Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2824/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: ENSINO PARTICULAR E COOPERATIVO
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
CADUCIDADE
JUNÇÃO DE DOCUMENTO COM AS ALEGAÇÕES DE RECURSO
Data do Acordão: 06/23/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: DEC. LEI Nº 553/80 .ARTºS 524º E 706º, Nº 1, AMBOS DO CPC .
Sumário: I – Nos termos do Estatuto relativo ao Ensino Particular e Cooperativo a falta de habilitação própria e a disponibilidade / não carência de docentes com habilitação própria e / ou profissional implicam necessariamente que a autorização provisória de leccionação por parte da estrutura competente do ME/DREC, de validade anual, não seja concedida .

II – Sem a autorização provisória da DREC para um docente, portador de habilitação apenas suficiente, poder leccionar, não é legalmente possível, sob pena de sancionamento, consentir na continuação dessa função, o que se traduz numa impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva para a subsistência do contrato de trabalho, que assim cessa por caducidade .

III – As partes só podem juntar documentos às alegações nos casos excepcionais a que se refere o artº 524º do CPC ou no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância .

IV – Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, apenas sendo possível oferecer, em qualquer estado do processo, os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados ou cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior – artº 524º CPC .

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO
1 – A..., solteiro, com os demais sinais dos Autos, demandou no Tribunal do Trabalho de Coimbra a R. B...’, pedindo, a final, que seja declarada nula a estipulação do termo aposta no contrato de trabalho de 8.9.95, devendo o mesmo ser havido como contrato sem termo; seja declarado nulo o despedimento, porque ilícito, com a sua reintegração no posto de trabalho, com a categoria de professor com habilitação própria de grau superior, sendo a R. condenada, ainda e além do mais, no pagamento das prestações vencidas e vincendas.
Pretextou, em resumo útil, que o fundamento invocado para o seu despedimento é um acto ilícito, de manifesto abuso de direito, constituindo ainda uma sanção abusiva, pois resultou simplesmente, como está convencido, de ter reclamado contra as condições de trabalho e por ter invocado os direitos e garantias que lhe assistem, designadamente em matéria de remuneração, subsídio de alimentação e progressão da carreira.
2 – Citada, a R. contestou por excepção e impugnação, pugnando pela demonstração da ausência de qualquer razão do A. e pela sua absolvição do pedido ou da instância.

3 – Condensada, e já na fase de instrução, agravou-se do despacho proferido relativamente à pretendida apresentação de documentos, recurso sobre o qual recaiu o Acórdão de fls.163 e seguintes, com as vicissitudes documentadas na tramitação subsequente até ao despacho, já no S.T.J., do Exm.º Senhor Conselheiro Relator proferido a fls. 244-5.

4 – Instruída, designou-se por fim data para julgamento, a que se procedeu, com Acta da 1.ª Sessão a fls. 837-8, a que se seguiram as demais, tendo o A. optado expressamente pela indemnização de antiguidade, conforme fls. 853.

5 – Discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção parcialmente procedente, declarando a ilicitude do despedimento efectuado pela R. e condenando-a, em consequência, nos termos do dispositivo de fls. 894, a pagar ao A. a quantia de €. 3.537,00, a título de indemnização de antiguidade, com juros de mora; a quantia de €. 324,22, a título de salários intercalares, com juros de mora e a quantia que se liquidar em execução de sentença relativa a subsídio de refeição devido no período compreendido entre 1 de Setembro de 1995 a 23 de Agosto de 1997.

6 – Veio recorrer a R., de apelação, desde logo.
Alegou e concluiu:
- A R. reclamou sobre a matéria de facto nos termos apontados, por no seu entender deverem ser levados em consideração no despacho saneador os factos ali referidos, nomeadamente à Especificação e Questionário;
- E se a R. não for absolvida da condenação, o que só por hipótese se admite, deve ser revogado o despacho saneador e alterado o mesmo, por força do n.º5 do art. 511º do C. Proc. Civil;
- A R. não renovou o contrato de trabalho outorgado com o A. em 8.9.1995, nem estava obrigada a fazê-lo;
- Na verdade, o A. foi contratado na qualidade de docente ao abrigo do Estatuto do Ensino Particular Cooperativo aprovado pelo D.L. n.º 533/80, de 21/11, como docente apenas com habilitação suficiente, por necessidade;
- Pois o A. não tinha sequer habilitação própria, já que apenas concluiu o seu curso em data posterior à outorga do contrato e mesmo até à denúncia do mesmo;
- O referido Estatuto exige que os docentes sejam profissionalizados ou pelo menos tenham habilitação própria para o ensino, o que não era o caso;
- No ano lectivo de 97/98 ofereceram-se para trabalhar na Escola da R. professores profissionalizados e com habilitação própria, como se demonstra pela resposta ao quesito 41;
- Logo, a não renovação do contrato em causa obedeceu ao que determinam os arts. 58º e 59 do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, para que a R. não viesse a ser sancionada nos termos do art. 60º;
- Pois o contrato caducou por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho, por força do art. 4º, d), do D.L. n.º 64-A/89, de 27/2;
- E esta impossibilidade não pode ser imputada ao devedor, ou seja, à R., nos termos do art. 790º/1 do Cód. Civil, mas ao docente;
- Logo, o despedimento é válido, devendo a R., ora recorrente, ser absolvida dos pedidos e das condenações;
- E o recorrido fez contas com a recorrente e, por isso, aquele subscreveu um documento onde deu plena e rasa quitação;
- Aliás, o A. não prova qualquer trabalho complementar e nem que tivesse direito ao subsídio de refeição, pelo que a decisão sob censura viola o art. 342º do Cód. Civil, conjugado com o art. 46º da LCT.
Deve assim revogar-se a sentença, com absolvição da R. de todas as condenações.

7 – O A., inconformado, interpôs igualmente recurso, oportunamente admitido também como apelação, tendo alegado e concluído assim:
- A douta sentença em recurso tem de ser alterada pelas anulações referenciadas, devendo constar:
a) – Quesito 5.º, provado pelos documentos A e B;
b) – Em consequência da aprovação do quesito 6º, há que computar os tempos de serviço incompletos e o desemprego, conforme é referido em 14.º da Alegação de Recurso, relegando para execução de sentença a sua quantificação, se não for determinado imediatamente;
c) – De acordo com a resposta ao quesito 7.º e com os documentos A e B, deve ser contado o horário completo de 22 horas;
d) – O trabalhador iniciou funções em 1.9.95 e só depois, em 15.9.95, é que lhe foi dado a conhecer o horário, contrariando o conteúdo dos documentos A e B;
e) – Não houve, por parte da sentença em recurso, referência à falta de pagamento do subsídio de refeição, a que, como vimos, tem direito e de acordo com os documentos A e B, por ter feito um horário completo, tem direito ao subsídio;
f) – O almoço fornecido na cantina era pago pelos professores e pelos alunos que a utilizavam;
g) – Resulta do quesito 32.º que a Escola tinha conhecimento da frequência da Universidade por parte do A., e não lhe dava as horas a que tinha direito;
- No dia 21.4.98 o A. passou a leccionar no Instituto Pedro Hispano, pelo que a indemnização que lhe foi atribuída não corresponde ao direito que assiste ao A.;
- Foi passado o despedimento ilegal, pelo que deveria ser computada desde já a indemnização resultante do trabalho prestado e não gozado;
- Tem direito aos montantes peticionados na Petição Inicial:
a) – 3.639.721$00 – Pedidos;
b) – 1.755.600$00 – Indemnização prescrita no art. 33º, n.ºs 1 e 2, da LCT, o que dá o total de 6.799.801$00, acrescido de subsídio de almoço, indemnização e juros;
- Reitera-se o constante do pedido, devendo ser relegada para execução de sentença os montantes agora fora do pedido e que terão de se computar.
A sentença deve ser corrigida face à matéria alegada.

8 – Respondeu a R. insurgindo-se desde logo contra a junção de documentos com as alegações de recurso e concluindo a final pela improcedência das alegações apresentadas pelo A.

9 – O A. respondeu também às alegações do recurso interposto pela R., arguindo nulidade e concluindo logicamente pela sua improcedência.
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10 - Vem depois o Sindicato C... pedir a sua constituição como assistente com fundamento na circunstância de o A. ser seu associado, ao mesmo tempo que interpôs também recurso da sentença proferida nos Autos.
Sobre tal pretensão recaiu o despacho de fls. 970-71, a indeferi-la, do que o Sindicato arguiu nulidade e agravou, conforme fls. 988 e seguintes.


11- Admitidos os recursos de apelação e notificada à R. a interposição do recurso de agravo por banda do Sindicato C... – 'ut' fls. 1017 – a R. veio contra-alegar, concluindo no sentido de que bem andou o Tribunal ao indeferir o pedido de intervenção do Sindicato como assistente, desde logo porque este não respeitou a disciplina dos arts. 6º/3 do C.P.T. e 303º e 335º e seguintes do C. Proc. Civil.

12 – Porque se verificou faltar nos Autos despacho de admissão do recurso de agravo, o processo foi de novo à 1ª Instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II – DOS FUNDAMENTOS
Exposto esquematicamente o desenvolvimento da lide, lembremos, como é mister, a factualidade seleccionada.
1 - DE FACTO
Vem assente:
» - A R. dedica-se em exclusivo ao Ensino Básico e Secundário no âmbito do Sistema Nacional de Educação;
» - O A. é licenciado em Engenharia Química desde 1.9.97;
» - Quando entrou ao serviço da R. não tinha habilitação própria;
» - Conforme cópia junta a fls. 18, como documento n.º1, a R. e o A. assinaram em 8.9.95 (consta a fls.884vº 8.9.98, por lapso evidente) um contrato de trabalho;
» - Dá-se aqui por reproduzido o teor desse documento;
» - Por carta de 21.7.97 (junta a fls. 20) a R. comunicou ao A. a sua intenção de não renovar o contrato acima referido;
» - Dá-se por reproduzido o teor do documento junto a fls. 37, ‘declaração’ assinada pelo A. e datada de 2 de Setembro de 1997;
» - O A. encontra-se inscrito há mais de três anos no Sindicato Nacional e Democrático dos Professores;
» - A R. foi admitida como membro da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo – AEEP – em 10 de Junho de 1995, tendo sido excluída de sócio por falta de pagamento de quotas, em 26.11.1997;
» - O A. foi admitido ao serviço da R. por contrato iniciado em 1.9.95;
» - Para prestar serviços de professor com habilitação suficiente para o 3º Ciclo do Ensino Secundário;
» - Competindo-lhe, entre outras funções, leccionar as disciplinas de Física e Físico-Química e participar nas reuniões dos Conselhos de Turma;
» - O que efectivamente exerceu desde a admissão até 23.8.97;
» - Ininterruptamente;
» - Sob as ordens, direcção e fiscalização dos representantes da R.;
» - Mediante remuneração;
» - No estabelecimento da R., em Ançã, concelho de Cantanhede;
» - Quer antes, quer depois de a R. ter feito cessar o contrato, esta contratou novos trabalhadores para desempenharem as funções para que o A. foi contratado;
» - O fundamento invocado pela R. para a não renovação do contrato foi o de este não ser possuidor de habilitação própria para a docência, continuando a leccionar outros professores, designadamente na disciplina de Físico-Química, com habilitação suficiente;
» - O horário de trabalho atribuído ao A., no ano lectivo 95-96, foi o de 13 horas semanais;
» - O A, no dia 15.9.95, assinou uma declaração aceitando o horário que lhe fora distribuído pelo Colégio;
» - No ano lectivo de 1995-1996 apenas trabalhou as 13 horas semanais;
» - A R. tem uma cantina onde fornece a todos, docentes e discentes, o almoço;
» - No ano de 1996-1997 o A. tinha um horário de apenas 17 horas, continuando a estudar na Faculdade;
» - Este subscreveu, em 10.9.1996, uma declaração aceitando este horário;
» - No dia 21.4.98 o A. passou a leccionar no Instituto Pedro Hispano, tendo recebido a quantia total de Esc. 748.940$00;
» - A partir de 1.9.98 leccionou na Escola do 2º e 3º Ciclo de Trancoso;
» - A falta de licenciatura exige que a Escola solicite anualmente à DREC (Direcção Regional de Educação do Centro) autorização para que um professor portador de habilitação suficiente possa leccionar na Escola;
» - A profissionalização só podia ser feita após a licenciatura e por concurso nacional;
» - Após a saída do A., foram contratados para leccionar a disciplina de Físico-Química uma professora com habilitação própria e um outro com habilitações profissionalizadas;
» - Tendo admitido o professor Fernando Saial, portador de habilitação profissional;
» - A declaração referida atrás no item 7 foi elaborada pela R.;
» - O A., tal como os outros professores, receava que, se não assinassem tal declaração no fim do contrato, a R. não lhes entregaria a certidão de todo o tempo de serviço de docência prestado na Escola;
» - A R. sabia que o A. estava totalmente dependente dos seus rendimentos de trabalho;
» - O A. assinou a declaração dentro do contexto referido nos pontos 33 e 34 (os dois imediatamente anteriores).
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2 – O DIREITO
É pelas conclusões do recurso que se afere e delimita o seu objecto e âmbito – como se sabe – exceptuando naturalmente as questões que são de conhecimento oficioso e aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.

Vejamos então, seguindo a sequência cronológica da sua interposição e o alinhamento das questões, de acordo com as respectivas sínteses conclusivas.

2.1 – Da apelação da R.
2.1.1 - Sob a epígrafe ‘Análise da Matéria de Facto’, faz a R. desde logo um reparo pertinente, relativo a um evidente lapso de escrita ou erro material, sempre rectificável (art. 249º do Cód. Civil).
Efectivamente, ante a formulação do quesito 36.º e o documento/elemento probatório que lhe serve de suporte, para onde aliás se remete na respectiva fundamentação, a resposta a dar ao mesmo não poderia ser outra senão a que considerasse o valor de Esc. 745.940$00.
Assim, rectificando, onde se escreveu 748.940$00 considera-se escrita a quantia correcta de 745.940$00.
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2.1.2 - Pretexta-se a seguir que – tendo oportunamente sido deduzida reclamação sobre a matéria de facto, quer quanto aos articulados supervenientes, quer quanto à matéria dada por assente e levada ao questionário, e tendo sido a mesma indeferida sem que fosse então admissível recurso – se considere ora a questão, caso a R. não seja absolvida da declaração de nulidade do despedimento, como o determina o n.º5 do art. 511º do C. Proc. Civil, revogando-se o despacho saneador e alterando-o nos termos apontados na reclamação.

Conhecendo, pode já adiantar-se que não assiste razão à impetrante.
A pretensão da então reclamante/ora recorrente foi correctamente considerada no despacho que dela circunstanciadamente conheceu.
O que objectivamente importava reter foi especificado, sendo o mais despiciendo, especulativo e/ou conclusivo.

Não há, pois, fundamento bastante para tocar no despacho sanador.
Em resumo deste ponto:
Ratificando os termos em que se decidiu a reclamação, para onde se remete, claudicam as asserções conclusivas estampadas nas alíneas a) e b) do respectivo rol.
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2.1.3 – No que tange à questão substantiva, propriamente dita, analisemos então da consistência e bondade dos fundamentos em que se estriba o inconformismo da apelante.
A R. é uma Escola Particular que se dedica em exclusivo ao Ensino Básico e Secundário no âmbito do Sistema Nacional de Educação.
O invocado condicionalismo normativo em que foi contratada a actividade do A. não sofre contestação.
Todavia, a opção pela modalidade de contratação a termo certo, nos moldes reportados nos Autos, impõe um tratamento jurídico com consequências específicas, afastando o caso decidendo, nessa medida, da solução plasmada, nomeadamente, no Acórdão desta Relação e Secção, prolatado no Recurso de Apelação n.º 35/99, da Sessão de 17.6.1999, que temos presente, bem como da estampada no Acórdão da Relação de Lisboa de 10.5.1989, publicado na C.J., Ano XIV, Tomo III, pg. 174, ambos invocados pela R.
Num e noutro desses casos, a controvérsia a dirimir não implicava, como aqui, a prévia e decisiva consideração do contexto genético da relação juslaboral, nascida e desenvolvida no âmbito do apertado quadro da vinculação a termo.
E é esta a primeira parte do nosso problema.
Assim, não se questiona agora, porque irrelevante à solução deste ponto, tudo o que alegado vem sobre o Enquadramento Legal, as exigências impostas pelo Contrato de Associação com o Estado, através do Ministério da Educação, na sequência do adrede previsto no Estatuto do Ensino Particular Cooperativo, habilitações profissionais e académicas exigíveis aos docentes, etc.

Devidamente enfocada esta perspectiva da questão, há-de a R. aceitar …mesmo que com algum admissível constrangimento e pesando embora a bondade da sua actuação e a alegada falta de razão moral do A. ... que, ante as rigorosas exigências formais da contratação a termo, constantes do art. 41º e 42º do D.L. n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, (devidamente inventariadas na argumentação e fundamentação jurídica da decisão sob protesto), não conduziu as coisas na devida conformidade, de maneira a evitar as consequências decorrentes.
E não enjeitará também que os invocados Arestos, partindo de um quadro de facto diverso, consubstanciam soluções que não têm a ver imediatamente com este primeiro problema.

Como bem se analisou na sentença ora sob censura – para cuja fundamentação se remete, atenta a sua correcta estruturação e abonação em pertinente jurisprudência e doutrina, o que se faz por razões pragmáticas já que não se nos oferece acrescentar-lhe algo de verdadeiramente novo ou original – o contrato a termo é não só formal como depende, em termos de validade substantiva, de requisitos formais incontornáveis.
A indicação do motivo justificativo da celebração, por exemplo, constituindo, enquanto requisito ou condição da sua validade, ‘formalidade ad substantiam’, tem que estar suficientemente concretizado no documento escrito que titula o contrato, só sendo atendível se mencionar concretamente os factos e circunstâncias que objectivamente integram esse motivo – cfr. art. 3º/1 da Lei n.º38/96, de 31 de Agosto, tido por interpretativo do art. 41º do D.L. n.º 64-A/89 – tendo-lhe acrescentado o legislador de 2001, através da Lei n.º18/2001, de 3/7, que …deve a sua redacção permitir estabelecer com clareza a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.
Não basta – como se fez e consta do respectivo documento a fls. 18 – remeter para a previsão legal.
A estipulação assente numa tal indicação do motivo justificativo acarreta necessariamente a sua nulidade, impondo-se considerar esse contrato como contrato sem termo, 'ut' n.º3 do art. 42.º.
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Assente que se está perante um contrato sem termo, importa agora analisar e decidir se a forma por que a R. lhe pôs fim constitui, como se decidiu, uma cessação unilateral e ilícita, afinal um despedimento ilícito porque efectuado no âmbito de um contrato sem termo e sem precedência de um processo disciplinar válido.
É este afinal o maior embaraço, o cerne da questão.

Temos, imediatamente, sérias reservas sobre a bondade da solução alcançada.
Vejamos.
Importa lembrar que o contrato de trabalho caduca nos termos gerais de direito (‘A obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor’ – art. 790º/1 do Cód. Civil), nomeadamente verificando-se a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de a Entidade Patronal o receber, 'ut' art. 4º, proémio e alínea b), do D.L. n.º 64-A/89, de 27/2.

Do elenco dos factos relevantes:
O A., quando entrou ao serviço da R., não tinha habilitação própria.
Era estudante de Engenharia, acabando a licenciatura em 1.9.97, já depois da cessação da relação juslaboral aqui em causa.
Foi admitido ao serviço da R. em 8/(1?).9.95 para prestar serviços de professor com habilitação suficiente para o 3º Ciclo do Ensino Secundário, sendo-lhe atribuído no ano de 95/96 apenas o horário de trabalho de 13 horas semanais, que cumpriu.
Em 1996/97 teve um horário de apenas 17 horas, continuando a estudar na Faculdade.
O A. subscreveu em 10.9.96 uma declaração aceitando esse horário.
A falta de licenciatura exige que a Escola solicite anualmente à DREC (Direcção Regional de Educação do Centro) autorização para que um professor portador de habilitação suficiente possa leccionar na Escola.
A profissionalização só podia ser feita após a licenciatura e por concurso nacional.
Após a saída do A. foram contratados para leccionar a disciplina de Físico-Química uma professora com habilitação própria e um outro com habilitações profissionalizadas, tendo admitido o Prof. Fernando Saial, portador de habilitação profissional.

O A. exerceu a actividade contratada desde a admissão até 23.8.97, depois de a R., por carta datada de 21.7.97, (cuja cópia constitui o documento de fls. 20), lhe ter comunicado que o contrato a termo certo entre ambos outorgado caducaria no dia 23.8.97, sendo sua intenção não o renovar ‘…em virtude de V. Ex.ª não ser possuidor de habilitação própria para a docência.
Tal falta de habilitação impede o Ministério da Educação de o autorizar a leccionar no ensino particular quando há oferta de professores com habilitação própria, como acontece no caso presente’.

Entendida esta comunicação no pressuposto contexto de um contrato de trabalho validamente celebrado a termo, não vemos que algo pudesse obstar a que a caducidade operasse eficazmente, nos termos previstos no n.º1 do art. 46º do Diploma em causa.
Resta agora ponderar se, ante a natureza do vínculo como sem termo/ou por tempo indeterminado, como sobredito, aquela comunicação pode assumir juridicamente a mesma eficácia.
Cremos seguramente que sim.
Na senda do entendimento consagrado nos dois Arestos acima identificados, é nossa convicção que as relatadas circunstâncias de facto apontam claramente no sentido de que a prestação se tornou impossível por causa não imputável ao devedor, induzindo à extinção da obrigação…
Com efeito:
Bem vistas as coisas – e conhecido o falado Enquadramento Legal relativo ao Ensino Particular e Cooperativo, constante do respectivo Estatuto plasmado no D.L. n.º 553/80, sempre subordinado às disposições da Lei de Bases do Sistema Educativo – a falta de habilitação própria do A. (tinha apenas habilitação suficiente) e a disponibilidade/não carência de docentes com habilitação própria e/ou profissional (como vem factualizado nos items 30º e 31º do respectivo alinhamento) implicavam necessariamente que a autorização provisória de leccionação, de validade anual, não fosse concedida, facilmente se percebendo que, havendo docentes habilitados para a constituição/preenchimento do corpo docente da Escola, não havia sequer fundamento para que aquela fosse ou devesse ser solicitada.
Não havendo carência de pessoal docente, ficava logicamente vedada, repete-se, a possibilidade de requerer autorizações provisórias…as quais, se pedidas, seriam fatalmente indeferidas por falta de fundamento, como é patente.
(Vide no mesmo sentido o Acórdão da R. Lisboa acima identificado).

Assim e considerando:
- O surgimento/disponibilidade de docentes com habilitação própria, enquanto causa posterior à celebração do contrato e determinante do óbvio e incontornável indeferimento de autorização provisória de leccionação por banda da Estrutura competente do ME/DREC, se solicitada;
- Sem a autorização provisória da DREC para um docente, portador de habilitação apenas suficiente, poder leccionar, não era legalmente possível, sob pena de sancionamento, consentir na sua continuação, somos levados à conclusão de que tudo constituía, ao tempo, uma impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva para a subsistência do contrato, que cessou, pois, licitamente, por caducidade.

Procedem as correspondentes asserções conclusivas.
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Resta agora analisar a problemática dos eventuais créditos do A.
Cessado o vínculo laboral em 23 de Agosto de 1997, o A. assinou, com data de 2 de Setembro desse ano (2.9.97) a ‘declaração’ que constitui, por cópia, o documento de fls. 37.
Essa ‘declaração’ – elaborada pela R. mas assinada pelo A., como se consignou no item 32 do alinhamento da matéria de facto feito na sentença – tem, ante a indemonstração de tudo quanto lhe foi oposto, o valor probatório reservado aos documentos particulares nos termos dos arts. 374º/1 e 376º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Civil, ou seja, faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, considerando-se provados os factos nela compreendidos na medida em que forem contrários aos interesses do declarante.
De acordo com o seu teor, o A. declarou …’para todos os efeitos legais, que o B..., onde leccionou…tem toda a situação regularizada perante a sua pessoa, quer face aos vencimentos e demais subsídios que eu tinha direito, quer face ao tempo de serviço’.
Esta declaração, assinada e não provada de falsa, produzida depois de cessada a relação laboral, (com a plena disponibilidade dos direitos), traduz-se numa remissão abdicativa plenamente válida.

(Remete-se, brevitatis causa’, para a desenvolvida e bem feita explanação constante da sentença sobre esta figura jurídica).

Não subscrevemos todavia o entendimento subsequente no que tange à pretensa coacção moral determinante da sua obtenção.
Não é crível que, até pelo nível intelectual da pessoa interveniente e depois de cessada a relação juslaboral, a declaração negocial em causa pudesse ter sido seriamente determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração – nos dizeres do n.º1 do art. 255º do Cód. Civil.
Salvo o devido respeito pelo juízo oposto, não é juridicamente relevante considerar-se como feita sob coacção moral uma declaração, como a questionada, apenas porque o A. receava que, se não a assinasse no final do contrato, a R. não lhes entregaria a certidão de todo o tempo de serviço de docência prestado na Escola ou mesmo porque a R. sabia que o A. estava totalmente dependente dos seus rendimentos de trabalho.
Não se factualizou qualquer mal de que o A. tivesse sido ilicitamente ameaçado… que legitimasse o invocado receio e assim viciasse a obtenção da declaração.
O receio não passou, com o devido respeito, da cabeça de quem o alegou, não se prefigurando que tamanho e incontornável mal (…) pudesse advir de uma apenas imaginada recusa em assinar uma declaração ou certidão do tempo de trabalho prestado na Escola…e a dependência económica não podia ser condicionante quando a relação havia já terminado!
Os reclamados/pretensos créditos do A. acham-se assim extintos face à declaração/recibo em causa, com a feição e efeitos de uma juridicamente válida e eficaz remissão abdicativa.
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2.2 – Da Apelação do A.
Ante a solução dada às questões que integram a reacção da R., facilmente se depreende que a impugnação deduzida pelo A. estaria fatalmente prejudicada, de todo votada ao insucesso, se mais não fôra por imperativo lógico.

Independentemente disso, sempre se nos impõe considerar e consignar o seguinte, depois de termos compulsado e relido atentamente os termos que enformam as premissas do seu inconformismo a fim de lograrmos percepcionar a essência da sua motivação:
Se bem percebemos e ajuizamos, o ora recorrente arrima-se fortemente contra o julgado partindo exclusivamente de um pressuposto que técnico-juridicamente é falho de suporte e consistência.
Referimo-nos exactamente aos documentos ora juntos com as alegações do recurso, (os chamados documentos A e B…e C e D), com os quais visa, em primeira linha, a alteração da decisão de facto, equacionando a seguir, com base na prova que com eles tem como assente, um conjunto de questões novas…que diz não constarem da sentença.

Começando as suas doutas alegações por dizer que ‘o presente recurso (...) enferma de vários vícios’ – sic, a fls. 927 – fica-se, no elenco da respectiva enumeração, pelo da ‘nulidade da sentença’, sem que sequer o identifique concretamente, para além da indicação da norma da Lei adjectiva que o prevê…
Depois, alegando ter conseguido obter da DREC, em 2.6.2003, uma certidão de teor parcial de documentos que refere, ‘vem apresentar em anexo esses documentos (docs. A e B) para prova dos quesitos 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 16º e 17º e contraprova dos quesitos 32º, 33º e 34º’…
Para a seguir falar de uma cópia de uma ‘Comunicação/Circular n.º 6/2003, de 26.2.2003, da Direcção-Geral da Administração Educativa, que diz vir apresentar para contraprova do quesito 40º e finalmente vem juntar uma fotocópia da lista de candidatos admitidos a estágio no biénio 2000/2002, a fim de ser tido em consideração na indemnização devida pelo facto de o despedimento determinado pela R. ter afectado a reconstituição da sua carreira…
Concluindo a final que a sentença deve ser corrigida, face à matéria alegada, nela se considerando os items identificados pelo recorrente e que aquela omitiu!

Nas suas contra-alegações, o R. insurge-se desde logo, com a devida veemência, contra a dessincronização entre as conclusões e a motivação, por um lado, e, por outro, contra a ilegal junção dos documentos oferecidos com as alegações, que devem ser desentranhados do processo.

E, por muito que isso custe a admitir ao A./recorrente, outra não poderá deixar de ser a decisão: os documentos apresentados com as alegações do recurso não podem ser admitidos, porque a isso se opõe expressamente a Lei adjectiva.
Com efeito:
Foi liminarmente percepcionado – não se ignorando que a autorização ou recusa compete, por regra, ao Relator… – que com a interposição do recurso se apresentaram documentos vários, deixando-se a abordagem dessa ‘questão prévia’ em aberto, até este momento, de caso pensado …para melhor ponderação.
As partes (só) podem juntar documentos às alegações nos casos excepcionais a que se refere o art. 524º…ou no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª Instância – prescreve o art. 706º/1 do C. Proc. Civil.
Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, apenas sendo possível oferecer, em qualquer estado do processo, os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados ou cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior – art. 524º do C.P.C.
Ora, não sido invocado e demonstrado qualquer dos devidos fundamentos e não se verificando, por isso, a situação excepcional que poderia legitimar a sua apresentação, neste momento processual, a sua junção não pode ser admitida.
Além de não ter sido sequer alegado por que razão não foram tais documentos juntos oportunamente, com os articulados em que se alegaram os factos a cuja prova se destinariam (art. 523º do C.P.C.), é o proprio apresentante que diz tê-los obtido em data anterior ao encerramento da discussão da causa na 1ª Instância, momento último da sua apresentação, já com multa se não provar que não pôde oferecê-los com o articulado respectivo, 'ut' n.º2 do citado art.523º – cfr. data da Acta de fls. 871 e fls. 929 e 931.
A sua pretendida junção é, pois, injustificada e por isso inadmissível.
Visto o disposto no n.º3 do referido art. 706º do C.P.C., ordenar-se-á o desentranhamento dos documentos cuja junção se pretendia, com oportuna restituição à parte.

Em suma:
Ante o exposto, fica inutilizada a abordagem e necessariamente prejudicado o tratamento de todas as asserções levadas ao acervo conclusivo da impugnação.
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2.3 – Do Agravo interposto pelo C....
O Sindicato C... veio aos Autos, a fls. 927, e já depois de o A. ter interposto a apelação de que acima se cuidou, requerer a sua admissão como assistente, invocando fazê-lo nos termos facultados pelo art. 6º do C.P.T. de 1981.
Na mesma data interpôs recurso de apelação, tendo alegado do mesmo passo, mas sem que haja propriamente formulado ‘conclusões’, em sentido técnico-jurídico, como então se constatou e se deixa ora anotado.
(Como é óbvio, a apelação é deduzida no pressuposto, não verificado, de que o impetrante já foi admitido a intervir no processo).

A sua pretendida admissão e intervenção como assistente, cuja posição processual se cinge à de mero auxiliar de uma das partes principais (art.337º/1 do C.P.C.), acontece depois de já ter sido proferida sentença na 1ª Instância, embora não passada ainda em julgado.
Quando requereu a intervenção, o C... não cumpriu o pressuposto a que alude o n.º3, parte final, do art. 6º do C.P.T.
A sua pretensão foi indeferida pelo despacho de fls. 970.
Dessa decisão interpôs o agravo de fls. 988 e seguintes.
Ainda que sem autonomizar as respectivas conclusões (o que só por si induziria ao convite a que respeita o n.º4 do art. 690º do C. Proc. Civil), e juntando um documento, viu o requerente, depois de ter regularizado o patrocínio judiciário, serem consideradas a arguidas nulidades nos termos dos despachos de fls. 1011-12.
A R. respondeu.
No que tange concretamente à decisão de indeferimento do pedido de admissão como assistente – e porque se apreende, em síntese, a questão em que se analisa o objecto do agravo, dispensando-nos, por isso, ‘brevitatis causa’, do convite formal à formulação em falta – diremos que bem se ajuizou no despacho em causa, a nosso ver.
Com efeito, outra não poderia ter sido a solução, o seu indeferimento liminar, ante o disposto no n.º3 do art. 6º do C.P.T. de 81.
Quando o requerimento foi apresentado para decidir, faltava-lhe o pressuposto fundamental: a declaração escrita do interessado no sentido de que aceitava a intervenção da associação.
E não se invoquem os arts. 24º e/ou 25º do C. Proc. Civil para pretextar uma actuação oficiosa do Tribunal no sentido de que fosse colmatada a falta!
O suprimento em causa tem outra etiologia e respeita a um pressuposto processual e a uma falta de autorização ou deliberação absolutamente essenciais à válida e eficaz prossecução da lide, não tendo qualquer ponto de contacto com a situação aprecianda.

(Diremos parenteticamente, ‘a latere’, que, não obstante poder intervir como assistente dos seus associados, em tese, não vemos imediatamente qual é o interesse real do agravante à luz do escopo da ‘assistência’ delineado no art. 335º do C. Proc. Civil.
Estando ambos patrocinados/representados pelo mesmo Exm.º Mandatário e havendo o assistente que aceitar o processo no estado em que se encontrar (estando este já numa fase em que o auxílio adveniente se antevê de nulo ou irrelevante alcance…) e subordinar a sua actividade à da parte principal, com todas as limitações constantes do art. 337º/2 do mesmo Código, não podendo nomeadamente praticar actos que a parte tenha perdido o direito de praticar, havendo já o A. interposto recurso de apelação e alegado em conformidade…ficamos em suspenso relativamente ao efectivo interesse na pretendida intervenção…
Enfim, ‘razões que a razão desconhece’).

Em resumo:
O despacho impugnado não merece censura, ficando a nossa intervenção censória naturalmente limitada aos termos da decisão, sabido que, tratando-se de um despacho de indeferimento liminar, não pode a Relação substituir-se ao Tribunal de 1.ª Instância – art. 753º/ do C.P.C.

É tempo de terminar.

III – DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se:
1Conceder provimento ao recurso de apelação interposto pela R., ‘B...’e, em consequência, revoga-se a sentença, absolvendo-a dos pedidos contra si formulados;
2Determina-se, em conformidade com o disposto nos arts. 543º e 706º do C.P.C., o desentranhamento dos documentos juntos com as doutas alegações do A., com a sua oportuna restituição ao apresentante, que vai desde já condenado nas custas incidentais respectivas, com 2 UC’s de taxa de justiça;
3 – Nega-se consequentemente provimento ao recurso de apelação interposto pelo A.;
4 – Nega-se provimento ao recurso de agravo interposto pelo Sindicato C....
Custas pelo A., enquanto apelante e apelado, suportando as do agravo o Sindicato identificado.
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Coimbra,