 60º, nº 2 do CE, que o tribunal colectivo pode ter intervenção em processo de expropriação. Embora o CE não aluda expressamente a uma audiência de discussão e julgamento, as possibilidades de indicação de testemunhas e de intervenção do tribunal colectivo, bem como a aplicabilidade, por força do artº 61º, nº 3, do disposto no artº 588º do Cód. Proc. Civil, inculcam claramente que a mesma pode ter lugar. E, tendo sido requerida, é naturalmente aí que ocorre a intervenção do colectivo. Contudo, os artºs 64º e 65º do CE, ao estipularem que, concluídas as diligências de prova, as partes são notificadas para alegarem no prazo de 20 dias, sendo as decisões sobre os recursos da decisão arbitral proferidas no prazo máximo de 30 dias a contar do termo fixado para as alegações das partes, deixam dúvidas sobre o exacto processamento pretendido pelo legislador, designadamente se deverá haver uma separação entre a decisão de facto e a sentença, como é regra no processo civil comum ordinário e sumário, ou se as decisões de facto e de direito deverão integrar uma mesma e única peça processual. A qual, em caso de intervenção do tribunal colectivo, não poderia deixar de ser subscrita por todos os juízes que o integraram. Como foi entendido no Acórdão desta Relação de 28/10/2003[ In www.dgsi.pt/jtrc (Relator: Des. Monteiro Casimiro).], na expropriação por utilidade pública não é exigível que seja proferida decisão sobre a matéria de facto, como está previsto para os processos ordinário e sumário nos artºs 653º, nº 2 e 791º, nº 3 do Cód. Proc. Civil, pelo que a sua omissão não gera qualquer irregularidade susceptível de conduzir à nulidade processual prevista no artº 201º do Cód. Proc. Civil. É certo que a prolação de uma decisão de facto autónoma poderia facultar às partes a reclamação contra a sua eventual deficiência, obscuridade ou contradição, bem como contra a eventual falta da sua motivação (artº 653º, nº 4 do Cód. Proc. Civil). Mas a prolação de uma decisão única contendo as decisões de facto e de direito não impossibilita as partes de reagirem contra os indicados vícios, bastando para tanto que, no recurso interposto, façam uso das faculdades que lhes conferem os nºs 4 e 5 do artº 712º do Cód. Proc. Civil. Acresce que, mesmo admitindo que o legislador quis duas decisões – uma incidindo sobre a matéria de facto e, intervindo o tribunal colectivo, da responsabilidade do conjunto dos juízes que o constituíram e outra integrando a matéria de direito, da responsabilidade apenas do juiz do processo ou, intervindo o colectivo, do respectivo presidente – à decisão única apenas se poderia apontar a irregularidade de, na parte relativa à decisão de direito, se mostrar subscrita não apenas por quem a deveria subscrever, mas também pelos dois juízes vogais do colectivo. Contudo, neste caso, “quod abundat non nocet”, já que a maior solenidade, a intervenção de três juízes em vez de apenas um deles, não gera qualquer nulidade. O acórdão recorrido mostra-se, a nosso ver, suficientemente fundamentado, seja quanto à matéria de facto, seja quanto à matéria de direito, não lhe advindo daí qualquer nulidade[ De resto, a mera insufciência da fundamentação não é causa de nulidade da decisão, como ensina o Prof. Antunes Varela em Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 687.]. Igualmente se não encontra qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão susceptível de determinar a nulidade do acórdão. Soçobra, nesta parte, a argumentação do recorrente, não padecendo o acórdão das indigitadas nulidades, nem violando as disposições legais apontadas. *** 3.2.5. Indemnização No acórdão de fls. 1094 e seguintes fixou-se na quantia de € 100.383,30 (à qual acresciam os montantes das actualizações que, naquele momento, somavam € 13.752,48) a indemnização devida pelo expropriante ao expropriado. No cálculo dessa indemnização seguiram-se as regras previstas nos nºs 4 a 12 do artº 26º do CE e, com base na matéria de facto assente, partiu-se, na elaboração das indispensáveis operações, dos seguintes factores: - Área do prédio expropriado – 7.290 m2; - Índice de utilização – 0,40; - Custo da construção – € 270,00; - Percentagem do custo da construção correspondente ao valor do solo (artº 26º, nºs 6 e 7) – 0,15; - Factor correctivo (artº 26º, nº 10) – 0,15. O valor da indemnização foi, portanto, encontrado através das operações seguintes: 7.290 m2 x 0,40 x 270,00 € x 0,15 x 0,85[ Sendo de 0,15 o factor correctivo, a indemnização é reduzida nessa percentagem, estabilizando, portanto, em 0,85.] = 100.383, 30. O expropriante discorda, sustentando que deve revogar-se o acórdão recorrido ou anular-se o mesmo e condenar-se o Município no montante proclamado pelos Peritos ou, quanto muito, no montante constante da arbitragem. Por seu lado, o expropriado defende no recurso subordinado que a indemnização não poderá ser inferior a € 112.193,10 (recorrendo aos mesmos factores utilizados no acórdão, com excepção do factor correctivo que seria de 0,05), antes devendo atingir o valor real e corrente do prédio expropriado, ou seja, € 218.175,12 (área – 7.290 m2; índice de utilização – 0,50; custo da construção – 399,04 €; percentagem – 0,15; factor correctivo – 0,00). Quanto aos valores dos factores relevantes para a fixação da indemnização, a que se vem fazendo referência, à parte a área do prédio expropriado, relativamente à qual neste momento já não há divergência[ No seu recurso da decisão arbitral o expropriado defendera que a área do prédio era de 8.679,45 m2.], há que ter atenção que: a) Na arbitragem (fls. 358 a 362), foi considerado o índice de utilização de 0,217, o custo de construção de esc. 45.000$00 (€ 224,46), a percentagem de 0,10 e o factor correctivo de 0,15; b) No seu recurso, o expropriante defendeu o índice de utilização de 0,217, o custo de construção de esc. 36.000$00 (€ 179,57), a percentagem de 0,05 e o factor correctivo de 0,15; c) No seu recurso, o expropriado contrapôs o índice de utilização de 0,45, o custo de construção de € 250,00, a percentagem de 0,1425 e o factor correctivo de 0,10; d) Na avaliação realizada pelos Peritos nomeados pelo Tribunal, à qual aderiu o Perito designado pelo expropriante, foi considerado o índice de utilização de 0,217, o custo de construção de esc. 36.000$00 (€ 179,57), a percentagem de 0,07 e o factor correctivo de 0,15; e) Na avaliação realizada pelo Perito designado pelo expropriado, foi considerado o índice de utilização de 0,40, o custo de construção de € 270,00, a percentagem de 0,15 e o factor correctivo de 0,10; f) No acórdão recorrido foi considerado, como já foi referido, o índice de utilização de 0,40, o custo de construção de € 270,00, a percentagem de 0,15 e o factor correctivo de 0,15. Tendo em conta a evidenciada variação ao longo do processo dos factores subjacentes à fixação da indemnização, vejamos quais os que, a nosso ver, são os resultantes dos dados de facto apurados e, por isso, conducentes, sem o exceder, ao completo ressarcimento do prejuízo que para o expropriado advém da expropriação. Que é o mesmo que dizer à justa indemnização. Começando pelo índice de utilização, há que ponderar que o mesmo é, segundo o Plano de Pormenor da Zona Industrial (PPZI), de 0,217, valor que corresponde, de acordo com os Srs. Peritos nomeados pelo Tribunal, ao quociente da área de intervenção do PPZI (128.305,50 m2) com a área de construção prevista no mesmo (590.000 m2). Não pode esquecer-se também que, segundo o PDM de X..., o índice de utilização pode atingir 0,50 e que se provou em julgamento que as construções já existentes têm, na maior parte delas, um índice de 0,45. É claro que, não fossem as considerações que adiante se farão, o índice a considerar seria o decorrente do PPZI, dado o seu carácter especial relativamente ao PDM. Sucede, porém, que, embora o PPZI seja anterior à DUP, o PDM é anterior ao PPZI e, como se diz no acórdão recorrido, “a parcela expropriada só posteriormente à aprovação do PDM foi integrada na zona industrial de X..., por alteração do PPZI”. Ou seja, o expropriado, tal como os demais proprietários nas mesmas condições, tinha, de acordo com o PDM, expectativas de poder construir no seu prédio até um limite máximo de 0,50. Mas o expropriante, dada a sua posição privilegiada, começou por, através da alteração do PPZI, incluir o prédio na zona industrial, assim lhe reduzindo as expectativas quanto às possibilidades de construção e, depois, proceder à expropriação, propondo-se indemnizar com base nos novos parâmetros decorrentes do PPZI. Estamos, assim, perante a figura das «expropriações do plano», isto é, perante disposições do plano que “produzem danos no direito de propriedade do solo de tal gravidade e intensidade que devem ser consideradas como tendo um carácter expropriativo e, por isso, sujeitas a indemnização”[ Alves Correia, As Grandes Linhas da Reforma do Direito do Urbanismo, 46, apud Ac. Rel. Porto de 28/11/2002, in www.dgsi.pt/jtrp (Relator: Des. Alves Velho).]. Na fixação da justa indemnização, neste caso, não pode ignorar-se que, objectivamente, a expropriação começou com a inclusão, através da alteração do PPZI, do prédio na zona industrial, não em função da sua localização, características e destino normais, mas em função do fim de utilidade pública para ele previsto. Com efeito, a inclusão na zona industrial, na medida em que diminui o valor do prédio afectado, deve dar direito à indemnização correspondente. Citando o já mencionado Ac. Rel. Porto de 28/11/2002, «a não ser assim, os cidadãos onerados por tais disposições do plano urbanístico, veriam ser-lhes retirado o direito a serem ressarcidos pela efectiva diminuição do valor da parcela, “impondo-se-lhes uma contribuição injustificada e acrescida na realização do interesse público”, com violação dos princípios materiais da igualdade e da proporcionalidade que legitimam a expropriação e enformam o conceito de justa indemnização – arts 13.°-2 e 62.°-2 CRP; 1.° e 22.° C. Exp. 91(vd. Acs. STJ e TC in, resp., DR, 1.ª Série-A. de 13/2/99, pg. 779; DR II Série, de 29/4/94, pg. 3885; e, Supl. de 30/8/94, pg. 8996-2)». É, portanto, nosso entendimento que, sem o esquecer, o índice médio decorrente do PPZI não tem necessariamente que ser aplicado, havendo que recorrer aos demais elementos relevantes a que já foi feita menção. E, tudo ponderado, estamos em crer que o índice de utilização de 0,40, alcançado na decisão sob recurso, é o mais ajustado às circunstâncias e o mais susceptível de, conjugado com os demais factores, conduzir à juta indemnização. Quanto ao custo da construção, variou ele, ao longo do processo, entre um mínimo de esc. 36.000$00 e um máximo de € 270,00. Conforme documento constante de fls. 502 dos autos, a Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas indicou como preços médios por metro quadrado de construção para o ano de 2001 os seguintes: (1) habitação social – 59.000$00 a 65.000$00; (2) habitação corrente – 83.000$00 a 90.000$00; (3) construção industrial – 31.000$00 a 39.000$00. Foi dado como provado, com base não apenas, mas também, na prova testemunhal, que o valor da construção industrial na zona, sem terreno, é de 80.000$00 o metro quadrado. Não pode esquecer-se que a limitação das potencialidades construtivas do prédio à construção industrial decorre da sua inclusão na zona industrial. E que, como acima se explicou, tal inclusão, nas circunstâncias em que foi feita, não pode ser determinante em sede de busca da justa indemnização. Sob pena de não ser justa. Há que recordar também que o expropriado, no recurso da decisão arbitral, apontou como adequado o custo de construção de € 250,00/m2. Assim, sopesando criteriosamente os diversos elementos fornecidos pelo processo, estamos em crer que o valor de € 270,00 usado no acórdão recorrido como custo de construção por metro quadrado é equilibrado e sensato, tem cabimento na prova feita e proporciona o encontro de uma indemnização justa. No que respeita à percentagem do custa da construção correspondente ao valor do solo (artº 26º, nºs 6 e 7 do CE), encontram-se também nos autos opiniões muito diversificadas. Encontra-se provado que na zona industrial não há indústrias poluentes e que a localização do terreno, servido por boas vias rodoviárias, a qualidade arquitectónica dos edifícios ali construídos, bem como dos edifícios envolventes, armazéns e escritórios, a qualidade ambiental e a proximidade da cidade de Coimbra, tornam-na numa zona industrial de muita procura na região de Coimbra. Contudo, de acordo com o auto da vistoria ad perpetuam rei memoriam, o prédio tinha configuração geométrica irregular, era constituído por terreno plano, franco-arenoso, de sequeiro, com boa aptidão para culturas florestais, não sendo servido por infraestruturas urbanísticas e apenas no vértice sul contactando com caminho. E, segundo o laudo da avaliação dos Srs. Peritos nomeados pelo Tribunal (cfr. fls. 492 a 501), ao qual aderiu o Sr. Perito designado pelo expropriante, o prédio expropriado “localiza-se nos terrenos destinados à Zona Industrial de X..., na proximidade da EN 17 (Estrada da Beira), sendo o acesso deficiente, através de caminho carreteiro de terra batida, de características rurais e com pequena largura que confina pontualmente com a parcela”. Ainda de acordo com o mesmo laudo, “a qualidade ambiental da zona onde as parcelas se integram é deficiente por se tratar de uma zona industrial e a envolvente estar já comprometida com actividades industriais. E “os principais serviços e equipamentos de apoio à zona localizam-se na vila, distante da parcela cerca de 3 km”. Por isso foi considerado naquele laudo que a percentagem da incidência do valor do terreno sobre o custo da construção era de 0,07. A situação a considerar é a que existia na altura da DUP e não a posterior, não podendo tomar-se em consideração, na determinação do valor dos bens expropriados, a mais-valia resultante da própria DUP e as obras ou empreendimentos públicos concluídos há menos de cinco anos (artº 23º, nº 2 do CE). A jurisprudência aconselha que se deve dar preferência ao laudo uniforme de quatro peritos, incluindo os nomeados pelo tribunal, em virtude da colocação destes no conflito ser mais imparcial[ Acórdãos da Relação do Porto 29/10/71, 15/06/73, 22/06/73, 05/07/74 e 27/05/80, in BMJ, nº 210, pág. 176; nº 228, pág. 276; nº 229, pág. 236; 239, pág. 262 e CJ, V, III, 82, respectivamente; Ac. Rel. Coimbra, de 11/12/74, in BMJ, nº 243, pág. 329; e Ac. Rel. Évora, de 11/01/77, de 17/06/81 e de 07/01/88, in CJ, II, I, 125 e BMJ, nº 310, pág. 350 e CJ, XIII, I, 254, respectivamente .]. Não se encontra, pois, nesta matéria específica, fundamento para seguir a opinião do Sr. Perito designado pelo expropriado, em detrimento do entendimento dos restantes quatro Srs. Peritos. Seguindo-se, portanto, o laudo uniforme dos Srs. Peritos nomeados pelo Tribunal, ao qual aderiu o Sr. Perito designado pelo expropriante, tem-se como ajustada a percentagem da incidência do valor do terreno sobre o custo da construção em 0,07. No que tange ao factor correctivo decorrente do nº 10 do artº 26º do CE, pondera-se que, à parte a posição extrema do expropriado no recurso subordinado, onde defende que nenhum factor correctivo deverá ser aplicado, a variação constatada no evoluir do processo ficou-se entre os valores de 0,15 defendido pelos Srs. Árbitros, pelo expropriante, pelos Srs. Peritos nomeados pelo Tribunal e designado pelo expropriante e adoptado no acórdão recorrido e 0,10, defendido pelo expropriado e pelo Sr. Perito por si designado. Nos termos do nº 10 do artº 26º do CE, o valor resultante da aplicação dos critérios fixados nos nºs 4 a 9 será objecto da aplicação de um factor correctivo pela inexistência do risco e do esforço inerente à actividade construtiva, no montante máximo de 15% do valor da avaliação. A existência de risco e esforço inerentes à actividade construtiva é um facto notório que, como decorre da letra da lei, o próprio legislador dá como certo e seguro. Não precisa, por isso, de demonstração. E, pelas mesmas razões acima expostas relativamente à percentagem da incidência do valor do solo sobre o custo da construção, entende-se não haver fundamento para divergir do entendimento dos Srs. Peritos nomeados pelo Tribunal e designado pelo expropriado, entendimento esse que teve acolhimento no acórdão recorrido. A matéria que integra as conclusões 18ª a 21ª da alegação do expropriado (recurso subordinado), para além da sua novidade, impeditiva de sobre a questão suscitada este Tribunal se pronunciar, não encontra qualquer sustentação factual nos autos nem, se bem vemos, conduziria ao afastamento da aplicação do factor correctivo. Considerar-se-á, pois, o factor correctivo de 0,15. O que reduzirá para 0,85 (1,00 – 0,15) o valor da indemnização. Aqui chegados, resta fazer, com os factores acima considerados ajustados à factualidade provada e à lei, as pertinentes operações matemáticas, assim se encontrando o valor da justa indemnização. São elas: 0,40 x 270,00 € x 0,07 x 0,85 x 7.290 m2 = 46.845,54 €. Este é, em nosso entender, o valor da justa indemnização à data da DUP. Deverá, nos termos do artº 24º, nº 1 do CE, ser actualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação. Não há nada nos autos que permita concluir com segurança que o valor da indemnização acima encontrado com base nos critérios referenciais constantes do artº 26º do CE não corresponda ao valor real e corrente do prédio expropriado, numa situação normal de mercado. Com efeito, aos valores por metro quadrado de terreno expropriado resultantes das transacções constantes dos pontos 3.1.14. a 3.1.18., supra, francamente superiores ao resultante da indemnização atrás encontrada, poderão contrapor-se os indicados pelos Srs. Peritos no laudo da avaliação de fls. 492 a 501, substancialmente inferiores. Falta, portanto, fundamento para se considerar que o valor da indemnização se afaste do valor real e corrente do prédio expropriado e, desse modo, viole quaisquer disposições ou princípios constitucionais ou legais, designadamente os princípios da justa indemnização (artº 62º, nº 2 da Constituição e 1º e 23º do CE) e da igualdade (artº 13º, nº 1 da Constituição e 2º do CE). Como decorre do que fica dito, a apelação principal procederá em parte, com a consequente revogação parcial do acórdão recorrido, e a apelação subordinada improcederá. *** 3.2.6. Necessidade de notificação pessoal do expropriante para depositar o montante da indemnização A notificação serve para, fora dos casos em que deva ser usada a citação, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto (artº 228º, nº 2 do Cód. Proc. Civil). As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais (artº 253º, nº 1 do Cód. Proc. Civil), sendo que, quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de um acto pessoal, além de ser notificado o mandatário, será também expedido pelo correio um aviso registado à própria parte, indicando a data, o local e o fim da comparência (nº 2). O expropriante atacou o despacho de fls. 1220, que renovou o de fls. 1119, onde se lhe ordenava que procedesse ao depósito da quantia de € 30.283,07, arguindo a sua nulidade, por não ter sido notificado pessoalmente ao expropriante, tendo-o sido apenas ao mandatário deste. E, face ao indeferimento dessa arguição, agravou, insistindo na mesma argumentação que antes usara. A não ser que subjacentes ao comportamento do expropriante estejam outras razões, nomeadamente as mais tarde expressas nos requerimentos de fls. 1598 e 1610, melhor se compreenderia que, em vez de esgrimir com uma pretensa nulidade consistente na falta de notificação pessoal para efectuar o depósito, o expropriante o efectuasse. É que basta ler com atenção o nº 2 do artº 253º do Cód. Proc. Civil para concluir que a notificação do expropriante para efectuar o depósito não se enquadra naquela previsão. Efectivamente, não se trata de um acto pessoal que só o expropriante possa ou deva praticar[ Sendo, como no caso, a parte uma pessoa colectiva, qualquer acto terá necessariamente de ser praticado por quem a represente, ou por integrar os respectivos órgãos, ou por lhe terem sido conferidos os indispensáveis poderes.], como (sem prejuízo dos casos em que a lei admita a passagem de procuração com poderes especiais) o são, por exemplo, os previstos nos artºs 266º, nº 2 (esclarecimentos sobre a matéria de facto), 509º, nº 2 (tentativa de conciliação) e 522º, nº 1 (depoimento de parte)[ Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, pág. 444.]. Nem há necessidade de indicação de uma data ou de um local específicos, nada obstando a que, dentro do prazo fixado, o depósito seja feito por qualquer pessoa e o respectivo comprovativo seja junto aos autos, como qualquer outro documento, pelo respectivo mandatário. Naufraga, por completo, a argumentação do recorrente, o que impõe o não provimento do agravo. *** 4. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em: a) Negar provimento a todos os agravos; b) Julgar parcialmente procedente a apelação principal, em que é recorrente o expropriante, e, por isso, revogar em parte o acórdão recorrido, reduzindo para € 46.845,54 (quarenta e seis mil oitocentos e quarenta e cinco euros e cinquenta e quatro cêntimos) a indemnização a pagar ao expropriado, devendo essa quantia ser actualizada, nos termos do 24º, nº 1 do CE, desde a data da DUP até à da decisão final; c) Julgar improcedente a apelação subordinada, em que é recorrente o expropriado. As custas de cada um dos agravos são a cargo do respectivo agravante; as da apelação subordinada são a cargo do expropriado; e as da apelação principal são a cargo do expropriante e do expropriado, na proporção do decaimento. |